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PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário
1.– As prescrições dos artigos 316.º e 317.º do Código Civil são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento, presunção que pode ser ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor. 2.– O objectivo da prescrição presuntiva é o de proteger o devedor da dificuldade de prova e corresponde, em regra, a dívidas que se pagam em prazos curtos e sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou sem que seja corrente conservá-lo. 3.– O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento 4.– A inversão do ónus da prova não dispensa o devedor de alegar o pagamento, juntamente com a alegação da prescrição presuntiva, para dela se poder prevalecer. 5.– A alegação de pagamento não se pode considerar efectiva e necessariamente implícita na simples invocação da prescrição presuntiva.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
I.–RELATÓRIO:
O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público (Ministério Defesa Nacional), ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 3º, n.º 1, a) e 5º n.º 1, a) do EMP, 20º n.º 1 do CPC, e D.L. 269/98, intentou, em 11.02.2015, contra MARIA , residente na Rua …., acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo a condenação no pagamento da quantia de € 5.709,46, acrescida de juros de mora vincendos, contabilizados à taxa legal e até efectivo integral pagamento.
Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.– O Instituto Militar ..... constitui um estabelecimento militar de ensino, integrado na administração direta do Estado, conforme resulta do disposto no artº 1º nº 1 da lei 11/91 de 29 de Agosto, artigos 6º al. b), 12 nº 2 al. c) e 15º nº 6 da Lei Orgânica do Exército aprovada pelo Decreto-Lei 231/2009 de 15 de Setembro e ainda artigo 30º nº 2 do Decreto Regulamentar nº 74/07 de 2 de Julho e artigo 30º nº 2 al. a) do Decreto Regulamentar nº 74/2007.
2.– A Ré é mãe de Manuel , nascido a 16-09-1997 e António, nascido a 17-09-1996.
3.– Sendo que o poder paternal dos referidos menores lhe está atribuído desde 24 de abril de 2013, nos termos da sentença proferida pelo Tribunal de Portel.
4.– Em 17 de Agosto de 2009 a Ré apresentou ao estabelecimento de ensino Instituto Militar .....proposta para a admissão do seu filho menor Manuel .
5.– Em 26 de Agosto de 2008 a Ré havia apresentado também ao estabelecimento de ensino Instituto Militar .....proposta para a admissão do seu filho menor António.
6.– A ré comprometeu-se perante aquele Instituto ao respetivo pagamento das mensalidades e despesas escolares, fixadas nos termos legais e bem assim à renovação do enxoval e à satisfação dos débitos resultantes do conserto de material danificado pelos seus educandos.
7.– O Instituto Militar .....admitiu os menores Manuel e António como alunos daquele estabelecimento de ensino, tendo os mesmos passado a usufruir dos serviços de ensino do Instituto Militar, no ano lectivo de 2010/2011.
8.– Acontece que Ré não procedeu ao pagamento das quantias, que eram por si devidas ao Instituto Militar a que se reportam às faturas que foram devidamente identificadas, todas no montante de €4866,92, a que acresce o valor de 842,54 a titulo de juros de mora vencidos e ainda no pagamento dos juros de mora vincendos, à taxa legal prevista para os juros civis.
9.– Por força dos contratos que celebrou com O Instituto Militar .....impende sobre a Ré a obrigação de proceder ao pagamento dos serviços de ensino prestados aos seus filhos, no valor de € 4866,92, bem como a quantia de € 842,54 a titulo de juros de mora vencidos e ainda os juros de mora vincendos, à taxa legal prevista para os juros civis.
Realizaram-se diligências tendentes a citar pessoalmente a ré, que se frustraram, motivo que foi determinada a realização da citação edital da desta.
E, uma vez que o autor se encontrava representado pelo M.P., foi, por despacho de 09.01.2017, nomeado defensor oficioso para representar a ré ausente, em cumprimento do vertido do artigo 21.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
Citada, veio a ser deduzida contestação, em 31.01.2017, por excepção peremptória, nos seguintes termos:
Quanto à prescrição das obrigações pecuniárias:
1.–O requerimento subscrito pela Digna Magistrada do Ministério Público, que deu origem à presente ação declarativa, deu entrada em 10 de fevereiro de 2015.
2.–Os créditos reclamados pelo Autor dizem respeito a mensalidades e outras despesas de um estabelecimento de ensino.
3.–Prescreveram todos esses créditos, porque decorreu mais de dois anos sobre a alegada prestação de serviço que deu origem às faturas enumeradas no requerimento inicial, de acordo com o artigo 317º, alínea a) do Código Civil.
4.–Também os juros de mora que foram peticionados sobre as dívidas em apreço, considerando prescritas as obrigações principais, naturalmente o retardamento no cumprimento não é gerador de qualquer indemnização, nos termos do artigo 804º e seguintes do Código Civil.
Termina a ré, propugnando pela improcedência da excepção peremptória invocada e pela absolvição da ré do pedido.
Em 07.02.2017, foi proferido o seguinte Despacho: Considerando que, como escreve Dias Marques apud A Prescrição e Caducidade, página 91, Ana Filipa Morais Antunes, a prescrição presuntiva consubstancia uma figura que pela sua estrutura pertence ao direito substantivo mas cujo efeito se repercute no campo processual pois vem, em última análise, a determinar a quem compete o ónus de provar o cumprimento da obrigação, a sua alegação em sede de oposição oferecida somente serve para sustentar o eventual preenchimento da previsão normativa dos artigos 317.º, alínea c) e 312.º do Cód. Civil, libertando a R. do ónus de demonstrar o cumprimento, fazendo inscrever na esfera processual da A. a prova do não cumprimento, nos termos do artigo 350.º, n.º 2 daquele mesmo diploma. Donde, impõe-se realizar a instrução dos autos, razão pela qual designo o próximo dia 03.05.2017, pelas 09 horas e 30 minutos para realização de audiência de julgamento. Cumpra o n.º 2 do artigo 151.º do Cód. Proc. Civil. Nos termos do artigo 3.º, n.º 4 do regime anexo ao Dec. Lei n.º 269/98 de 01.09, as provas são apresentadas no início da audiência, não havendo lugar a notificação das testemunhas.
Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 03.05.2017, após o que foi proferida decisão, em 10.05.2017, na qual se concluiu que: (…) Ora, evidente é que a R. deduziu defesa por excepção à pretensão sub judicio, já que arguiu ter procedido ao pagamento das quantias peticionadas, o que juridicamente significa a extinção, pelo cumprimento, das obrigações aqui em discussão. Uma vez que a alegação em apreço ficou integralmente demonstrada, então há que concluir por não serem devidas pela R. à A. as prestações concretamente peticionadas e tituladas contabilisticamente pelas facturas acima referidas - cfr. artigo 762.º, n.º 1 do Cód. Civil.
Consta, assim, do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Pelo exposto, julgo a presente acção integralmente improcedente e, consequentemente, absolvo a R. dos pedidos nela deduzidos. Custas da responsabilidade da A. - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
Inconformada com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.–A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao considerar provado no ponto 5 da decisão de facto, que a ré procedeu ao pagamento das facturas, dado que tal facto nunca foi alegado por qualquer das partes, nem resulta da prova produzida. ii.–Pelo que se impõe a alteração da decisão de facto, dando-se como provado que a ré não procedeu ao pagamento das facturas em apreço. iii.–A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 312º,2, 313º,2. e 317.º, alínea a), do Código Civil. iv.–O artigo 312.º e segs. do Código Civil regula as prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva que se fundam na presunção de cumprimento. v.–Designadamente, nos termos do artigo 317.º, alínea a), do Código Civil prescrevem no prazo de 2 anos os créditos dos estabelecimentos de ensino. vi.–As prescrições presuntivas não são uma forma de extinção das obrigações, mas sim uma mera inversão do ónus da prova, uma presunção de que tendo decorrido certo período de tempo o devedor cumpriu a sua obrigação. vii.–Para que o devedor possa prevalecer-se do regime da prescrição presuntiva o mesmo tem de alegar não só o decurso do tempo, mas também o pagamento da obrigação, embora não tenha de provar esse pagamento viii.–Alegando-se o decurso do tempo e o pagamento, fica assim a cargo do credor fazer prova do não pagamento, sendo que apenas o pode fazer por via de confissão do credor. Operase, assim, uma inversão do ónus da prova. ix.–ln casu, a Ré apenas alegou o decurso do tempo, não constando da contestação qualquer alegação de cumprimento/pagamento. Assim sendo, não pode a mesma prevalecer-se do regime da prescrição presuntiva. x.–Decorre da própria fundamentação da sentença que da prova produzida resulta que a Ré não procedeu ao pagamento das facturas referidas no facto n.º 4. xi.–O Autor, Estado português, provou em juízo não só a existência do contrato e das obrigações emergentes do mesmo, mas também o cumprimento da prestação por parte do Instituto Militar .....e o não pagamento das facturas por parte da Ré. xii.–Consequentemente, deve revogar-se a sentença recorrida, condenando-se a ré no pagamento ao autor das quantias peticionadas.
Pede, por isso, o apelante, que seja alterada a decisão de facto e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, condenando-se a ré na totalidade do pedido.
A ré apresentou contra-alegações, em 24.08.2017, propugnado pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida e formulou as seguintes CONCLUSÕES: i.–A Apelada foi citada editalmente, tendo-lhe sido nomeada uma defensora oficiosa, nos termos do artigo do nº2, do artigo 21º do Código de Processo Civil.
ii.–Segundo o nº 4, do artigo 574º do Código de Processo Civil, o dever de impugnação especificada não se aplica quando a parte processual é representada por Advogado oficioso porque,
iii.–O Advogado oficioso, tal como o Ministério Público, não tem conhecimento tão preciso dos factos que interessam à causa como a generalidade dos mandatários livremente constituídos pela parte.
iv.–Segundo esse mesmo princípio, conjugado com o dever de boa-fé processual, as partes citadas editalmente e representadas pelos Advogados oficiosos, porque não tiveram qualquer contacto com o defensor, não poderão invocar o cumprimento/pagamento da obrigação.
v.–A Apelada, durante todo o processo, nunca confessou o seu não pagamento, nem assumiu qualquer comportamento processual incompatível com a presunção de pagamento.
vi.–Para a salvaguarda do princípio da igualdade processual, segundo o qual as partes do processo devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal e para vii.–Uma concretização do princípio constitucional da igualdade - art.13º da CRP não pode a Ré ser condenada a pagar o peticionado pelo Autor, só porque a sua Advogada oficiosa, com quem não teve qualquer contacto, não invocou o pagamento da dívida. viii.–Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso de Apelação por infundamentado e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença do Tribunal “a quo” aqui sindicado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação sobre as seguintes questões que, por estarem intrinsecamente conexionadas, se analisarão conjuntamente:
– DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO, QUER NA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, QUER NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA.
– DA PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA - Noção e Fundamentos por forma a apurar,
– SE A MERA INVOCAÇÃO DA MESMA VALE COMO DECLARAÇÃO IMPLÍCITA DE CUMPRIMENTO.
III.–FUNDAMENTAÇÃO.
A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1.–A petição inicial deu entrada em juízo no dia 10.02.2015;
2.–O aqui A., a solicitação da R., prestou, no Instituto Militar …., serviços de ensino a Manuel e a António;
3.–Como contrapartida, a R. obrigou-se a pagar ao A. mensalmente quantias pecuniárias até ao dia 08 de cada mês;
4.–Na sequência da execução do acima descrito, a A. emitiu as seguintes facturas:
–Facturas referentes a Outubro de 2010, no valor global de €608,61;
– Facturas referentes a Novembro de 2010, no valor global de €653,31;
–Facturas referentes a Dezembro de 2010, no valor global de €600,00;
–Facturas referentes a Janeiro de 2011, no valor global de €605,00;
–Facturas referentes a Fevereiro de 2011, no valor global de €600,00;
– Facturas referentes à mensalidade de Abril de 2010, no valor de
€600,00;
– Facturas referentes a Maio de 2010, no valor global de €600,00;
– Facturas referentes a Junho de 2010, no valor global de €600,00.
5.–A R. procedeu ao pagamento das facturas acima referidas.
B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
– DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO, QUER NA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, QUER NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA.
Invocou o recorrente, na sua alegação de recurso, que o Tribunal a quo errou ao dar como provado o ponto 5 da matéria de facto, i.e., que “a Ré procedeu ao pagamento das facturas acima referidas”.
Com efeito, a sentença recorrida, para dar como provado que a ré havia procedido ao pagamento das facturas alegadamente em dívida (Facto Nº 5), sustentou-se no seguinte argumentário:
(…) Não se pode, porém, olvidar que em sede de oposição, oportuna e validamente oferecida nos autos, foi arguida a prescrição presuntiva das dívidas aqui em causa, estando implicitamente alegado o seu cumprimento, que constitui defesa por excepção cuja demonstração onerava a esfera jurídico-processual da R., nos termos previstos no artigo 342.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 414.º do Cód. Proc. Civil. Ora, como resulta imediato da decisão acima consignada e que ora se pretende fundamentar, logrou a R. desincumbir-se com integral sucesso da tarefa probatória acima referida. É certo que as testemunhas ouvidas no âmbito da audiência de julgamento, sendo ambas funcionárias do demandante, não relataram ter a R. procedido ao pagamento ora peticionado; pelo contrário, o que veicularam foi precisamente o oposto. Contudo, não se pode olvidar que a aqui impetrada beneficiava da presunção de cumprimento no que respeita às facturas em apreço considerando a data do vencimento das mesmas. Passando a explicar, desde logo surge cristalino que a situação sub judicio se subsume na previsão normativa do artigo 317.º, alínea a) do Cód. Civil na medida em que os serviços solicitados o foram a um estabelecimento de ensino e consubstanciavam-se precisamente em serviços de ensino. Aplicando-se assim o prazo de dois anos cujo decurso implica a presunção de cumprimento, presunção essa somente ilidível por via de confissão do devedor, tal como resulta do artigo 313.º do Cód. Civil, e sendo certo que os valores inscritos nas facturas acima referidas venceram-se até ao dia 08.02.2011 e bem assim que cinco dias após a entrada da petição inicial em juízo se deve considerar interrompido o prazo em curso, tudo nos termos do artigo 323.º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil, sendo assim indiferente qualquer interpelação extrajudicial realizada, fácil é de constatar que no dia em que foi iniciado o presente, a saber, a 10.02.2015, já se havia completado o de 2 anos previsto na alínea a) do artigo 317.º do diploma que se vem invocado, devendo-se assim presumir o cumprimento das obrigações contabilisticamente tituladas pelas facturas referidas em 4. do julgamento acima consignado – sendo certo que em momento algum a R. confessou o seu não pagamento ou assumiu comportamento processual da qual pudesse ressumar semelhante confissão – cfr. artigo 314.º do Cód. Civil. Vejamos se assim se deverá entender.
A prescrição é um instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei, que varia consoante os casos, e visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores de certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do CC.
O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou. Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.
Mas, ao lado das prescrições extintivas, há também as prescrições presuntivas – artigo 312º do Código Civil. Estas, são prescrições de curto prazo – seis meses ou dois anos – que se fundam na presunção de pagamento. Tal significa que a lei presumiu que decorridos tais prazos o devedor teria pago.
Ao caso interessa a previsão do artigo 317.º do Código Civil do qual decorre que prescrevem no prazo de dois anos: i.–Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino e educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados; ii.–os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante; iii.–os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem seja comerciante e os não destine ao seucomércio. iv.–os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
A prescrição presuntiva não tem, pois, o mesmo efeito que a prescrição extintiva, posto que o decurso do respectivo prazo não confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como se no nº 1 do artigo 304º do Código Civil, criando tão somente, como decorre do artigo 312º do C.C., a presunção de que o devedor cumpriu.
Assentam, portanto, em distintas razões. A prescrição extintiva explica-se por razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor; a prescrição presuntiva, ao invés, tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde, em regra, a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento – v. neste sentido ANTUNES VARELA, RLJ, Ano 103º, pág.254 e VAZ SERRA, Prescrição e Caducidade, BMJ, 106º-44.
As prescrições presuntivas são simples presunções de pagamento.Decorrido o prazo legal presume-se que o pagamento foi efectuado. Daí que o devedor fique dispensado da sua prova – ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., 1041.
Aliás, para MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960. 452 e 453, as prescrições presuntivas não são prescrições verdadeiras, pois que, enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas, se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, não funcionando a prescrição, embora ele a invoque.
O decurso do prazo de prescrição presuntiva não confere ao devedor o direito de não pagar, como pode suceder com a prescrição extintiva, traduzindo-se a prescrição presuntiva num benefício para o devedor, já que o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento, conforme resulta do nº 2 do artigo 342º do Código Civil.
Assim, provado que seja a natureza do crédito, a qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais, presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção.
O afastamento da presunção, conforme se consagra nos artigos 311º e 314º do C.C. só pode resultar de confissão, expressa ou tácita do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, entendendo-se que há confissão tácita se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
No caso vertente, dúvidas não restam que se está perante créditos pelos serviços prestados por um estabelecimento de ensino e educação. Logo, tais créditos prescrevem no prazo de dois anos, nos termos do supra mencionado artigo 317º, alínea a) do C.C.
Neste tipo de prescrições, ao contrário do que acontece nas prescrições extintivas, como acima se mencionou, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, apenas fazendo presumir o pagamento, desta forma libertando o devedor do ónus da prova que pagou. Há, por isso, que concluir que o verdadeiro escopo das prescrições presuntivas é libertar o devedor da prova do cumprimento.
Mas será que também liberta o devedor do ónus de alegar o pagamento.
Não tem, é certo, esta questão um tratamento unívoco na doutrina e na jurisprudência.
Segundo uns, o réu não tem de impugnar o incumprimento, por entender que a invocação da prescrição presuntiva já traz consigo,
implícita, a alegação de que cumpriu – v. neste sentido, Ac. STJ, de 17.11.98, C.J., Ano VI, tomo III, 121 e JOAQUIM SOUSA RIBEIRO, Rev. Direito e Economia, Ano V-2º-402 e ss., GALVÃO DA SILVA, A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, RLJ ano 138º, Nº 3956 (Mai-Jun.2009), 269 e, também, a título meramente exemplificativo, Acs. TRL de 29.06.2000 (Pº 0040442), de 23.11.2000 (Pº 0088426), acessíveis em www.dgsi.pt.
Para outra tese, neste tipo de prescrições, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, apenas fazendo presumir o pagamento, libertando o devedor do ónus da prova do cumprimento. Mas não o liberta do ónus de alegar que pagou.
Como observa RODRIGUES BASTOS, Notas ao CC, Vol. II, 78, para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, o réu deve alegar que deveu, mas já pagou. Se o réu alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição. Se o réu alega que deve e nunca pagou, de nada lhe vale invocar a prescrição presuntiva, porque ele está a confessar a dívida.
Defende-se maioritariamente na jurisprudência que, para se valer da prescrição presuntiva, o réu, quando contesta uma acção de dívida terá de alegar, expressa e claramente, que pagou, para além, evidentemente de alegar a prescrição - cfr., entre muitos, Acs. STJ de STJ 22.04.2004 (Pº 04B547), de 24.06.2008 (Pº 08A1714), de 08.05.2013 (Pº 199632/11.5YIPRT.L1.S1); Ac. TRL de 21/10/86, BMJ, 364º-934, de 07.06.2011 (Pº 9150.4YIPRT-A.L1) e de 03.06.2014 (Pº 6514/10.7YIPRT.L1-7), Acs. TRP de 13/12/93, C.J., Ano XVIII, T. V, 240, de 03.02.2004 (Pº 0326591), de 04.10.2005 (Pº 0523106), de 08.11.2007 (Pº 0735486), de 23.02.2016 (Pº 598/15.9T8PVZ.P1), Ac. TRC de 10.12.2013 (Pº 229191/11.0YIPRT.C1), TRG de 11.07.2013 (Pº 1331/11.0TBVVD.G1), todos acessíveis em www.dgsi.pt
Seguiu a sentença recorrida a primeira tese, com a qual, no entanto, se discorda, antes se aderindo à segunda tese supra referida, com consagração maioritária na jurisprudência.
Tem a jurisprudência dos nossos tribunais superiores considerado confissão tácita, fundada na prática de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento pelo devedor, entre outros, a negação da dívida referente ao preço de serviços prestados; o reconhecimento, na contestação, do não pagamento, bem como a falta de alegação clara e expressa do pagamento.
Refere-se, a propósito, no Ac. STJ de 22.01.2009 (Pº 08B3032) que a não impugnação da alegação de falta de pagamento é incompatível com a presunção de que o devedor cumpriu.
A alegação de pagamento em nada contende com a invocação dessa espécie de prescrição, assente, precisamente, na presunção de que terá sido efectuado.
Entende-se, de resto, que tal alegação de pagamento não se encontra, efectiva e necessariamente, implícita na simples invocação da prescrição, que é exigida pelo artigo 303º do C.C. para que possa ser considerada.
No caso vertente, e cotejando a petição inicial apresentada, verifica-se que a falta de pagamento foi também expressamente invocada, não podendo a ré limitar-se a invocar a prescrição presuntiva – como consta da contestação -, silenciando o que se refere ao pagamento, nem se afigura ser de aceitar que, ao invocar a prescrição presuntiva, se está a tomar uma posição definida, ainda que implícita, perante o não cumprimento, invocado expressamente na petição inicial.
Como bem se aduz no Ac. TRP de 23.02.2016 (Pº 598/15.9T8PVZ.P1), A mera invocação da prescrição presuntiva não pode valer como declaração implícita de cumprimento. Desde logo, porque a extinção da dívida reclamada ocorreria, não propriamente por efeito da prescrição presuntiva, mas sim em razão do pagamento que a invocação daquela presunção pressupõe
Depois, porque o tribunal não pode suprir, oficiosamente, a prescrição, necessitando, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita (art.º 303.º do Código Civil), recaindo sobre ele o ónus de alegação dos correspondentes factos (art.º 5.º, n.º 1, do CPC), sendo que as partes estão sujeitas ao dever de verdade, lisura e boa fé (art.ºs 7.º, n.º 1 e 8.º, ambos do CPC).
Assim, não se pode acompanhar a sentença recorrida quando considerou provado o pagamento, dando prevalência à presunção de cumprimento, tão somente pela mera circunstância de a ré ter invocado, na contestação, apenas a prescrição presuntiva, embora a sentença até admita, na sua fundamentação, que foi produzida prova testemunhal, por parte do autor, do não pagamento das facturas peticionadas.
Na verdade, nada tendo sido aduzido quanto ao pagamento, não poderá a ré prevalecer-se do regime da prescrição presuntiva, pelo que razão assiste ao apelante, quanto à invocação de erro de julgamento, ao se considerar provado o Nº 5 dos Factos dados como provados.
Neste contexto, deverá ser alterada a redacção dada ao Nº 5 do elenco da Fundamentação de Facto, passando aí a constar: A ré não procedeu ao pagamento das Facturas referidas em 4.
É que, não se aplicando, in casu, atenta a justificação acima exarada, a excepção da prescrição de dois anos, a que alude a alínea a), do artigo 317º, do Código Civil, fez o autor prova da prestação dos serviços e do seu preço, não tendo sido efectuada prova do respectivo pagamento, prova essa que incumbia à ré.
Destarte, procede a apelação, razão pela qual se revoga a sentença recorrida, a qual será substituída por outra em que se condena a ré a pagar ao autor, a quantia de € 5.709,46, sendo € 4.866,92, a título de capital e, € 842,54, a título de juros de mora vencidos e nos vincendos, até integral pagamento, à taxa legal.
A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV.–DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, a qual será substituída por outra em que se condena a ré a pagar ao autor, a quantia de € 5.709,46, sendo € 4.866,92 a título de capital e € 842,54, a título de juros de mora vencidos e nos vincendos, até integral pagamento, à taxa legal.
Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2017
Ondina Carmo Alves - Relatora Pedro Martins Arlindo Crua