SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
REQUISITOS
COMPETÊNCIA
Sumário

I - Apesar de o instituto jurídico da suspensão provisória do processo ter sido posto à disposição do MP, o certo é que a lei exige a concordância do juiz de instrução para que suspensão seja válida, tratando-se de um acto homologatório.
II - Tal concordância só poderá ser obtida desde que o JIC se certifique que os pressupostos legais estão cumpridos.
III - Para o efeito, o JIC deverá, ele próprio, ter a convicção de que assim é, na realidade. convicção essa que só pode adquirir por uma de duas formas:
- Ou considerar que os elementos constantes do processo lhe permitem emitir tal juízo, independentemente do juízo do MP;
- Ou considerá-los insuficientes.
IV - Nesta última hipótese, tem o poder-dever de carrear aos autos os elementos de facto que entenda por pertinentes.
V - Tendo o Juiz o poder-dever de levar a cabo as diligências que entenda por pertinentes, não pode, em circunstância alguma, e sob pena de violação do princípio constitucional da independência do M.º P.º (cfr, n.º 2 do art.º 219º da CRP), determinar que a diligência que entendeu por útil, seja levada a cabo pelos serviços do MP.
VI - O que vale por dizer que deverá ser o Juiz a presidir à diligência (ele próprio é que sabe o que pretende indagar) ou, quando muito – e consideramos que tal não será aconselhável, in casu – ordenar a prática de tal diligência, que deverá especificar, aos serviços a que superintende, isto é, aos funcionários afectos ao tribunal judicial, havendo lugar a remessa electrónica do processo.
VII - Efectuadas tais diligências e lavrado o despacho homologatório ou não homologatório, deverá o processo ser novamente remetido, pelo mesmo meio, ao MP.

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos de inquérito n.º 102/03.1GDGMR-A, da 1ª. Secção do M.º P.º de Guimarães, concluídas as diligências de inquérito, o Ex.mo Magistrado do M.º P.º lavrou o seguinte despacho:
“Indiciam os autos a prática por parte da arguida de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo art.º 152º/1 – a), do Código Penal.
Tal crime é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 5 anos.
Inexiste assistente constituído como tal nos autos.
A arguida concorda com a suspensão do processo – (v. fls. 34).
A arguida é primo-delinquente (v. fls. 41).
Além do mais,
O presente inquérito teve lugar, motivado que foi pela indiciada existência de um mau relacionamento entre duas irmãs que vivem numa mesma casa. Esse mau relacionamento traduz-se, por vezes, em agressões físicas e maus-tratos psicológicos sendo certo que também se mostra indiciado que a situação se arrasta há já muito tempo. Ora, como é sabido, uma situação permanente de mal-estar, de discussão, de desavença entre familiares é, porventura, factor atenuativo da culpa da arguida, mesmo tendo esta a ofendida a seu cargo, ou ser esta indefesa.
Por outro lado, e uma vez que nunca existiu uma intervenção por parte de instituições sociais/judiciais, no seio deste agregado familiar é de prever, nem que seja pela sua novidade, que tal intervenção modeladora possa, efectivamente, ter uma influência positiva sendo causa de uma mudança do mesmo. Além do mais, a adesão da arguida à suspensão do processo, pode, eventualmente, ser considerado um indício do supra exposto e pretendido.
Assim sendo propõe o Ministério Público que:
- Os autos sejam suspensos pelo prazo de 3 meses;
- Que no decurso desse prazo, a arguida se abstenha de comportamentos de idêntica natureza à dos denunciados (artº. 281º/ 2 – v, do C.P.P.)
- Que a arguida preste satisfação moral adequada à ofendida – também lesada - sendo ambas notificadas para comparecerem nesta Procuradoria, dentro do prazo da suspensão do processo, de modo a arguida pedir desculpa à ofendida. (art.º 281º/2 – b), do C.P.P.)
Deste modo, conclua os autos ao Mº. JIC, nos termos e para os efeitos do art.º 281º/1, do CPP”.

O Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Ponderando a natureza pessoal das consequências da conduta que vem imputada à arguida e que dão particular relevância à figura da vítima, não obstante a mesma não se ter constituído assistente, afigura-se-nos que a decisão do tribunal (JIC) passará pela auscultação da posição da vítima, Maria Ribeiro, só assim nos sentimos rodeados dos elementos necessários para aferir da viabilidade da promoção que antecede.
Em conformidade com o exposto, determine se convoque a queixosa para recolher a sua anuência sobre a promovida suspensão do processo, o que deverá acontecer perante os serviços do Ministério Público, em data livre e disponível”.

Inconformado, o Ex.mo Magistrado do M.º P.º interpôs recurso, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões:
1. O elenco a que se refere o art.º 281º/1 do CPP é taxativo;
2. O mesmo não exige a audição do queixoso, e muito menos a sua anuência, para a suspensão do processo.

Não foi apresentada resposta.

Apesar do esclarecimento prestado pelo Sr. JIC a fls. 12, no sentido de que a audição se destinava não a obter a anuência da vítima para a suspensão do processo, mas antes para o tribunal poder ficar rodeado dos elementos necessários à decisão em consciência, o Ex.mo Magistrado do M.º P.º declarou manter interesse no recurso.

Nesta Relação, o Ex.mo Magistrado do M.º P.º emite douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Estatui o n.º 1 do art.º 281º do CPP, sob a epígrafe “Suspensão provisória do processo”:
Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
d) Carácter diminuto da culpa; e
e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente as exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Da simples análise ao texto do preceito logo se vê que a decisão de suspensão provisória do processo é da competência do Ministério Público.
Obedece a mesma a determinado condicionalismo:
- O processo tem de dizer respeito a crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos;
- Verificação cumulativa dos pressupostos consignados nas diversas alíneas do transcrito preceito legal;
- Concordância do JIC.
Como bem refere Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 10ª edição, pg. 532, “Trata-se de um importante instituto posto à disposição do MP e do juiz, através do qual têm o poder-dever de resolver grande parte das bagatelas penais, como se acentua no relatório do Código, n.º 6, al. a), e como resulta das exposições do Prof. Figueiredo Dias e do Dr. Costa Andrade, aludidas em anotação ao artigo anterior e que fortemente influenciaram a estrutura das disposições deste artigo”.
Apesar de o instituto jurídico ter sido posto à disposição do MP, o certo é que a lei exige, como se referiu, a concordância do juiz de instrução para que suspensão seja válida, tratando-se de um acto homologatório.
Tal concordância só poderá ser obtida desde que o JIC se certifique que os pressupostos legais estão cumpridos.
De entre esses realça-se a concordância do assistente, se o houver, e o facto de a culpa ser diminuta.
Pois bem.
O Sr. Juiz de Instrução não deve aceitar de forma “cega” a conclusão do M.º P.º no sentido do carácter diminuto da culpa.
Antes, deverá, ele próprio, ter a convicção de que assim é, na realidade.
Convicção essa que só pode adquirir por uma de duas formas:
- Ou considerar que os elementos constantes do processo lhe permitem emitir tal juízo, independentemente do juízo do MP;
- Ou considerá-los insuficientes.
Nesta última hipótese, tem o poder-dever de carrear aos autos os elementos de facto que entenda por pertinentes.
Ora, no caso em apreço, a queixosa, irmã da arguida, não se constituiu assistente.
Por isso, não há necessidade de obter a sua concordância.
O despacho recorrido, convenhamos, não é feliz na sua redacção porquanto o Sr. JIC determina se “convoque a queixosa para recolher a sua anuência sobre a promovida suspensão do processo, o que deverá acontecer perante os serviços do Ministério Público, em data livre e disponível”.
O que dá a ideia de que se considera indispensável a concordância da ofendida.
Todavia, o mesmo tem de ser interpretado dentro do espírito em que foi elaborado, que consta do anterior parágrafo.
E, aqui, diz o Sr. JIC, “afigura-se-nos que a decisão do tribunal (JIC) passará pela auscultação da posição da vítima, Maria Ribeiro, só assim nos sentimos rodeados dos elementos necessários para aferir da viabilidade da promoção que antecede” (realce nosso).
Isto é, o Sr. JIC pretende carrear elementos de facto que lhe permitam aferir da verificação dos pressupostos legais, maxime em termos de carácter diminuto da culpa e exigências de prevenção especial e geral.
Tal posição é perfeitamente legítima e legal.
Por isso, e com o devido respeito, a questão do recurso está mal colocada.
A verdadeira questão passa por saber se o JIC pode lavrar no despacho nos termos em que o fez: ordenar aos serviços do MP a prática da diligência.
E aqui a resposta tem de ser claramente negativa.
Com efeito, tendo o Juiz o poder-dever de levar a cabo as diligências que entenda por pertinentes, não pode, em circunstância alguma, e sob pena de violação do princípio constitucional da independência do M.º P.º (cfr, n.º 2 do art.º 219º da CRP), determinar que a diligência que entendeu por útil, seja levada a cabo pelos serviços do MP.
O que vale por dizer que deverá ser o Juiz a presidir à diligência (ele próprio é que sabe o que pretende indagar) ou, quando muito – e consideramos que tal não será aconselhável, in casu – ordenar a prática de tal diligência, que deverá especificar, aos serviços a que superintende, isto é, aos funcionários afectos ao tribunal judicial, havendo lugar a remessa electrónica do processo.
Efectuadas tais diligências e lavrado o despacho homologatório ou não homologatório, deverá o processo ser novamente remetido, pelo mesmo meio, ao MP.

DECISÃO:
Termos em que, no parcial provimento do recurso, se anula o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que determine que a diligência em causa deverá ser levada a cabo pela secretaria do tribunal judicial, sob a presidência do JIC.
Sem tributação.