APOIO JUDICIÁRIO
PROCURAÇÃO
DEFENSOR OFICIOSO
Sumário

I – Sendo concedido apoio judiciário sem se concretizar a modalidade de pagamento de honorários ao defensor que já tinha junto procuração forense, e não sendo tal decisão sido objecto de impugnação, não pode vir-se, depois, pedir pagamento de honorários.
II – O conceito de «defensor constituído» não se confunde com o de «defensor nomeado», ainda que o seja mediante prévia indicação do arguido.
III – Como refere Salvador da Costa, em anotação à al. c), do nº 1, do citado artº 1º, da Lei 30-E/2000, e que por inteiro se sufraga, «A lei, ao expressar que, em alternativa, o apoio judiciário compreende o pagamento dos honorários do patrono escolhido pelo requerente, está como é natural, face ao regime do acesso ao direito e aos tribunais, a reportar-se ao causídico indicado pelo requerente e nomeado para o patrocínio no quadro do apoio judiciário pelo órgão competente, na sequência da decisão dos serviços de segurança social ou do juiz ou do relator, neste último caso no que concerne ao incidente de apoio judiciário implementado no âmbito da acção penal».

Texto Integral

Recurso nº 712/2006
Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães.
No procº 97/02.9 GBFLG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, o arguido José, através do requerimento de fls. 588, veio requerer a fixação dos honorários devidos ao defensor pela realização da audiência, quer em primeira quer em segunda instância, invocando, para tanto, que, pelo despacho de fls. 142, lhe foi concedido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao seu defensor.
Debruçando-se sobre o requerido, o Exmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Fls 588 e 29: Nada a determinar em face da procuração”, o qual foi posteriormente aclarado pelo despacho de fls. 607 : “Como resulta bem de ver, o contrato de mandato formalizado pela procuração faz impender sobre o mandante a obrigação de pagar a retribuição respectiva – leia-se o artº 1167, alínea b) do CC. Pelo exposto, nada a acrescentar ao já decidido.”
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Inconformados com o despacho, interpuseram o arguido e o seu ilustre mandatário recurso, findando a motivação conjunta, com as seguintes conclusões:
“ 1- O primeiro recorrente solicitou a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao defensor escolhido, sendo que por douto despacho de fls 139 foi deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade requerida, pelo que assim sendo o segundo recorrente não cobrou qualquer quantia ao primeiro recorrente.
2 - Ora, tendo sido requerido o apoio na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao defensor escolhido, outra interpretação não se pode retirar de tal despacho que não seja a de que o arguido passaria a partir da prolação de tal despacho a beneficiar do apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao defensor escolhido.
3 - Não tendo sido o douto despacho de fls. 130 alvo de recurso ou reclamação nos prazos legais, tal despacho, salvo melhor opinião, transitou em julgado em Junho de 2003 (cfr. artº 677º do Código Processo Civil), sendo que tal decisão passou a ter força obrigatória dentro do processo (cfr. o artº 671º, nº 1 do Código de Processo Civil).
4 - Além disso, o tribunal recorrido ao proferir os despachos postos em crise violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (cfr. o artº 666º, nº 1 do Código de Processo Civil).
5 - Assim, tendo sido concedido ao arguido o benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao defensor escolhido – tal como havia requerido – não podia o tribunal recorrido alterar a sua decisão, como o fez, através dos despachos recorridos, violando-se o caso julgado e os arts 666º, nº 1, 671º, nº 1 e 677º do Código de processo Civil.
Sem prescindir,
6 - Ainda que se pretenda que o despacho de fls. 139 não decidiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao defensor, a razão não está do lado do tribunal recorrido uma vez que quer se aplique o DL 387-B/87 quer a Lei 30-E/00 tal pedido deveria ser deferido.
7- De facto entendem os recorrentes que quando o nº 3 do artº 57º da Lei 30-E/00 estipula que o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal, até à entrada em vigor de um diploma complementar (que nunca existiu) continua a ser apresentado, instruído, apreciado e decididos perante a autoridade judiciária, apenas quer dizer que apesar de tal circunstância esses pedidos são regidos por essa mesma Lei, sendo que se assim não fosse não se compreenderia o estipulado no nº 2 do mesmo artigo no qual se diz que relativamente aos pedidos de apoio judiciário iniciados até 31 de Dezembro de 2000 é aplicado o regime legal anterior.
8 - O arguido recorrente procedeu à junção aos autos de procuração forense a favor do signatário o que, salvo melhor opinião, configura uma situação de escolha de defensor por parte do recorrente, o que não inviabiliza nem pode inviabilizar, o pagamento de honorários e demais despesas com o processo no âmbito do benefício de apoio judiciário, uma vez que não é requisito de atribuição de apoio judiciário a nomeação de defensor pela mesma via.
10 - Trata-se da emanação do princípio geral contido nos arts 20º, nº 1 e 32º, nº 3 da Constituição, nos quais se estipula que. “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, e que” O arguido tem direito a escolher defensor…”
11 - Com efeito, a Lei 30-E/00 de 20 de Dezembro no seu artº 15º prevê duas situações:
- a nomeação e pagamento de honorários a patrono designado pela Ordem dos advogados, ou
- o pagamento de honorários ao patrono que o beneficiário já escolheu.
12 - E isto é assim, desde logo, porque surgem as palavras “ em alternativa” entre as duas situações na al. c) do artº 15º da referida Lei 30-E/00 pelo que “ Estando em jogo apenas o pagamento de honorários ao seu advogado, requerido no âmbito de apoio judiciário, esta situação não impede a constituição de mandatário judicial e antes o pressupõe” (cfr a jurisprudência que supra se citou da qual se destacam os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães em 8 de Janeiro de 2003 no âmbito do proc. 1487/02 que pendeu na 1ª secção relatado pelo Sr. Desembargador António Gonçalves e o acórdão proferido pelo Supremo tribunal de Justiça em 13/11/2004 em que foi relator Azevedo Ramos, publicado em www, dgsi.pt).
13 - Por outro lado, uma vez que foi junta procuração forense e na medida em que se entenda aplicável o regime de contrato de mandato é certo que este se presume oneroso se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão (cfr art. 1158º, nº 1 do Código Civil), mas tendo o recorrente requerido o apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao defensor tal presunção é ilidida.
14 - Além do mais, no diploma já citado – Lei 30-E/00 – não se vislumbra nenhuma norma que impeça esta forma de escolha de defensor ou imponha qualquer outra para escolha de defensor no âmbito do apoio judiciário.
15 - Por fim sempre se dirá que tal como decorria da Lei 30-E/00 de 20 de Dezembro assim como do anterior DL 397-B/87 de 29/12, o que releva para concessão do apoio judiciário é tão só a situação económica e financeira do requerente e não o facto de ter procuração.
16 - Os despachos recorridos violaram ou fizeram errada interpretação dos arts 666º, nº 1, 671º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil, 1º, 7º, 15º, nº 1, al. c) da Lei 30-E/00, 20º, nº 1 e 32º, nº 3 da Constituição e o artº 1158º, nº 1 do Código Civil, não podendo, pois, manter-se.”
Concluem, pedindo a substituição do despacho recorrido por acórdão no qual se decida pelo pagamento de honorários ao recorrente, Exmº Dr. ….

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O recurso foi admitido.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido opinando no sentido da improcedência do recurso.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido, também, do não provimento do recurso.
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Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como sabido o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação – cfr. artº 412º, nº 1, do Cód. Proc. Penal.
In casu a única questão trazida à apreciação desta Relação é a de saber se os honorários do ilustre defensor constituído pelo arguido devem ser pagos pelos Cofre Geral dos Tribunais, no âmbito do apoio judiciário.
Vejamos, começando por trazer à colação os elementos relevantes que constam do processo.
1- No decurso do inquérito, o arguido José apresentou no processo, no dia 25/10/02, a favor do ilustre advogado Rui (e outros), uma procuração forense com poderes gerais e especiais de recebimento da restituição da taxa de justiça e das custas de parte – cfr. fls. 29
2 – O mandato conferido pela procuração dita em 1), jamais foi objecto de revogação ou de renúncia.
3 - No dia 9/04/03, o arguido veio aos autos requerer «a concessão do beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça, custas e pagamento de honorários ao defensor escolhido».
4 - Por despacho de 29/05/2003 foi proferido o seguinte despacho (transcrição parcial).
“ José requereu concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas a fls 129.
(…)
Cumpre decidir:
(…)
Nestes termos, ao abrigo dos arts 1º, 2º, 7º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 31º da citada Lei, considero o requerente em situação de insuficiência económica e concedo-lhe o benefício do apoio judiciário na modalidade requerida”. – cfr. fls 141
5 - O referido despacho transitou em julgado.
Vistos estes elementos, é manifesta a falta de razão dos recorrentes.
Com efeito, contrariamente ao asseverado pelos recorrentes nas conclusões 1ª a 5ª, o despacho que concedeu o apoio judiciário ao arguido/recorrente não o concretizou na modalidade de pagamento de honorários ao defensor. Nenhuma referência é feita a tal modalidade. Ao arguido/recorrente apenas foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas, conforme decorre cristalinamente da conjugação do teor do primeiro parágrafo com o teor do último parágrafo do despacho constante a fls 141, supra transcritos.
Acresce que, não obstante a notificação do referido despacho, o certo é que o mesmo não foi objecto de impugnação por parte do arguido, designadamente por omitir pronúncia sobre o pedido de apoio judiciário na modalidade «de pagamento de honorários ao defensor escolhido», também constante do citado requerimento de 09/04/03.
O que significa que o arguido/recorrente apenas beneficia, nos autos, do apoio judiciário concedido nos precisos termos constantes do despacho transitado em julgado de fls. 141, e que o mesmo aceitou, ou seja na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos.
Sendo assim, tal como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, «está…esvaziada toda a argumentação avançada nos recursos», ao longo das conclusões 1ª a 5ª.
E tanto bastaria para que os recursos estivessem votados ao insucesso.
De todo o modo, ainda assim se dirá a talho de foice que não haveria lugar ao pagamento pelo Cofre Geral dos Tribunais de quaisquer quantias a título de honorários ao recorrente/advogado Rui Teixeira.
Demonstrando…
Nos termos do artº 61º, nº 1, al. d) do CPP, o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, do direito de «escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um».
Acresce, nos termos do nº 1 do artº 62º do mesmo código, que «o arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo», sendo que o nº 2 do mesmo artigo preceitua que «nos casos em que a lei determinar que o arguido seja assistido por defensor e aquele o não tiver constituído ou o não constituir, o juiz nomeia-lhe advogado ou advogado estagiário, mas o defensor nomeado cessa funções logo que o arguido constituir advogado».
A constituição de defensor por parte do arguido opera-se através de procuração, inclusivamente de procuração apud acta, enquanto que a nomeação de defensor de arguido é feita pelo juiz, mediante indicação do conselho distrital da Ordem dos Advogados (cfr. artº 62º, nº 1, do CPP e art 43º da Lei nº 30-E/2000, de 20 /12, vigente à data), ou pelo Ministério Público ou pela autoridade de polícia criminal, nos casos previstos nas alíneas do nº 3 do artº 62º citado, podendo, no entanto, o arguido requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário indicar o causídico que deseja ver nomeado para o defender (cfr. artº 50º da Lei nº 30-E/2000, de 20 /12), indicação essa, que pode não ser atendida, se se verificar o condicionalismo previsto no artº 51º do mesmo diploma.
Acresce que enquanto o defensor constituído pelo arguido e este podem livremente renunciar ao mandato judicial (o primeiro) e revogar o mandato (o segundo) - cfr. artº 39º, nº 1, do Cód. Proc. Civil - , já o defensor nomeado, incluindo aquele que o foi por prévia indicação do arguido, no quadro do apoio judiciário, tem que formular pedido de dispensa (artº 66º, nº2 do CPP), e o arguido, por sua vez, a substituição daquele (artº 66º, nº 3 do CPP).
Do exposto decorre a seguinte conclusão: o conceito de «defensor constituído» não se confunde com o de «defensor nomeado», ainda que o seja mediante prévia indicação do arguido.
Ora, se é certo que a al. c), do artº 15º, da Lei 30-E/2000, de 20 /12, admite que, em alternativa, o requerente do apoio judiciário solicite o pagamento dos honorários do advogado ou advogado estagiário da sua escolha, a verdade é que tal normativo, nessa parte, tem de ser conexionado com os arts 50º e 51º, do mesmo diploma, os quais estatuem, respectivamente, sobre a atendibilidade da indicação de patrono pelo requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio e sobre a inatendibilidade da indicação de patrono no quadro do apoio judiciário. Ou seja, da conjugação destes preceitos, decorre que a última parte da citada al. c) se reporta apenas aos honorários do advogado ou advogado estagiário nomeado pelo juiz, mediante indicação prévia do arguido, no quadro do apoio judiciário, e não aos honorários do causídico livremente constituído pelo arguido.
Na verdade, como refere Salvador da Costa, em anotação à al. c), do nº 1, do citado artº 1º, da Lei 30-E/2000, e que por inteiro se sufraga, «A lei, ao expressar que, em alternativa, o apoio judiciário compreende o pagamento dos honorários do patrono escolhido pelo requerente, está como é natural, face ao regime do acesso ao direito e aos tribunais, a reportar-se ao causídico indicado pelo requerente e nomeado para o patrocínio no quadro do apoio judiciário pelo órgão competente, na sequência da decisão dos serviços de segurança social ou do juiz ou do relator, neste último caso no que concerne ao incidente de apoio judiciário implementado no âmbito da acção penal».
Não é, por isso, correcto o entendimento de que o pedido de pagamento de honorários de causídicos constituídos livremente pelo requerente do apoio judiciário abrange a actividade posterior à sua concessão”.– vd. O Apoio Judiciário, 4ª ed. pág. 65. (negrito e sublinhado nossos).
Ora, in casu, não se tratando de uma situação de nomeação de defensor no âmbito do apoio judiciário, mediante prévia indicação do arguido, mas sim, a de constituição de defensor pelo arguido, através da outorga da procuração de fls 29, é evidente que estava vedado ao tribunal arbitrar qualquer quantia a título de honorários ao ilustre mandatário do arguido, ora também recorrente.
Em suma, nenhum reparo merece o despacho recorrido, não se mostrando violadas quaisquer uma das normas invocadas pelos recorrentes.
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida.
Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em três UC para cada um deles.