CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTOR MATERIAL NÃO IDENTIFICADO
DIREITO DE DEFESA
Sumário

I – Quando se trate de infracção levantada nos termos do n.º 2 do artigo 171º do Código da Estrada - não identificação imediata do autor da infrac­ção - deve, nos termos do nº 3, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, não bastando que se limite a identificar outrem como sendo o proprietário do veículo, por lho ter vendido.
II – Levantado processo contra o alegado adquirente, mesmo que este admita ter sido proprietário não registado do veículo em data anterior à infracção, não pode este ser condenado administrativamente, nomeadamente com o argumento de que não conseguiu provar que também transferiu o veículo.
III – Tal decisão, que afronta os mais elementares princípios jurídicos, constituindo grave violação dos princípios da igualdade, da presunção de inocência e das garantias de defesa, também não pode ser judicialmente confirmada, nomeadamente dando-se como provado que era o alegado adquirente, e ora recorrente, quem conduzia o veículo, fundando-se tal convicção no auto de notícia.
IV – Com efeito, a identificação do condutor não foi colhida pelo agente autuante (no que concerne ao condutor do veículo, o auto de contra-ordenação não faz fé em juízo e nenhuma outra prova foi feita) e, ao contrário do expendido na decisão recorrida, não competia ao recorrente comprovar documentalmente a transferência da propriedade do veículo.
V – Não sendo possível identificar o condutor, a responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada recai no “titular do documento de identificação do veículo” e este continua a ser o inicial autuado, em nome de quem o veículo ainda se encontra registado.

(Em sentido algo diferente, cf. Ac.RG, Pº nº 1535/07, de 01-10-07, rel. Anselmo Lopes, também disponível in dgsi.pt-Tribunal da Relação de Guimarães)

Texto Integral

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

*
No Tribunal Judicial de Caminha, no âmbito do Recurso de Contra-ordenação nº 120/07.07.OTBCMN, por sentença de 14 de Maio de 2007, foi julgado improcedente o recurso interposto da decisão do Governador civil de Viana do Castelo que sancionara o arguido Manuel com uma coima no valor de €500 e com a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias, por ter incorrido na contra-ordenação p. e p. pelos artigos 4º, n.º 3, 138º e 146º al. l), todos do Código da Estrada (desrespeito do sinal de paragem realizado pelo agente fiscalizador de trânsito).
*
Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1- Foi violado o art.º 392° do Código Civil.
2- Uma correcta aplicação e interpretação do art.º 392° do Código Civil, será a que admita que demonstrando-se a transmissão do direito de propriedade do veículo através de prova testemunhal, dê tal facto como provado.
3- Foi dado como provado que o recorrente conduzia o veículo, com base no auto de notícia, que foi confirmado pelos agentes da Brigada de Trânsito.
4- Ora, o auto de notícia, e as declarações dos agentes, não dizem em parte alguma que era o recorrente que conduzia o veículo.
5- O veículo está registado a favor de Pedro.
6- Foi dado como provado, por mera declaração do Pedro, que a propriedade do veículo se transmitiu ao recorrente.
7- Com a prova testemunhal efectuada pelo recorrente, já não se admite que a transmissão do veículo se tenha operado para o Jaime.
8- Foi violado o art.º 32º n.º 10 da Constituição da República.
9- Com efeito, não tendo o recorrente, como não tem, qualquer documento comprovativo da transmissão do direito de propriedade do veículo, está impossibilitado de se defender no processo de modo que conduza à sua absolvição.
10- Foi violado o art.º 13° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
11- O anterior proprietário Pedro, declarou que o veículo não lhe pertencia, sendo que o recorrente também o fez, e, mais do que isso provou-o! O recorrente foi condenado, o anterior proprietário não.
12- Nem o anterior proprietário nem o recorrente apresentaram quaisquer documentos comprovativos da transferência do direito de propriedade.
13- Foi violado o art° 32° da Constituição da República Portuguesa, na medida que do mesmo é corolário o princípio "in dubio pro reo".
14- Assim, no mínimo, o que poderia ter sucedido, é a dúvida sobre se foi o recorrente a praticar o facto.
15- Dúvida essa, que levaria necessariamente à absolvição do recorrente.
Termina pedindo que na procedência do recurso, seja absolvido o recorrente.»
*
Após várias vicissitudes o recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho de 12-9-2007, constante de fls. 139.
*
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pronunciando-se pela procedência do mesmo.
*
Nesta Relação, o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer que rematou com as seguintes conclusões que se transcrevem:
a) A sentença possui uma nulidade consistente num exame crítico da prova manifestamente insuficiente e sendo-o, o mesmo está em falta;
b) Possui o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão pois não só não se pronunciou sobre matéria aduzida pelo arguido na sua contestação à acusação formulada, como também porque podendo e devendo ter realizado diligências probatórias conclusivas da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, não as levou a cabo, refugiando-se em meras generalidades redutoras do amplo direito de defesa do arguido.
c) Por isso, recurso a julgar totalmente procedente, pelas razões invocadas, determinando-se o reenvio do processo.
*
Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com o formalismo aplicável.
*
II- Fundamentação
1. É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição)
«O arguido Manuel, com os demais sinais nos autos, veio impugnar judicialmente a decisão da Direcção Geral de Viação - Delegação Distrital de Viana do Castelo, que lhe aplicou uma coima no valor de 500 euros e sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias.
Com a presente impugnação pretende o arguido a sua absolvição.
*
O processo é o próprio e válido.
Fundamentação de Facto
A) Matéria de facto provada
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
O arguido, no dia 2005-03-29, pelas 23h15m, no local EN 301, Km 1,2, conduzia o veículo com a matrícula ...T-41-49, desrespeitando o sinal de paragem, realizado por agente fiscalizador do trânsito, devidamente uniformizado e referenciado com bastão luminoso de cor vermelha, pondo-se em fuga.
O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da coima.
O arguido não tem averbado no seu RIC a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave nos últimos 5 anos.

Matéria de facto não provada
Que o arguido tivesse efectuado a venda do veículo XT, em Fevereiro de 2005 e que à data da prática dos factos, o veículo XT fosse conduzido por Jaime.

C) Convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados.
A convicção do Tribunal estribou-se primeiramente no auto de contra-ordenação de fls. 5, RIC de fls. 16 e documentos de fls. 75 a 79.
Refira-se que inquirido em audiência o pretenso adquirente do veículo em causa, o mesmo referiu que adquiriu o veículo ao recorrente, não precisando a data em que o fez e referindo que, no entanto, nunca o conduziu, visto não ser possuidor de documento que legalmente o habilite para tal.
Acrescente-se ainda que o recorrente não apresentou qualquer documento que comprove a alegado transferência da propriedade do veículo para terceira pessoa, sendo certo que tal ao mesmo competia comprovar.
Relativamente às demais testemunhas, as mesmas de relevante nada acrescentaram aos autos, sendo certo que apenas os agentes autuantes comprovaram os factos constantes do auto de notícia, não tendo este Tribunal motivos para não considerar os depoimentos destes como credíveis.

Do Direito:
Do recurso apresentado, o recorrente não nega que não pagou o montante da coima, porquanto alega que a infracção foi cometida por outro indivíduo, sendo que no entanto, não apresentou qualquer suporte documental que comprove tal alegação, tal como lhe competia.
Como se sabe, e atendendo ao objecto do presente recurso, determina o art. 139°, n.º 1 do C.E. que: «A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos».
Por outro lado, o artigo 172.° sob a epígrafe. «Cumprimento voluntário» dispõe que: 1 - É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes. 2 - A opção de pagamento pelo mínimo e sem acréscimo de custas deve verificar-se no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito. 3 - A dispensa de custas prevista no número anterior não abrange as despesas decorrentes dos exames médicos e análises toxicológicas legalmente previstos para a determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas, as decorrentes das inspecções impostas aos veículos, bem como as resultantes de qualquer diligência de prova solicitada pelo arguido. 4 ­Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 5 - O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma.
Do exposto flui que a impugnante nem sequer procedeu ao pagamento da coima, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 141° do C.E., nem sequer haveria lugar a uma eventual suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
Por outro lado, estando este Tribunal limitado às alegações proferidas pelo recorrente, como já dissemos supra, o mesmo apenas rodeia o seu recurso pugnando pela absolvição, mas do que alegou não conseguiu demonstrar em audiência.
Na verdade, estando o presente recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, assim se conclui necessariamente que mantendo-se a infracção em causa, a aplicação da sanção acessória não pode por conseguinte ser revogada sob pena de violação da legalidade.
Pelo que, e nada mais sendo objecto deste recurso, o mesmo terá de improceder.
*
Dispositivo:
Nestes termos e sem mais, não se concede provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida nos seus exactos termos e montante.
*
Custas pelo recorrente fixando-se a atinente taxa de justiça em 2 V.C: s. Notifique, advertindo-se ainda o arguido para o disposto no art. 160°, n03 do C.E. Comunique à respectiva entidade administrativa».
*
2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)
Neste recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
· Saber se a sentença possui uma nulidade consistente num exame crítico da prova manifestamente insuficiente;
· Saber se a sentença possui o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão porque não só não se pronunciou sobre matéria aduzida pelo arguido na sua contestação à acusação formulada, como também porque podendo e devendo ter realizado diligências probatórias conclusivas da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, não as levou a cabo, refugiando-se em meras generalidades redutoras do amplo direito de defesa do arguido;
· Saber se ocorre violação do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo;
· Saber se ocorre violação do disposto no artigo 392º do Código Civil, 13º, n.º 1 e 32º, n.º 10, ambos da Constituição da República.
*
3. Quer a arguida nulidade por falta de exame crítico da prova quer o arguido vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre matéria aduzida pelo arguido na sua contestação e por não ter realizado diligências probatórias conclusivas da responsabilidade contra-ordenacional do arguido) têm por objecto a matéria respeitante à venda do veículo interveniente na contra-ordenação em causa nestes autos e a data em que tal alienação terá ocorrido.
Ora, como veremos, toda esta matéria é absolutamente irrelevante para a decisão da causa.
Por isso que improcedam a nulidade e vício arguidos pelo Exmo PGA.
*
4. Efectivamente, conforme resulta da análise atenta dos autos e da decisão recorrida, o presente processo mais não é do que uma sucessão de equívocos, da autoria da autoridade administrativa, primeiro, e do juiz, depois.
Vejamos.
§1. No dia 2005-03-29, pelas 23h15m, no local EN 301, Km 1,2, o condutor do veículo com a matrícula ...T-41-49, desrespeitou o sinal de paragem, realizado por agente fiscalizador do trânsito, devidamente uniformizado e referenciado com bastão luminoso de cor vermelha, pondo-se em fuga.
Foi elaborado o correspondente auto de notícia.
Conforme consta da decisão administrativa, o processo contra-ordenacional foi instaurado primeiramente contra Pedro, em nome do qual o veículo se encontrava registado.
No âmbito daquele processo, o referido Pedro indicou o arguido recorrente como o actual proprietário do veículo, o qual requereu inclusivamente a apreensão do mesmo a fim de ser regularizada a transferência da propriedade.
Até aqui, nada há a apontar ao comportamento da autoridade administrativa.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 171º do Código da Estrada “Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da con­dução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infrac­ção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente pro­cesso.”
Uma vez que os agentes de autoridade não identificaram o autor da infracção, o auto foi naturalmente levantado contra Pedro por o veículo se encontrar registado em nome dele.
*
§2. A partir daqui, o processo administrativo, primeiro e depois, o processo judicial, não foram tramitados de acordo com a Lei.
Nos termos do artigo 152º, n.º 1 do Código da Estrada, na versão anterior ao Dec.-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, “quando o agente de autoridade não puder identificar o autor da contra-ordenação, a responsabilidade recai sobre quem for proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira, locatário por prazo superior a um ano ou sobre quem, em virtude de facto sujeito registo, for possuidor do veículo, sendo instaurado contra ele o correspondente processo.”
Simplesmente, à data da prática da contra-ordenação em causa encontrava-se já em vigor, apenas há alguns dias - e daí os equívocos – a revisão ao Código da Estrada operada pelo citado Dec.-Lei n.º 44/2005.
Nos termos do artigo 135º do Código da Estrada, onde se prevê agora a responsabilidade pelas infracções, estatui-se para além do mais que para o caso não interessa, que:
“3- A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:
a) Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução;
b) Titular do documento de identificação do veículo, relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas nas alínea anterior quando não for possível identificar o condutor.
Por seu turno, nos termos do n.º 3 do citado artigo 171º “Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.”
Ora, conforme resulta da decisão administrativa, aquele Pedro, não identificou o recorrente como autor da contra-ordenação.
Não indicou o recorrente como sendo o condutor do veículo no circunstancialismo de tempo e espaço indicados no auto de notícia.
Limitou-se a identificar o recorrente como sendo o proprietário do veículo, por lho ter vendido.
Mas “autor da contra-ordenação”, “titular do documento de identificação do veículo” e proprietário do veículo são realidades jurídicas distintas, sendo certo que o “titular do documento de identificação do veículo” (e não já o proprietário, adquirente com reserva de propriedade…) relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções que respeitem ao exercício da condição só é responsável “quando não for possível identificar o condutor” (alínea b) o n.º 3 do artigo 135º do Código da Estrada.
*
§3. Sem que se tivesse apercebido do significado e alcance da alteração legislativa entretanto ocorrida, a autoridade administrativa decidiu instaurar novo processo contra a pessoa identificada como compradora do veículo que, erroneamente, tomou como infractora.
No âmbito do inquérito instaurado contra o recorrente foi então proferida a decisão (administrativa) com o seguinte fundamento:
“Neste processo, o arguido limitou-se a alegar ter vendido o veículo em Fevereiro de 2005, sendo que a testemunha indicada apenas confirmou tal facto. Não existe qualquer prova documental que suporte tal afirmação, sendo que o veículo continua registado a favor do referido Pedro, desde 19-4-2002 o que significa que o veículo nunca esteve registado a favor do arguido. No entanto o mesmo assume ter sido proprietário do veículo em data anterior à infracção e não tendo conseguido provar que transferiu a efectivamente o veículo, decide-se condenar o arguido indeferindo-se a defesa apresentada.”
Quer isto dizer que o recorrente foi condenado por assumir ter sido proprietário (não registado) do veículo, por o haver adquirido em data anterior à infracção, e não ter conseguido provar que o vendera!
Esta decisão administrativa afronta os mais elementares princípios jurídicos, constituindo grave violação dos princípios da igualdade, da presunção de inocência e das garantias de defesa, todos eles constitucionalmente garantidos.
*
§4. Na decisão recorrida que avalizou aquela decisão administrativa, confirmando-a, os erros são ainda mais graves.
Dá-se como provado que no circunstancialismo de tempo e lugar descritos no auto de notícia era o recorrente quem conduzia o veículo.
E funda-se tal convicção no auto de notícia.
Mas neste, como dissemos, a identificação do condutor não foi colhida pelo agente autuante.
Por isso que, como de resto foi bem salientado na resposta apresentada pela Exma Procuradora-Adjunta, no que concerne ao condutor do veículo, o auto de contra-ordenação não faz fé em juízo (artigo 170º, n.º3 do Código da Estrada).
Por outro lado, considera-se que competia ao recorrente comprovar documentalmente a transferência da propriedade do veículo.
Mas, nestes autos não estava em causa a propriedade do veículo mas apenas saber se era ou não o recorrente quem conduzia o veículo no circunstancialismo de tempo e lugar mencionados no auto.
A este respeito, nenhuma prova foi efectuada.
Por isso que se impusesse sem mais, em nome do princípio da presunção de inocência, a absolvição do arguido.
Note-se que, não sendo possível identificar o condutor, a responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada recai no “titular do documento de identificação do veículo”.
Como resulta quer da decisão administrativa, quer da decisão recorrida, o recorrente não é titular de documento de identificação do veículo.
O titular do documento de identificação do veículo é ainda o referido Pedro, em nome de quem o veículo ainda se encontra registado!
*
§5. Ex abundante sempre se dirá que nem mesmo se a responsabilidade recaísse sobre o proprietário do veículo - e vimos que hoje essa asserção não tem suporte legal porquanto a responsabilidade recai antes sobre o “titular do documento de identificação do veículo” - o recorrente poderia ser condenado por não ter logrado comprovar documentalmente que transferira a propriedade do veículo para terceira pessoa ou por não se ter provado a data em que tal transferência ocorreu. Este tipo de argumentação nunca poderia admitir-se num ordenamento jurídico como o nosso, enformado pelos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
*
III- Decisão
Em face do exposto acordam os juízes desta Relação em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, absolvendo o arguido da prática da contra-ordenação que lhe vinha imputada.
*
Sem tributação.
*
Na 1ª instância será efectuada a comunicação à autoridade administrativa.
*
Guimarães, 7 de Janeiro de 2008