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RECURSO PENAL
MOTIVAÇÃO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário
I. Em processo penal, o recorrente não beneficia da prorrogação do prazo de interposição do recurso, em dez dias, por aplicação subsidiária do artº 698º, nº 6, do CPC, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto.
II. O disposto no nº 12 do artº 113º do CPP não é aplicável à apresentação da motivação do recurso interposto por declaração na acta.
III. O segundo segmento do nº 3 do artº 411º do CPP – que determina que o prazo para apresentação da motivação do recurso interposto por declaração na acta se conta da data da sua interposição e não da data do depósito da sentença recorrida, na secretaria – não viola os princípios da igualdade e das garantias de defesa, consagrados nos artºs 13º e 32º da CRP, respectivamente.
Texto Integral
I. Inconformado com o acórdão condenatório do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, proferido no âmbito do Proc. comum colectivo n.º …, dele interpôs recurso o arguido A, recurso esse que, por extemporâneo, não foi admitido.
De novo inconformado, reclamou o Arguido, nos termos do artº 405º do CPP.
Mantido o despacho reclamado e cumprido o disposto no artº 688º, nº 4, 2º segmento, do CPC, respondeu o MP, pugnando pela manutenção do despacho reclamado.
Cumpre decidir.
*
II. 1. Para indeferir, por extemporâneo, o recurso louvou-se o M.º Juiz, em substância, na seguinte fundamentação: «O recurso foi interposto em acta no dia 12 de Agosto de 2005.
Nos termos do disposto no artigo 411° n° 3 do C.P.P. impunha-se que as motivações fossem apresentadas no prazo de 15 dias a contar da data da sua interposição, não podendo o recorrente fazer uso do prazo estatuído no artigo 411 ° nº 1 do mesmo diploma legal porquanto já não se trata de prazo para interposição de recurso mas para junção das motivações do recurso já interposto.
Acresce que, por força do disposto no artigo 698° n° 6 do Código de Processo Civil, porque se tratava de recurso relativo à matéria de facto, àquele prazo acrescia-lhe, ainda, o de dez dias.
Por outro lado, importa considerar que o recorrente requereu a entrega de cópia das cassetes no dia em que interpôs o recurso mas as mesmas só lhe foram entregues no dia 23 de Agosto de 2005, ou seja, três dias depois dos oito conferidos por lei à secção pelo disposto no artigo 7º nº 2 do DL 39/95, 15/02.
Quando, por facto não imputável ao requerente, o referido prazo for ultrapassado, por decorrência do princípio estatuído no artigo 161º nº 6 do C.P.C. ex vi artigo 4° do C.P.P. o número de dias em que o mesmo se excedeu deve acrescer ao prazo conferido para recorrer (neste sentido vide Ac.RL19/05/2004, in dgsipt).
Ora, no caso vertente, a entrega das cassetes ao recorrente a 23 de Agosto impõe que ao prazo resultante do disposto no artigo 411º nº 3 do C.P.P. e 698º nº 6 do C.P.C. acresçam três dias. O prazo para entrega das motivações acabava assim no dia 09 de Setembro de 2005 e com o acréscimo previsto no artigo 145° do C.P.C. no dia 14 do mesmo mês (o dia 10 de Setembro foi sábado).
Ora, como se constata da análise de fls. 4569 - 4607 as motivações de recurso do arguido A só foi expedido no dia 15 de Setembro de 2005, i.e. muito para além do supra referido prazo. Por tal facto considera-se a sua junção extemporânea pelo que não se admitem”.
O agora decidido relativamente à junção das motivações de recurso do arguido A comporta naturais repercussões em sede de admissibilidade do seu recurso. É que, nos termos do disposto no artigo 414º nº 2 do C.P.P., o recurso não é admitido, entre o mais, se faltar a motivação.
Ora a não admissão das motivações pelos motivos supra expostos conduz à sua falta. Assim, nos termos do disposto no artigo 414º nº 2 do C.P.P. não admito o recurso interposto por A sendo que a tal não obsta o despacho proferido a fls. 4324-4325 que ressalvou, desde logo, a situação de que agora se conhece.»
Contra este entendimento, salvo no que concerne ao acréscimo de dez dias ao prazo para apresentação da motivação do recurso, por aplicação subsidiária do artº 698º, nº 6, do CPC, insurge-se, porém, o Reclamante, alegando, em síntese:
1 - Como é de ver, o despacho reclamado parte da invocação e aceitação da tese do acórdão da Relação de Lisboa de 19.05.05 (in dgsi.pt), que, também., o reclamante perfilha e, em relação à qual, não há, por isso, objecção a invocar:- em ordem à efectivação do recurso penal em matéria de facto, ao prazo de quinze dias, para a interposição de recurso ou para a apresentação da motivação do recurso entretanto interposto, referido no artº 411º do CPP, acresce o de 10 dias, referido no artº 698º nº 6 do CPC, sempre que o recurso interposto visar a reapreciação da prova gravada. Sendo, por isso, o prazo de recurso, nesses casos, de, pelo menos, 25 dias. E sendo, por outro, certo que, no limite, qualquer atraso na entrega das cassetes gravadas, entretanto pedidas, que ultrapassar o prazo de 8 dias referido no artº 7º nº 2 do DL. n° 39/95, de 15 de Fevereiro e que não seja imputável ao requerente, há que ser subtraído à soma dos sobreditos prazos de 15 dias e de 10 dias.
2 - Ora, partindo da tese de que o recurso da sentença pretendido a reapreciação da prova gravada, o respectivo prazo de interposição ou de motivação seria de, pelo menos, 25 dias e que, contado o prazo envolvido a partir do depósito da sentença em causa na secretaria, ocorrido no dia 17 de Agosto de 2005, a entrega da motivação a que havia lugar, no dia 15 de Setembro de 2005, ou seja, no 3º dia útil posterior ao decurso do respectivo prazo normal, referido no artº 145º nº 5, aplicável, ainda seria tempestiva e, embora mediante multa, de admitir, o ora reclamante veio a entregar justamente nesse dia a sua motivação de recurso. Contudo, aconteceu que, em vista da manifestação, pelo ora reclamante, da sua inconformação com o acórdão proferido e da sua vontade de recorrer através de declaração feita em acta, o recurso já estaria apresentado e, independentemente do facto de a decisão envolvida ser sentença; de o respectivo depósito dever ser feito na secretaria e de, no mesmo processo, haver vários outros arguidos, o despacho reclamado defendeu e seguiu a tese de que para o ora reclamante o prazo para o recurso ou para a apresentação da motivação a que haveria lugar devia ser contado desde logo. De modo que, para o arguido, mas, só para o arguido, o prazo para o recurso ou para a apresentação das suas motivações de recurso começou desde logo a ser contado, vindo, em função dos parâmetros da respectiva contagem, a terminar na Sexta-Feira, dia 09/09/2005. Sendo, por isso, a 4a Feira, dia 14/09/05 seguinte, justamente o 3º dia útil posterior a que se refere o artº 145º n° 5 CPC. Pelo que a motivação do ora reclamante, do dia 15/09/05 – que não já o de qualquer dos restantes arguidos processo em relação a esses argüidos o limite peremptório do prazo iria até ao dia 15/09/05 referenciado) – foi simplesmente, extemporâneo.
3 - Contudo, é de ver que, salvo o devido respeito, o despacho reclamado terá feito, a esse propósito, errada interpretação e aplicação da lei. Com efeito:
a) Sendo certo que, pelo artº 399º CPP, "É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei", é de ver que, contrariamente ao que acontece em processo civil, em processo penal, ocorre que o recurso de decisões judiciais seja de interpor por meio de requerimento devidamente motivado (artº 411º n° 3 CPC). Sendo que, em relação a decisões proferidas em audiência, porém, em atenção às situações, aos interesses e aos mecanismos processuais em jogo, o nº 2 do dito artº 411º permite que o recurso seja interposto por "simples declaração na acta". Caso em que, por impossibilidade ou inconveniência da imediata apresentação da respectiva motivação, a lei permite que esta seja apresentada no prazo normalmente prevista para o recurso, ou seja, no prazo de 15 dias referido no artº 411º nº 1 CPP, mas, contado a partir da data da interposição do recurso a que se refere. O que só não acontece quando a decisão em causa seja decisão final e estiver sujeita a depósito, Pois, como decorre do artº 373º n° 1 CPP, “Quando (…) não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data (...) para a leitura da sentença”. Sendo que, “Na data fixada procede-se à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria (…) nos termos previstos no artº 372º nº 4 CPP. Ou seja, sabendo embora que a simples “(...)leitura sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência” (artº 372º nº 4 CPP), acontece que “Logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O secretário apõe a data, subscreve a declaração de depósito e entrega cópia aos sujeitos processuais que a solicitem”. Só a partir desse depósito da sentença na secretaria devendo ser contado o respectivo prazo de recurso (artº 411º n° 1 CPP). Aliás, é de ver que ao considerarem que “Tratando-se, porém, de decisão final proferida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver sido proferida (…) O STJ, através do seu Ac. De 91.02.13, CJ, I, 27, decidiu que interposto para a acta qualquer outro recurso que não seja de decisão final, terá ele que ser motivado no prazo de 15 dias, a contar da data de interposição (...)” SIMAS SANTOS e LEAL HERNRIQUES (in "Recursos em Processo Penal, 5a ed., 2002, Rei dos Livros, nota 64, a pgs 57), parecem ir claramente no sentido da tese acabada de expor. De modo que parece poder dizer-se que, em relação ao acórdão ainda não depositado, falta a eficácia ou a plenitude da sua eficácia, por isso mesmo que, para efeitos de interposição do respectivo recurso, o início da contagem do prazo fica suspenso dependente do respectivo depósito na secretaria.
b) O caso dos autos, não se trata, pois, de caso de decisão oral reproduzida em acta (artº 411º nº 1 CPP, in fine), a qual não parece sujeita a depósito (artºs 372° n° 5 e 373° nºs 1 e 2 CPP) e em relação à qual não parece suscitar-se dúvida em que seja a partir da data da interposição em acta do respectivo recurso que se deve contar o prazo para a motivação a que houver lugar. Trata-se, antes, de acórdão, de resto, complexo lavrado e, seguidamente, lido em audiência e cuja compreensão só seja susceptível de conseguir pela respectiva leitura, em tese, só possível e de exigir a partir da data da sua disponibilização, para o efeito, pela secretaria, ocorrida após o respectivo depósito. Mas, que assim se não entendesse, seria de ver que a tese do despacho recorrido de que, em relação ao ora reclamante, que não já em relação aos demais argüidos e eventuais recorrentes do processo, em que o prazo de recurso só se contaria a partir de depósito do acórdão na secretaria, ocorrido no dito dia 17/09/005, o prazo de recurso haveria que ser contado a partir da data da leitura do acórdão em causa ocorrida no dia 12/09/05, criaria ambigüidades, assimetrias e mesmo desigualdades que, por ofensivas até do princípio da igualdade previsto pela Constituição da República, seriam intoleráveis:- numa altura em que os restantes argüidos ainda estariam em tempo de apresentar o seu requerimento de recurso, ao ora reclamante, colocado justamente na mesma situação, já não seria permitido apresentar recurso.
c) É certo que, contra a tese da tempestividade da motivação do recurso exposta, o despacho reclamado terá oposto a tese que, em relação ao argüido ora reclamante, a situação já não seria de recurso, mas tão somente de apresentação da motivação do recurso interposto em acta, configurada como distinta da primeira. Contudo, é de ver que, além de quebrar a harmonia e a unidade do prazo do recurso do acórdão em causa e de ser ofensiva do princípio da igualdade dos argüidos do processo, quanto à oportunidade de interposição do recurso, a tese referendada parece desconsiderar, de todo, o aspecto da complexidade do acto de interposição do recurso, salientado, de resto, por SIMAS SANTOS e LEAL HERNRIQUES (ibidem, pgs 59 e 60), além de contrariar o disposto no artº 113º n° 12 CPP, segundo o qual havendo vários argüidos (...), quando o prazo para a prática de actos subseqüentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser todos ou por cada um deles até ao término do prazo que começou a correr em último lugar".
4 - Daí que, sendo, nos termos expostos, o recurso do ora reclamante do 15/09/05 apresentado fora do respectivo prazo normal, mas ainda no limite do 30 dia útil posterior a que se refere o artº 145º nº 5 CPC, e, por isso, de admitir, ainda que com multa, devia o mesmo ser admitido para, normalmente, seguir a sua tramitação. Pelo que ao não entender assim, antes considerando que "(...) nos termos do artº 41º4 nº 2 do C.P.P. não admito o recurso interposto por A", o despacho reclamado terá feito errada interpretação da lei. Devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que, em atenção aos factos e à lei, o admita e mande seguir os seus termos.
II.2. Exposta a fundamentação em que se louvaram o Mº Juiz e o Reclamante, vejamos qual das posições deve prevalecer
Nos termos do artº 411º, n.º 1 do CPP, é de quinze dias o prazo para interposição do recurso e, tratando-se de sentença, conta-se a partir do respectivo depósito na secretaria.
Estatui, porém, o nº 2 do mesmo artigo que o recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na acta, caso em que “a motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da interposição”.
“O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso. Se o recurso for interposto por declaração na acta, a motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da interposição”. In casu, o recurso foi interposto do acórdão final, por declaração na acta, em 12AGO05. Daí que – tratando-se de recurso interposto por arguido preso – o prazo para apresentação da respectiva motivação terminasse em 27AGO05 (sábado), transferindo-se, porém, para o dia 29AGO05, primeiro dia útil seguinte àquele, podendo ainda ter sido interposto até ao dia 1SET05, mediante o pagamento de uma multa [art.ºs 103º, nº 2, al. a) e 104º, nº 2, do CPP e 144º, nºs 1 e 2 e 145º, nº 5, estes do CPC, aplicáveis ex vi do artº 104º, nº 1 e 107º, nº 5, do CPP, respectivamente].
Assim, apresentada a motivação do recurso em 15SET05, é manifesto que o respectivo prazo há muito se havia exaurido, mesmo que se entendesse que tal prazo deveria ser acrescido do número de dias (três, in casu) que excedeu o prazo (oito dias) pelo artº 7º, nº 2, do DL nº 39/95, de 15FEV, concedido pela secção de processos para a disponibilização de cópia da gravação das provas oralmente produzidas na audiência, uma vez que o recurso versa matéria de facto e o ora Reclamante requereu – desnecessariamente, já que o artº 7º do cit. DL nº 39/95 exige que a respectiva secção de processos, no prazo máximo de oito dias após a realização da diligência, faculte às “partes”, que a solicitem, cópia das gravações efectuadas, sem necessidade de prévio despacho e isto porque o artº 89º, nº 1, do CPP o dispensa quando aquela cópia se destine a preparar a defesa (e o recurso integra-se nas garantias de defesa do arguido) – tal disponibilização no acto de interposição do recurso e forneceu as necessárias cassetes no mesmo dia em que interpôs recurso.
A falta de motivação (a que equivale a tardia apresentação) determina que o recurso não seja admitido (artºs 411º, nº 3 e 414º, nº 2, ambos do CPP).
II.3. Sustenta, porém, o Mº Juiz, com o aplauso do Reclamante que, visando o recurso a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, o prazo de interposição de recurso referido no artº 411º, nº 1, do CPP, ou do prazo de apresentação da respectiva motivação (quinze dias) é acrescido de dez dias, por aplicação subsidiária do artº 698º, nº 6, do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.
Salvo o devido respeito, não pode ser acolhido tal entendimento pelas razões aduzidas em várias decisões por mim proferidas no âmbito de processos de reclamação, nomeadamente na decisão proferida em 31JAN05, no processo nº 250/05 [1] , cuja exposição seguirei de muito perto.
Com efeito, não se vislumbra que o CPP, nesta matéria, enferme de qualquer lacuna cuja integração apele à aplicação do disposto no artº 698º, nº 6 do CPP, por exigência do artº 4º do CPP.
Na verdade, o CPP actual “procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal, tornando-a mais independente do processo civil. Isto é notório ao longo de todo o Código, e atinge a máxima expressão em matéria de recursos.” [2]
Assim, v.g., são diferentes os prazos de interposição de recurso estabelecidos no CPP (15 dias) e no CPC (10 dias); enquanto no processo penal a motivação tem, em regra, de ser apresentada com o requerimento de interposição de recurso, sob pena de não admissão do recurso (artº 411º, nº 3), no processo civil as alegações de recurso são apresentadas posteriormente, correndo o prazo a partir da notificação do despacho de recebimento do recurso (artºs 698º, nº 2 e 743º, nº 1); sendo igual, no CPP e no CPC, o prazo de reclamação contra o indeferimento ou a retenção do recurso, poderia o CPP limitar-se a remeter expressa – tal como fez no que concerne à contagem dos prazos de actos processuais (artº 104º, nº 1) e à prática do acto fora do prazo legal (artº 107º, nº 5) – ou tacitamente para a norma do CPC que estabelece tal prazo (artº 688º, nº 2); enquanto no processo penal, tal reclamação é processada em separado [3] , no processo civil é autuada por apenso (artº 688º, nº 3 do CPC).
Os casos exemplificativamente apontados demonstram que o CPP se alheou do CPC, em matéria de recursos, estabelecendo uma disciplina autónoma.
Não estabelece a lei processual penal qualquer destrinça no que concerne ao prazo de interposição de recurso, vise ou não a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, e a regra da improrrogabilidade dos prazos conhece apenas duas excepções, contempladas no artº 107º, nºs 5 e 6 do CPP, nas quais se não inclui o pretendido alongamento do prazo de interposição de recurso que vise a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto ou do prazo de apresentação da respectiva motivação.
Se o legislador processual penal quisesse que o recorrente beneficiasse da prorrogação do prazo de interposição de recurso ou de apresentação da respectiva motivação em dez dias, por aplicação subsidiária do nº 6 do art. 698º do CPC, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, tê-lo-ia dito apertis verbis, designadamente aquando da revisão do CPP operada pela Lei nº 59/98, de 25AGO, que procedeu ao alargamento do prazo de interposição de recurso e de apresentação da respectiva motivação de 10 para 15 dias, introduziu os nºs 4 do artº 412º (que exige a transcrição da gravação das provas que impõem decisão diversa da recorrida) e 6 do artº 107ª (que permite que o juiz prorrogue os prazos previstos nos artºs 78º, 287º e 315º, até ao limite máximo de 20 dias, quando o procedimento se revelar de especial complexidade, nos termos do artº 215º, nº 3, parte final) e elevou à categoria de regra geral a documentação das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento que decorrer perante tribunal singular (só não haverá lugar a essa documentação se os sujeitos processuais dela prescindirem – artº 364º, nºs 1 e 2).
De referir que a revisão do CPP levada a cabo pela cit. pela Lei nº 59/98 prestou particular atenção ao regime de recursos.
Também para Cunha Rodrigues [4] , “salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no código de processo civil (artº 4º do Código), os recursos penais passam a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis.”
E a improrrogabilidade do prazo de interposição de recurso e de apresentação da motivação – que colhe a sua justificação em princípios e interesse de ordem pública – não é, seguramente, um “pormenor de regulamentação”.
Diga-se, por último, que o normativo do nº 6 do artº 698º não se harmoniza com o processo penal, como o exige o artº 4º do CPP, cujo regime de recursos é dominado pela preocupação de “potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência”, como se refere no proémio do CPP, desiderato este que não se compagina com a prorrogação do prazo de interposição de recurso e de apresentação da motivação.
A improrrogabilidade do prazo de interposição de recurso ou do prazo de apresentação da respectiva motivação – ditada, como se referiu, por princípios e interesse de ordem pública – é também reclamada pela necessidade de não prolongar a prisão preventiva dos arguidos que se encontram nessa situação.
No sentido da não aplicação do cit. artº 698º, nº 6 ao processo penal decidiram, entre outros, os Acs. RC, de 24ABR02,CJ, 2002, t. III, p.41, RP, de 29OUT03, CJ, 203, t. IV, p. 217 e despacho do Presidente da RL, de 30NOV01, CJ, 2001, t. 145.
II.4. Não colhe igualmente o argumento que o Reclamante pretende extrair do disposto no artº 113º, n° 12, do CPP, que reza assim: “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
É que não estamos perante uma notificação feita a vários arguidos ou assistentes para a prática de actos subsequentes, mas perante um recurso interposto por conveniência do ora Reclamante, por declaração na acta, antes, pois, do normal dies a quo (o depósito da acórdão na secretaria).
Aliás, flui claramente do dispositivo acabado de transcrever que, havendo vários arguidos ou assistentes e o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto só pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar se a lei – expressamente – o disser. São os casos, entre outros, da apresentação da contestação e rol de testemunhas e do requerimento para abertura da instrução em que a própria lei (artºs 315º, n.º 1 e 287º, n.º 6, respectivamente) manda aplicar o disposto no n.º 10 do cit. artº 310º, correspondente ao actual n.º 12 do mesmo artigo, cuja redacção foi introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15DEZ.
II.5. E não se diga, como defende o Reclamante, que a opção legislativa, na interpretação exposta, contende com os princípios da igualdade e das garantias de defesa a que, respectivamente, os artºs 13º e 32º da Lei Fundamental conferem dignidade constitucional.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou inúmeras vezes sobre o invocado princípio da igualdade, nomeadamente, no AC. n.º 583/00, publicado inDR, II série, de 9OUT00, do qual se transcrevem os seguintes excertos: “Segundo jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual para situações desiguais.
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionariedade (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 150/2000 [...]”, publicado inDR, II série , de 9 de Outubro de 2000.
“Cabe, assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas os casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar se, num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cfr. Acórdão n.º 186/90, inAcórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., p. 383).”
Regressando ao caso sub judice, dir-se-á, liminarmente, que, contrariamente ao que sustenta o Reclamante, o prazo para a apresentação da motivação do recurso é, na prática, sempre o mesmo (quinze dias) quer o recurso seja interposto por simples declaração na acta quer seja interposto, por requerimento, em prazo contado do depósito da sentença (ou do acórdão). O que é diferente é o dia a partir do qual se conta o prazo para a apresentação da motivação: da data da interposição do recurso por declaração na acta, no primeiro caso; do depósito da sentença na secretaria, no segundo caso, já que, neste último caso, a motivação integra o próprio requerimento de interposição do recurso (apresentado no prazo de quinze dias, contado do depósito da sentença, repete-se).
Face à diferença de situações é razoável que ao legislador seja consentido estabelecer distinções quanto ao momento da apresentação da motivação do recurso: em regra, com o próprio requerimento de interposição do recurso; no prazo de quinze dias, a contar da data da interposição, se o recurso for interposto por declaração na acta.
E na diferenciação do momento de apresentação da motivação do recurso existe um fundamento material baseado num valor a que a Lei Fundamental não poderia ser alheia: as garantias de defesa do arguido. É que a motivação é um acto cuja complexidade não consente, normalmente, que seja ditada, de imediato, para a acta, mormente quando se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, da qual devem constar as especificações exigidas pelo artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP. As garantias de defesa do arguido exigem mesmo uma diferenciação de tratamento no que concerne ao momento de apresentação da motivação do recurso, consoante o recurso seja interposto ou não por declaração na acta.
O entendimento do Reclamante conduziria, no aspecto em questão, a que fosse indiferente interpor recurso da sentença, por declaração na acta, ou por requerimento após o depósito.
Mais: constituiria flagrante violação do princípio da igualdade. Na verdade o arguido que interponha recurso, por requerimento, da sentença, após o depósito desta na secretaria, dispõe de quinze dias para interpor e motivar o recurso; o arguido que interponha recurso da sentença, por declaração na acta, teria aquele prazo para apresentar a motivação do recurso, acrescido do prazo que decorre desde a data de interposição do recurso até ao depósito da sentença na secretaria.
Não pode interpor-se recurso por declaração na acta e beneficiar-se do prazo de apresentação da motivação do recurso interposto por requerimento, em prazo contado do depósito da sentença na secretaria.
Se o Reclamante queria beneficiar do prazo de apresentação da motivação do recurso interposto por requerimento, contado do depósito do acórdão na secretaria, bastar-lhe-ia ter interposto o recurso por essa forma em vez de o ter interposto por declaração na acta.
Enfim, a admissão do recurso pelo Arguido interposto significaria a prorrogação ilegal do prazo – peremptório – de apresentação da motivação do recurso.
Não tendo a motivação do recurso sido apresentada atempadamente – podendo ter sido – não há que falar de violação das garantias de defesa.
Diga-se, por último, que uma coisa é o direito ao recurso – inquestionavelmente um elemento integrador das garantias de defesa do arguido, a que o cit. artº 32º, nº 1, confere dignidade constitucional – outra, bem distinta, são as condições de exercício desse direito, nelas se incluindo a definição do momento da apresentação do recurso e da respectiva motivação, dispondo o legislador (como, aliás, no concernente à definição das decisões susceptíveis de ser impugnadas por via de recurso) duma larga margem de liberdade nesta matéria, contanto que o prazo para o efeito estabelecido não se traduza – como, in casu, se não traduz – no encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
III. Face ao exposto, na improcedência da reclamação, confirma-se o despacho reclamado.
Custas pelo Reclamante.
Évora, 28 de Novembro de 2005.
(Elaborado e integralmente revisto pelo signatário).
(Manuel Cipriano Nabais)
______________________________
[1] Publicada in CJ, ano XXX, tomo I-2005, p.264. [2] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., p. 95. [3] Neste sentido, Maia Gonçalves, op. cit., p. 719, e Simas Santos/Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II vol., p. 497. [4]In Jornadas de Direito Processual Penal (CEJ), p. 384.