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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
PEÃO
Sumário
I – Um cilindro que compacta o betão numa via pública, é considerado veículo automóvel.
II – É único culpado pelo acidente, o peão que não atenta nos sinais de obras e é colhido por um cilindro que, deslocando-se a menos de 3 Km/h, estava a menos de um metro do peão, quando este procedeu à travessia.
Texto Integral
PROCESSO Nº 1491/05 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” e “B”, intentaram contra “C”, “D”, “E” e “F”, a presente acção com processo ordinário pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia total de Esc. 7.516.500$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação que vitimou sua mãe “G”.
Regularmente citados contestaram os RR.: “C” impugnando a matéria de facto alegada relativa ao acidente e os montantes indemnizatórios peticionados. “F” excepcionando a competência material do Tribunal e impugnando a factualidade relativa ao acidente, cuja responsabilidade imputa à própria vítima. “D” excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando a versão do acidente alegada pelos AA., imputando ao peão a culpa da sua ocorrência. “E” acompanhando a contestação deduzida pela “D”.
Os AA. responderam nos termos de fls. 456/457.
Pelo articulado de fls. 219/221, “H” veio deduzir pedido de reembolso da quantia de Esc. 309.820$00 e respectivos juros, relativa a prestações pagas por morte da mãe dos AA.. “F” contestou tal pedido alegando não ter qualquer responsabilidade na verificação do acidente.
Pelo despacho de fls. 199/200 foi a instância suspensa nos termos do artº 279 nº 1, 2ª parte do CPC até decisão do processo crime que no 2º Juízo Criminal do Tribunal de … seguia termos com o nº …
Proferida nesse processo sentença penal condenatória de “I” como autor material de um crime de infracção de regras de construção negligente, p.e p. pelo artº 277 al. a) nº 3, agravado nos termos do artº 285, todos do CP de 1995 e absolutória do arguido “E”, os autos prosseguiram a sua normal tramitação, vindo a ser proferida decisão julgando o Tribunal Cível de … materialmente incompetente para conhecer da causa e competente o tribunal administrativo.
Tal decisão veio a ser revogada nesta Relação em sede de recurso interposto pelos AA., tendo sido reconhecida a competência material daquele tribunal.
Na sequência da sentença penal condenatória supra referida, os AA. vieram deduzir incidente de intervenção principal provocada de “J” e de “K”, a qual veio a ser admitida pelo despacho de fls. 459/460.
Regularmente citados, os chamados contestaram excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando a versão do acidente, imputando ao peão a culpa exclusiva na sua verificação, requerendo ainda o chamado “K” a intervenção provocada de “L”, por ser à data do sinistro o director da obra, de quem ele próprio era apenas adjunto.
Os AA. responderam e não se opuseram ao requerido chamamento.
Foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas e indeferida a requerida intervenção provocada de “L” tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, com organização da base instrutória, despacho que foi objecto de reclamação das partes, parcialmente deferida nos termos do despacho de fls. 1176.
Inconformada com o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade que deduziu, dele agravou a Ré “D”, recurso admitido com subida a final.
Realizada a audiência de julgamento, foi, por fim, proferida a sentença de fls. 1129 e segs., que julgando a acção parcialmente procedente, de passo que absolveu os RR. “F”, “E” e o chamado “K” do pedido, condenou os RR. “D”, o “C” e o chamado “J” a pagarem, solidariamente e na proporção de 80% aos AA. a quantia de Esc. 6.500.000$00 (€ 32.421,86), ou seja, € 25.937,48 correspondente a 80% - a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora às taxas legais desde a citação.
Mais os condenou a pagarem aos AA. os valores que se vierem a apurar em liquidação de sentença relativamente aos danos decorrentes da destruição do vestuário e adornos em ouro da falecida “G”, acrescidos dos juros moratórios legais e ainda a pagarem ao “H”, a quantia de € 1.236,30, correspondente a 80% da quantia pedida de Esc. 309.820$00/€ 1.545,38, acrescida de juros moratórios legais, desde a citação.
Inconformados, apelaram os RR. “C” e “D”, declarando esta o seu interesse na subida do agravo retido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como é sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso, pelo que apenas abrange as questões nelas contidas (artºs 684 nº 3 e 690 nº 1 do C.P.C.).
Com vista ao conhecimento dos recursos interpostos, a efectuar-se pela respectiva ordem de interposição nos termos do artº 710 nº 1 do C.P.C., urge, pois, conhecer o teor das respectivas conclusões.
São as seguintes as conclusões apresentadas pela Ré “D”
No AGRAVO:
1 - A Ré, ora agravante, celebrou com a “M”, um contrato de seguro, titulado pela apólice nº …, mediante o qual esta assumiu a responsabilidade civil extra-contratual, emergente de acidentes ocorridos durante o exercício da sua actividade no “local do risco” - a obra em causa - por acção ou omissão, nomeadamente, aqueles causados por “máquinas destinadas à construção civil e utilizadas dentro do recinto das obras desde que não sujeitas a seguro obrigatório (cfr. alínea R) da matéria de facto assente e contrato de seguro junto a fls. dos autos);
2 - Onde se incluem os danos alegados pelos AA. na medida em que o acidente sub judice envolve uma máquina industrial propriedade da Ré, ora agravante, no local onde esta se encontrava a asfaltar uma via pública.
3 - O despacho recorrido julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da agravante, por entender que o veículo envolvido no sinistro em causa, é uma máquina equiparada ao conceito de veículo automóvel, constante do artº 111 nº 1 do D.L. 114/94 de 03/05 (Cód. da Estrada) e como tal, sujeito ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nos termos do artº 1º do D.L. 522/85 de 31/12;
4 - A máquina não é um veículo automóvel porque não serve para transporte de pessoas e/ou coisas, destinando-se apenas à compactação de betuminoso, sem transitar em vias públicas abertas a circulação automóvel e pedonal, apenas laborando em vias total ou parcialmente encerradas ao trânsito automóvel de peões;
5 - A aludida máquina não é um veículo automóvel, porque quando tem de deslocar-se através de vias que se encontram abertas ao trânsito não o faz pelos seus próprios meios, mas sim sendo transportada por um porta-máquinas;
6 - O cilindro em apreço não é um veículo automóvel porque não está sujeito a matrícula, nos termos do Dec. Regulamentar 64/94 de 11/11 e a sua “ ... velocidade não excede a de uma pessoa a pé” e “... não tem os mínimos requisitos de espaço, de segurança ou de comodidade para os seus ocupantes”
7 - A máquina em causa não é um veículo automóvel, razão pela qual não está sujeita a imposto ou registo automóvel;
8 - A referida máquina não pode ser equiparada a veículo automóvel, para efeitos do artº 111º do Código da Estrada e, em consequência não pode a mesma ficar abrangida pelo regime do D.L. 522/85; abrangendo o contrato de seguro realizado entre a “D” e a “M”, a máquina em apreço.
9 - Atento o valor do capital seguro - Pte: 5.000.000$00 e o valor do pedido - Pte 7.516.500$00 - estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, tal como o define o artº 28 nº 1 do C.P.C., sendo a agravante parte ilegítima na lide - nos termos do artº 494 al. e) do CPC - na medida em que o risco foi validamente transferido para aquela companhia de seguros e sobre esta recai também, o dever de assumir a responsabilidade civil resultante deste acidente.
10 - À cautela e sem prescindir, a considerarmos a dita máquina um veículo automóvel, para efeitos do artº 111º do D.L. 114/94, a mesma não está abrangida pela obrigatoriedade da aposição de matrícula, nem de registo de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel, devendo aplicar-se à máquina em causa o regime das máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula e que por força do nº 2 do artº 1º do D.L. 522/85 não são obrigadas a seguro automóvel;
11 - De facto, o tipo de máquinas em causa não transita em vias públicas abertas ao trânsito e/ou efectuam transporte de pessoas e/ou coisas, pelo que não necessitam de seguro de responsabilidade civil obrigatório;
12 - Ora, o cilindro de compactação de betuminoso em causa, não pode considerar-se um veículo automóvel enquanto meio instrumental do risco específico de viação e, como tal, sujeito ao tipo de seguro obrigatório supra identificado;
13 - Ou seja, ainda que se entenda que o cilindro de compactação de betuminoso é uma máquina para efeitos do artº 111º do Código da Estrada - na versão em apreço - a mesma não está sujeita a seguro de responsabilidade civil automóvel, devendo, também, por esta razão, proceder a excepção de ilegitimidade da Ré, absolvendo-se a mesma da instância porquanto o pedido dos AA. deverá ser apreciado também contra a “M”, com a qual a agravante celebrou o contrato de seguro supra aludido, transferindo parcialmente para a mesma, a sua eventual responsabilidade civil emergente do acidente sub judice.
O “C” veio a fls. 866, na qualidade de agravado, acompanhar as alegações da recorrente.
Os AA. contra-alegaram nos termos de fls. 934 e segs. concluindo pela confirmação da decisão recorrida.
Nas APELAÇÕES:
Da Ré “D”:
1 - Na altura do acidente, a via de circulação onde “G” pretendeu efectuar a travessia, estava a ser objecto de obras de reparação e conservação, que consistiam na colocação de um tapete de asfalto numa extensão de cerca de 70 metros, utilizando, nomeadamente, um cilindro de pneus, estando o pavimento da faixa de rodagem do lado da vítima visivelmente quente (temperatura de cerca de 80 graus) e com emissão de vapores,
2 - A sinalização e os meios de prevenção existentes no local eram claramente visíveis e suficientes, transmitindo dessa forma a mensagem adequada a todos os utentes da via, os quais estavam obrigados a uma redobrada atenção e diligência, estando no local ainda um trabalhador a exercer funções de sinaleiro;
3 - As características do local e da obra - Estrada Nacional nº …, ao Km 6.7 em …, concelho de …, que passa no meio da povoação e a mobilidade da mesma - não reuniam condições para criar um caminho de passagem obrigatória para peões, sendo que os meios de sinalização e prevenção existentes eram os adequados para aquelas condições, verificando-se assim que a apelante cumpriu o disposto no artº 14º nºs 1 e 2 do Decreto Regulamentar 33/88 de 12/09, encontrando-se reunidas as condições para a dispensa a que se refere o artº 20º nº 4 do mesmo diploma, conclui-se que a apelante não violou o disposto no Dec. Regulamentar 33/88 de 12/09;
4 - Conforme consta da sentença recorrida, resulta clarividente que “nenhum cidadão medianamente prudente, avisado, cuidadoso e atento se atreveria a iniciar a travessia daquela via, naquelas circunstâncias concretas” agindo assim a sinistrada de forma precipitada ao ignorar toda a sinalização existente e a evidência do cilindro se encontrar em movimento;
5 - Pelo exposto não estão assim verificados todos os requisitos estabelecidos no artº 483º nº 1 do C. C., nomeadamente, constata-se que a apelante não agiu de forma ilícita ou com culpa;
6 - Pelas mesmas razões também não pode ser assacada qualquer responsabilidade ao seu comissário - o interveniente “J” - concluindo erroneamente a douta sentença recorrida pela responsabilização da apelante nos termos dos artºs 500 nºs 1, 2 e 3 e artº 497º do C. C..
7 - Nas circunstâncias de tempo e ocorrência de obras profusamente sinalizadas, impunha-se um especial dever de cuidado à sinistrada, equivalente à conduta objectivamente tida e exigível ao “bonus pater familias”, medida padrão que aquela deveria ter adoptado e considerada como normativamente exigível (cfr. também artº 487º nº 2 do C. C.).
8 - Efectivamente, atento o facto de “G” ter desrespeitado a sinalização existente, nomeadamente “Perigos Vários” e “Trabalhos na Via”, foi esta a causa adequada à produção do acidente, impondo-se pelas circunstâncias do acidente concluir que, o acidente resultou única e exclusivamente da sua conduta, não se verificando os requisitos legais para a condenação da apelante por via do artº 493º nº 2 do C. C.;
9 - Pelas razões aduzidas, pelo menos, o grau de responsabilidade da “G” na ocorrência do mesmo, é equivalente ao da ora apelante, caso se entenda que a sinalização existente era insuficiente face à lei - o que se admite para efeitos de raciocínio mas sem conceder;
10 - Termos em que, a sentença recorrida também fez uma errada interpretação e aplicação do direito, violando o artº 483º nº 1 do C. C., ao entender que a apelante teve culpa - sob a forma de negligência - na produção do acidente em causa, assim como o artº 570 nº 1 do C. C., ao entender que a culpa da apelante - ou do seu comissário-, na produção do acidente era de 80%;
11 - A ora apelante foi ainda condenada a pagar solidariamemte e na quantia a liquidar em execução de sentença, os danos decorrentes da destruição do vestuário e adornos em ouro da “de cujos”, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor desde a data da citação, nos termos do artº 661º nº 2 do CPC;
12 - Contudo, e salvo o devido respeito, o Dmº Juiz a quo, fez uma errada interpretação do artigo em apreço, porquanto o mesmo “só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade mas sim como a consequência de ainda não se conhecerem, com exactidão as unidades componentes da universalidade ou de ainda não se terem revelado ou estarem em evolução, algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa; isto é, a carência de elementos não se refere à inexistência de factos provados, porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução, aquando da propositura da acção, ou que como tais se apresentavam no momento da decisão de facto (Ac. STJ de 17/01/95, inédito, proferido no proc. nº 85801).
13- No caso sub judice, não resultaram provados os factos alegados e relativos à identificação das peças de vestuário e seu valor, assim como, dos adornos em ouro, apenas se provou que a mesma tinha “pelo menos uns brincos e um anel” em valor não apurado (vidé resposta aos artºs 10º e 11º da base instrutória), razão pela qual não estamos perante um caso de aplicabilidade do artº 661º nº 2 do CPC, mas sim perante um fracasso de prova pelos apelados;
14 - Acresce que a condenação da apelante na quantia ilíquida em apreço, não foi efectuada na proporção do grau de responsabilidade emergente da sentença proferida, ou seja, 80% do valor a apurar, existindo claramente uma contradição entre os fundamentos e a decisão, na parte ora em apreço, estando assim a sentença proferida ferida de nulidade parcial, nos termos do artº 668º nº 1 al. c) e nº 3.
“C”:
1 - Toda a fundamentação da douta sentença se prende com a falta de sinalização das obras.
2 - Assim se não compreende que, não havendo qualquer facto que se subsuma a uma norma do Código da Estrada, que tenha sido infringida pelo condutor do cilindro, seja o “C” condenado no pagamento da indemnização arbitrada.
3 - O “C” é garante da obrigação de terceiro que, sendo obrigado ao seguro de responsabilidade civil automóvel, o não tenha celebrado.
4 - Mas, o seguro de responsabilidade civil automóvel não é obrigatório para cilindros de pavimentação, não sujeitos a matrícula, em lugar paralelo ao que o artº 1º nº 2 do D.L. 522/85 de 31/12 dispõe para as máquinas agrícolas.
5 - O cilindro de pavimentação aliás, estava a circular em zona de obras, onde estava suspensa a circulação - artº 9º do C. da Estrada de 1994, o que subtrai tal zona à aplicação do Cód. da Estrada.
6 - Ademais, o “C” não é garante do responsável pelas obras. Quando muito seria garante do condutor e do proprietário do veículo, mas o condutor foi absolvido e o “C”.
7 - Nenhuma norma de direito estradal está indicada como violada pelo condutor do cilindro.
8 - Assim, porque a orientação da sentença foi a falta de sinalização de obras, sendo essa a fundamentação, a condenação do “C” configura a nulidade do artº 668º nº 1 al. c).
9 - Condenado o “C” sem que o condutor do cilindro seja condenado, viola-se o artº 29º nº 6 do D.L. 522/85 de 31/12, pois o “C” é mero garante do responsável civil.
10 - A função de garante do “C” está plasmada nos artºs 21º e segs. do D.L. 522/85 de 31/12 e nada na fundamentação da douta sentença nos permite subsumir a situação dos autos a essas normas, porque o veículo não é destinado à circulação na via pública, nem o fazia no momento e não é sujeito a matrícula nem a seguro automóvel de responsabilidade civil.
11 - Interposto recurso de agravo por “D”, ao qual o “C” aderiu, deve o mesmo ser apreciado por essa Veneranda Relação.
Os AA. contra-alegaram nos termos de fls. 1242 e segs. concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância:
1 - Por virtude do acidente em causa nos autos, os AA. intentaram em 22/04/97 acção declarativa de condenação contra a “M”, a qual correu seus termos no 1º Juízo Cível deste Tribunal com o nº …, vindo a Ré a ser absolvida do pedido no despacho saneador, nos termos do despacho junto a fls. 456/457, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (al. A)).
2 - A Ré “D” é proprietária do cilindro de compactação de betuminoso, marca …, modelo …, com o código … (al. B)).
3 - O R. “E” era o motorista que na ocasião do sinistro conduzia o referido cilindro por conta e no interesse da Ré “D” (al. C)).
4 - Os AA. são filha e filho de “G”, viúva, residente que foi na Rua …, nº … em … (al. D)).
5 - Em 12/04/95, cerca das 16 horas, a mãe dos AA foi vítima de acidente de viação que lhe provocou a morte (al. E)).
6 - Do referido acidente foi levantado o respectivo auto pela GNR local, dando origem ao processo crime nº … que correu termos no 2º Juízo Criminal deste tribunal, tendo já sido proferida sentença final transitada em julgado, cuja certidão se encontra junta a fls. 231 e segs. destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. F)).
7 - O acidente em causa nos autos verificou-se na E.N. …, ao Km … em …, concelho de … (al. G)).
8 - Em 12/04/95, “G” dirigiu-se ao referido local, para atravessar para o lado oposto, cruzando a via de circulação que limita o jardim da praça ali existente (al. H)).
9 - Encontrava-se aquela via de circulação a ser objecto de obras de reparação e conservação as quais eram executadas pela Ré “D”, por conta da “F” (al. I)).
10 - Na altura, a faixa de rodagem do lado da vítima encontrava-se a ser coberta com um novo tapete de asfalto, pelo cilindro descrito em B) (al. J)).
11 - O trânsito automóvel fazia-se nos dois sentidos, pela outra faixa de rodagem (al. L)).
12 - Não existia qualquer sinalização ou vedação que impedisse a circulação de peões (al. M)).
13 - Quando se encontrava a efectuar a travessia da referida via, “G” veio a ser colhida pelo aludido cilindro, o que lhe provocou a morte quase imediata (al. N)).
14 - Tinha nessa data 76 anos de idade (al. O)).
15 - Na cabina do cilindro existem dois bancos e a máquina era conduzida e operada por uma só pessoa (al. P)).
16 - A vítima “G” gozava de boa saúde e deslocava-se com facilidade (al. Q)).
17 - À data do acidente, 12/04/95, a Ré “D” havia transferido a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros, materiais ou corpóreos, pelas máquinas destinadas à construção civil e utilizadas na obra referida, para a companhia de seguros “M”, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº … (al. R)).
18 - Estão excluídos desse contrato de seguro os danos causados por veículos sujeitos a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (al. S)).
19 - À data do sinistro, “J” trabalhava na empresa aqui Ré “D” (al. T)).
20 - O “H” pagou à A. “A”, a título de despesas de funeral de “G” a quantia de 309.820$00 (al. U)).
21 - À data do acidente, as condições climatéricas eram boas, apresentando-se o tempo seco e com boa visibilidade (artº 1º da B.I.)
22 - No dia 12/04/95 “G” pretendia atravessar a via supra referida em local onde antes existia uma passadeira de peões e à data não era visível pelas obras em curso no local (artº 2º da B.I.)
23 - O funcionamento do cilindro fazia-se avançando cerca de 70 metros para a frente, recuando depois igual distância, sem o condutor mudar de posição (artº 5º da B.I.).
24 – “G” foi atingida e esmagada pela referida máquina na faixa de rodagem em obras, a cerca de ½ a um metro de distância do passeio por onde circulava, antes de iniciar a travessia da via (artº 6º da B.I.).
25 - O aludido cilindro tinha uns pneus de grandes dimensões (artº 7º da B.I.)
26 - Que contribuíram para que o respectivo condutor não se apercebesse da presença da vítima (artº 8º da B.I.)
27 - Em consequência do acidente, “G” ficou com o seu vestuário destruído, de valor não concretamente apurado (artº 10º da B.I.).
28 – “G” trazia colocadas várias peças de adorno em ouro, pelo menos uns brincos e um anel, de valor não concretamente apurado (artº 11º da B.I.)
29 - Os AA. despenderam em flores, com o funeral, valor não concretamente apurado (artº 12º da B.I.)
30 - Com a deslocação do padre, despenderam os AA. valor não concretamente apurado (artº 13º da B.I.).
31 - Fato dito “sumário” para transportar os restos mortais, 25.000$00 (artº 14º da B.I.)
32 - Os AA. sofreram dor com a perda de sua mãe, de quem eram muito próximos (artº 16º da B.I.)
33 - O troço onde decorriam as obras estava sinalizado com sinalização temporária, sendo que a sinalização existente consistia nos sinais de “Perigos Vários”, “Proibição de Ultrapassagem” “Trabalhos na Via”, “Aproximação de Sinalização Luminosa”, sinal de limite de velocidade, e ainda 2 semáforos colocados nas extremidades da obra em curso( artº 18º da B.I.)
34 - Visível a qualquer utente que quisesse atravessar a faixa de rodagem (artº 19º da B.I.).
35 - Os passeios adjacentes à via em obras não se encontravam afectados pelos trabalhos (artº 20º-A da B.I.).
36 - A extensão de pavimento a compactar pelo cilindro de pneus é de cerca de 70 metros, em termos médios (artºs 22º e 22º-A da B.I.)
37 - A vítima foi atingida a cerca de ½ a um metro do lancil do passeio e a metade da faixa de rodagem onde ocorreu o acidente tinha três metros (artº 23º da B.I.)
38 - A existência de dois bancos no cilindro visa possibilitar que o operador se coloque num ou noutro banco, consoante a meia faixa em que está trabalhar, de modo a poder observar e controlar o lancil do passeio e as zonas de remate do pavimento (artº 24º da B.I.)
39 - Quando a máquina se desloca num determinado sentido, à velocidade normal de 1 a 3 Kms/hora esta tem de parar e só depois é possível iniciar a marcha atrás (artº 28º da B.I.).
40 - Pelas características do cilindro, o seu condutor não tem visibilidade traseira no espaço de 1 metro e meio (artº 29º da B.I.)
41 – “G” pretendeu efectuar a travessia da via em local onde habitualmente se situava uma passadeira que no momento estava tapada pela nova cobertura de asfalto (artº 30º da B.I.)
42 - Na rua onde aquela pretendia atravessar existem três passadeiras para peões a distâncias inferiores a 50 metros, perpendicularmente ao eixo da via (artº 31º da B.I.).
43 - O cilindro em causa atinge a velocidade máxima de 5 Km/hora em obra e fora desta pode atingir cerca de 30 a 40 km/hora (artº 32º da B.I.).
44 – “G” iniciou o trajecto de passagem da meia faixa do seu lado, quando o cilindro já se encontrava muito perto de si, tendo sido atingida pela parte traseira direita do mesmo (artº 33º da B.I.).
45 – “K”, à data dos factos e na obra onde ocorreu o acidente, exerceu funções de adjunto do director da obra (artº 36º da B.I.).
46 - Existia um trabalhador a exercer funções de sinaleiro, com vista a controlar o trânsito de veículos automóveis (artº 41 da B.I.).
47 - Os responsáveis máximos pela segurança da obra era a empresa empreiteira e aqui Ré a sociedade “D”, na pessoa do encarregado geral da obra e do director da obra, bem como o dono da obra, a “F” na pessoa dos seus fiscais, cabendo também a estes a fiscalização da sinalização (artº 42º da B.I.)
48 - A elaboração do esquema de sinalização da obra competia à empreiteira adjudicatária, aqui Ré “D” (artº 43º da B.I.)
49 – “K” era engenheiro técnico ao serviço da “D”, à data do sinistro (artº 44º da B.I.)
Estes os factos.
Conhecendo agora dos recursos segundo a respectiva ordem de interposição:
DO AGRAVO:
Insurge-se a Ré “D” contra a decisão que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade por si arguida, defendendo, em resumo, que ao contrário do decidido, a máquina envolvida no acidente - cilindro de compactação de betuminoso -, não é um veículo automóvel para efeitos do disposto no artº 111º do C. E. e, como tal, não está sujeito ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nos termos do nº1 do D.L. 522/85 de 31/12.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, não estando a referida máquina abrangida pela obrigatoriedade de aposição de matrícula, nem de registo de propriedade na C.R. Automóvel, sempre lhe seria aplicável o regime das máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula e que por força do nº 2 do artº 1º do D.L. 522/85 não estão obrigadas a seguro automóvel.
Daí que deve procede a excepção da sua ilegitimidade, porquanto o pedido das AA. deverá ser apreciado também contra a Companhia de Seguros “M” com a qual celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidentes ocorridos durante o exercício da sua actividade no local da obra onde ocorreu o acidente em causa.
Vejamos.
Reproduzindo praticamente o nº 1 do artº 27 do C. E. de 1954, o nº 1 do artº 108 do mesmo Código aprovado pelo D.L. 114/94 de 3/05 (aplicável ao caso em apreço) define veículos automóveis como todos os veículos de tracção mecânica destinados a transitar pelos seus próprios meios nas vias públicas.
Deste conceito, exceptuam-se, nos termos do seu nº 2 “os veículos de duas rodas munidos de motor térmico de propulsão de cilindrada não superior a 50 cm3 e que, por construção não atinjam em patamar uma velocidade superior a 45 Km/hora.”
Ao contrário do que sucedia com a 2ª parte do nº1 daquele artº 27 do C. E. de 1954, não se exceptuam do conceito de veículos automóveis definido no preceito em apreço “as máquinas destinadas a fins militares ou a trabalhos agrícolas ou industriais” que agora se enquadram na previsão do nº 1 do artº 111º.
Com efeito, nos termos deste normativo, “Máquina é o veículo com motor de propulsão que, pelas suas características técnicas e pela sua função, só eventualmente transita na via pública, sendo automóveis pesados ou ligeiros consoante o seu peso bruto exceda ou não 3.500 Kg.”
Assim, ao contrário do C. E. de 1954 que na 2ª parte do nº 1 do seu artº 27 excluía do conceito de veículos automóveis, definido na 1ª parte da mesma disposição “as máquinas especialmente destinadas a fins militares ou trabalhos agrícolas ou industriais”, no C. E. de 1994, as máquinas passaram a ser consideradas veículos automóveis pesados ou ligeiros, consoante o seu peso exceda ou não 3.500 Kg, bastando que eventualmente transitem na via pública.
Daqui resulta que, face às características da máquina em causa nos autos - máquina de compactação de betuminoso (cilindro) que se desloca pelos seus próprios meios, atingindo a velocidade máxima de 5 Km em obra, podendo atingir fora desta 30 a 40 Km/hora, podendo eventualmente transitar na via pública, não pode a mesma deixar de ser considerada, à luz das disposições aplicáveis, um veículo automóvel.
Nos termos do nº 1 do artº 1º do D.L. 522/85 de 31/12, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade.
Daqui resulta que todos os veículos terrestres a motor, com ou sem matrícula, estão hoje abrangidos pela obrigação de realização de seguro, salvo a excepção consignada no nº 2 do mesmo preceito, relativamente aos veículos de caminho de ferro (que não são automóveis - artº 105º) e máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula, casos que não configuram o dos autos, nem nada justifica a sua equiparação.
De resto, o Decreto Regulamentar 64/94 de 4/11, publicado com vista à definição dos casos previstos no nº 3 do artº 121 relativamente aos veículos e reboques que podem ser dispensados de matrícula nacional, estabelece, desde logo, no seu artº 1º que ficam dispensadas de matrícula as máquinas a que se refere o artº 111 do C. E. desde que observado o disposto nos artºs seguintes que se reportam à circulação das máquinas na via pública.
Mas tal dispensa não quer significar, como pretende a agravante, que as referidas máquinas previstas no artº 111 do C. E. ficam excluídas do conceito de veículo automóvel em que se incluem (porque não exceptuadas) na previsão do artº 108 como supra referido.
É que o próprio diploma regulamenta a circulação de tais máquinas na via pública, pelo que sempre elas ficariam abrangidas pela obrigatoriedade do seguro, independentemente da dispensa de matrícula.
Por todo o exposto, estando a máquina em apreço sujeita a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que a agravante não contratou e estando, por outro lado, excluída do âmbito do seguro que celebrou com a Companhia de Seguros “M”, a Ré recorrente foi correctamente demandada, juntamente com o “C”, nos termos do artº 29 nº 6 do D.L.522/85, pelo que são partes legítimas.
Improcedem, pois, as conclusões da sua alegação de recurso, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
II - Assente a legitimidade da Ré “D” e do “C”, passaremos agora a conhecer das suas apelações.
Quanto àapelação do “C”
Conforme resulta do teor das conclusões da sua alegação, a sua discordância manifesta-se, desde logo, quanto à qualificação da máquina em apreço como veículo automóvel e daí a sua não sujeição ao seguro de responsabilidade civil automóvel pelo que não pode o mesmo ser responsabilizado pelo acidente dos autos.
Relativamente a esta questão já foi a mesma apreciada e tratada em sede de conhecimento do agravo interposto pela Ré “D” onde se concluiu ser a máquina em causa equiparada a veículo automóvel e como tal abrangida pela obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil nos termos do D.L. 522/85, pelo que para aí se remete o ora apelante.
No que a esta questão respeita, importa ainda referir que ao contrário do que pretende, a circulação não estava suspensa na estrada onde se realizava a obra, mas apenas condicionada a circulação que se fazia, naquele momento, pela hemi-faixa oposta àquela onde a máquina operava.
Relativamente à responsabilidade do “C”, importa ainda referir que ela decorre directamente do disposto no artº 21 do D.L. 522/85 que no seu nº 1 dispõe que “compete ao FGA satisfazer (...) as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório (...)” não configurando o caso dos autos nenhuma das exclusões referidas no artº 24 do mesmo diploma.
Acresce que, nos termos do nº 6 do artº 29 do diploma em apreço, “as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o FGA e o responsável civil sob pena de ilegitimidade”.
Assim, não obsta à sua responsabilidade, a absolvição do condutor da máquina, posto que o responsável civil, na perspectiva da sentença foi a proprietária do veículo e adjudicatária da obra “D” e o seu encarregado geral “J” a quem incumbia a colocação de toda a sinalização que nos termos do artº 5º do C. E. complementado pelo Dec. Reg. nº 33/82 de 12/09.
Não se verifica, assim, o apontado vício de nulidade da sentença (artº 668 nº 1 al. c) do CPC), improcedendo, in totum, as conclusões da apelação ora em apreciação.
Quanto à apelação da Ré “D”:
No seu recurso, a apelante questiona, desde logo, a imputação da culpa que na sentença recorrida lhe é feita, ainda que concorrencial.
Impõe-se pois, apreciar, face à factualidade provada se lhe assiste razão.
No domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos a regra é que a obrigação de indemnizar só existe quando haja culpa do agente, sendo excepcionais os casos em que dela se prescinde - artº 483º nºs 1 e 2 do C. C..
Exige-se, para a imputação a título de culpa, a um tempo, uma relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado e a possibilidade de formulação de um juízo de censura na imputação do facto, impendendo sobre o lesado o ónus da prova desses requisitos, maxime da culpa, salvo havendo presunção legal - artº 487 nº 1 do C.C.
A culpa é apreciada em abstracto pois na falta de outro critério legal, é apreciada “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso”, ou seja do homem médio que é o suposto ser querido pela ordem jurídica (artº 487 nº 2 do C. C.). In casu, a sentença recorrida concluiu pela culpa efectiva da Ré recorrente e de “J”, este actuando por conta e em nome daquela, por se mostrarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual - a prática de um facto voluntário, ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade - pois se houvesse fitas ou baias a impedir a passagem dos peões na zona a compactar pelo cilindro, ou ainda a definição de um caminho obrigatório para estes (sinais que deveriam ter sido aí colocados pelo R. “J”), “G” nunca seria atropelada pelo dito cilindro.
Isto, porque, tendo o acidente ocorrido em local onde a via de circulação se encontrava a ser objecto de obras de reparação e conservação impunha-se à Ré recorrente que observasse o que a lei lhe impõe em matéria de sinalização da via por força, desde logo, do artº 5 do C. E. (D.L. 114/94 de 3/05) que dispõe no seu nº 1 que “Nos locais que possam oferecer perigo para o transito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis, devem ser utilizados os respectivos sinais de transito” e no seu nº 2 que “Os obstáculos devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar precauções necessárias para evitar acidentes”
A sinalização de carácter temporário, regulamentada pelo Dec. Regulamentar 33/88 de 12/09, dispõe logo o seu artº 1º que as obras e obstáculos ocasionais na via pública devem ser delimitados por sinalização temporária, tendo em vista prevenir os utentes do perigo que representam, em termos definidos no regulamento anexo ao diploma e que dele faz parte integrante.
Com interesse para o caso dos autos, verifica-se que a sentença recorrida, não obstante, a obra se encontrar sinalizada com sinais de “perigos vários”, “proibição de ultrapassagem”, “trabalhos na via”, “aproximação de sinalização luminosa”, sinal de limite de velocidade e ainda dois semáforos colocados nas extremidades da obra em curso, “visíveis a qualquer utente que quisesse atravessar a faixa de rodagem” considerou que se houvesse fitas ou baias a impedir a passagem de peões na zona a compactar pelo cilindro ou ainda a definição de um caminho obrigatório para estes a “G” nunca teria sido atropelada pelo cilindro.
Considerou, assim, a sentença, que a responsabilidade da recorrente decorre da violação das normas relativas à sinalização de carácter temporário de obras e obstáculos na via pública, designadamente do disposto nos artºs 21 e 20 nº 1, 2 c) e 3 do Dec. Regulamentar 33/88.
Com efeito, relativamente à circulação de peões, dispõe o artº 21 do Regulamente em apreço que “Sempre que exista um obstáculo ocasional ou uma zona de obras que pela sua natureza possa condicionar o transito de peões, deve existir e ser devidamente sinalizado, através de sinais CT3, um caminho obrigatório para peões, cuja largura mínima corresponderá a 0,60 m para cada 30 peões por minuto”.
Por sua vez, o artº 20o que se refere à sinalização temporária de trabalhos móveis dispõe no seu nº 1 que tal sinalização deve ser utilizada sempre que a realização desses trabalhos o justifique em função da área ocupada na via e da velocidade média de deslocação dos operários e das máquinas. O seu nº2, estabelecendo a forma como deve ser implementada tal sinalização dispõe na sua alínea c) “sinalização de posição constituída por: sinal CT4; dispositivos complementares ET2; ET3; ET6 e fitas”. Por fim, estabelece o nº 3 que “Os sinais colocados lateralmente à faixa de rodagem devem ser deslocados à medida que os trabalhos vão progredindo”.
Relativamente aos princípios gerais de implementação de sinalização de carácter temporário, rege o artº 14 que no seu nº 1 dispõe que “O sistema de sinalização deve ser coerente de modo a transmitir a mensagem adequada a todos os utentes da via” e no seu nº 2 “O uso dos sinais a empregar em sinalização de carácter temporário, deve ser moderado, salvo em situações de perigo excepcionalmente graves”.
Perante isto, cumpre averiguar se, efectivamente, a recorrente observou ou não o que a lei lhe impõe relativamente à sinalização da obra de conservação da estrada, que levava a cabo, com vista a prevenir os utentes do perigo que a mesma representava.
O que, sempre conduz, à apreciação da culpa na verificação do acidente - se o acidente se verificou por culpa exclusiva da recorrente ou concorrêncial com a vítima, ou por culpa exclusiva desta.
Para esse efeito importa relembrar a matéria de facto que a este respeito se provou:
- Em 12/04/95, cerca das 16 horas, a mãe dos AA foi vítima de acidente de viação que lhe provocou a morte (al. E)).
- O acidente em causa nos autos verificou-se na E.N. …, ao Km … em …, concelho de … (al. G)).
- Em 12/04/95, “G” dirigiu-se ao referido local, para atravessar para o lado oposto, cruzando a via de circulação que limita o jardim da praça ali existente (al. H)).
- Encontrava-se aquela via de circulação a ser objecto de obras de reparação e conservação as quais eram executadas pela Ré “D”, por conta da “F” (al. I)).
- Na altura, a faixa de rodagem do lado da vítima encontrava-se a ser coberta com um novo tapete de asfalto, pelo cilindro descrito em B) (al. J)).
- O trânsito automóvel fazia-se nos dois sentidos, pela outra faixa de rodagem (al. L)).
- Não existia qualquer sinalização ou vedação que impedisse a circulação de peões (al. M)).
- O troço onde decorriam as obras estava sinalizado com sinalização temporária, sendo que a sinalização existente consistia nos sinais de “Perigos Vários”, “Proibição de Ultrapassagem” “Trabalhos na Via”, “Aproximação de Sinalização Luminosa”, sinal de limite de velocidade, e ainda 2 semáforos colocados nas extremidades da obra em curso( artº 18º da B.I.).
- Visível a qualquer utente que quisesse atravessar a faixa de rodagem (artº 19º da B.I.).
- Existia um trabalhador a exercer funções de sinaleiro, com vista a controlar o trânsito de veículos automóveis (artº 41 da B.I.).
- Os passeios adjacentes à via em obras não se encontravam afectados pelos trabalhos (artº 20º-A da B.I.).
- Na rua onde aquela pretendia atravessar existem três passadeiras para peões a distâncias inferiores a 50 metros, perpendicularmente ao eixo da via (artº 31º da B.I.).
- A extensão de pavimento a compactar pelo cilindro de pneus é de cerca de 70 metros, em termos médios (artºs 22º e 22º-A da B.I.).
- No dia 12/04/95 “G” pretendia atravessar a via supra referida em local onde antes existia uma passadeira de peões e à data não era visível pelas obras em curso no local (artº 2º da B.I.).
- O funcionamento do cilindro fazia-se avançando cerca de 70 metros para a frente, recuando depois igual distância, sem o condutor mudar de posição (artº 5º da B.I.).
- Quando a máquina se desloca num determinado sentido, à velocidade normal de 1 a 3 Kms/hora esta tem de parar e só depois é possível iniciar a marcha atrás (artº 28º da B.I.).
- “G” iniciou o trajecto de passagem da meia faixa do seu lado, quando o cilindro já se encontrava muito perto de si, tendo sido atingida pela parte traseira direita do mesmo (artº 33º da B.I.)
- “G” foi atingida e esmagada pela referida máquina na faixa de rodagem em obras, a cerca de ½ a um metro de distância do passeio por onde circulava, antes de iniciar a travessia da via (artº 6º da B.I.).
- A vítima foi atingida a cerca de ½ a um metro do lancil do passeio e a metade da faixa de rodagem onde ocorreu o acidente tinha três metros (artº 23º da B.I.).
Face à descrita factualidade, adianta-se, desde já, não pode deixar de se concluir que a culpa na verificação do acidente ficou a dever-se, exclusivamente, à conduta imprudente e temerária da infeliz “G”.
Com efeito, conforme resulta da matéria de facto provada, a Ré apelante sinalizou o troço onde decorria a obra com os mais variados sinais desde sinais de perigo, de limitação de velocidade, semáforos e até a colocação de um trabalhador a exercer funções de sinaleiro, com vista a controlar o trânsito de veículos automóveis, tudo bem visível a qualquer utente que quisesse atravessar a faixa de rodagem (artº 19º da B.I.).
Ora, com tal sinalização, não pode deixar de se considerar que a apelante excedeu até o princípio de sinalização moderada que deve ser utilizado de acordo com as regras supra referidas de implementação dos sinais de carácter temporário a que se refere o artº 14 do D. Reg. 33/88.
É certo que no passeio por onde circulava a “G”, não existia qualquer sinalização ou vedação que impedisse a circulação de peões.
A este respeito, impõe-se referir que afigura-se-nos não ter aplicação, in casu, o disposto no artº 21 daquele diploma pois, o que ali se prevê é o caso de obras que condicionam o trânsito de peões, impondo-se a existência de um caminho obrigatório para peões, cuja largura mínima corresponderá a 0,65 m para cada 30 peões por minuto, assinalado com o sinal CT 3. Ora, é manifesto que tal situação não se reporta à travessia da faixa de rodagem que, obviamente, só pode ser efectuada nos lugares próprios - as passadeiras -, sendo certo que os passeios adjacentes à obra não se encontravam afectados pelos trabalhos.
Relativamente ao artº 20 do mesmo Regulamento, afigura-se-nos também que a sinalização de posição referida na al. c) do seu nº 2 - constituída por sinal CT4 e dispositivos complementares ET2, ET3, ET6 e fitas, que deve ser utilizada sempre que a realização dos trabalhos o justifique em função da área ocupada na via e da velocidade média de deslocação dos operários e das máquinas, não se destina especialmente à protecção da circulação de peões atentas as características desses sinais.
Com efeito, o sinal de posição CT4 trata-se de um sinal de trânsito de “obrigação de contornar a placa ou obstáculo” que apenas pode ser entendido como dirigido aos veículos que circulam no local de trânsito condicionado.
Relativamente aos dispositivos complementares supra referidos, tratam-se de baias direccionais e de segurança (ET 2 e ET3 ) de cones (ET 6) e de fitas que, com efeito, se destinam a proteger e garantir a segurança rodoviária e que nos termos do nº 4 da mesma disposição “ ... caso a natureza dos trabalhos o justifique em função da respectiva mobilidade, pode ser dispensada a colocação ... desde que fique suficientemente acautelada a segurança dos outros utentes da via”.
Ora, em face de toda a sinalização colocada afigura-se-nos ser de aceitar que a mesma era suficiente para garantir a segurança dos utentes, não sendo imperativa a colocação de baias ou cones do lado do passeio por onde circulava a “G”, dispositivos, aliás, que, atentas as suas características, não impediriam a travessia no local a quem o pretendesse, efectivamente, fazer.
De resto, nem sequer seria previsível que algum peão se atrevesse a atravessar a estrada no exacto local onde decorriam as obras com as máquinas em movimento e o alcatrão a fumegar, havendo três passadeiras para peões a menos de 50 metros!
Por outro lado, como é sabido, os peõesdevem transitarpelos passeios, pistas ou passagens a eles destinadose só podem transitar pela faixa de rodagem, com prudência e de forma a não prejudicar o transito de veículos, designadamente, quando efectuem a sua travessia, na falta daqueles locais ou na impossibilidade de os utilizar(artº 102º nºs 1 e 2 als. a) e b) do C. E.).
Na verdade, “os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista, a uma distância inferior a 50 metros, perpendicularmente ao eixo da via” (artº 104º nº 3 do C. E.). Além disso, “Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente” (nº 1 do mesmo preceito).
Ora, a infeliz “G”, tendo à sua disposição três passadeiras para peões a menos de 50 metros e sendo certo que os passeios adjacentes à obra não se encontravam afectados pelos trabalhos, decidiu iniciar a travessia da via no exacto local onde decorriam as obras, “iniciando o trajecto de passagem da meia faixa do seu lado quando o cilindro já se encontrava muito perto de sitendo sido atingida pela parte traseira do mesmo” “a cerca de ½ a 1 metro de distância do passeio por onde circulava antes de iniciar a travessia da via”, isto é, iniciou a travessia quando o cilindro executava o percurso de marcha atrás, na sua direcção e quando se encontrava àquela tão curta distância.
Não pode deixar de se considerar que foi a infeliz “G” com a sua travessia temerária, precipitada e leviana, em ponto totalmente irrecomendável (atente-se que, como referido na sentença, o piso estaria até com a temperatura de cerca de 80 graus e emitia vapores do asfalto), devidamente assinalado com sinalização bem visível a qualquer utente que quisesse atravessar a faixa de rodagem (artº 19 da B.I.), a única causadora do acidente que a vitimou.
Não podia a infeliz “G”, ignorar que o local escolhido para a travessia era particularmente perigoso, não só em face de toda a sinalização existente que assinalava o perigo, mas porque era um local onde decorriam obras, onde não existia passadeira (apesar de já ali ter existido) encontrando-se a máquina em movimento, próximo de si e na sua direcção.
Foi, a infeliz “G” quem violou, com a sua conduta o dever objectivo de cuidado que lhe era exigido.
Como se refere na sentença recorrida, nenhum cidadão medianamente prudente, avisado, cuidadoso e atento se atreveria a iniciar a travessia daquela via, naquelas circunstâncias concretas.
Foi, pois, a malograda “G” quem negligenciou os normativos de segurança e protecção supra referidos, inobservando o critério de regular diligência a que alude o artº 487 nº 2 do C.C., o que teria evitado o acidente, uma vez que nenhuma conduta ilícita e culposa dos RR. flui da matéria de facto provada.
Assim sendo, não havendo os AA. logrado provar a culpa dos RR. na produção do evento, que deve ser antes imputada à malograda “G”, a título exclusivo, há que concluir-se pela inverificação, in casu, dos pressupostos da obrigação de indemnizar vertidos no nº 1 do artº 483 do C. C..
Também por todo o exposto se não verifica, no caso subjudice, qualquer responsabilidade dos RR. por via do disposto no artº 493 do C.C., sendo certo que, como se referiu, nas circunstâncias do acidente, nenhumas outras providências lhes eram exigíveis com o fim de o prevenir.
Em face da procedência do recurso, nos termos expostos, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas nas conclusões da alegação da apelante.
* DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juizes desta Relação em:
- Negar provimento ao agravo e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
- Julgar improcedente a apelação do “C”, pelos fundamentos dela constantes, mas,
- Julgar procedente a apelação da Ré “D” e, em consequência, julgar a acção improcedente e absolver todos os RR. dos pedidos formulados.