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PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
Sumário
O direito a pensão de sobrevivência por morte de beneficiário por parte da pessoa que com ele vivia em situação de união de facto não depende apenas da prova dessa situação, exigindo-se prova, para além do requisito geral de carência ou necessidade dos alimentos, de todos os requisitos previstos no art.2020º, nº1º : - a vivência em condições análogas às dos cônjuges ; - a verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos ; - ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens ; - e não poder o sobrevivo obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos.
Texto Integral
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Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 2207/06-2
Apelação em Processo Ordinário
Tribunal Judicial da Comarca de Silves – 2º Juízo – Proc. n.º 560/05
Recorrente: Instituto de Solidariedade e Segurança Social
Recorrida: Maria…………..
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Maria …………… veio intentar a presente acção declarativa de simples apreciação , sob a forma ordinária, contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social pedindo fosse declarado ser titular das prestações por morte do beneficiário Armindo ………… .
Para tanto alegou, em resumo, que no dia 20.1.2004 faleceu o beneficiário do CNP Armindo ………….. com quem a autora vivia como marido e mulher há mais de 5 anos .
Alega ainda que carece de alimentos, não tendo familiares que os possam prestar e não tendo o falecido deixado herança apta ao efeito .
Contestou o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, dizendo desconhecer a invocada comunhão de vida e as condições económicas da família da autora e desta.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção procedente e « declarando que a autora Maria…………. é titular das prestações por morte do beneficiário da Segurança Social , Armindo ………………….».
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Inconformado veio o R., interpor recurso de apelação, tendo nas suas alegações formulado as seguintes
Conclusões:
1. O artº 8º do Dec. Lei 322/90 ao remeter para a situação prevista no artº 2020º nº 1 do Código Civil está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança.
2. Isto é, a situação que se exige no artº 8º, para ser reconhecido o direito às prestações de Segurança Social, é a mesma daquele que tem direito a exigir alimentos da herança, nos termos do artº 2020º nº 1 do C.C.
3. Na sequência do disposto no artº 8º nº 2 do DL 322/90 foi publicado o Dec. Regulamentar 1/94 de 18 de Janeiro que nos seus artºs 3º e 5º estabeleceu as condições e processo de prova de atribuição das prestações às pessoas que se encontram na situação prevista no nº 1 do artº 8º do DL 322/90 (o mesmo é dizer situação prevista o nº 1 do artº 2020º do C.C.).
4. Daqui resultando que atribuição das prestações por morte depende: da sentença judicial que reconheça o direito a alimentos da herança ao requerente (nº 1 do artº 3º do Dec. Reg. 1/94 de 18/01), e/ou do reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações por morte no caso de não ter sentença que lhe reconheça o direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (nº 2 do artº 3º).
5. Sendo certo que, tanto na situação prevista no nº 1 do artº 3º como na prevista no nº 2 do mesmo artigo do Dec. Regulamentar 1/94 será necessário alegar e provar: a) que o “de cujus” era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; b) factos demonstrativos ou integrados do conceito união de facto há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (artº 2020º C.C.); c) factos demonstrativos da inexistência ou insuficiência de bens da herança (nº 2 do artº 3º do Dec. Reg. 1/94), d) factos demonstrativos de não obter alimentos nos termos das alíneas c) e d) do artº 2009º C.C.; e) factos demonstrativos da necessidade de alimentos e da impossibilidade de ela própria prover à sua subsistência.
6. Donde para atribuição da pensão de sobrevivência é condição essencial e necessária a obtenção da sentença judicial onde se reconheçam e verifiquem todos aqueles pressupostos e que são fundamentos do direito a que a recorrida se arroga.
7. Não obstante, não ter logrado a autora fazer prova de todos estes requisitos, como de resto, admitido pelo Mmº juíz do tribunal a quo, concluí este, pelo reconhecimento do direito às prestações de segurança social, para tanto seguindo a doutrina plasmada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº88/2004, que no seu entender veio inverter clara e decisivamente a tendência jurisprudêncial, registando de imediato total adesão.
8. Ora, ao contrário de tal entendimento, salvo o devido respeito, que é muito, parece-nos que a esmagadora maioria da jurisprudência continua a entender que para o reconhecimento da qualidade de titular de prestações de segurança social será necessário alegar e , consequentemente, provar todos os requisitos supra referenciados.
9. Na verdade, seguindo de muito perto e na esteira do decidido no douto acórdão do STJ proferido no proc. 757/04-7 datado de 18/11/2004, que por sua vez, remete também para o acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2003 de 09/04, “... pese embora a crescente e justificada protecção de que tem sido alvo por parte do legislador a situação de união de facto – esta não se pode equiparar integralmente ao casamento, porquanto daquela não decorrem os deveres e os efeitos exclusivos desta”
10. Sendo certo que, quando o legislador resolve intervir na área da união de facto o faz sempre de uma forma específica e rigorosamente delimitadora. “Como o fez recentemente com a publicação da Lei 7/2001, de 11 de Maio, sobre a adopção de medidas de protecção das uniões de facto, onde se constata que o regime de acesso às prestações por morte do beneficiário, estabelecido no seu artº 6º, continua a depender da verificação das “condições constantes no artº 2020º do Código Civil (nº1).
11. Pelo que, considerando desde logo a existência de especiais deveres entre os cônjuges,» se pode dizer, como se afirmou no acórdão nº 14/200 que: « (...) de harmonia com o nosso ordenamento (ainda suportando constitucionalmente) o regime das pessoas unidas pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto, não permite sustentar que nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que requerem tratamento igual» (in acórdão T. Constitucional nº 195/2003, já citado).
12. Também neste mesmo sentido e mais recentemente se pronunciaram os acórdãos nºs 159/2005 de 29/03/2005 proferido no procº 697/04 da 2ª secção e nº 233/2005 de 03/05/2005 proferido no procº 1040/2004 da 3ª secção e nº 640/2005 de 16/11/2005 proferido no procº 1040/2004 da 3ª secção, todos do Tribunal Constitucional.
13. Ora, no caso sub judice, atento o quadro legal, supra exposto, enformador do reconhecimento de tal direito, face à matéria factual dada por provada, não tendo a autora demonstrado todos os requisitos necessários à procedência da acção, nomeadamente, que os seus ascendentes, descendentes e irmãos não lhe podem prestar alimentos, e insuficiência de bens de herança do falecido, ao decidir da forma como o fez, violou a douta sentença recorrida, o disposto no art.º 8º do DL 322/90 de 18/10 artº 2º e 3º do Dec.Reg.1/94 de 18//01, Lei nº 7/2001 de 11 de Maio e artº342º, 2020º e 2009º do Código Civil.
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Não houve contra-alegações.
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Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [1] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões do recurso decorre que não é impugnada a matéria de facto, mas apenas a decisão Jurídica, por se considerar que neste tipo de acções compete ao A. alegar e provar não só a carência de alimentos, como a impossibilidade de os haver quer da herança quer dos familiares referidos nas alíneas c) e d) do artº 2009º C.C..
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Na sentença foram considerados assentes os seguintes factos:
Armindo Sequeira Gonçalves faleceu em 20 de Janeiro de 2004 , no estado de divorciado ( alínea A da especificação ) ;
Era beneficiário da Segurança Social com o nº 120 262 954 ( alínea B da especificação ) ;
Quando do falecimento de Armindo Sequeira Gonçalves , este e a autora viviam , havia mais de 5 anos , como se marido e mulher fossem ( resposta ao quesito 1º ) ;
A autora não tem rendimentos ( resposta ao quesito 2º ) .
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A questão suscitada no recurso constitui uma velha polémica. A de saber quais os pressupostos de facto necessários ao reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência e designadamente a quem incumbe a prova dos elementos negativos da causa de pedir neste tipo de acções.
O STJ entendeu e maioritariamente continua a entender «que nestes casos , para a obtenção da pensão de sobrevivência, deveria o autor alegar e provar o seguinte :
1 ) vivência do autor , em condições análogas às dos cônjuges , com a(o) beneficiária(o) falecida(o) durante um período superior a dois anos ;
2 ) inexistência ou insuficiência de bens da herança da(o) falecida(o) para o efeito;
3 ) inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por partes dos familiares do autor a que aludem as alíneas a ) a d ) do art° 2009° do Código Civil ;
4 ) necessidade de alimentos por parte do autor» Neste sentido vai o Aresto de 28.09.2006, proferido pelo STJ no processo n.º 06B2580, em que foi Relator o Sr. Conselheiro Oliveira Barros (vide site DGSI), que passamos a citar:
Seguiu-se a Lei nº7/2001, de 11/5, que, com quase decalque, no mais, da anterior, alargou a previsão das precedentes, passando a ser tidas em consideração as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo. Isto por igual adiantado, são do C.Civ. os preceitos citados ao diante sem outra indicação :
Determinado no nº1º do art.8º do DL 322/90, de 22/10, que o direito às prestações previstas nesse diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontram na situação prevista no nº1º do art.2020º, o nº1º deste estabelecia que aquele que, no momento da morte da pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tinha direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos da alínea a) a d) do art. 2009º ; e no nº1 do art. 2009º estabelecia-se que estão vinculados à prestação de alimentos, por essa ordem : a) - o cônjuge ou o ex-cônjuge ; b) - os descendentes ; c) - os ascendentes; d) - os irmãos.
No que respeita aos requisitos necessários para o reconhecimento da qualidade de titular do direito à prestação de pensão de sobrevivência, vieram a desenhar-se na jurisprudência duas correntes.
De acordo com uma delas, que buscava fundamento em princípios constitucionais, basta ao pretendente da pensão provar que viveu com o beneficiário do regime da segurança social em união de facto por prazo superior a 2 anos (8) .
Segundo França Pitão, em " União de Facto no Direito Português " (2000 ), 189 e 190, basta para este efeito a prova dos requisitos legais da eficácia da união de facto, sendo " irrelevante nesta matéria saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento desta ".
Tal assim porque, no parecer deste autor, " ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência decorrente do " aforro " (...) efectuado pelo seu falecido companheiro ao longo da sua vida de trabalho, mediante os descontos mensais depositados."
Em tais termos, manifesta-se sem sentido, e por isso, inútil, fazer depender a atribuição da pensão de sobrevivência da demonstração da necessidade de alimentos. E nem também a lei faz depender essa atribuição da exigência dos mesmos, em acção de alimentos, a quem estaria obrigado a prestá-los. Com efeito, e como já notado, já o nº5º do art.6º da Lei nº135/99, de 28/8, previa expressamente que " o requerente pode propor apenas acção contra a instituição competente para a atribuição das prestações ".
A orientação que tem prevalecido (9), é, no entanto, a de que, dependendo esse direito da verificação dos pressupostos do art.2020º, impende sobre o pretendente da pensão de sobrevivência o ónus da prova não apenas da união de facto com os requisitos exigidos, como ainda da carência efectiva da prestação de alimentos, da impossibilidade de os obter das pessoas obrigadas a essa prestação, ou seja, dos familiares referidos nas als.a) a d) do nº1º do art. 2009º, e da inexistência ou insuficiência dos bens da herança do falecido para os prestar, ou seja, da impossibilidade de os obter dessa herança.
Assim parecem entender Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. e ed. cits., 136 e 137. Ora
como se vê dos arts.8º, nº1º, do DL 322/90 de 18/10, 3º, nº1º, do Decreto Regulamentar nº1/94, de 18/1, 6º, nº1º, da Lei nº135/99, de 28/8, e 6º, nº1º, da Lei nº 7/2001, de 11/5, todos esses diplomas legais remetem para o art.2020º, cujo regime é justificado no ponto 46 do relatório do DL 496 /77,de 25/11, que reformou o C. Civ.
Assume-se aí que " não se foi além de um esboço de protecção, julgado ética e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal ".
Daí, desde logo, que não seja de aceitar a interpretação restritiva propugnada pela recorrente.
Em vista da referência que se faz ao art.2020º no art.6º, nº1º, da Lei nº 7/2001, de 11/5, uma tal interpretação revelar-se-ia, afinal, abrogatória, em parte, da exigência constante da parte final daquele dispositivo, referida ao art.2009º.
Mais : uma vez que "quando alguém aplica um artigo do Código, aplica o Código inteiro" (Stammler), afigura-se irrecusável que onde naquele nº1º se refere o art.2020º, uma vez que este, por sua vez, remete para o art.2009º, não pode, por via deste, deixar de estar presente o art.2004º.
Resulta, deste jeito, das disposições referidas que o direito a pensão de sobrevivência por morte de beneficiário por parte da pessoa que com ele vivia em situação de união de facto não depende apenas da prova dessa situação, exigindo-se prova, para além do requisito geral de carência ou necessidade dos alimentos, de todos os requisitos previstos no art.2020º, nº1º : - a vivência em condições análogas às dos cônjuges ; - a verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos ; - ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens ; - e não poder o sobrevivo obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos.
Ou seja, importa : a) - que o membro da união de facto falecido não seja casado à data da sua morte ou que, sendo casado, se encontre nessa altura, separado judicialmente de pessoas e bens ; b) - que nessa data o pretendente da pensão tenha vivido com o beneficiário falecido há mais de dois anos " em condições análogas às dos cônjuges "; c) - que o pretendente da pensão não tenha possibilidade de obter os alimentos de que carece nem do seu cônjuge ou ex-cônjuge, nem dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos, conforme art.2009º, nº1º, als.a) a d).
Aquando da discussão conjunta em Plenário, na Assembleia da República, dos Projectos de Lei nºs 414/VII - Alarga os direitos das pessoas cuja família se constituir em união de facto ( Os Verdes ) e 527/VII - Regime jurídico da união de facto ( PS ), que se encontra publicada no DAR, I série, nº 54/VII/4, de 4/3/99, que vieram a determinar a aprovação da Lei nº135/99 de 28/8, ficou claro que esta lei não vinha introduzir qualquer alteração no regime jurídico vigente à época.
Aquando da discussão conjunta, na generalidade, na AR dos Projectos de Lei nºs 6/VIII - Altera a Lei n.º135/99, de 28/8 - Adopta medidas de protecção à união de facto ( Deputada de Os Verdes Isabel Castro ), 45/VIII - Altera a Lei nº135/99, de 28/8 - Adopta medidas de protecção das uniões de facto (Deputado do BE Francisco Louçã), 105/VIII - Adopta medidas de protecção da pessoas que vivam em economia comum ( PS ) e 115/VIII - Adopta medidas de protecção das uniões de facto ( PCP ), publicado no DAR, I Série, n.º 49/VIII/2, de 15/2/2001, que esteve na base da Lei nº7/2001, publicada no DR, I Série-A, nº109, de 11/5/2001, constata-se que a única alteração substancial à Lei nº135/99 foi a consagração do direito a pessoas do mesmo sexo ficarem abrangidas no âmbito de aplicação da lei.
O Projecto de Lei nº17/VIII/1 pretendia alterar o art.8º do DL 322/90 de 18/10, publicado no DAR, II série-A, nº5/VIII/1, de 27/11/99, consagrando o direito à qualidade de titular de prestações da segurança social a quem vivesse em união de facto há pelo menos 2 anos à data da morte do beneficiário, pretendendo revogar expressamente o Decreto Regulamentar nº1/94, de 18/1, e dar nova redacção ao art.8º do DL 322/99. No entanto, essa iniciativa legislativa caducou em 4/4/ 2002.
Em contrário do Ac.TC nº88/04-3ª, de 10/2/2004, tirado por maioria no Proc.nº411/03-3ª, e publicado no DR, II Série, nº118, de 16/4/2004, relativo a situação que envolvia um beneficiário do regime publico de pensões ( Caixa Geral de Aposentações ), invocado na sentença apelada (11), o acórdão do Tribunal Constitucional, bem assim tirado por maioria, que analisou o regime legal da união de facto no âmbito da segurança social ( Centro Nacional de Pensões/ ISSS ) - Ac.nº 195/ 2003 no Proc.nº312/2002, da 2ª Secção do TC, publicado no DR, II Série, nº118, de 22/5/2003 -, decidiu não julgar inconstitucional a norma do art.8º, nº1º, do DL 322/90, de 18/10, na parte em que faz depender de todos os requisitos previstos no nº1º do art.2020º a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da segurança social a quem com ele convivia em união de facto (12).
Quer isto dizer que não foi julgado inconstitucional, no âmbito da segurança social, o entendimento tradicional de que a atribuição da qualidade de beneficiário da pensão de sobrevivência depende não apenas da verificação da união de facto, como também da impossibilidade da obtenção de alimentos, tanto de quem a tal legalmente obrigado nos termos do art.2009º, como da herança do companheiro falecido.
E também, afinal, na área da função pública a doutrina do falado Ac.TC nº 88/04-3ª, veio a ser contrariada pelos Acs.TC nº 159/05-2ª, de 29/3/2005, tirado, com um voto de vencido, no Proc.nº 697/04-2ª, que não julgou inconstitucional a norma do art.41º nº 2º, 1ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, e nº 233/05-3ª, de 3/5/2005, proferido no Proc.nº1040/2004, e publicado no DR, II Série, nº149, de 4/8/2005, que perfilhou o entendimento do predito nº159/05-2ª - retomando, ambos, afinal, a orientação firmada no já referido Ac.nº195/2003.
O Acórdão do Plenário do TC nº 614/05, de 9/11/2005, por fim invocado pelo ora recorrido, manteve a orientação firmada nos Acs.nº195/2003, 159/05 e 233/05.
Sobra válido que o direito às prestações por morte de beneficiário da Segurança Social por parte de quem vivia com ele em união de facto depende da verificação dos pressupostos estabelecidos no art.2020º.”
Tese que perfilhamos.
No caso dos autos, não logrou a A. demonstrar os requisitos acima enunciados, para além da união de facto por mais de 2 anos, pelo que a acção tem que naufragar.
Procede pois o presente recurso.
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Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do recurso e, em consequência, absolve-se o Réu do pedido. Custas pela Apelada. Registe e notifique.
Évora, 08 de Fevereiro de 2007
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(Silva Rato – 1º Adjunto – Relator pelo vencimento)
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(Assunção Raimundo – 2ª Adjunta)
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(Bernardo Domingos – Relator vencido, que junta declaração de voto)
Julgaria improcedente a apelação e confirmaria a douta sentença pelas razões constantes do projecto de acórdão que apresentei, que junto como declaração de voto e que salvo o devido respeito pelas posições contrarias, me parece defender a solução mais justa e mais dignificante para a função jurisdicional.
Anexo: Projecto vencido, na parte respeitante à fundamentação jurídica.
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A questão suscitada no recurso constitui uma velha polémica. A de saber quais os pressupostos de facto necessários ao reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência e designadamente a quem incumbe a prova dos elementos negativos da causa de pedir [2] neste tipo de acções.
Não desconhecemos a jurisprudência citada pelo recorrente e sabemos que ela constitui a corrente maioritária no STJ, mas ainda assim continuaremos a defender a tese que sempre defendemos e que nos parece a mais justa e conforme à “mens legis” de harmonia com os princípios relativos à interpretação das leis, sem esquecer a separação entre a função legislativa e a regulamentar/administrativa (esta nunca pode sobrepor-se àquela e a jurisprudência citada parece olvidar este princípio constitucional).
Continuamos a entender que «os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto, para que possa aceder às prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário/a, de um qualquer regime público de segurança social, reconduzem - se, apenas, à prova do estado civil de solteiro, viúvo ou separado judicialmente de pessoas e bens do referido beneficiário/a e à circunstância do respectivo interessado/a, ter vivido em união de facto, há mais de dois anos, com o falecido/a»[3].
Explicitando.
O regime legal atinente à atribuição de prestações por morte, designadamente da pensão de sobrevivência, à pessoa sobreviva que tenha vivido em “união de facto”, tem passado por algumas vicissitudes e os Tribunais designadamente os superiores nem sempre têm sabido interpretar e aplicar correctamente o direito atinente. Durante anos o STJ entendeu e maioritariamente continua a entender «que nestes casos , para a obtenção da pensão de sobrevivência, deveria o autor alegar e provar o seguinte :
1 ) vivência do autor , em condições análogas às dos cônjuges , com a(o) beneficiária(o) falecida(o) durante um período superior a dois anos ;
2 ) inexistência ou insuficiência de bens da herança da(o) falecida(o) para o efeito;
3 ) inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por partes dos familiares do autor a que aludem as alíneas a ) a d ) do art° 2009° do Código Civil ;
4 ) necessidade de alimentos por parte do autor ;»
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A falta de qualquer destes requisitos levaria à improcedência da acção!
Era este o apertado entendimento (apertis verbis) da jurisprudência dos Tribunais superiores, designadamente do STJ, [4] na vigência da Lei 135/99 conjugada com o DL. n.º 322/90 de 18/10 e do (seu) Dec. regulamentar n.º 1/94 de 18/01 e que no fundo, foi o seguido na sentença recorrida. Este regulamento foi o gerador desta corrente jurisprudencial mas é ilegal, porque exorbitou dos poderes regulamentares ao restringir o âmbito da norma regulamentanda [5] e como tal não poderia ter sido aplicado nos termos em que o foi.
O actual regime (lei n.º 7/2001- abreviadamente designada LUF), embora sem ser absolutamente claro e preciso, introduziu pequenas alterações que, permitem afastar, esperemos que de vez.., as dúvidas e incertezas do primitivo regime.
Antes de entrar na análise da questão de fundo, convém fazer uma resenha da evolução legislativa a propósito do reconhecimento de certos direitos às pessoas em situações “conjugais de facto” – as chamadas uniões de facto [6] . Nesta matéria, por ser quase exaustivo, vale a pena transcrever parte do Acórdão da Relação de Lisboa, proc. n.º 7594/03-7- relatado pelo Exmº Des. Arnaldo Silva, e que reza assim:
«Antes da reforma de 1977 (Dec. Lei n.º 496/77, de 25-11) a convivência more uxorio, ou mancebia, era considerada uma pura relação de facto, que apenas interessava, como mero pressuposto factual, à presunção de paternidade (ilegítima) da criança concebida desta união[7] . O art.º 1º do Dec. Lei n.º 420/76, de 28-05, conferia o direito de preferência à pessoa amancebada com o locatário, porque vivia com ele em economia comum, e com o aditamento do n.º 2 ao art.º 1111º do Cód. Civil pela Lei n.º 46/85, de 20-09 (Nova Lei das Rendas) o arrendamento passou também a transmitir-se por morte do arrendatário à pessoa que com ele vivia more uxorio. Com a reforma de 1977 a união de facto[8]ganha maior relevância jurídica como se vê pelos art.ºs 2020º, 953º e 2196º do Cód. Civil. Na sequência destas medidas de protecção, surge a Lei n.º 135/99, de 28-08. Esta veio ampliar significativamente as medidas de protecção da união de facto, institucionalizando-a, de certo modo, na nossa ordem jurídica[9]. Esta lei foi substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11-05, que a revogou (art.º 10º), passando agora também a dar relevância jurídica à união de facto de pessoas do mesmo sexo (art.º 1º), para os efeitos previstos nos art.ºs 3º e 5º, mas já não para efeitos da adopção. A adopção conjunta de menores, só é admissível na união de facto de pessoas de sexo diferente (art.º 7º da Lei 7/2001). Esta lei conferiu às pessoas que vivem em união de facto vários direitos nas várias alíneas do seu art.º 3º, entre os quais a protecção da casa de morada de família [al. a)], o regime do IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens [al. d)] e o direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência [art.º 3º al. e) e art.º 6º], tanto no caso de o falecido ser funcionário da Administração Pública (art.º 40º e 41º do “Estatuto das Pensões de Sobrevivência” __ Dec. Lei n.º 142/73, de 31-03, na redacção do Dec. Lei n.º 191-B/79, de 25-06, e art.ºs 3º, n.º 1 al. a), 4º, n.º 2 al. b) e 10º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 223/95, de 08-09 __ como no caso de ser beneficiário do regime geral da segurança social __ art.º 8º do Dec. Lei n.º 322/90, de 18-10, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01 __, pressupondo, em qualquer dos casos, que o direito àquelas prestações pressupõe sempre a verificação cumulativa das condições previstas no art.º 2020º, n.º 1 do Cód. Civil, e o seu reconhecimento por sentença, proferida em acção proposta contra os herdeiros do falecido e que fixe o direito a alimentos por estarem reunidas essas condições (art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001), ou proferida em acção proposta contra a instituição competente para a atribuição das pensões (Caixa Geral de Aposentações ou Instituto de Solidariedade Social)[10]. Não obstante não ser pacífico, entendemos que não é necessária a propositura de duas acções[11] . Apesar da progressiva ampliação das medidas de protecção jurídica à união de facto, conferidas pelas especiais razões particulares implicadas, a ordem jurídica não a converteu numa relação jurídica familiar, visto que não criou, para as pessoas nela envolvidas, quaisquer direitos ou deveres próprios da relação familiar, em geral, ou da relação conjugal em particular. Ela não gera quaisquer direitos ou deveres pessoais ou patrimoniais próprios das pessoas casadas. A união de facto pode produzir efeitos jurídicos, mas não é casamento[12]».
À data da propositura da acção já se encontrava em vigor a Lei n.º 7/2001, de 11-05. Esta lei que veio substituir o anterior regime definido pela Lei n.º 135/99 de 28/8 e não se limitou a ampliar o âmbito subjectivo de aplicação da lei anterior, às pessoas em uniões de facto homossexuais (art.º 1º, n.º 1). Foi mais longe!
Enquanto a Lei n.º 135/99 só estipulava o benefício de acesso a prestações por morte relativamente aos regimes da segurança social e às pensões de preço e de sangue por serviços excepcionais, a Lei n.º 7/2001 tornou este regime extensivo às prestações por morte resultantes de acidente de trabalho ou de doença profissional [13] .
A Lei n.º 7/2001 juntou no art.º 6º, n.º 2 os anteriores n.ºs 2, 3, e 4 do art.º 6º da Lei n.º 135/99, mas no mais, não introduziu mudanças significativas no sistema, sendo o seu texto quase um decalque do anterior.
Já no âmbito do regime anterior (Lei. n.º 135/99, Dec. Lei n.º 322/90, de 18-10, e o seu Dec. Reg. 1/94, de 18-01), em acórdão relatado pelo relator deste, na apelação n.º 2077/03-2 do Tribunal da Relação de Évora, tínhamos deixado transparecer que face ao novo regime legal entendíamos que os sobreviventes de uniões de facto que pretendessem requerer junto das instituições respectivas (Segurança Social ou Caixa Geral de aposentações) as pensões de sobrevivência ou outras prestações por morte, apenas teriam de provar por reconhecimento judicial (em acção intentada contra a instituição ou em acção de alimentos contra a herança do falecido) que viviam há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e que o falecido não era casado, ou sendo-o estava separado judicialmente de pessoas e bens, não lhes sendo exigíveis a prova de outros requisitos, designadamente a necessidade de alimentos ou a impossibilidade de a herança ou os outros familiares previstos no art.º 2009º al. a) a d) do CC, os poderem prestar [14] .
Vemos agora com satisfação que este entendimento já foi sufragado no STJ em Acórdão, de 20/4/04, no recurso de revista n.º 57/04-6, publicado na CJSTJ, ano XII, tomo II, pag. 30 e seg. [15] , .
A presente acção foi instaurada contra o ISSS- Centro Nacional de Pensões a quem, nos termos da lei compete, a obrigação de reconhecer e pagar a pensão de sobrevivência ou subsídio por morte, em consequência do óbito de um beneficiário da segurança social, ao membro sobrevivo de uma união de facto.
No citado aresto do STJ, apreciou-se uma questão idêntica à dos presentes autos e embora sob o âmbito da Lei n.º 135/99, os ensinamentos e argumentos aí aduzidos têm inteira aplicação à situação “sub judicio” e que já se verifica no domínio da Lei n.º 7/2001 (doravante designada abreviadamente de LUF) porquanto, como já deixámos vincado, nesta matéria dos requisitos para o reconhecimento do direito às prestações esta lei nada inovou, sendo que os preceitos relativos a tais requisitos têm quase a mesma redacção e até numeração (art.º 6º n.º 1 da Lei n.º 135/99 e da Lei n.º 7/2001) [16] .
No mui douto referido aresto do STJ afirma-se, com muita propriedade o seguinte: « Ora, para a atribuição de tais prestações, torna-se necessária a prova, traduzida em sentença judicial, que declare que o respectivo requerente preenche as condições previstas no art. 2020° do CC, no que respeita à titularidade das mesmas - arts. 6°, n.° 1 da LUF, 8° do DL n.° 322/90, e 3° e 5° do Dec. Reg. n.° 1/94. Com efeito, aquele apontado normativo da codificação substantiva civil dispõe, no seu n.° 1, que: " Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009°. Porém, comparando estes requisitos com os exigíveis no diploma regulamentador da atribuição das prestações por morte do regime da segurança social, ao membro sobrevivo da união de facto, constata-se que, em nosso entender, os mesmos apenas se podem confinar à prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido e à existência de uma relação para familiar de união de facto, que perdure há mais de dois anos - art. 2° do Dec. Reg. n.° 1/94 -, não impendendo, portanto, sobre o respectivo interessado o ónus da prova, quer da sua necessidade de alimentos - art. 2004° do CC -, quer da impossibilidade para os pagar por parte da herança ou dos familiares indicados nas als. a) a d) do art. 2009° daquela codificação[17] . Temos, assim, que, apenas nas acções em que seja peticionada à herança uma pensão de alimentos, se terão de provar aqueles últimos indicados requisitos. Na verdade, decorrente da publicação da Lei n.° 135/99 e posteriormente reforçada com a lei n.º 7/2001 (LUF), foi estabelecida, em matéria de protecção social do companheiro, uma total equiparação da união de facto ao casamento, através da aplicação, a ambas aquelas situações, dos mesmos princípios já existentes relativamente à protecção do cônjuge - art. 3°, als. b), c), f), g) e h). Por outro lado, tal tendência de equiparação dos casais que vivessem naquelas duas indicadas situações, relativamente às prestações concedidas em razão da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, decorria já do preceituado no DL n.° 322/90 - arts. 1°, 3°, 7° e 8° -, bem como do Dec. Reg. n.° 1/94, em cujo preâmbulo se pode ler, a dado passo: "Em matéria de pensões de sobrevivência, o acolhimento do princípio da relevância das uniões de facto de alguma forma equiparáveis, para efeitos sociais, à sociedade conjugal tem por objectivo a harmonização dos regimes internos de protecção social, bem como a adequação a recomendações formuladas no âmbito das instâncias internacionais. " Ora, no que se reporta às prestações decorrentes do decesso dos beneficiários do regime geral da segurança social - pensão de sobrevivência e subsídio por morte -, a sua atribuição ao cônjuge do falecido não está dependente das necessidades económicas do mesmo, nem da existência de familiares cuja situação económica seja susceptível de lhe poderem prestar alimentos - arts. 24°, 25°, 32° a 5° do DL n.° 322/90, e arts. 26°, 27° e 40°, n.° 1, ai. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência -, o que se adequa à natureza dos referidos benefícios, que, quanto às pensões de sobrevivência, se traduzem numa prestação pecuniária, de natureza continuada, destinada a compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos do trabalho, decorrente do óbito daquele, enquanto que, por seu turno, o subsídio por morte tem a finalidade de minorar o acréscimo de encargos decorrentes de tal evento, facilitando, dessa forma, a reorganização da vida familiar - art. 4° do DL n.° 322/90 - situações estas das quais se mostra totalmente excluída qualquer eventual correlação com os meios económicos do cônjuge do beneficiário.»
Assim, e se dos enunciados diplomas - LUF, DL n. 322/90, e Dec. Reg. n.° 1/94 – decorre uma total equiparação relativamente às medidas de protecção social que são atribuídas aos membros de um agregado familiar unido pelo vínculo do matrimónio e aos que vivam em união de facto, não será de exigir, em nosso entender, e na falta de disposição legal em contrário, a prova da verificação de requisitos diversos para a atribuição de prestações sociais análogas, conforme se trate de interessados ligados ao beneficiário pelo casamento ou cuja titularidade aos referidos benefícios resulte da existência de uma situação de união de facto.»
Conclui-se depois no acórdão citado que «contrariamente ao que vem sendo sustentado na jurisprudência, em nosso entender, os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto, para que possa aceder às prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário de um qualquer regime público de segurança social, reconduzem - se, apenas, à prova relativa ao estado civil de solteiro, viúvo ou separado judicialmente de pessoas e bens do referido beneficiário e à circunstância do respectivo interessado ter vivido em união de facto, há mais de dois anos, com o falecido.» [18]
Estando inequivocamente provado que à data do falecimento do Armindo ……………., este vivia maritalmente com a Autora havia mais de 5 anos , como se marido e mulher fossem, torna-se manifesto que se mostram reunidos os requisitos referidos nos arts.s 2020°, n.° 1 do CC, 8° do DL n.° 322/90 e 2° do Dec. Reg. n.° 1/94, o que conduz à procedência do pedido formulado pela Autora de reconhecimento do direito a ser titular das prestações por morte a cargo da Segurança Social.
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[1] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [2] Quanto a este aspecto nunca será demais afirmar que a aceitação da tese dominante, a sustentada pela recorrente, coloca os Tribunais de instância numa posição insustentável num Estado de Direito Democrático…!
É um verdadeiro dilema!!!
De facto
- ou aplicam as normas atinentes à produção e valoração da prova de forma rigorosa e isenta.
- ou, porque conscientes da dificuldade, senão mesmo impossibilidade da provas desses requisitos, fazem “manga laça”, limitam-se a “fazer de conta” e sem qualquer juízo crítico, acreditam no que lhes é apresentado.
Na primeira situação dificilmente alguém conseguirá provar os requisitos de que depende o reconhecimento do direito – designadamente a impossibilidade dos parentes obrigados a alimentos os poderem prestar, é a chamada prova diabólica..! Muitas vezes nem os requerentes sabem da existência ou do paradeiro dos parentes e nesse caso por desconhecerem a sua existência ou por não saberem da sua situação económica, que aliás não são obrigados a revelar, o requerente, que até carece de alimentos, vê a sua pretensão denegada?
É no mínimo absurdo….
Na segunda situação, os Tribunais demitem-se da sua função de julgar e quais tabeliães limitam-se a “chancelar” aquilo que lhes é apresentado, tomando-o como verdadeiro. Os Tribunais têm o seu ritual e algo de cénico mas não são um teatro…!
Os Tribunais não podem servir para isto!!!
O poder político que assuma as suas responsabilidades e não remeta para os Tribunais a decisão que no fundo sempre quis, mas que sempre escondeu – a de limitar ao máximo o reconhecimento do direito!!!
Não havia nenhum imperativo constitucional que impusesse, nesta matéria, a equiparação dos unidos de facto (homo ou heterossexuais) aos casados. O poder político quis dar mostras de magnanimidade, vanguardismo e quiçá garantir mais uns votos….Mas propositada e hipocritamente elaborou uma lei ambígua e iníqua que manteve nas sucessivas revisões, atirando para os tribunais a responsabilidade de, em concreto, negar aos cidadãos os direitos que com pompa e circunstância foram anunciados como quase universais.
Haja vergonha.
Haja respeito pelas instituições e pelos princípios do Estado de Direito. [3] Cfr. neste sentido, entre outros, Ac. do TRE de 27/1/05, proc. n.º 1646/04-3, relatado pelo relator do presente e ainda Ac. do TRE de 2/06/05, proc. n.º 2529/04-2, relatado pela Exmª Des. Maria Alexandra Moura, in http://www.dgsi.pt/....... [4] cfr. Ac.s do STJ de 03/05/2001, in www.dgsi.pt, proc. n.º 01B828 e AC. STJ DE 1999/02/09 IN BMJ N.º 484 PAG. 397; AC STJ DE 1999/02/24 IN BMJ N.º 484 PAG. 412; AC STJ PROC.º n.º 545/01 DE 2001/03/29 2ª SEC. [5] No preâmbulo do DL n.º 322/90, ao explicitar-se os motivos da disposição inovatória relativa à “protecção” das uniões de facto, faz-se notar que o regime visa as «situações de facto previstas no art.º 2020º do CC», carecendo de regulamentação o que respeitaapenas à caracterização das situações e à produção da prova.
Ora parece que o legislador regulamentar exorbitou das suas prerrogativas e atribuições, ao estabelecer mais condições do que aquelas que resultam do preceito a regulamentar! A ser assim tal regulamento, na parte em que restringe o alcance da norma da lei regulamentanda, será ilegal!
Com efeito os decretos regulamentares na medida em que executam uma dada lei estão na estrita dependência desta, sendo-lhe aplicável a regra acessorium principale sequitur. Isto porque a lei ou o decreto lei que concretizam são de valor formal superior [Cfr. art.º 199º al. c) da C.R.P.]. O decreto regulamentar não tem assim autonomia face à lei ou decreto-lei que executa, visto que são de aplicação ordinária, complementares ou infra legem. As leis e os decretos-leis sobrepõem-se-lhes. Já não assim nos regulamentos autónomos, isto é, que não executam nenhuma lei em especial anterior, e que são elaborados no exercício de competência própria e para o desenvolvimento das atribuições normais e permanentes da autoridade administrativa. Estes baseiam-se numa simples norma de competência, despida de conteúdo conformador de relações jurídicas. Cfr. Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra – 1976, págs. 66 e segs. e 421 e segs. e 513 e segs.; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I Vol., 10ª Ed. (6.ª reimpressão), pág. 99; Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Liv. Almedina, Coimbra – 2001, págs. 158 e segs.; Mário Esteves de Oliveira e outros, Cód. Proced. Adm., 2ª. Ed., Actualizada, Revista e Aumentada, Liv. Almedina, Coimbra - 1997, págs. 535 nota I. [6] Para maiores desenvolvimentos veja-se a palestra de Rita Lobo Xavier, publicada in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida e Costa, pag. 1393 e seg. [7] Sobre uma referência história das uniões de facto vd. França Pitão, Uniões de Facto, Liv. Almedina, Coimbra – 2002, págs. 34 e segs. Em relação ao texto cfr. A. Varela, Direito da Família, Liv. Petrony – 1987, pág. 21. Antes da reforma de 1977 era exacto dizer-se que a mancebia não era fonte de direito a alimentos. Vd. Castro Mendes, Direito da Família, Lições – 1978/79, pág. 337, citando o acórdão do STJ de 26-05-1971: BMJ 207 pág. 106. Sobre a questão se a rotura da a convivência more uxorio gerava ou não obrigação de indemnizar cfr. Ac. do STJ de 30-05-1961: BMJ 107 págs. 557 e segs. [8] Expressão utilizada pela primeira vez depois da reforma de 1977 (Dec. Lei n.º 496/77, de 25-11) na epígrafe do art.º 2020º do Cód. Civil, distingue-se das relações sexuais fortuitas, passageiras ou acidentais ou do concubinato duradouro. Cfr. Ac. do STJ de 05-06-1985 publicado com a anotação de Pereira Coelho na RLJ Ano 120 págs. 380 e segs. e Ano 121 págs. 79 e segs. As expressões “concubinato” e “concubinos” adquiriram, entre nós conotação pejorativa, ao contrário do que sucede, por exemplo em França. Vd. Pereira Coelho Curso de Direito da Família, Vol. I, 2.ª Ed., Coimbra, Editora – 2001, pág. 85 e nota 41. [9] Vd. Pereira Coelho Curso de Direito da Família, Vol. I, 2.ª Ed., Coimbra, Editora – 2001, págs. 92 e segs. [10] Vd. Pereira Coelho Curso de Direito da Família, Vol. I, 2.ª Ed., Coimbra, Editora – 2001, pág. 115. [11] Neste sentido vd., entre muita outra, v. g., a jurisprudência pacífica citada por Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Vol. I, 2.ª Ed., Coimbra, Editora – 2001, pág. 115 nota 85. Opinião esta que também é deste professor. Em sentido contrário cfr. v. g., Ac. da R. de Lisboa de 30-11-1995: Agravo, inhttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, etc., Proc. n.º 0013486, n.º Convencional JTRL 00023354 – Relator Desembargador Urbano Dias; Ac. da R. de Lisboa de 07-12-1995: Agravo, inhttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, etc., Proc. n.º 0014076, n.º Convencional JTRL 00023381 – Relator Desembargador Damião Pereira; Ac. da R. de Lisboa de 20-02-1997: Apelação, inhttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, etc., Proc. n.º 0013512, n.º Convencional JTRL 0001102 – Relator Desembargador Pessoa dos Santos e Ac. da R. de Lisboa de 25-02-1999: Apelação, inwww.dgsi.ptwww.dgsi.pt etc., Proc. n.º 003296, n.º Convencional JTRL 00025857 – Relator Desembargador Carlos Valverde. [12] Vd. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, Lições de 1977/78, Coimbra – 1977, pág. 8; A. Varela, opus cit., pág. 24. [13] Sendo certo que para as situações de união de facto heterossexuais tais direitos já se encontravam reconhecidos na Lei dos Acidentes de Trabalho Art.º 20º da Lei n.º 100/97 de 13/9. [14]No referido Acórdão de 22-01-2004proferido no proc. n.º 2077 / 03-2 da Relação de Évora, publicado in http://www.dgsi.pt/, escreveu-se o seguinte:
Veja-se que não se está em presença propriamente de uma acção de alimentos ou que vise a constituição duma obrigação alimentar, com o estabelecimento da medida concreta desses alimentos...para a qual, como se sabe, se deve atender não só à necessidade do alimentando como à possibilidade concreta da sua prestação por que for demandado.
Aqui a acção tem fundamentalmente, no que toca a alimentos, um conteúdo negativo – a prova da impossibilidade de obter os alimentos das pessoas referidas nas al. a) a d) do art.º 2009 do CC ou da Herança do falecido - dado que as prestações a obter da parte do Centro Nacional de Pensões não variam em função da situação de maior ou menor carência económica da A./requerente!! Além disso uma vez reconhecido o direito, tais prestações não cessam nem se extinguem por deixar de se verificar a situação de carência alimentar que esteve na sua origem!!.....Esta situação que é real, já que o Centro Nacional de Pensões não tem qualquer possibilidade legal de fazer cessar o pagamento das prestações com fundamento na superveniência dum estado de desnecessidade de alimentos por parte do beneficiário (não existe qualquer previsão legal nesse sentido) é sintomática da eventual interpretação errada que vem sendo feita do art. 8º do DL n.º 322/90 e do art.º 2º e 3º do Dec. reg. n.º 1/94, ao exigir-se para os efeitos aí previstos, não só a prova dos elementos caracterizadores da more uxorio - união de facto - referidos no art. 2020 do CC – como parece que deveria ser - mas também os restantes requisitos aí previstos relativos “aos alimentos”...
Se o legislador tivesse querido restringir o direito às prestações por morte apenas ao “companheiro” sobrevivo, que tendo vivido more uxorio e se encontre necessitado de alimentos, então deveria ter estendido o regime “dos alimentos” não só ao reconhecimento do direito às prestações...como à sua extinção ou modificação (art.ºs 2012º e 2013º do CC).
Ora parece que isso não foi querido!
Na verdade se assim fosse ou se o direito às prestações tivesse natureza alimentícia, deveria cessar nos mesmos termos que cessa a obrigação alimentar, designadamente quando deixa de haver necessidade do alimentando! Por outro lado, se tal direito tivesse aquela natureza, não poderia ter, como tem, prazos prescricionais para ser exercido, contados a partir a partir da data do óbito do beneficiário.
Com efeito durante tal prazo pode não haver necessidade de alimentos mas tal necessidade vir a ocorrer imediatamente a seguir ao termo do prazo de prescrição... ou pode suceder que haja necessidade de alimentos à data do óbito ou da propositura da acção e já não exista no momento da formulação do pedido concreto perante a Segurança Social...Neste caso persistirá o direito?
Tudo aponta nesse sentido, o que indicia que o direito às prestações por morte não pode estar ligado directamente às necessidades alimentares, tal como o não está no caso dos “casados”. [15] Embora saibamos que, posteriormente, já houve retrocessos e que a tendência corrente vai no sentido retrógrado…. Mas estar com a maioria não significa estar certo ou razão!!! [16] Quanto ao regime instituído pela Lei n.º 135/99, que no tocante às uniões de facto heterossexual é idêntico ao constante da Lei n.º 7/2001, veja-se o que diz França Pitão, in loc. Cit, pág. 189 a 190 :
« Pelo que por agora nos interessa [o que vem previsto na alínea,f) do art.º 3º, ou seja, protecção na eventualidade de morte do beneficiário de segurança social], verifica-se que a lei estabeleceu um princípio geral de aplicabilidade do regime citado a todos aqueles que reúnam as condições previstas no artigo 2020 ° do Código Civil, ou seja, aqueles que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens vivam com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, o mesmo é dizer, em união de facto.
Da formulação legislativa pode extrair-se a ideia de que é hoje reconhecível ao companheiro sobrevivo gozar simultaneamente do direito a alimentos, por via do disposto no artigo 2020.° do Código Civil, por um lado, e do direito às prestações sociais por morte do seu companheiro, por outra, face ao estabelecimento do citado princípio geral.
Como pode chegar-se a tal conclusão?
É evidente, em primeira linha, que a previsão do preceito da lei civil mantém-se incólume, na medida em que o companheiro sobrevivo poderá sempre requerer que lhe sejam prestados alimentos através dos rendimentos, dos bens da herança, bastando para tal que preencha os requisitos ali estabelecidos e faça prova, quer da necessidade desses alimentos para si, quer da possibilidade de serem prestados através das forças da herança, face à aplicação do critério geral da medida dos alimentos, decorrente do. artigo 2004.° do mesmo Código.
Por outro lado, e em segundo lugar, o novo preceito estabelece que o companheiro sobrevivo beneficiará das prestações sociais desde que reúna as condições previstas no artigo 2020.° do Código Civil. Ora, seguramente, tal preceito não se refere à necessidade do alimentando nem às possibilidades do alimentante, já que estas condições decorrem daquele outro princípio geral do artigo 2004.° do mesmo diploma. Bastará, por isso, que se faça a prova do preenchimento dos requisitos legalmente impostos para a eficácia da união de facto, sendo irrelevante, nesta matéria, saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento a esta. Efectivamente, ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais pretende-se tão-só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência, decorrente do 'aforro' que foi efectuado pelo seu falecido companheiro, ao longo da sua vida de trabalho, mediante os, descontos mensais depositados à ordem da instituição de segurança social. Por isso, a esta é indiferente saber se o potencial beneficiário tem ou não meios de subsistência próprios, já que as referidas prestações resultam de um direito que lhe assiste incondicionalmente, para além das próprias necessidades comprovadas do seu titular» [17] Com efeito a exigência desta prova ao requerente constituía por um lado uma violência para o requerente (a quem se exigia que demonstrasse factos que não estavam na sua disponibilidade e que não podia exigir que lhe fossem disponibilizados – património e rendimentos dos seus familiares) e por outro um ónus perfeitamente desproporcionado, injusto e falacioso, já que determina que ocorra (como acima se deixou já escrito) uma de duas coisas, sendo difícil saber qual delas é a pior!!
-Ou se impõe ao Tribunal um laxismo na apreciação da prova da insuficiência do património dos familiares do requerente –um “laisser fair laisser passer”- fazendo do acto de julgar um vulgar acto de ilusionismo e uma panaceia
-ou então julgando em conformidade com as regras da prova e do processo ficaremos perante o que é vulgarmente chamada a “prova diabólica” e que em geral determina a quase impossibilidade do requerente conseguir tal desiderato.
Daí que o Tribunal Constitucional tenha entendido e em nossa modesta opinião bem, que nestas circunstâncias, tal imposição (aliada ao cumprimento pelos Tribunais – e deles não se espera outra coisa - dos princípios formais e substanciais em matéria de apreciação da prova), constituía uma violação do princípio da proporcionalidade, ínsito nas disposições conjugadas dos arts. 2°, 18°, n.° 2, 36 °, n.° 1 e 63°, n.° s 1 e 3 da CRP, - Acórdão n.° 88/2004 do TC de 10/02, publicado no DR -11 série - n.° 90 de 16/04/2004. [18] Neste sentido foram já proferidos vários acórdãos. Veja-se entre outros o proferido em 9/12/04, no proc. n.º 2250/04-3 da RE e Ac. da RL de 27-04-2004, proc. n.º 5710/2003-7 in http://www.dgsi.pt/......