SEGREDO DE JUSTIÇA
ACESSO AOS AUTOS
Sumário


I. A aplicação da lei nova aos processos iniciados anteriormente só terá sentido desde que salvaguardados os actos realizados.
II. Em inquérito, iniciado em data anterior à entrada em vigor da Lei nº.48/2007 (que alterou os arts.89º e 276º do CPP) e no qual não estava determinado o segredo de justiça, o Ministério Público pode requerer que o acesso aos autos seja adiado nos termos do art. 89 nº 6 do CPP na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29/8.

Texto Integral

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Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO

Nos autos de inquérito com o nº…, correndo termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de …, o Digno Procurador-Adjunto requereu, em 3.10.2007, à Exma. Juiz de Instrução, que o acesso aos autos seja adiado pelo período de 3 meses, nos termos do disposto no art.89º, nº 6 do C.P.P..

Em despacho de 12.10.2007, a Exma. JIC consignou:
Vem, a fls. 40, o Ministério Público requerer que o acesso aos autos seja adiado pelo período de 3 meses, nos termos do disposto no art.º 89°, n.º 6 do Código de Processo Penal.
No presente inquérito investiga-se a prática de um crime de violação de segredo de justiça.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art.° 89°, n.º 6 do Código de Processo Penal que “Findos os prazos previstos no art.º 276°, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1°, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.”.
Ora, com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 28 de Agosto, por força da redacção introduzida no art.° 86 do Código de Processo Penal, considerando que o Ministério Público não determinou o segredo de justiça do presente processo, o mesmo é público.
Assim sendo, não terá aplicabilidade o disposto no art.º 89°, n.º 6 do Código de Processo Penal, o qual só se aplica a processos que se encontrem em segredo de justiça.
Em face do exposto, indefiro o requerido pelo ministério Público, por inadmissibilidade legal.
Notifique.

Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões:
1) Considerou a Mma. Juiz de Instrução que: “( .. .) com a entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 28 de Agosto, por força da redacção introduzida no art. 86° do Código de Processo Penal, considerando que o Ministério Púbico não determinou o segredo de justiça do presente processo, o mesmo é público. Assim sendo, não terá aplicabilidade o disposto no art. 89°, n° 6 do Código de Processo Penal;
2) Se atentarmos ao disposto no art. 276°, nº 1, parte final, do C.P.P., o prazo de duração máxima do inquérito é, em regra, de oito meses no caso de não haver arguidos presos;
3) Conjugando o referido dispositivo com o art. 89°, nº 6, conclui-se que, perante um processo que já tenha ultrapassado o prazo de oito meses, outra alternativa não resta ao MP, senão requerer ao JIC que o acesso aos autos seja adiado pelo período máximo de 3 meses;
4) Quanto aos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 28 de Agosto, em que o MP, entendendo que tal processo deva ser sujeito a segredo, determina o carácter secreto do mesmo nos termos do art. 86°, nº 3 do C.P.P., dúvidas não se colocam quanto ao facto de, decorridos que se encontrem 8 meses sobre o início do inquérito, se o MP entender que o processo deva continuar secreto, terá de requerer ao JIC o respectivo aditamento de acesso aos autos, nos termos do art. 89°, nº 6 do C.P.P.,
5) Outra não poderá ser a solução a dar aos casos, em que, à data da entrada em vigor da referida Lei, os prazos de duração máxima dos inquéritos já se encontravam esgotados;
6) À data de entrada em vigor da Lei supra referida - 15 de Setembro de 2007 - o processo de inquérito em causa, tinha uma duração de exactamente 1 ano e 6 meses;
7) Não parece logicamente defensável que o MP tivesse que determinar primeiramente o carácter sigiloso do inquérito nos termos do art. 86°, nº 3 do C.P.P., porque o artigo referido apenas tem em vista os casos em que, ab initio o MP determina o carácter sigiloso do processo;
8) Após o decurso desses 8 meses, o MP apenas tem ao seu dispor a faculdade de requerer ao JIC o adiamento do acesso aos autos nos termos do art. 89°, n° 6 do C.P.P..
9) Aliás, neste sentido veja-se a Circular 1/2007 da Procuradoria-Geral Distrital de Évora que, quanto a este ponto, dispõe que: “nos processos pendentes em que se mostre já ultrapassado o prazo legal de duração do inquérito, mas em se justifique a manutenção do segredo de justiça, os Senhores Magistrados do Ministério Público requererão ao Senhor Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 89° do Código de Processo Penal, o adiamento do acesso aos autos pelos intervenientes processuais.”
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser o douto despacho recorrido objecto de revogação e substituído por outro que adie o acesso aos presentes autos pelo período de 3 meses, nos termos do art. 89°, n° 6 do C.P.P..

Notificado, o arguido não apresentou resposta (fls.2).

O recurso foi admitido por despacho de fls.26.
Foi sustentado o decidido, por despacho de fls.28.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, de fls.34/36, em resumo e por aplicação do art.5º do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP), no sentido de se conceder provimento ao recurso.

Cumprido o nº.2 do art.417º do CPP, o arguido nada respondeu.

Efectuado o exame preliminar e atento o disposto no art.419º, nº.3, alínea b), do CPP, na sua actual redacção introduzida pela Lei nº.48/2007, de 29.08, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, de harmonia com o disposto no art.412º, nº.1, do CPP e conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº.7/95, de 19.10.1995, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Assim, no caso vertente, reside em apreciar se, em inquérito, iniciado em data anterior à entrada em vigor da Lei nº.48/2007 (que designadamente, alterou os arts.89º e 276º do CPP) e no qual não estava determinado o segredo de justiça, é admissível, como defende o recorrente, o adiamento do acesso aos autos e, por isso, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que defira esse adiamento.

Apreciando:
Resulta dos elementos disponíveis que:
-conforme à motivação apresentada e sem que seja infirmado, o inquérito teve o seu início em 15.03.2006 (fls.21) e, como tal, anteriormente à data de entrada em vigor da Lei nº.48/2007;
- investiga-se a prática de crime de violação de segredo de justiça;
- o prazo geral de oito meses de duração máxima do inquérito, não existindo arguidos presos e de acordo com o disposto no art.276º, nº.1, do CPP (não alterado por aquela Lei), encontrava-se ultrapassado aquando do requerimento do Ministério Público com vista ao aludido adiamento do acesso aos autos;
- não fora antes determinado o segredo de justiça ao abrigo do disposto no art.86º, nº.3, do CPP, na sua actual redacção.

A Lei 48/2007 introduziu significativas alterações ao regime do segredo de justiça.
Já da Proposta de Lei nº.109/X, que a antecedeu, e da Exposição de Motivos respectiva, isso era visível, aí constando mormente que:
Consagra-se com maior amplitude o princípio da publicidade. Assim, no decurso do inquérito, o Ministério Público pode determinar a publicidade - «externa» - mediante requerimento ou com a concordância do arguido, se a cessação do segredo não prejudicar a investigação e os direitos de sujeitos e vítimas. No entanto, se o arguido requerer a publicidade e o Ministério Público a não conceder, cabe ao juiz decidir, por despacho irrecorrível, sobre a continuação ou a cessação do segredo. Durante a instrução, já só o arguido se pode apor à publicidade (artigo 86.º). Mas também o «segredo interno» é restringido. No âmbito do inquérito é facultado o acesso aos autos ao arguido, ao assistente e ao ofendido, ressalvadas as hipóteses de prejuízo para a investigação ou para os direitos dos participantes ou das vítimas. Também nesta hipótese, cabe ao juiz de instrução criminal a última palavra no caso de o Ministério Público não facultar o acesso aos autos. Findos os prazos do inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo, a não ser que o juiz de instrução determine, no interesse da investigação, um adiamento pelo período máximo e improrrogável de 3 meses (artigo 89.º).
Aliás, a formulação legal do actual.86º do CPP foi, até, mais longe (comparativamente com essa Proposta de Lei) na consagração legal da publicidade, como regra, mesmo, na fase de inquérito – seu nº.1, -, embora com as limitações constantes, sobretudo, dos seus nºs.2, 3 e 7.
Contrariamente, no regime que até então vigorou, o processo penal era público apenas a partir da decisão instrutória ou, não existindo esta, do momento em que já não pudesse ser requerida (art.86º, nº.1, na versão anterior à Lei nº.48/2007).
Já se vê, deste modo, que o inquérito em apreço nos autos se encontrava, à data da entrada em vigor das alterações, sujeito a segredo de justiça e, nada sendo trazido aos mesmos que infirmasse a actual regra da publicidade, passaria a não estar coberto por esse segredo, sabendo-se que a lei processual é de aplicação imediata, como o art.5º, nº.1, do CPP dispõe.
Acresce que nenhuma norma transitória, nesse âmbito, foi incluída naquela Lei nº.48/2007 e que pudesse, de algum modo, acautelar situações, como a presente, para efeitos de aplicação da lei processual no tempo.
Em conformidade, a situação terá de ser resolvida com apelo à previsão daquele art.5º do CPP:
1. A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2. A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
Desde logo, note-se que a circunstância do prazo de duração do inquérito se mostrar já esgotado não assume relevo para a solução a definir (nem a ela se reporta o despacho recorrido), porquanto a sua consequência tão-só se reveste (quer no anterior, quer no actual regime), em possibilitar aos intervenientes processuais o requerimento de aceleração processual a que alude o art.108º do CPP, com os efeitos respectivos previstos no art.276º, nºs.4 e 5, do CPP.
Por seu lado, estando inicialmente o inquérito em segredo de justiça e por força do aproveitamento dos actos anteriores e da desejável harmonia e unidade dos vários actos do processo, não se concorda com a posição expressa no despacho sob censura, no sentido de que o Ministério Público teria de ter, previamente ao ora requerido, de fazer uso da disciplina prevista no nº.3 do art.86º do CPP – Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
O inquérito encontrava-se em segredo de justiça e não deixou, automaticamente, de o estar por via da alteração legal.
Segundo o nº.6 do art.89º do CPP (versão actual), encontrando-se findo o prazo previsto no art.276º do CPP – situação configurada nos autos – e encontrando-se os elementos do processo em segredo de justiça – como era o caso -, o Ministério Público pode requerer ao juiz de instrução que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, prorrogável apenas nas circunstâncias aí definidas e que ora não relevam, o que constitui excepção ao regime geral consagrado.
Afigura-se, pois, que o pressuposto de que partiu o despacho recorrido não tem razão de ser.
Salienta-se que, na apreciação da fundamentação para a manutenção do segredo de justiça em determinado processo, se moverá, sempre, o juiz de instrução através da ponderação entre os interesses da investigação e de outros sujeitos processuais, subjacentes ao segredo, e os direitos de defesa do arguido.
Na verdade, como se consignou no acórdão do Tribunal Constitucional nº.428/2008, de 12.08, acessível em www.tribunalconstitucional.pt/acordaos:
(…)
A regulação do segredo de justiça em processo penal – quer na vertente interna, respeitando aos participantes processuais directamente envolvidos na concreta relação processual, quer na vertente externa, reportado à generalidade das pessoas, estranhas a essa relação processual - convoca, com particular acuidade, “a tarefa de concordância prática das finalidades, irremediavelmente conflituantes, apontadas ao processo penal: a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento, tão rápido quanto possível, da paz jurídica posta em causa pelo crime e a consequente reafirmação da validade da norma violada (MARIA JOÃO ANTUNES, “ O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção”, em Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, pp. 1237-1268.
Num processo penal constitucionalmente conformado, como o português, “numa estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação”, a necessidade de harmonização das apontadas finalidades justifica soluções diferenciadas consoante as fases por que se desenrola o processo, tendo em conta o diferente peso relativo que lhes deve ser atribuído em cada uma delas, compreendendo-se uma evolução em que o predomínio do princípio do segredo sobre o princípio da publicidade, típico da fase preliminar da investigação, vá gradualmente evoluindo para o predomínio do princípio da publicidade, típico da fase da audiência de julgamento (…)
Porém, nem num extremo nem no outro do iter processual, o princípio dominante, seja ele o do segredo ou o da publicidade, tem valor absoluto (…).
Quanto à fase do inquérito, sempre foi entendimento que nela se impunha a derrogação do princípio da publicidade, “importando salientar que esta derrogação está até constitucionalmente legitimada, a partir das alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, uma vez que o artigo 20.º, n-º 3, da CRP passou a prever que «a lei define a assegura a adequada protecção do segredo de justiça»”, como salienta MARIA JOÃO ANTUNES (estudo citado, p. 1244)
(…)
Conforme Frederico de Lacerda da Costa Pinto, in “Segredo de Justiça e acesso ao Processo”, em “Jornadas de Direito Processual e Direitos Fundamentais”, Coimbra 2004, pág.71, A vigência do segredo de justiça nas fases preliminares do processo penal é plurisignificativa no plano axiológico: trata-se, por um lado, de um mecanismo destinado a garantir a efectividade social do princípio da presunção de inocência do arguido, durante fases processuais que ainda estão cronologicamente distantes do julgamento (…); num outro plano, é uma forma de garantir condições de eficiência da investigação e de preservação de possíveis meios de prova, quer a prova obtida quer a eventual prova a obter; finalmente, como variante específica deste último aspecto, o segredo de justiça pode assumir igualmente uma função de garantias para pessoas que intervêm no processo – em particular as vítimas e as testemunhas – que, doutra forma, poderiam ficar numa fase preliminar do processo expostas a retaliações e vinganças de arguidos ou pessoas que lhes sejam próximas.
A directa constitucionalização do dever de protecção do dever do segredo de justiça não oferece dúvida, bem como a sua necessidade, a averiguar, em sede de inquérito, pelo Ministério Público – que o dirige (art.263º, nº.1, do CPP) -, com a concordância do juiz de instrução – como garante da defesa dos direitos e liberdades fundamentais.
Por seu lado, a sua importância, ao ponto da referida consagração constitucional, não pode ser menosprezada, atentos os interesses que prossegue e a dignidade destes.
Deste modo, necessária se torna uma adequada interpretação e em concreto do aludido art.5º do CPP, com vista a dilucidar como lidar com situações em que o inquérito se iniciara antes das alterações e se encontra ainda pendente, prolongando-se, pois, já na vigência das mesmas.
E, neste âmbito, colocada de parte a circunstância (por irrelevante) de que o inquérito já decorria para além do prazo legal referido de oito meses, a solução, em nosso entender, há-de passar pela interpretação que melhor se coadune com a natureza do regime de segredo e com a ponderação dos interesses em presença, sem perder de vista a desejável limitação de prazos que esteve, inequivocamente, no espírito do legislador.
Com efeito, o respeito pela validade dos actos praticados na vigência da lei anterior exige que seja, desde logo, arredada a perspectiva de que ficasse irremediavelmente vedado ao Ministério Público o requerimento para impedir o acesso aos autos, com a consequente frustração das expectativas e finalidades da investigação, sobretudo, ainda, atentando na surpresa motivada pela alteração legal.
Igualmente, afigura-se de afastar a interpretação de que ao inquérito, nas condições indicadas, fosse aplicável um novo prazo de duração máxima, já que redundaria em claro prejuízo dos sujeitos processuais, em favor do Ministério Público.
Entende-se, então, que a perspectiva sufragada pelo despacho recorrido não atenta devidamente na harmonia e unidade dos vários actos do processo, sendo certo que, transformar um processo inicialmente sujeito ao segredo de justiça no ilimitado acesso aos autos, decorrente da nova regra geral da publicidade, sem cuidar dos efeitos que daí resultam, à luz dos interesses a analisar, consubstancia posição que não salvaguarda estes e não pode ter sido querida pelo legislador, se bem que nenhum motivo exista, como referido, para deixar de considerar o prazo do inquérito já decorrido.
No mesmo sentido e como se salienta no douto parecer da Digna Procuradora-Geral Adjunta, se pronunciou Pedro Maria Godinho Vaz Patto, in “O Regime do Segredo de Justiça no Código de Processo Penal Revisto”, em “Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal”, 2007, CEJ, designadamente:
A solução proposta (que permite a manutenção de um regime de segredo por mais algum tempo sem ignorar o decurso anterior dos prazos de duração máxima do inquérito) (…) é a que resulta num tratamento mais igualitário entre os sujeitos processuais dos processos pendentes, por um lado, e os sujeitos processuais dos processos iniciados depois da entrada em vigor da nova Lei, por outro lado. A este princípio de igualdade também não são alheias as regras de aplicação da lei processual penal no tempo.
Acrescenta-se, ainda, que a aplicação da lei nova aos processos iniciados anteriormente só terá sentido desde que salvaguardados os actos realizados, contrariamente ao que transparece do despacho recorrido.
Com isto, não se pretende concluir, pois, que, por se tratar de processo iniciado anteriormente e, assim, coberto pelo segredo de justiça, deva o Ministério Público requerer a manutenção desse segredo por via do disposto no nº.3 do art.86º do CPP, sendo, pois, suficiente e, até por razões de economia processual, que requeira o adiamento de um segredo que já então existia, ao abrigo do nº.6 do mesmo normativo.
O despacho recorrido interpretou, assim, incorrectamente tal preceito legal, ao considerar inadmissível o requerido, devendo ser revogado e em conformidade com a posição que se deixou expendida e que se afigura como a mais consentânea com os interesses subjacentes e com as regras de aplicação da lei processual no tempo.
Contudo, a invocada, pelo recorrente, substituição por outro despacho que adie o acesso aos autos pelo período de 3 meses não procede, já que envolveria apreciação para além daquela que foi feita no despacho em apreço.
Como tal, a substituição residirá, tão-só, em impor-se a apreciação do requerimento formulado pelo Ministério Público e sobre o qual versou enveredando por fundamento consubstanciado na sua inadmissibilidade legal.
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3. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se:

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente,
- revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que, admitindo a legalidade do requerido pelo recorrente, aprecie se se justifica, em concreto, o adiamento do acesso aos autos, nos termos do art.89º, nº.6, do CPP.

Sem custas, por delas o recorrente estar isento.
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Elaborado informaticamente, em processador de texto, e integralmente revisto pelo Relator.
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(Carlos Jorge Viana Berguete Coelho)

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(Frederico João Lopes Cebola)