ADOPÇÃO
ALTERAÇÃO DE NOME PRÓPRIO
Sumário


A alteração do nome próprio da criança justifica-se nos termos do n.º 2, do art.º 1988, do Código Civil, quando, não se evidenciando nenhum inconveniente para a vivência da criança com o novo nome, favoreça a sua integração família adoptiva e não desfavoreça a sua identidade pessoal.

Texto Integral


Proc. n.º 2247/08-2
Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora.
1. Relatório
1.1. Anabela.............. e marido Ângelo .................., ela professora e ele Chefe Regional de Vendas, residentes na Rua...................., vieram propor Acção Tutelar Cível de Adopção Plena, relativamente Miriam ................, requerendo ainda que nos termos do art.º 1988, do C. Civil, a criança passa a chamar-se Miriam de Oli.......... Qu........... D..........
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1.2. A fls. 120 a 122 o Ministério Público emitiu parecer no sentido de entender que a adopção requerida deve ser decretada nos termos dos art.ºs 1974, 1979, n.ºs 2 e 3. 1980 e 1981, n.º 1, al. c), do C. Civil e que deve ser indeferida a requerida modificação do nome da criança.
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1.3. A fls. 123 a 137 foi proferida sentença onde se decidiu:
a) Decretar a constituição do vínculo da adopção plena entre os requerentes Anabela de ..................... e marido Ângelo ...................., como adoptantes e a menor Miriam Ale... Ant......, como adoptada.
b) E que a menor passará a chamar-se Miriam de Oli..... Qu.... D............
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1.4. Inconformada com tal decisão, na parte em que decidiu que a menor passará a chamar-se Miriam de Oli............. Qu.......... D.........., dele recorreu o Ministério Público terminando a sua motivação com as conclusões transcritas:
a) É o presente recurso interposto da sentença exclusivamente no segmento em que autoriza a alteração do nome próprio da menor cuja adopção plena decreta, passando esta a chamar-se apenas Miriam e já não Miriam Ale..................., pretensão que resultará, no entender da Mm.a Juíza a quo, da vontade dos candidatos a adoptantes que a menor venha a ter apenas um nome próprio como a filha biológica do casal.
b) A menor Miriam Ale.......... nasceu em 3 de Fevereiro de 2003, foi acolhida no Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes em 23/06/2005, a sua progenitora deixou de a visitar em Janeiro de 2007 e em 30/07/2007 foi entregue aos requerentes, Anabela ................. e Ângelo .............................., os quais têm uma filha biológica, Patrícia ............., nascida em 06/1 0/93.
c) Não obstante a Mm.a Juíza considerar que foi requerida pelos candidatos a adoptantes a alteração com o fundamento que "a menor é tratada por todos que a conhecem por Miriam e quando lhe perguntam o nome diz chamar-se “Miriam de Oli..... Qu.....l D....”, identificando-se com esse único nome próprio, como a sua "irmã", que tem um único nome próprio ", tal fundamentação não se retira do seu requerimento inicial, onde não adiantam qualquer motivo para a pretendida alteração.
d) Dada a valorização de cada indivíduo como ser único numa sociedade e a protecção jurídica atribuído ao nome próprio de cada um, dispõe o n.º 2, do art.º 1988°, do Código Civil, que apenas excepcionalmente pode o tribunal modificar o nome próprio do menor, se a modificação salvaguardar o seu interesse, nomeadamente o direito à identidade pessoal, e favorecer a integração na família, devendo o enfoque ser colocado no carácter de excepcionalidade da mudança do nome próprio, admitindo-se apenas mudanças que salvaguardem o interesse da menor e favoreçam de forma efectiva a sua integração na família.
e) A uniformidade de composição de nome com a futura irmã é um motivo pouco válido, supérfluo e espúrio pois a individualidade da Miriam passa pelo seu nome próprio, que é não só Miriam mas Miriam Ale.........., criança que não é igual a ninguém, nem à futura irmã, nem aos adoptantes, cuja disponibilidade implica aceitá-la como é, como uma criança que não nasceu agora mas que já tem um passado, uma personalidade construí da, uma criança que é e será distinta e diferente da filha biológica do casal.
f) Se em termos sociológicos e jurídicos ultrapassamos a noção de nome como prolongamento da estirpe, parece querer a Mm.a. Juíza trilhar o caminho inverso e admitir a mudança do nome próprio para que a menor se enquadre no nome da nova família, sem qualquer dissonância que possa perturbar a sequência lógica do nome de família "de Oli............ Qu......... D.......".
g) A lei civil não admite uma incondicional alteração dos nomes próprios, pelo que o direito de escolha dos pais adoptivos não pode equivaler-se à da família biológica, tendo a comprometê-la, desde logo, dois pressupostos determinantes, a excepcionalidade da alteração, só admitida quando o superior interesse da criança o aconselhe, e o respeito pela personalidade da criança que é acolhida no seio da nova família com o seu passado, as suas memórias e a sua identidade pessoal bem definida - especialmente se tivermos em conta que quando a Miriam passou a viver com os candidatos a adoptantes já tinha quatro anos e cinco meses de idade.
h) Não se descortina que tal pretensão vise salvaguardar o interesse da criança, "em ordem a evitar a confusão e a duplicidade de elos ", pois que a criança terá a perfeita noção da sua integração na nova família pela adopção de três apelidos da família, tal como a sua nova irmã e poderá antes ter um visível motivo de orgulho por ter um nome igual ao do pai que tem dois nomes próprios enquanto a irmã tem só um como a mãe.
i) A forma como se lida ou contextualiza o nome próprio da menor pode ser vista não de modo estigmatizante mas sim como um meio de a própria se individualizar no seio da família onde a composição de nomes não é igual em todos os seus membros no que respeita, inclusivamente, aos nomes próprios.
j) Com a manutenção dos nomes próprios da menor já estão salvaguardados os objectivos geralmente associados à sua modificação, como o sejam a salvaguarda do seu interesse, designadamente do seu direito à identidade pessoal e o favorecimento da sua integração na família adoptiva, não se justificando apelar à excepcionalidade legal da alteração do nome próprio.
l) No que toca à composição dos nomes portugueses verificamos uma generalizada adopção de dois nomes próprios quando na realidade a esmagadora maioria das pessoas responde apenas por um só nome próprio, mantendo guardado para ocasiões muito concretas a utilização do segundo nome próprio.
(Bastará aqui o simples exercício de pensarmos qual o segundo nome das pessoas que mais directamente trabalharam connosco, dos políticos nacionais, escritores, personalidades da televisão que diariamente vimos no ecrã - com certeza que o segundo nome de quase todos é para nós absolutamente desconhecido ).
m) Quanto à auto-identificação da criança só pelo nome de "Miriam" ao fim de seis meses de permanência com os candidatos a adoptantes, (resultando tal facto, ao que nos parece, do relatório da terceira visita do período de pré-adopção, onde, a fls. 82 dos autos, se lê que interpelada a menor em 16/112008 pelas Técnicas Sociais quanto ao seu nome disse chamar-se "Miriam de Oli......... Qu..........), tal resulta, a nosso ver, tão só de um evidente não uso do segundo nome e não da sua supressão por completo das memórias da criança, assente numa motivação algo egoísta dos candidatos a adoptantes na composição de um nome de família comum na sua visão particular do que mais favorece a sua integração na família.
n) A modificação pretendida, por absolutamente supérflua, não favorece de modo relevante a integração da menor na família adoptiva, não deixando esta de ser vista como se fosse filha dos adoptantes e irmã da filha daqueles por ter um nome próprio de composição distinta da futura irmã biológica - sendo certo que terá uma composição idêntica à do candidato a adoptante, não sendo credível que a menor vá sentir qualquer diferença relativamente à filha biológica dos adoptantes, com quem partilhará três apelidos, de modo que possa marcar significativamente e de modo negativo o seu futuro.
o) Assim, considerando que a menor conhece os seus nomes próprios, que não resulta provado que rejeite o nome Alexandra, que o facto de a futura irmã ter apenas um nome próprio não é critério atendível para superar a excepcionalidade legalmente definida para a alteração do nome próprio dos adoptandos, que a sua integração na família adoptiva não sairá prejudicada com a manutenção de dois nomes próprios, que esse segundo nome próprio poderá vir a ser uma mais valia para a criança no futuro, distinguindo-a das demais "Mirians" com quem se poderá vir a cruzar no futuro, sendo certo que poderá ser um motivo de orgulho para a mesma ter um nome como o futuro pai que também tem dois nomes próprios, entendemos que não deveria ter sido diferida a pretendida alteração por não estarem reunidos os necessários requisitos de excepcionalidade que a autorizam.
Conclui-se, pelo exposto, que, ao decidir como o fez, violou a Mm.a Juíza o disposto no art.º 1988, n.º 2, do Código Civil.
Nestes termos deverá ser revogada a decisão recorrida na parte em que admite a supressão do nome próprio "Alexandra" e substituída por outra que, pelos fundamentos expostos na motivação apresentada, mantenha os nomes próprios da menor, "Miriam Alexandra".»
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1.5. Não houve contra-alegações.
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1.6. Os Exmºs Desembargadores-adjuntos tiveram visto dos autos.
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2. Fundamentação
2.1. Factos assentes na 1.ª instância.
2.1.1. A menor Miriam Ale............ nasceu em 3 de Fevereiro de 2003, sendo filha de Sónia.................. e não sendo conhecida a sua paternidade;
21.2. Por virtude da disfuncionalidade familiar e da incapacidade da progenitora para assumir as suas responsabilidade parentais, a menor encontrava-se negligenciada a nível da higiene, alimentação e segurança e em situação de perigo para a sua saúde, tendo sido aplicada a medida de acolhimento institucional por acordo celebrado com a sua progenitora na CPCJ de Torres Novas, ao abrigo da qual a menor foi acolhida no Lar Dr. Carlos Azevedo Mendes em 23/06/2005.
2.1.3. A progenitora da menor deixou de a visitar em Janeiro de 2007, pelo que, por decisão proferida em 17/04/2007 no âmbito do processo de promoção e protecção que correu termos sob o n.º 1094/06.0TBTNV no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, foi aplicada à menor a medida de confiança a instituição ou a pessoa seleccionada como adoptante, com vista à sua futura adopção, com inibição do exercício do poder paternal;
2.1.4. Os requerentes são casados entre si desde 26/09/92, tendo a requerente nascido em 01/07/64 e o requerente em 14/03/65, e foram seleccionados pela Segurança Social como casal adoptante na sequência de requerimento por eles apresentado em 12/09/2002;
2.1.5. Os requerentes têm uma filha biológica, Patrícia de Oli......... Qu........ D............, nascida em 06/10/93, que deu o seu acordo à adopção plena da Miriam pelos seus pais;
2.1.6. Os requerentes como a sua filha, manifestam disponibilidade afectiva e vontade de proporcionar à Miriam um lar e uma familia;
2.1.7. A requerente é licenciada em Biologia e lecciona na Escola Secundária do .............., auferindo vencimento mensal médio de 1.638,63€, enquanto o requerente completou o 12º ano de escolaridade e trabalha como chefe de secção de informação médica, auferindo o vencimento mensal médio de 2.104,84€;
2.1.8. Os requerentes residem em casa própria (moradia), localizada em zona urbana, composta de 4 quartos, sala, escritório, cozinha, despensa e 2 casas de banho, e dotada de boas condições de habitabilidade, higiene e conforto, sendo um dos quartos destinado à Miriam e mobilado de forma adequada à sua idade, havendo no escritório uma secretária para ela como existe uma para cada um dos requerentes e para a filha deles, dispondo ainda a habitação de um espaço exterior ajardinado, com anexos para arrumos e telheiro com churrasqueira.
2.1.9. Os requerentes não têm problemas de saúde, possuindo robustez física e psíquica, evidenciando experiência parental, sentido de responsabilidade e capacidade de compreensão e de aceitação da diferença;
2.1.10. Para além do apoio da sua filha biológica, os requerentes contam com o apoio dos membros da família alargada, bem como dos amigos, sendo socialmente considerados e respeitados;
2.1.11. Em 30/07/2007, a menor foi entregue aos requerentes, e a requerente nomeada sua curadora provisória em 07/08/2007;
2.1.12. Os períodos de vinculação observada e de pré-adopção decorreram de forma satisfatória, com o estabelecimento e fortalecimento da ligação afectiva semelhantes aos estabelecidos na filiação e parentesco naturais, entre a menor e os requerentes e a sua filha biológica e demais elementos da família alargada, existindo consolidado um relacionamento harmonioso entre a menor e os requerentes e demais familiares e amigos da família;
2.1.13. Os requerentes e seus familiares e amigos sentem-se felizes e gratificados com a integração da menor, que receberam incondicionalmente no seu seio, manifestando compreensão e respeito pelos seus sentimentos, capacidades e características de personalidade, dirigindo de forma adequada a sua educação e dispensando-lhe carinho e dedicação;
2.1.14. A menor domina o espaço habitacional que integra como seu, tendo interiorizado as regras e dinâmica familiares, e mostra-se igualmente bem integrada no estabelecimento pré-escolar que frequenta (Colégio Almeida Garret), revelando um esenvolvimento psico-motor, afectivo-emocional e social adequado à sua idade;
2.1.15. A menor revela sentimentos de felicidade, tranquilidade, segurança e cumplicidade relativamente aos requerentes e à filha destes, bem como aos demais familiares, sendo uma criança meiga, comunicativa e bem disposta, que trata os requerentes por mamã e papá e a filha deles por mana, bem como os demais familiares de acordo com o correspondente grau de parentesco;
2.1.16. Quando lhe é perguntado o nome a menor diz sempre chamar-se "Miriam de Oli........... Qu.......... D..........", sendo pelo único nome próprio "Miriam" que é tratada por todos que a conhecem e não se identificando nem respondendo pelo nome Ale............
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3. Direito
Nos termos do disposto nos art.ºs 684, n.º 3 e 690, n.º 1, do C.P.C. o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, ex vi art.º 713, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Assim, a questão que cabe apreciar é unicamente a de saber se a menor adoptada deve usar o nome que os requerentes escolheram, como decidido na sentença recorrida, ou se pelo contrário assim não será, como pretende o recorrente.
A M.ª Juiz “ a quo” deferiu o pedido de alteração do nome próprio, por entender ter ficado demonstrado o interesse da criança.
Opinião diversa tem o recorrente Ministério Público.
Vejamos.
Sobre este aspecto, dispõe o nº 2 do art. 1988º do C.Civil ( redacção introduzida pelo DL. nº185/93, de 22.5):
«A pedido do adoptante, pode o tribunal, excepcionalmente, modificar o nome próprio do menor, se a modificação salvaguardar o seu interesse, nomeadamente o direito à identidade pessoal, e favorecer a integração na família».
Da leitura do preceito resulta que a alteração do nome próprio do menor depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
a) interesse do menor; e
b) favorecimento da sua integração na família adoptiva.
Porém, antes de analisar esses requisitos, importa, fazer uma breve referência ao instituto da adopção plena, visto que essa referência permitirá fornecer preciosos subsídios para a questão versada no recurso.
A restauração do instituto da adopção, como fonte da filiação adoptiva, foi uma das principais inovações do Código de 1966.
O Código de 1867 não reconhecia o vínculo da adopção.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (C.C.Anotado, V, pags. 505 a 507), o vínculo da adopção caíra em desuso, principalmente a partir dos séculos XV e XVI.
As principais razões do descrédito do instituto no direito moderno provinham da ideia de que ele assentava numa concepção aristocrática da família, da crítica ao carácter fictício da filiação que através dele se criava, das fraudes a que ele se prestava perante o fisco e, ainda, dos ciúmes, ódios e rancores que escusadamente criava no seio das famílias.
Foi só no termo da 1ª Grande Guerra, com o problema dramático de milhões de crianças que a conflagração lançou na orfandade e com os problemas gravíssimos criados em todos os países da Europa Central pela infância desvalida, pela delinquência juvenil e pela juventude indisciplinada, que a própria vida criou o ambiente social próprio ao renascimento, em novos moldes, do velho instituto da adopção.
Também a finalidade do instituto sofreu uma profunda alteração: enquanto que no direito antigo eram os interesses do adoptante que comandavam a constituição do vínculo adoptivo, fosse para assegurar a perpetuação do culto doméstico ou a continuação da estirpe familiar, fosse para preencher a lacuna do lar, o prolongamento do nome, a sucessão na fazenda ou a continuação do empreendimento e, por isso mesmo, o vínculo se constituía normalmente por acto jurídico do adoptante, cuja vontade pontificava soberanamente na constituição da relação, com a ressurreição do instituto, operada sobretudo no segundo quartel do século XX, o centro de gravidade da adopção deslocou-se da vontade do adoptante para o interesse do adoptado.
O que passou fundamentalmente a interessar o legislador não foi a questão de saber qual o objectivo que o adoptante pretende alcançar com o vínculo da filiação adoptiva, mas sim o problema de averiguar, caso por caso, se o candidato a adoptante possui ou não os requisitos necessários a uma boa regência da pessoa e dos bens do menor.
Também o conceito de “interesse do menor” foi evoluindo: enquanto nos tempos iniciais do renascimento do instituto, a criança era vista como mero objecto de protecção, passou, ulteriormente, a ser encarada, ela própria, como sujeito autónomo de direitos, tudo como corolário do princípio fundamental de que toda “ a criança tem direito a desenvolver-se numa família em que alguém – pais ou substitutos – assegurem a satisfação de todas as suas condições ( materiais e afectivas) de desenvolvimento integral e harmonioso (Almiro Rodrigues “ Adopção-Reflexões sobre a aplicação do novo regime jurídico português”, em Congresso Europeu de Adopção, CBE, pag. 159).
Entre nós, as significativas alterações introduzidas no C.Civil pelos DL. nºs 496/77, de 25.11 e 185/93, de 22.5, vieram dar corpo àqueles novos princípios informadores do instituto (cfr., designadamente, a “Convenção Europeia em matéria de Adopção de Crianças”, aprovada em Estrasburgo, em 24.6.67).
Importa, sobretudo, referenciar que essa alterações visaram conduzir, no campo da adopção plena, à extinção de todas as relações do menor com a sua família biológica, fazendo com que ele renascesse em absoluto na família dos adoptantes (v. art. 1986º, nº1, do C.Civil).
Na parte que mais especificamente interessa ao litígio dos autos, também as alterações têm sido significativas.
Na versão inicial do C.Civil, apenas se reconhecia ao adoptando o direito de usar os apelidos dos adoptantes, sendo que essa regra era comum às duas formas de adopção (plena e restrita) – art. 1977º.
Com a entrada em vigor do DL. nº 496/77, passou a lei a dispor que na adopção plena “ o adoptado perde os seus apelidos de origem, sendo o seu novo nome constituído, com as necessárias adaptações, nos termos do art. 1875º” – art. 1988º.
Finalmente, à semelhança do que há muito constituía norma em outras legislações (por exemplo o Código Alemão), veio o DL. nº 185/93 aditar um novo número ao antigo corpo do art. 1988º, consagrando-se, agora, a possibilidade de alteração do nome próprio do adoptando.
O nome satisfaz, simultaneamente, um interesse do próprio indivíduo (v. arts. 33º da Constituição da Republica e 72º, nº1, do C.Civil), mas também um relevante interesse público, na medida em que o Estado carece de individualizar os seus cidadãos, desde logo para lhes exigir o cumprimento das obrigações que sobre eles recaem no âmbito da vida social em que se acham inseridos.
De acordo com um sentimento secular, cujas razões se perdem na memória do tempo, o nome civil intenta alcançar esse escopo de individualização da pessoa através da remissão para o facto biológico da sua procriação. O nome prossegue, pois, um importante interesse – o da ligação do indivíduo aos seus progenitores.
Embora esta regra secular continue a ser hoje em dia plenamente válida, cedo se entendeu, porém, que ela não tinha valor absoluto, antes devia adaptar-se às vicissitudes a que, em sede familiar, o indivíduo está sujeito ao longo da vida.
Por isso, o que é relevante não é tanto a ligação biológica do indivíduo, mas a ligação do mesmo à sua família: (cfr. Acs. da RL, de 11.3.93 e de 2.7.98, CJ, 2º-98 e 4º-79, respectivamente).
Mas, então, se o nome desempenha um relevante papel na unidade institucional da família e se esta não se mantém necessariamente na mesma ao longo da vida do indivíduo, facilmente se entende que a regra da imodificabilidade do nome possa sofrer algumas alterações.
Uma delas verifica-se, justamente, no caso da adopção plena.
Se com esta adopção se visa, actualmente, cortar todos os laços do adoptando à família natural e integrá-lo plenamente na família adoptiva, está bem de entender que o nome do menor deva ser naturalmente modificado em consequência desse evento.
Conforme refere o Prof. Antunes Varela, citado no Ac. da RL. de 2.7.98, “ se a comunhão de apelidos fortalece os laços de afeição e os vínculos de solidariedade que unem em regra os membros da mesma família, esse elemento pode naturalmente ser aproveitado para estimular tais sentimentos de coesão nos casos especiais em que, como sucede na adopção, à ligação entre o indivíduo e o núcleo familiar em que a lei pretende inserido socialmente, falta o elo fundamental da procriação”.
“Na verdade, os pais adoptivos, sobretudo quando se trata da adopção plena e a relação se constitui, como é normal, sobre crianças de tenra idade, procuram no geral apagar os vestígios da proveniência biológica do adoptado, criando no espírito e no coração da criança, bem como no ambiente social que a rodeia, a ideia de que ela procede do seu sangue”.
“Assim se compreende... que a lei, sacrificando o princípio da verdade biológica ou da transparência da realidade na identificação civil das pessoas, decrete para o caso de adopção plena...a perda dos apelidos de origem do adoptado e a formação do seu novo nome, no que respeita aos apelidos, em termos similares aos da composição dos filhos nascidos dentro do casamento” (“Alterações Legislativas do Direito ao Nome”, in RLJ 114º-295).
O mesmo Mestre ensina que a opção legal do nº1 do art. 1988º - alteração dos apelidos - teve por base o entendimento de que “ a assunção dos apelidos da nova família constitui um factor importante de integração, não só social... mas também individual...do filho adoptivo na pequena célula comunitária em que ele ingressa ex novo e ainda porque se pretende colocar o relevante elemento psicológico e sociológico derivado da comunhão do nome ao serviço do fim típico da adopção” (ob. cit., pág. 296).
Como já referimos um dos pressupostos da modificação do nome próprio é o favorecimento da integração do menor na família adoptiva.
Aceita-se, sem dificuldade, que, em geral, a mudança do nome do adoptado para outro que seja da escolha e a gosto dos adoptantes favoreça a integração daquele na sua futura família, na medida em que se trata de extinguir mais um claro vestígio da ligação do menor à família natural, sendo que a integração total é, como vimos, um dos objectivos do vínculo adoptivo pleno.
No que respeita à identidade pessoal, importa reconhecer que, em princípio, a modificação do nome em nada favorece essa identidade.
A identidade pessoal, como vem referido no Ac. da RL, de 19.2.98 (CJ, 1º-130), é o conjunto de elementos que permitem saber quem uma pessoa é e abrange a consciência que uma pessoa tem de si mesma, sendo formada pelo conjunto do nome, de apelido, de parentesco, de profissão e até de sinais físicos (altura, cor dos olhos, etc.) que individualiza a pessoa. Ou seja, se bem vemos, a identidade tem duas vertentes distintas: a consciência ou ideia que uma pessoa tem de si própria e o conjunto de elementos que levam as outras pessoas a identificá-la ou a reconhecê-la.
Numa concepção tradicional e conformada pelo respeito ortodoxo pela personalidade do titular do nome, que passa, em princípio, pela manutenção do seu nome e a preservação da sua real origem, só dificilmente se poderão configurar situações em que a mudança do nome primitivo possa favorecer o direito à sua identidade pessoal.
Porém, o facto de a nossa lei, após o DL. nº 185/93, estabelecer para a adopção plena a perda dos apelidos de origem, como uma espécie de símbolo normal da ruptura dos laços com a família natural e, na escolha dos novos apelidos, remeter para o art. 1875º do C.Civil, fazendo remissão para o regime geral da escolha dos nomes dos filhos, mostra que, embora fale na preservação do direito à identidade pessoal do adoptado, tem deste uma visão minimalista, já que lança liminarmente fora os melhores elementos preservadores da identidade pessoal, quando encarada como conjunto de elementos susceptíveis de permitir aos outros identificarem e reconhecerem uma pessoa e ligá-la à sua real origem, à família de origem, às suas raízes.
E, se assim é, será lícito concluir que a identidade pessoal não é um valor absoluto.
Se bem vemos, a preocupação legal de preservação do direito à identidade, coloca o acento tónico na capacidade que o menor tenha (ou ainda não) de se auto-identificar pelo nome próprio, o que poderá, em certos casos, limitar a bem pouco o elemento “ interesse do adoptado” referido no nº 2 do art. 1988º, mormente nos casos em que, por exemplo, em face da pouca idade do adoptado, este não tenha consciência da sua identidade ou ignore por completo o seu verdadeiro nome.
Se o menor tem já a capacidade de se auto-identificar pelo seu nome próprio, fica absolutamente vedada a possibilidade dessa modificação.
Se, pelo contrário, inexistir essa capacidade, a alteração será viável, desde que para aí aponte o interesse do menor, a apreciar caso a caso.
É o que acontecerá sempre que a adoptanda se identifique já pelo novo nome.
Assim, o carácter excepcional de que fala a lei prende-se com a necessidade cumulativa de dois requisitos: a incapacidade que o menor ainda tinha de se identificar com o nome de origem, quando os adoptantes operaram a modificação e o interesse em ser identificado pelo nome proposto.
Há, pois que, seguidamente, apreciar a matéria de facto dada como assente e ver que conclusões é possível dela retirar com segurança, tendo sempre presente e em primeira linha o interesse da menor.
Sobre esta matéria resulta que quando é perguntado à menor o seu nome esta diz sempre chamar-se “Miriam de Oliveira Quental Dias, sendo pelo único nome próprio “Miriam” que é tratada por todos que a conhecem e não se identificando nem respondendo pelo nome de Alexandra.
Deste facto resulta sem sombra de dúvidas que a menor adoptada já se identifica com o nome “Miriam de Oliveira Quental Dias”, pelo que haverá todo o interesse em que a mesma continue com este nome escolhido pelos adoptantes, pois além de favorecer a integração daquela na família adoptiva, também não desfavorece a sua identidade pessoal, tanto mais que a mesma não se identifica nem responde pelo nome de Alexandra. (cfr. neste sentido Ac. do S.T.J., de 31 de Janeiro de 2006, in dgsi, em que foi relator o Conselheiro Azevedo Ramos), antes pelo contrário quando perguntada como se chama diz chamar-se “ Miriam de Oli............... Qu............ D..............
Assim, face ao exposto não vimos razão para alterar a decisão recorrida, pelo que a mesma é de manter.
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4. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida na integra.
Sem custas.
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Sumariado, pelo relator, nos termos do n.º 7, do art.º 713, do C.P.C. na redacção dada pelo D.L. 303/2007, de 24 de Agosto.
A alteração do nome próprio da criança justifica-se nos termos do n.º 2, do art.º 1988, do Código Civil, quando não se evidência nenhum inconveniente para a vivência da criança com o novo nome, favoreça a sua integração família adoptiva e não desfavorece a sua identidade pessoal.
Évora, 21/10/08
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(Pires Robalo – Relator )

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(Jaime Pestana – 1.º Adjunto)

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(Almeida Simões – 2.º Adjunto)