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RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÃO DE VIGIAR AS COISAS
CONSERVAÇÃO DE COLUNA DE ESGOTOS
CULPA IN VIGILANDUM
Sumário
I- O artº 492º do C. C. consagra “o dever de conservação do prédio, para que ruindo, não cause danos a outrem”, enquanto o artº 493º consagra o dever de prevenção do dano por parte de quem exerce actividade perigosa” sendo que, a perigosidade não pode ser apreciada apenas, em função da natureza da coisa, mas também, em função dos meios utilizados ou até do próprio resultado, existindo, no entanto, diferenciação entre a aplicabilidade do n.º 1 e n.º 2 deste artigo pressupondo o n.º 1 um dever de vigilância da parte do imputado responsável, enquanto no n.º 2 é o carácter perigoso da actividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce. II- O transporte de águas sujas e de todos os demais dejectos inerentes ao sistema de esgoto de um prédio, a que se procede através da canalização interior, não pode deixar de ser enquadrada, entre as coisas que oferecem perigosidade. Perigosidade esta, decorrente da forma como os líquidos são transportados e por tal sujeitas a especial dever de vigilância. III – É de aplicar ao condomínio demandado no que à responsabilidade civil diz respeito o artº 493º n.º 1 do Cód. Civil e não o artº 492º n.º 1 deste Código, atendendo a que “não houve ruína do edifício,” mas antes, infiltração das águas provenientes dos esgotos do edifício, na sequência de entupimento por calcário e gordura na coluna de esgoto, o que constitui dano causado por coisa imóvel. Em ambas as normas estabelece-se uma presunção de culpa, cabendo ao responsável pelo imóvel demonstrar que nenhuma culpa teve na eclosão do sinistro, ou que os danos sempre se verificariam mesmo no caso de não existir culpa sua. IV- Não ilidindo a presunção torna-se responsável pelo ressarcimentos dos prejuízos causados.
Texto Integral
Apelação n.º 2540/07.1TBFAR.E1
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
Companhia de seguros Tranquilidade, S. a., sedeada em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário contra Administração do condomínio do Prédio urbano sito na Travessa ................, alegando que no exercício da sua actividade celebrou com a sociedade IN EXTREMIS — DESPORTO DE AVENTURA, LDA., um contrato de seguro que tinha como objecto uma loja sito no R/C do citado prédio, e que em 26 de Setembro de 2005, um entupimento por calcário e gordura na coluna do esgoto provocou uma fuga na canalização que se infiltrou pelas paredes da cave da referida loja, inundando-a, provocando danos no montante de € 9.183,83 que já indemnizou a segurada. O entupimento que se deve à negligência da administração do condomínio nos cuidados a observar na preservação e manutenção da sua canalização de esgotos.
Concluiu invocando direito de regresso por peticionar a condenação da ré a pagar-lhe a importância de € 9 516,58 (valor dos danos e despesas de peritagem) acrescida de juros de mora.
Citada a ré veio contestar, por um lado, arguindo a sua ilegitimidade (excepção que viria a ser julgada improcedente) e, por outro, articulando factos tendentes a pôr em causa a pretensão da autora declinando a sua responsabilidade no pagamento do peticionado.
Realizada audiência de julgamento foi proferida decisão pela qual se absolveu a ré do pedido formulado pela autora.
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Irresignada com esta decisão foi, pela autora, interposto recurso de apelação terminando por formular as seguintes conclusões, que se passam a transcrever: “1. A Douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” violou as normas dos artigos 9°, 342°, 350° e 492° do Código Civil; e 2. Deveria ter aplicado as normas expressas nos artigos 483°, 487° e 493º, n.° 1, do Código Civil; 3. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo”, no n.° 1 do artigo 493° CC. não está em causa o exercício de uma actividade perigosa, mas sim a simples propriedade/posse de coisa móvel ou imóvel, com dever de vigilância, como é, precisamente, o caso do Condomínio em relação às partes comuns do prédio. 4. A Douta sentença faz uma interpretação absurdamente restritiva do referido artigo, centrando-se apenas no seu n. ° 2, que regula os danos causados no exercício de uma actividade perigosa, algo que, de fado, nunca foi alegado, nem faz qualquer sentido para o caso “sub júdice”. 5. De resto, apesar da sua maior abrangência de situações (relativamente ao art. 492°), a verdade é que a aplicação do art. 493° a este caso concreto não oferece a dificuldade interpretativa que constitui, de imediato, no art. 492°, a referência a «edifício ou obra que ruir», nomeadamente quanto aos factos n.°s 4 e 5. É difícil considerar um entupimento da coluna de esgoto e uma fuga e Infiltração de água como uma «parte do edifico a ruir». 6. Por outro lado, ao considerar-se aplicável o art. 493º do Cód. Civil, parece não haver dúvidas de que o Réu, sendo o Condomínio do prédio urbano, tem em seu poder coisa imóvel — cfr. art. 204º, n.° 1, alínea e), e n.° 3, do Cód. Civil -, com o dever de a vigiar - cfr. arts. 1420° e seguintes do C.C. -, ficando de imediato preenchida a 1ª parte e pressuposto de aplicação do artigo. 7. Partilhar a interpretação feita pelo Tribunal “a quo” sobre as normas jurídicas referidas, é incumbir a Autora numa verdadeira “diabólica probatio”. 8. Com efeito, deve concluir-se que a falta de outra explicação para o sucedido por parte do Réu, bem como a confessada e comprovada falta de manutenção da coluna de esgoto, aliada à existência da possibilidade de recurso a produtos químicos para sua limpeza, não só provam o nexo de causalidade entre a referida ausência de manutenção e o entupimento que originou os danos “sub judíce” como retiram do Réu qualquer possibilidade de prova de que não tem culpa na causa dos danos, sendo imperativo considerá-lo responsável pelo sucedido, de acordo com os artigos 483º e 492° ou 493º do Código Civil. 9. Termos em que o presente recurso deverá proceder, alterando-se o Acórdão ora recorrido e condenando-se a Ré no pedido; só assim se fazendo a devida JUSTIÇA!”
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Foram apresentadas contra alegações pela ré, nas quais pugna pela improcedência do recurso.
Apreciando e decidindo
O objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, no recurso interposto, a questão nuclear a apreciar cinge-se em saber se a ré deve ser responsabilizada pelo pagamento dos danos decorrentes do entupimento da coluna de esgoto situada na área da parte comum do prédio, por cuja administração é responsável. Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual: 1. No exercício da sua actividade, a ora Autora celebrou com a sociedade “In Extremis — Desportos de Aventura, Lda.” o contrato de seguro que recebeu o n.° de apólice 0001065984 que constitui o documento junto de folhas 9 a 31; 2. O supra referido contrato de seguro tinha como objecto uma loja arrendada pela “In Extremis — Desportos de Aventura, Lda.” sita na Travessa das Alcaçarias, n.° 3, 8000-445, Faro; 3. A loja segura pela Autora localiza-se ao nível do rés-do-chão do edifício e possui uma cave que lhe serve de armazém; 4. A 26 de Setembro de 2005 ocorreu um entupimento por calcário e gordura na coluna de esgoto, localizado antes da caixa existente no pavimento da cave da loja arrendada pela segurada da ora Autora; 5. O que provocou uma fuga da água na canalização que se infiltrou pelas paredes da referida cave da loja, inundando-a; 6. O condomínio não efectuava manutenção periódica à coluna de esgoto onde ocorreu o entupimento; 7. Em consequência da inundação e pelo contacto com as águas, diverso material desportivo existente na loja ficou danificado; 8. Atingindo tal material desportivo danificado e inutilizado o valor de €9.183,83, que a ora Autora pagou ao seu segurado como indemnização; 9. A ora Autora efectuou ainda a peritagem ao local no que despendeu o montante de €332,75; 10. Na data do sinistro ora descrito existia um seguro multiriscos do condomínio do prédio celebrado com a seguradora “Mapfre Seguros Gerais, S. A. “, formalizado pela apólice n.° 3459570100777/12; 11. A ora Autora pediu em 1 de Fevereiro de 2006 ao ora Réu o reembolso das quantias referidas em 8. e 9. o que a ora Autora não fez.
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Conhecendo da questão
Na sentença recorrida, afastou-se ab initio a aplicação ao caso do disposto no artº 493º do Cód. Civil, por se considerar que o “entupimento de um cano, à semelhança do que sucede com a ruptura do mesmo, não resulta de uma actividade perigosa, razão pela qual deve ser afastado o regime previsto” no aludido normativo, tendo-se aplicado o disposto no artº 492º do Cód. Civil e concluído que a “autora não logrou provar o pressuposto de que dependia a inversão do ónus da prova” que tal norma consagra, não se consideraram demonstrados os pressupostos de facto inerentes à presunção de culpa por parte do réu, que foi absolvido do pedido.
A autora, por seu turno defende que a norma aplicável ao caso em apreço deve ser a vertida no artº 493º do Cód. Civil, mas mesmo aplicando-se esta ou o artº 492º do Cód. Civil, sempre se deve considerar demonstrado o nexo de causalidade entre a ausência de manutenção do sistema de esgotos e o entupimento da coluna que originou os danos e responsabilizar a ré pela sucedido.
Na decisão impugnada reconheceu-se, e foi acatado pelas partes, que conduta onde ocorreu a rotura é parte comum do prédio, sendo a sua manutenção e conservação da responsabilidade da administração do condomínio, bem como o direito da autora de se ver sub-rogada nos direitos da sua segurada, atendendo a que procedeu à indemnização desta, pelos prejuízos sofridos em consequência da ocorrência.
No artº 492º do Código Civil, sob a epígrafe «Danos causados por edifícios ou outras obras» estabelece-se que «1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. 2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.»
No artº 493º do citado Código, sob a epígrafe «Danos causados por coisas, animais ou actividades» refere-se: «1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. 2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»
Como se poderá verificar em nenhuma destas normas se estabelece uma responsabilidade objectiva, mas antes uma presunção de culpa, a qual implica uma inversão do ónus da prova mas é ilidível mediante prova em contrário (art. 350º nº 1 do Código Civil). [1]
O artº 492º do C. C. consagra “o dever de conservação do prédio, para que ruindo, não cause danos a outrem”, enquanto o artº 493º consagra o dever de prevenção do dano por parte de quem exerce actividade perigosa” [2] sendo que, a perigosidade não pode ser apreciada apenas, em função da natureza da coisa, mas também, em função dos meios utilizados ou até do próprio resultado, [3] existindo, no entanto, diferenciação entre a aplicabilidade do n.º 1 e n.º 2 deste artigo pressupondo o n.º 1 um dever de vigilância da parte do imputado responsável, enquanto no n.º 2 é o carácter perigoso da actividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce. [4]
O transporte de águas sujas e de todos os demais dejectos inerentes ao sistema de esgoto de um prédio, a que se procede através da canalização interior, não pode deixar de ser enquadrada, entre as coisas que oferecem perigosidade. Perigosidade esta, decorrente da forma como os líquidos são transportados e por tal sujeitas a especial dever de vigilância.
Pensamos assim, ser de aplicar ao caso em apreço no que à responsabilidade do demando diz respeito o artº 493º n.º 1 do Cód. Civil e não o artº 492º n.º 1 deste Código, atendendo a que “não houve ruína do edifício,” mas antes, infiltração das águas provenientes dos esgotos do edifício, na sequência de entupimento por calcário e gordura na coluna de esgoto, o que constitui dano causado por coisa imóvel, muito embora em ambas as normas se estabeleça uma presunção de culpa do ora recorrido, cabendo-lhe demonstrar que nenhuma culpa teve na eclosão do sinistro, ou que os danos sempre se verificariam mesmo no caso de não existir culpa sua. [5]
Nos termos do artº 1430º n.º 1 do Código Civil ao administrador compete a administração das partes comuns do edifício, nela se englobando o zelar pelo bom funcionamento e a prática de todos os actos de conservação e manutenção das mesmas, o que pressupõe que da parte do administrador haja, também, o dever de vigilância das mesmas a fim de prevenir ou minorar quaisquer danos que por elas possam ser provocados.
Incidindo sobre o “vigilante” das partes comuns a presunção de culpa decorrente dos danos provocados, nos termos do artº 493º do Cód. Civil, incumbia à ora recorrida, com vista a ilidir tal presunção, de que goza o lesado, fazer a prova de que tinha praticado todos os actos conducentes ao bom funcionamento dos sistemas de esgotos, designadamente, no que à coluna respeita, a nível da manutenção com vista a salvaguardar qualquer impedimento ao bom escoamento dos líquidos e dejectos que através dela são expelidos, ou que não obstante tal, os danos se produziriam, mesmo sem culpa sua.
Ora, da factualidade dada como assente, não resulta provada a elisão da aludida presunção, nem que os danos teriam ocorrido, mesmo sem culpa sua. Ao invés, resultou provado que o condomínio não efectuava manutenção periódica à coluna de esgoto onde ocorreu o entupimento. Tal omissão de manutenção periódica só não se apresentaria como gravosa se a ruptura se tivesse dado por qualquer causa não apurada, que apesar da vigilância, fosse manifestamente impossível de prever ou detectar. Mas não foi essa a realidade, já que o entupimento ocorreu em virtude do acumular de calcário e gordura nas paredes da própria coluna, o que indicia ter sido um processo lento e gradual, decorrente da utilização da mesma ao longo do tempo, sem a devida manutenção ou verificação adequada.
Desta sorte, atentos os factos provados, impõe-se a responsabilização da ré pela reparação dos danos causados pelas infiltrações de líquidos (artº 483º, 487º e 493º n.º 1 do C. C.), ou seja, de pagar à autora a quantia peticionada, enquanto subrogada dos direitos da lesada, à qual, por virtude do contrato de seguro existente, já liquidou a respectiva indemnização pelos danos sofridos.
Nestes termos, relevam as conclusões da recorrente, sendo de censurar a decisão impugnada, no sentido da sua revogação, merecendo procedência a apelação.
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DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e condenar a ré no pedido formulado pela autora, ou seja, de pagar a esta a quantia de € 9516,58, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a citação (18/10/2007) e até integral pagamento. Custas, em ambas as instâncias, pela ré.
Évora, 23 de Abril de 2009
________________________________________________________ Mata Ribeiro
________________________________________________________ Sílvio Teixeira de Sousa
________________________________________________________ Rui Machado e Moura
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[1] - v. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, 468. [2] - v. A. Varela in RLJ, 114º, 79. [3] - Ac. Relação Porto de 07/02/2006 in www.dgsi.pt, no processo 0521217. [4] - ac. Relação Lisboa de 22/10/1973 in BMJ, 230º, 155. [5] - v. ac. STJ de 15/01/2007 in Col. Jur., 3º , 157, bem como o Ac. do mesmo tribunal, nele citado, de 31/01/2002, na revista n.º 4052, 2ª secção, sumariado in www.dgsi.pt, no processo JSTJ00042791; v. também, Ac. Relação Porto de 20/02/2003 e de 07/02/2006 in www.dgsi.pt, respectivamente, nos processos 0232481 e 0521217; Ac. Relação de Évora de 11/05/2006 in www.dgsi.pt, no processo n.º 676/06-3; Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 11/11/2008 in www.dgsi.pt no processo 7957/2008-1.