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RECURSO
CONCLUSÕES
Sumário
1 - Sendo a manifestação de uma discordância em relação à decisão judicial proferida, o recurso é o remédio jurídico de que a parte dispõe, para ver essa decisão substituída por outra que, no seu entendimento, melhor tutele o seu direito. Consequentemente, ao recorrente cabe um duplo ónus: o de indicar com precisão, o que entende que foi mal julgado e o de propor a solução que entende que melhor se adequa à aplicação da lei. A proposta de solução há de ser concreta, precisa e susceptível de rigorosa apreciação pelo Tribunal de recurso, quer na perspectiva dos factos em que se alicerça, quer na do direito cuja aplicação resultaria numa decisão mais conforme com a lei, ou com o direito, no entendimento do recorrente.
2 - Daqui emerge e necessidade de deixar claro, ao Tribunal de recurso, quais os efectivos pontos de discordância, que se hão de verter nas conclusões de recurso, deixando para a motivação a função de esgrimir a argumentação pertinente a propósito de cada questão. Repete-se, é essa a função das conclusões: apontar, sob enumeração, as concretas questões que o recorrente entende que determinam uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido, de forma a garantir que o Tribunal de recurso entenda, com clareza e precisão, quais os efectivos fundamentos da discordância.
3- As conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
Texto Integral
Processo nº: 385/04.0EAFAR.E1 [1]
DECISÃO SUMÁRIA
V. – … Ldª, interpôs recurso da sentença que a condenou no pagamento de coima, mediante a apresentação das seguintes conclusões, que se transcrevem:
«Pese embora os factos dados como provados, o “Tribunal de Recurso pode controlar os limites do princípio da livre convicção, enquanto matéria de direito, neste duplo sentido:
b. Quanto à violação das regras que regulam o modo de formação da convicção (ver o excelente acórdão do S.T.J., de 15-1.2004, in CJ, Acs do S.T.J., XII, 1, 170)
i. – os graus necessários para a decisão ii. – as proibições de prova iii- a presunção de inocência.
c) Quanto à violação do princípio in dúbio pró-reo (comentário do C.P.P., Paulo Pinto de Albuquerque – Universidade Católica, pg. 341).
2- O que pretende ver sindicado, além do mais, é a forma ou o modo como se formou a convicção do julgador para ter dado como provado o ponto 5 da matéria de facto.
3- Da matéria dada como provada no ponto 3 da sentença, resulta que na data da fiscalização, foi pedido que um dos funcionários informasse se o estabelecimento tinha requerido à D.G.T. a aprovação definitiva da classificação do empreendimentos turísticos, o mesmo afirmou desconhecer tal facto, sendo que informariam aquela Direcção Geral dos elementos necessários ao esclarecimento.
4- Os elementos que foram fornecidos vêm referidos no ponto 4 da matéria dada como provada.
5- Resulta da pág. 2 da decisão de fls. 62v, a informação da não comunicação à D.G.T consta do documento de fls. 14. Mas o documento de fls. 14, é enviado para a IGAE/DGT Faro, em 11/11/2004, registada a entrada em 19/11/2004.
6-Nessa informação diz-se que "ainda não foi apresentada a licença de utilização turística nos termos do n° 1 do art. 34° do Dec. Lei 55/2002, de 11 de Março, tendo em vista a aprovação da classificação definitiva do empreendimento”.
5- A sentença, no segundo parágrafo da pág. 5, refere que para formação da convicção do julgador foi tido em conta cópia do expediente que esteve na origem da fiscalização a fls. 21 a 27, de onde consta uma reclamação dirigida ao Ministério da Economia e a informação prestada pelos serviços; cópia da declaração de rendimentos da recorrente relativa ao ano de 2005.
6- Sendo assim, o Tribunal teve que ter em conta o doc. de fls. 25. Exactamente um documento emanado e produzido pela Direcção Geral de Turismo.
7- Tal documento está datado de 17 de Junho de 2004 e é emitido para efeito da acta de reunião IGAF/DGT, Fiscalização de 2004/03/05.
8- Nesse mesmo documento de fls. 25, aí se dez expressamente; “Mais se informa V. Exas. que o livro de reclamações pode ser verdade, mediante a apresentação da licença de utilização turística (L.U.T.). Refere-se que este empreendimento possui L.U.T. emitida em 2003/01/17 pela Câmara Municipal de Albufeira”.
9- Para que a Direcção Geral de Turismo prestasse esta informação em 17 de Junho de 2004, é porque antes dessa data lhe foi levado ao seu conhecimento a existência da L.U.T..
10- E o conhecimento que lhe foi levado, foi através do requerimento a que alude o art. 34º, nº 1 e 2 do Dec. Lei 55/2002 de 11/2.
11- Tendo em conta a informação de fls. 25, a D.G.T. não pode ter prestado a informação de fls. 14, pois é dada cerca de 5 meses depois da de fls. 25. Conformando-se nesta a L.U.T.
12- Com base em tais documentos e sem qualquer outra averiguação o Meritíssimo Juiz não podia ter formado a sua convicção no sentido de dar como provado o facto constante do ponto 4 da sentença.
13- Atento o princípio da presunção da inocência, e o princípio in dúbio pro reo o Tribunal não podia ter formado a sua convicção em elementos que afinal são contraditórios entre si e até emitidos pela mesma entidade. 14- O limite imposto à livre apreciação da prova por aqueles dois princípios levaria a que tal facto não pudesse ser dado como provado.
15- Acresce ainda que, a decisão da entidade administrativa refere a falta de apresentação da licença de utilização turística, e não a falta de requerimento para a classificação definitiva.
16- O Tribunal está vinculado a decisão da falta de apresentação turística cuja sanção é a prevista no art. 61º, alínea g) do Dec. Lei 50/2002 de 11/2, e não a prevista na alínea d) do indicado art. 61º.
17- Ora, foi demonstrado que a licença de utilização turística existia conforme doc. de fls. 4, tendo a recorrente feito confusão com a licença de utilização turística, depois de realizadas as alterações, quando deu a resposta de fls. 35.
18- Tanto assim é que a entidade administrativa refere na decisão de fls. 69 que a arguida bem sabia que estava obrigada a possuir licença de utilização turística.
19- Foi desta falta que a requerente se defendeu e não da falta do requerimento para classificação. Pelo que era esta falta que deveria ter sido apreciada e não outra.
20- Acresce ainda que, mesmo a considerar-se que a coima é de aplicar, o montante fixado não é proporcional à culpa da requerente, a falta de diligência, ou á vontade de querer manter-se numa situação de ilegalidade.
21- Não foi suficientemente indagada a data da apresentação do requerimento a que alude o art. 34º do Dec. Lei 55/2002 de 11/2, pelo que será demais dizer-se que o empreendimento funcionou sem classificação ou sem o pedido de classificação, de modo a considerar-se o comportamento da requerente como doloso.
22- A coima aplicada é desproporcional à culpa da requerente. Com efeito, sendo a coima aplicável de 2.500,00€ a 30.000,00€, aplicando a coima mínima seria a suficiente e adequada e correspondente à culpa da arguida. 23- Fez-se incorrecta aplicação dos artº 24 nº1, e nº 1 alínea d) e nº 5 do art 61 do Dec-Lei 55/2002 de 11 de Março».
Foi proferido despacho, neste Tribunal, nos seguintes termos, que se transcrevem:
«Nos termos do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. Daqui se retira que as conclusões:
- são elemento integrante da motivação do recurso;
- são, necessariamente, um resumo conciso do corpo da motivação;
- não podem servir para alargar o objecto desta a matérias nela não tratadas;
- têm a função de delimitar o objecto do recurso.
A exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objecto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança. Carecem, em consequência, de ser elaboradas sob a forma de proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso.
No recurso em causa ocorre que a recorrente apresentou como conclusões o teor do corpo da motivação, de forma enumerada. De modo algum se pode considerar que a repetição do corpo da motivação configure um resumo, uma sintetização ou condensação dessa mesma motivação.
Violou, a recorrente, consequentemente, o disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal.
Com efeito, fica-se sem se entender convenientemente, por forma clara e enxuta, quais são as concretas questões a apreciar no recurso apresentado e quais os fundamentos, resumidos, que são invocados no recurso.
Face à falta de concisão das conclusões há necessidade de convidar a recorrente a aperfeiçoar as conclusões apresentadas, face ao disposto no artigo 417º, nº 3, do C. P. Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29/08, que consagrou a jurisprudência, com força obrigatória geral, proveniente do TC, designadamente os Acs. nº 337/2000 e nº 320/2002).
Assim, convida-se a recorrente a apresentar novo requerimento de recurso, com correcção das conclusões formuladas, nos termos acima expostos, sob pena de rejeição total do recurso não o fazendo – artigo 417º, nº 3, parte final, do C. P. Penal».
Face a tal despacho, a recorrente apresentou nova peça de recurso, com as seguintes conclusões:
«1- O Tribunal de Recurso pode controlar os limites do princípio da livre convicção, enquanto matéria de direito.
2- O que pretende ver sindicado, além do mais, é a forma ou o modo como se formou a convicção do julgador para ter dado como provado o ponto 5 da matéria de facto.
3-Da matéria dada como provada no ponto 3 da sentença, resulta que na data da fiscalização, foi pedido que um dos funcionários informasse se o estabelecimento tinha requerido à D.G.T. a aprovação definitiva da classificação dos empreendimentos turísticos.
4- O mesmo afirmou desconhecer tal facto, sendo que informariam aquela Direcção Geral dos elementos necessários ao esclarecimento.
5-Os elementos que foram fornecidos vêm referidos no ponto 4 da matéria dada como provada.
5- Resulta da pág. 2 da decisão de fls. 62v, a informação da não comunicação á D.G.T.
6- Mas o documento de fls. 14, é enviado para a IGAE/DGT Faro, em 11/11/2004, registada a entrada em 19/11/2004.
7- Nessa informação diz-se que “ainda não foi apresentada a licença de utilização turística nos termos do nº 1 do art. 34º do Dec. Lei 55/2002, de 11 de Março, tendo em vista a aprovação da classificação definitiva do empreendimento”.
8- A sentença, no segundo parágrafo da pág. 5, refere que para formação da convicção do julgador foi tido em conta cópia do expediente que esteve na origem da fiscalização a fls. 21 a 27.
9- Aí consta uma reclamação dirigida ao Ministério da Economia e a informação prestada pelos serviços; cópia da declaração de rendimentos da recorrente relativa ao ano de 2005.
10- Sendo assim, o Tribunal teve que ter em conta o doc. de fls. 25. Emanado e produzido pela Direcção Geral de Turismo.
11-Tal documento está datado de 17 de Junho de 2004 e é emitido para efeito da acta de reunião IGAF/DGT, Fiscalização de 2004/03/05. 12-No documento de fls. 25, aí se diz expressamente; “Mais se informa V. Exas. que o livro de reclamações pode ser verdade, mediante a apresentação da licença de utilização turística (L.U.T.). Refere-se que este empreendimento possui L.U.T. emitida em 2003/01/17 pela Câmara Municipal de Albufeira”.
13-Para que a Direcção Geral de Turismo prestasse esta informação em 17 de Junho de 2004, é porque antes dessa data lhe foi levado ao seu conhecimento a existência da L.U.T..
14- A D.G.T. teve conhecimento através do requerimento a que alude o art. 34º, nº 1 e 2 do Dec. Lei 55/2002 de 11/2.
15- Tendo em conta a informação de fls. 25, a D.G.T. não pode ter prestado a informação de fls. 14, pois é dada cerca de 5 meses depois da de fls. 25., estando pois incorrecta. 16- Com base em tais documentos e sem qualquer outra averiguação o Meritíssimo Juiz não podia ter formado a sua convicção no sentido de dar como provado o facto constante do ponto 4 da sentença.
17- Atento o princípio da presunção da inocência, e o princípio in dúbio pro reo o Tribunal não podia ter formado a sua convicção em elementos que afinal são contraditórios entre si e até emitidos pela mesma entidade.
18- A decisão da entidade administrativa refere a falta de apresentação da licença de utilização turística, e não a falta de requerimento para a classificação definitiva.
19- O Tribunal está vinculado a decisão sobre a falta de apresentação turística cuja sanção é a prevista no art. 61º, alínea g) do Dec. Lei 50/2002 de 11/2.
20- A licença de utilização turística existia conforme doc. de fls. 4.
21- Foi da falta de utilização turística que a requerente se defendeu e não da falta do requerimento para classificação.
22- Mesmo a considerar-se que a coima é de aplicar, o montante fixado não é proporcional à culpa da requerente, a falta de diligência, ou à vontade de querer manter-se numa situação de ilegalidade, devendo no mínimo a coima ser reduzida.
23- Não foi suficientemente indagada a data da apresentação do requerimento a que alude o art. 34º do Dec. Lei 55/2002 de 11/2.
24- Fez-se incorrecta aplicação dos artº 34nº1, e nº 1 alínea d) e nº 5 do art 61 do Dec-Lei 55/2002 de 11 de Março.
Termos e que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com o que se fará a costumada Justiça».
***
As auto-intituladas conclusões contida no primeiro requerimento de recurso transcreviam, ipsis verbis, o conteúdo do corpo da motivação, com a diferença de que não estava subordinado a números e de que dele constavam ainda as seguintes expressões:
- «A propósito da livre a apreciação consagrada no art. 127 do C.P.P.:
“ De relembrar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº. Não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, pois é com elas e com base nelas que se terá que decidir, já que quod non est in actis non est in mundo.
«A sua liberdade circunscreve-se, assim, à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo, porém, estender essa liberdade até o ponto de cair no livre arbítrio.” (C.P.P. anotado Dr. Simas Santos e Sr. Conselheiro Leal Henriques pag.684)»;
- «Com efeito, já vimos que já em 17 de Junho de 2004 a Direcção Geral de Turismo comunicava a existência de licença de utilização turística».
Face às diferenças de pormenor entre o corpo da motivação e as conclusões, dúvidas não restam de que a conclusão das preposições contidas na motivação de conclusão só tinha nome, pois limitava-se a repeti-las.
Convidada a recorrente a sintetizar as suas pretensões veio fazê-lo, também só em aparência. Como se pode verificar pela comparação com as anteriores conclusões apresentadas, fez o seguinte:
- Encurtou a 1ª conclusão, retirando-lhe as referências jurisprudenciais e doutrinárias;
- Retirou uma frase a cada uma das conclusões 16ª («e não a prevista na alínea d) do indicado art. 61») e 19ª («pelo que era esta falta que deveria ter sido apreciada e não outra»), que passaram a 19ª e 21ª;
- Mudou, ligeiramente a redacção das conclusões 10ª, 11ª, 17ª, 20ª, 21ª e 22ª, que passaram a 14ª, 15ª, 20ª, 22ª e 23ª, mantendo intacto o sentido original;
- Eliminou as 14ª e 18ª conclusões;
- Manteve intacto o teor das conclusões 2ª, 3ª (que desdobrou em duas, com os nºs 3 e 4), 4ª (que passou a 5ª), 5ª (que passou para 5ª – há duas 5ªs- e 6ª), 6ª (que passou para 7ª), segunda 5ª (que desdobrou em 8ª e 9ª), 6ª (que passou a 10ª), 7ª (que passou a 11º), 8ª (que passou a 12º), 9ª (que passou a 13ª), 12ª (que passou a 16ª), 13ª(que passou a 17ª), 15ª(que passou a 18ª) e 23ª (que passou a 24ª).
Constata-se pois, comparando as novas conclusões com o corpo da motivação, que elas o repetem, tal como as anteriores, com excepção de pormenores irrelevantes à exigência de síntese.
O artº 412º/1, do CPP, determina que «a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso, e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».
Daqui se retira que o recurso é uma peça processual necessariamente composta por duas partes: o corpo da motivação e as conclusões, cabendo às conclusões o papel de delimitar o objecto do recurso e consequentemente, de definir as questões a decidir em cada caso [2] , exceptuando, naturalmente, aquelas que sejam de conhecimento oficioso [3] . As conclusões são, pois, parte integrante da motivação de recurso e têm por função a delimitação do objecto daquele.
A sua necessidade resulta da constatação de que o direito ao recurso não coincide com o direito à tutela jurisdicional, tout court, mas sim com o direito à impugnação, como concretização do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional. Dito de outro modo: o direito ao acesso ao direito e à efectiva tutela jurisdicional concretiza-se, por princípio, pelo direito de acesso aos Tribunais, concebido enquanto direito à protecção, do particular, pelo Estado, e dever de prestação dessa protecção, por parte do Estado. O direito ao recurso tem subjacente a ideia de que essa tutela, manifestada através das decisões judiciais, comporta, inexoravelmente, uma margem de erro ou imperfeição, da qual o particular há de poder salvaguardar-se. Nasce então o direito ao recurso, como direito à protecção judicial contra as próprias decisões judiciais.
Manifestamente, o nosso direito processual penal adoptou, em matéria de recursos, a orientação de que estes se regem pelo princípio do dispositivo, isto é, são as partes que dispõem do direito de impugnar ou não impugnar as decisões.
Sendo a manifestação de uma discordância em relação à decisão judicial proferida, o recurso é o remédio jurídico de que a parte dispõe, para ver essa decisão substituída por outra que, no seu entendimento, melhor tutele o seu direito. Consequentemente, ao recorrente cabe um duplo ónus: o de indicar com precisão, o que entende que foi mal julgado e o de propor a solução que entende que melhor se adequa à aplicação da lei. A proposta de solução há de ser concreta, precisa e susceptível de rigorosa apreciação pelo Tribunal de recurso, quer na perspectiva dos factos em que se alicerça, quer na do direito cuja aplicação resultaria numa decisão mais conforme com a lei, ou com o direito, no entendimento do recorrente.
Daqui emerge e necessidade de deixar claro, ao Tribunal de recurso, quais os efectivos pontos de discordância, que se hão de verter nas conclusões de recurso, deixando para a motivação a função de esgrimir a argumentação pertinente a propósito de cada questão. Repete-se, é essa a função das conclusões: apontar, sob enumeração, as concretas questões que o recorrente entende que determinam uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido, de forma a garantir que o Tribunal de recurso entenda, com clareza e precisão, quais os efectivos fundamentos da discordância.
Inserem-se nesta função de delimitação todos os itens dos nºs 2 e 3 do artº 412º/CPP, que mais não são do que fórmulas de especificação de elementos essenciais comuns as todas as questões que se possam colocar como fundamento de discordância, de direito ou de facto. O ponto comum entre todos eles é o facto de influírem, determinantemente, na precisão da definição das concretas questões cuja reponderação se pretende.
Sendo esta a finalidade das conclusões, naturalmente que por elas passa o cumprimento quer do dever de lealdade processual para com os demais sujeitos processuais, quer do dever de colaboração com o Tribunal de recurso [4] . Não sendo função dos Tribunais de recurso descortinar todos e quaisquer fundamentos pelos quais as decisões recorridas possam ser revogadas, é exigível às partes, que desencadeiam a actuação recursiva, apontar os precisos fundamentos pelos quais entendem devida essa revogação, o que aliás funciona como garantia de que o Tribunal de recurso apreenderá e apreciará todos e cada um desses fundamentos.
A exigência de conclusões não é, como se vê, uma mera formalidade, sem sentido, mas o corolário de uma necessidade de precisão da fundamentação do recurso, tanto mais premente quanto mais ampla é a faculdade de recorrer - não sendo desejável que o Tribunal de recurso se veja na continência de reapreciar, contra a vontade da parte, para além da intenção subjacente ao recurso, só porque ela é duvidosa ou não está suficientemente determinada, face à redacção da peça recursiva. E tanto que assim o é, que a Lei 59/98, de 25/08, alterou o artº 412º alargando o âmbito e o conteúdo dos ónus de especificação. A mesma lei, dando corpo aquilo que vinha sendo a orientação dominante no Tribunal Constitucional, resolveu a questão de saber qual a tramitação do recuso que não dê satisfatório cumprimento aos ónus de especificação, concedendo à parte a possibilidade de corrigir a deficiência e, desse modo, garantir a efectiva apreciação da sua pretensão recursória. Nesse sentido alterou a redacção do artº 417º/3, do CPP que passou a conter-se nos termos seguintes (no que ao caso interessa): «Se a motivação do recurso não contiver conclusões (….) o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas (…) sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada».
O intuito da alteração foi fazer prevalecer o direito ao recurso sobre os princípios do dispositivo e da celeridade, na ponderação de que está em causa um direito constitucionalmente reconhecido, que só deve ser obstado por razões ponderosas.
Mas tal prevalência não é absoluta. Não escamoteando a premência dos motivos que podem levar à rejeição do recurso, optou o legislador ordinário por conceder, expressamente, à parte, o direito à reformulação da peça recursória, mas deixou ao seu critério a ponderação sobre se mais lhe interessa a efectiva apreciação do recurso ou a inacção, para a qual, aliás, fixou expressa cominação. E aqui surge o ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo: cabe à parte, consciente das consequências da sua actuação, optar pelo cumprimento dos ónus recursivos que levam ao efectivo conhecimento das questões colocadas em sede de recurso, ou pelo seu incumprimento, sabendo que ele importará a falta de conhecimento do mesmo. Este é o entendimento que resulta da conjugação do disposto no nº 6º do artº 417º com o disposto no artº 420º/1-c), do CPP. Refere o primeiro preceito que «após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que (….) o recurso deva ser rejeitado»; e, nos termos do segundo normativo, o recurso deve ser rejeitado entre o mais, quando «o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do nº 3 do artigo 417º».
Reconhecida a necessidade de produzir conclusões, cabe perguntar em que termos é cabido considerar que elas existem ou satisfazem as necessidades de concisão que a norma lhes atribui.
Refere Alberto dos Reis que «As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação». As conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
A questão que se pode (e deve colocar) é, nos casos em que às conclusões são levadas súmulas dos argumentos expendidos a propósito de cada uma das questões levantadas, saber qual o ponto a partir do qual é justificado o entendimento de que se ultrapassou a natureza de súmula ou resumo e se passou a prolixidade na exposição. É uma questão que se coloca - mais vezes do que aquilo que seria desejável e que acarreta sempre ponderações com margens de subjectivismo, algumas vezes aptas a criar dúvidas sobre a justeza de qualquer das soluções que se possa encontrar - mas que não tem correspondência com o caso em apreço, porque o que aqui se trata é de falta de conclusões, pura e simples, mais do que de maior ou menor prolixidade das mesmas.
É que, no caso, a recorrente limitou-se a apresentar como conclusões, subsequentes ao convite ao aperfeiçoamento, as mesmas que já tinha apresentado anteriormente, com eliminação de duas proposições, nova arrumação numérica e ligeiras alterações de redacção, o que não produz o efeito de sintetização das motivações, que era o que se pretendia. A eliminação de duas conclusões não revela síntese das proposições contidas na motivação, mas o entendimento de que elas eram desnecessárias ao entendimento das demais, que se mantiveram.
A nova arrumação, não revela intenção de síntese, tal como não a revela as ligeiras alterações de redacção de seis conclusões que foram resumidas em cinco, ou a retirada das expressões «e não a prevista na alínea d) do indicado art. 61» e «Pelo que era esta falta que deveria ter sido apreciada e não outra») de outras duas. Ou seja, a reformulação feita foi uma simples alteração de forma, sem influência no conteúdo válido das conclusões que, com pequenos desvios de redacção e ressalvadas meia dúzia de frases, excluídas, correspondem, ipsis verbis, ao conteúdo do corpo da motivação. As diferenças entre as conclusões agora apresentadas e o corpo da motivação são absolutamente irrelevantes em termos de conteúdo, de tal modo que não é excessivo dizer que as conclusões continuam a ser uma cópia, ligeiramente truncada, do corpo da motivação de recurso.
Face a isto não se pode, com propriedade, dizer que tenham sido produzidas conclusões da motivação. O que se fez foi repetir essa mesma motivação, com alterações insignificantes, enumerar as proposições em que se decompõe e dar-lhe o título de conclusões. Fê-lo o recorrente quando da apresentação do recurso original e repetiu-o, quase ostensivamente, perante o convite à correcção.
Tem sido unânime o entendimento na jurisprudência de que a sanção aplicável à repetição da motivação como conclusões é a rejeição do recurso, porque o vício afecta, necessariamente, todas as pretensões do recorrente. Vejam-se, por todos os acs. do STJ, em CJSTJ, 1999, I, 239 e em CJSTJ, 2004, I, e da RC, em CJ, 2004, IV, 46.
Esta, é, de acordo com a lei, necessariamente, a sorte do recurso sub iudice.
Face à constatação de que as novas conclusões de recurso são repetição das proposições constantes do corpo da motivação, não tendo sido cumprido, em substância, o convite à correcção, o que afecta a totalidade do recurso, rejeito-o.
Condeno a recorrente no pagamento da importância equivalente a 3 UC, ao abrigo do disposto no artº 420º/3, do CPP.
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.
Évora, 04/03/2010
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(Maria da Graça dos Santos Silva)
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[1]- Proveniente do Tribunal Judicial de Albufeira - 2ª Juízo) [2]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em B.M.J. 477º-271. [3] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995. [4]Cf. ac. do STJ 08/11/1995, no proc. 48491, citado em «Recursos em Processo Penal», de Simas Santos e Leal-Henriques, 7ª edição, 2008, Editora Rei dos Livros, 120.