NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INJUNÇÃO
JUROS MORATÓRIOS VINCENDOS
Sumário


I - Considerando que com o instituto de injunção se pretendeu que se pudesse obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, tal só se evidenciava com inerente à celeridade de atribuição e força executória uma pretensão onde os quantitativos se tivessem, à partida, como líquidos.
II - Assim o “terminus a quo do débito de juros de mora vincendos, situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção”, não podendo o credor contabilizar juros para além desse momento, isto não obstante não se poder defender que não são devidos, porque se assim não fosse não faria sentido o disposto na al. d) do artº 13º do citado Dec. Lei, que versa sobre o conteúdo da notificação a efectuar ao devedor, aí se estipulando que “a notificação deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da formula executória”.
III - Não tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento em virtude da dedução de oposição e tendo o procedimento injuntivo se transmutado em acção declarativa de condenação, deverá o demandado, em virtude da procedência da acção, ser responsabilizado e condenado no pagamento de juros de mora até efectuar o pagamento do devido.

Texto Integral


Apelação n.º 2744/06.4TBLLE.E1


ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



Algarve ………………… SAD, sedeada em Aldeia Velha, Vilamoura, instaurou no Tribunal Judicial de Loulé (2º Juízo Cível) procedimento de injunção para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, ao abrigo do disposto no D.L. 269/98, 01/09 contra P……………. – Prédios e construções, S. A., sedeada em 2735-165 Cacém, alegando que celebrou com a demandada um contrato de publicidade nas camisolas dos jogadores, em 31/10/2005, relativo ao período de 1/01/2006 a 31/07/2006, e que esta não pagou o respectivo preço, pedindo, por tal, a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 21.175,00 acrescida da quantia de € 328,05 a título de juros moratórios vencidos e da quantia de € 178,00 de taxa de justiça, bem como referente a “outras quantias” peticionou “juros vincendos à taxa que estiver em vigor.
A demandada, após ter sido notificada veio deduzir oposição, negando a celebração de qualquer contrato nos termos em que a demandante o apresenta, peticionando a sua absolvição do pedido, tendo os autos devido à oposição e ao valor em causa prosseguido como processo comum, ordinário.
Saneado o processo e realizado julgamento com produção de prova veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente e, em consequência, decide-se:
A) Condenar a Ré P…………..- Prédios e Construções, S.A., a pagar à Autora Algarve……….., SAD, a quantia de 21.175 euros (vinte e um mil e cento e setenta e cinco euros), acrescida da quantia de 328,05 euros (trezentos e vinte e oito euros e cinco cêntimos) correspondente a juros moratórios vencidos até 31/07/2006.
B) Fixar o valor da acção em 21.503,05 euros.
C) Condenar a Ré nas custas da acção.”
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Desta decisão foi interposto, pela autora, recurso de apelação com vista à alteração da decisão, terminando a recorrente por formular as seguintes conclusões:
01 - No seu requerimento de injunção, a A. pediu que lhe fossem pagos 21.175,00 € de capital, 328,05 € de juros vencidos, 178,00 € da Taxa de Justiça e os “juros vincendos à taxa que estiver em vigor”.
02 - O mencionado pedido consta expressamente do mencionado requerimento, que deu início aos presentes autos, pelo que a douta sentença recorrida não podia deixar de atendê-lo (artigo 660°, n° 2 e 661°, n° 1, do CPC).
03 - Ignorando-se a taxa aplicável, por esta ser variável, bem como o cumprimento da obrigação, a condenação no pagamento dos juros vincendos teria forçosamente que remeter para liquidação em execução de sentença (artigo 661°, n° 2, do C.P.C.).
04 - O não atendimento do mencionado pedido e a consequente não condenação da Ré no pagamento dos juros vincendos constitui a nulidade da sentença recorrida prevista no artigo 668°, n° 1, d), primeira parte, suprível pelo Mmo Juiz a quo nos termos do n° 4, do mesmo preceito legal, ainda e sempre do CPC.
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Não foram apresentadas contra alegações.
O Julgador a quo pronunciou-se no sentido de não ter sido cometida a arguida nulidade da sentença.
Apreciando e decidindo

Como se sabe, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, as questões que importa apreciar são:
1ª – Da nulidade da sentença;
2ª – Da omissão de condenação em juros de mora vincendos.
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Na sentença recorrida foi considerado como relevante e provado o seguinte quadro factual:
1º- A ora Ré recebeu carta datada de 16 de Outubro de 2006, cuja cópia se encontra a folhas 19 e que aqui se dá por reproduzida, na qual os subscritores da mesma, Jaime …………… e Corrado……………… comunicam à ora Ré que haviam decidido dar por definitivamente incumprido, pela parte da Ré, e “por conseguinte, resolvido, o contrato promessa celebrado com V. Exas em 6 de Agosto de 2004, bem como o aditamento de 30.09.2005, que lhe está anexo...” (al. A) dos Factos Assentes).
2º- A ora Autora e a ora Ré acordaram em 31.10.2005 que a primeira colocaria publicidade da segunda na parte da frente das camisolas dos jogadores do clube de futebol Algarve………….. SAD nos jogos para a época 2005/2006 (Resposta ao Facto 1º da Base instrutória).
3º- Em contrapartida a Ré comprometeu-se a entregar à Autora a quantia de 25.000 €, repartida por 3.025 € mensais, até 31-7-06 (Resposta ao Facto 2º da Base instrutória).
4º- Em cumprimento do acordado foi colocada nas camisolas dos jogadores da equipa referida no Facto 2º a publicidade mencionada na época 2005/2006 (Resposta ao Facto 3º da Base instrutória).
5º- A Ré entregou à Autora a quantia de 7.500 € a troco de publicidade nas camisolas de um empreendimento denominado Salema ……….., sendo que um dos donos do terreno onde tal empreendimento ia ser construído exercia funções directivas na Autora (Resposta ao Facto 4º da Base instrutória).
6°- Era a R., que iria construir o resort, sendo um dos directores da Autora, Corrado……….., também interessado na construção do empreendimento, ficando com algumas das moradias a construir (Resposta ao Facto 5º da Base instrutória).
7º- Por força do referido no Facto 1º, o empreendimento Salema………… a que se referia a publicidade deixaria de ser construído (Resposta ao Facto 6º da Base instrutória).
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Conhecendo da 1ª questão
Argumenta a recorrente que “o não atendimento do mencionado pedido e a consequente não condenação da Ré no pagamento dos juros vincendos constitui a nulidade da sentença recorrida prevista no artigo 668°, n° 1, d) do CPC”
O artº 668º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, fulmina de nulidade a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que devia tomar conhecimento, sendo que a mesma está directamente relacionada com o consignado no n.º 2 do artº 660º do CPC, servindo de cominação ao seu desrespeito.
Apreciada a arguição, constatamos que não se verifica a alegada nulidade, já que, não podemos concluir que o Julgador não se pronunciou sobre a invocada questão dos juros de mora.
A esse respeito é dito na decisão impugnada que “no que respeita aos juros moratórios, tenha-se presente que a Autora socorreu-se do procedimento de injunção, donde apenas são peticionados os juros contados até à data da apresentação do requerimento (nem houve ampliação do pedido) e apenas esses serão atendidos.
É certo que perante tal conteúdo poderá concluir-se que o Julgador foi minimalista na exposição, não invocando todos os argumentos que cabiam na melhor ou mais exaustiva fundamentação, mas não deixou de tomar posição sobre a questão a resolver, podendo tão só evidenciar-se deficiência ou incompletude de fundamentação, mas nunca omissão de pronúncia, já que não se pode dizer ter existido, pura e simples ausência de decisão quanto à questão dos juros.
Deste modo não há, pois, omissão de pronúncia, improcedendo neste ponto a apelação.

Conhecendo da 2ª questão
Defende a recorrente que, no seu requerimento de injunção, para além dos juros de mora vencidos, que há data da instauração do procedimento calculou em € 328,05, peticionou, também, na rubrica outras quantias, “juros vincendos à taxa que estiver em vigor”, pelo que se impunha que na decisão, tal como aconteceu com os juros vencidos se condenasse a demandada no pagamento dos juros que se foram vencendo a partir da data da instauração da injunção.
Estando em atraso pagamento respeitante a transacções comerciais tem o credor direito de recorrer ao procedimento de injunção independentemente do valor da dívida (artº 7º n.º 1 do Dec. Lei 32/2003 de 17/2), assumindo-se tal recurso como mera faculdade já que não deixa de poder, sempre que entenda mais adequado para fazer valer o seu direito, de optar ab initio pela instauração de acção declarativa de condenação. [1]
Tendo a recorrente, enquanto credora optado por recorrer ao instituto da injunção, certamente com o intuito de obter, de forma célere e simplificada, um título executivo tendo em vista proceder à cobrança coerciva do seu crédito, tem de acolher e acatar tal como se apresenta o regime legal previsto para tal instituto.
O requerimento de injunção deve ser apresentado num formato modelo e no que se refere à pretensão deve “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas” (artº 10º n.º 1 e 2 al. e) do Dec. Lei 269/98 de 01/09).
Esse requerimento modelo tal como se evidencia do teor do mesmo (v. fls. 1 dos autos) encontra-se parcialmente preenchido, cabendo ao requerente, de acordo com a pretensão que pretende formular, limitar-se a preencher os espaços adequados. No que se refere à discriminação do pedido tal modelo apenas contempla “Capital €__________; juros de mora €________, à taxa de ______, desde _______ até à presente data; Taxa de justiça paga _______; Outras quantias €_______.”
De tal decorre que não se encontra contemplado qualquer espaço destinado a preenchimento com vista à exigência de juros moratórios vincendos após a data da apresentação do requerimento, só se prevendo, assim, a contabilização de juros moratórios, no âmbito da pretensão formulada através do instituto de injunção, até ao momento da apresentação.
No entanto, parece entender a ora recorrente que referindo-se, quer na lei “outras quantias devidas”, quer no modelo de requerimento “outras quantias” tal menção é consentânea com a abrangência da pretensão de juros vincendos após a data da entrega do requerimento.
“Tendo em conta que a causa de pedir no procedimento de injunção é o incumprimento contratual, as referidas quantias a que se reporta o normativo, hão-de resultar do que foi objecto do contrato em causa” de modo que inexiste fundamento legal para interpretação do teor da al. e) do n.º 2 do artº 10º do Dec. Lei 269/98 de 01/09, no sentido que “outras quantias devidas” abrangem juros vincendos. [2]
A nosso ver, considerando que com o instituto de injunção se pretendeu que se pudesse obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, tal só se evidenciava com inerente à celeridade de atribuição e força executória uma pretensão onde os quantitativos se tivessem, à partida, como líquidos.
Deste modo, o “terminus a quo do débito de juros de mora vincendos, situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção”, não podendo o credor contabilizar juros para além desse momento, isto não obstante não se poder defender que não são devidos, porque se assim não fosse não faria sentido o disposto na al. d) do artº 13º do citado Dec. Lei, que versa sobre o conteúdo da notificação a efectuar ao devedor, aí se estipulando que “a notificação deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da formula executória”.
Mas, não tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento em virtude da dedução de oposição, tendo antes o procedimento injuntivo se transmutado em acção declarativa de condenação, não deverá o demandado, em virtude da procedência da acção, ser responsabilizado e condenado no pagamento de juros de mora até efectuar o pagamento do devido?
Pensamos que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa. Pois, de outra forma existirá um sério “benefício do infractor”, que aliás, no caso dos autos, não viu reconhecido qualquer direito invocado na oposição, sendo a acção (transmutada) totalmente procedente.
Se é certo que no seu requerimento de injunção o requerente não podia formular pedido de juros vincendos para além da data da entrega do mesmo, isso não significa que a Lei não lhe concedesse e reconhecesse direito a juros de mora vincendos, conforme resulta do teor da al. d) do artº 13º e do disposto no artº 21º n.º 2, ambos do Dec. Lei 269/98. Ou seja, a Lei, independentemente de serem pedidos ou não, reconhece sempre esse direito, num efectivo desvio ao princípio do pedido, de que é corolário o disposto no artº 661º n.º 1 do CPC. [3]
Assim, não fará sentido o entendimento de que no âmbito da presente acção declarativa de condenação (convertida) não poderão ser atendidos e reconhecidos juros de mora vincendos, até porque não obstante a oposição formulada, o tribunal aceitou reconhecer ao demandante o direito a todas as quantias liquidadas no momento da apresentação do requerimento injuntivo, mesmo a referente a juros de mora que se venceram desde o vencimento da obrigação até à data da entrada do requerimento.
Acresce que, também, não faz sentido chamar à colação, conforme o fez o Julgador a quo, o não ter havido alteração do pedido por parte do demandante, para não lhe reconhecer e conceder o direito a juros de mora vincendos. Pois, esta chamada, eventualmente, só se justificaria se o pedido inicial (embora sem previsão normativa) não contemplasse a pretensão de juros moratórios vincendos. Contemplando-a, tal como contemplava e não tendo sido recusado inicialmente o requerimento, nomeadamente ao abrigo do disposto no artº 11º n.º 1 al. h) do aludido Dec. Lei, “por o pedido não se ajustar à finalidade do procedimento” nem, também, posteriormente, na fase de saneamento do processo ter sido alvo de expurgação, tal pretensão apresentava-se como formal e materialmente formulada.
Assim, como também não foi levantada em sede de oposição, da parte do demandado, qualquer objecção quanto a juros, entendemos que na sequência dos peticionados e concedidos desde a data de 31/07/2006 a 25/09/2006, também deverão ser reconhecidos e concedidos juros de mora desde esta última data até integral pagamento da quantia donde emergem.
O cálculo de tais juros moratórios na sequência e nos estritos termos dos já calculados e atribuídos deverá ser efectuada de acordo com as taxas semestralmente fixadas pelo Avisos da DGT, sendo o respectivo montante global, nesta data, de € 7 498,20, conforme descriminação que se segue.

Data InícioData FimTaxaValor
26-09-200631-12-20069,83%547,46€
01-01-200730-06-200710,58%1104,81€
01-07-200731-12-200711,07%1175,25€
01-01-200830-06-200811,20%1176,05€
01-07-200831-12-200811,07%1175,25€
01-01-200930-06-20099,50%992,03€
01-07-200931-12-20098,00%849,32€
01-01-201014-04-20108,00%478,03€
Total:7498,20€

Nestes termos, impõem-se nos termos supra referidos, a procedência do recurso. Impõe-se, também, a correcção de lapso na escrita da parte decisória da sentença (al. A) uma vez que da mesma consta “…juros de mora vencidos até 31/07/2006” quando em face dos elementos constantes nos autos e da exposição argumentativa do Julgador devia constar “…juros moratórios vencidos até 25/09/2006.”
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, na parte impugnada, devendo na al. A) da parte decisória da mesma passar a constar o seguinte:
A) Condenar a Ré P…………- Prédios e Construções, S.A., a pagar à Autora Algarve……………., SAD, a quantia de 21.175 euros (vinte e um mil e cento e setenta e cinco euros), acrescida da quantia de 328,05 euros (trezentos e vinte e oito euros e cinco cêntimos) correspondente a juros moratórios vencidos desde 31/07/2006 até 25/09/2006 e, bem ainda os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal inerente a créditos de empresas comerciais, desde 26/09/2006 e até integral pagamento.
Custas pela recorrida.

Évora, 14 de Abril de 2010

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Mata Ribeiro

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Sílvio Teixeira de Sousa

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Rui Machado e Moura




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[1] v. Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª edição, 2008, 188.
[2] v. Salvador da Costa in ob. cit., 212
[3] v. Salvador da Costa in ob. cit., 252