IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


1. Tendo sido aceite o recurso de impugnação judicial de decisão administrativa e marcada data para a realização da audiência de julgamento, não pode nesta o julgador deixar de conhecer do mérito do recurso sob o pretexto de que o mesmo não contém conclusões.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora (2.ª Secção Criminal):

1. Relatório.

1. F., S. A., actualmente incorporada, por fusão, na sociedade P.. S. A., impugnou judicialmente a decisão proferida pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, do Ministério da Economia e da Inovação, que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ---/2008.ca, que considerou ter a mesma induzido em erro os consumidores em determinada campanha publicitária e por isso ter praticado uma contra-ordenação prevista e punível pelos art.os 10.º, n.º 1, alínea b), 11.º, n.º 2, e 34.º, n.º 1, alínea a) do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330, 90, de 23 de Outubro.

Admitido o recurso, foi então proferido despacho a determinar a notificação da Recorrente e do Ministério Público para deduzirem oposição, querendo, a que o recurso fosse decidido por despacho, nos termos do disposto no art. 64.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82.

O Ministério Público não se opôs a que o recurso fosse decidido por despacho mas a Recorrente fê-lo, razão pela qual o Tribunal a quo procedeu à realização da audiência de julgamento, tendo a Mm.ª Juíza decidido, nos termos do art. 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, não conhecer do recurso por ter considerado que o mesmo não tinha conclusões, em contramão ao disposto no art. 59.º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

2. Inconformada com o decidido na sentença, dela recorreu a Arguida, pugnando pela sua revogação, rematando a motivação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso ser interposto na sequência da decisão que não conheceu o recurso de impugnação judicial interposto, porquanto o mesmo não continha observações,

2. O recurso de impugnação judicial apresentado veio a ser recebido pelo Tribunal ad quem, sem que tivesse sido suscitada qualquer questão relacionada com a falta de observância de formalidades,

3. O juiz a quo a notificou a Recorrente nos termos e para os efeitos do art.º 64.º do RGCOC para que a Recorrente se pronunciasse sobre para se pronunciar sobre a decisão por mero despacho.

4. Ao notificar a Recorrente nestes termos o processo já se encontraria sanado.

5. De acordo com o n.º 1 do art.º 63.º do RGCO, caso se verifique a falta de um requisito formal, deverá o juiz rejeitar o recurso por meio de despacho.

6. Tal rejeição, nos presentes autos não ocorreu.

7. Ao ser proferido tal despacho encontravam-se respeitados os requisitos de forma necessários ao andamento e prossecução do processo.

8. Não deve conceber-se que só após a realização da audiência de julgamento, tenha sido proferida a decisão nos termos em que o foi.

9. A apreciação das mesmas teria necessariamente que ocorrer antes da aceitação do recurso, em que no fundo se traduz a notificação nos termos do art.º 64.º do RGCO.
10. Efectivamente, a ser de concluir que do recurso apresentado não constavam conclusões, deveria o Juiz a quo rejeitar o mesmo, nos termos do art.º 63.º n.º 1.

11. Por outro lado, ainda que, oportunamente, tivesse sido proferida uma decisão que culminasse na sanção de rejeição imediata por falta de conclusões, teria que se conceder à Recorrente oportunidade para sanar essa falta,

12. Sob pena de tal decisão não se colidir com o princípio constitucional da proporcionalidade, previsto nos art.os 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP.

13. Finalmente, e sem se conceder, mas ponderando por cautela de patrocínio, não pode aceitar-se que o recurso de impugnação apresentado, não contenha conclusões, sendo certo que estas constam do recurso apresentado, conforme resulta do próprio recurso.

3. Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sustentando a procedência do recurso, tendo concluindo deste modo:

1 - Tendo o tribunal optado pelo prosseguimento dos autos de recurso em processo de contra-ordenação, sem prévio convite ao aperfeiçoamento das “conclusões” do recurso e sem apreciação expressa dessa “questão prévia”, é expectável que se avance para o conhecimento do mérito do recurso.

2 - Com tal opção, seja decidindo por simples despacho, seja realizando a respectiva audiência, não se afigura razoável — constituindo verdadeira “decisão-surpresa” — que seja apreciada a eventual irregularidade formal da falta de conclusões, na perspectiva de não se tratar de verdadeiro resumo das razões do pedido.

4. Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta acompanhou à resposta do Ministério Público junto do Tribunal a quo.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417°, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte da Recorrente.

6 Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação.

1. Da decisão recorrida.

Questão Prévia
Compulsados os autos constata-se que no requerimento de interposição de recurso, a arguida não resume as razões do pedido, limitando-se a repetir, no que apelida de “conclusões" o teor das suas alegações.

Cumpre apreciar e decidir qual a consequência de tal falta.

Dispõe o art. 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações que “o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões."

Sucede que Regime Geral das Contra-Ordenações não define o que se deva entender por conclusões. Porém, segundo resulta do disposto no art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (aplicável por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações), nas conclusões, deduzidas por artigos, “o recorrente resume as razões do pedido."

Ora, não contendo, o requerimento de interposição do recurso conclusões, e estando afastadas, nesta fase, as hipóteses de convidar a recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento, por forma a que o mesmo passasse a observar o disposto no art. 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, contendo “alegações e conclusões”, ou, bem assim, de rejeitar o recurso, por não respeitar o mesmo as exigências de forma, nos termos do art. 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, forçoso é concluir que não contendo o recurso em apreço conclusões, tal impede que se conheça do mesmo uma vez que o âmbito do recurso é determinado pelas questões suscitadas, pelo recorrente, nas respectivas conclusões.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, não conheço do recurso.”

2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado. [1]
Daí que a questão a apreciar neste recurso seja a seguinte:

Recebida impugnação judicial de decisão administrativa que aplicou uma coima, pode depois o Juiz do Tribunal de 1.ª Instância recusar dela conhecer com fundamento em que não contem conclusões ou estas são mera repetição das motivações?

Como sabemos, querendo o Arguido num processo de contra-ordenação impugnar a decisão da autoridade administrativa que lhe aplique uma coima deve apresentar-lhe o recurso por escrito, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento, devendo constar de alegações e conclusões, [2] para ser remetido ao Ministério Público que, se assim o entender, os fará presentes ao juiz, valendo esse acto como acusação. [3]


Na sequência dessa apresentação, é seguro que o juiz poderá seguir um de três caminhos:

- Aceita o recurso e marca a audiência de julgamento ou propõe-se dele conhecer por meio de despacho, neste caso se os autos não carecerem de provas constituendas a produzir; [4]


- Rejeita o recurso, por meio de despacho, se tiver sido extemporaneamente interposto ou sem respeito pelas exigências de forma (excepto, nesta parte, que se enquadre no caso seguinte); [5]


- Convida o Recorrente a aperfeiçoá-lo, caso o requerimento não tenha conclusões ou estas não permitam deduzir total ou parcialmente as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no entendimento do Recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada ou, por fim, a decisão da matéria de facto por parte da autoridade administrativa. [6]

O que o juiz não pode [7] é querer fazer entrar pela janela o que a lei quis impedir que fosse feito pela porta. Quer dizer, baixando agora ao caso sub iudicio, se a lei não permitia à Mm.ª Juíza rejeitar liminarmente o recurso por o mesmo não respeitar os requisitos formais para a formulação das conclusões, por igualdade de razão [8] também o não poderia fazer depois. É que, a não ser assim, estaria a Mm.ª Juíza a fazer letra morta das restrições constitucionais à possibilidade de rejeição liminar do recurso por ausência ou inadequada formulação de conclusões no recurso contra-ordenacional, pois que lhe bastava só formular essas reservas em momento posterior. [9]

Diremos ainda que esta é a tese apesar de tudo mais benigna para a situação de facto que ora nos ocupa, outra havendo, menos exigente quanto ao formalismo a que deve obedecer as conclusões das motivações no recurso contra-ordenacional.

Na verdade, é por demais conhecido que o processo contra-ordenacional tem perfeita autonomia face ao processual penal, [10] encontrando-se os seus termos regulamentados no Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, quer na fase administrativa, [11] quer na judicial. [12]

Ora, revestindo o processo contra-ordenacional uma consabida simplificação em toda a sua tramitação, tanto na fase administrativa, como na também na judicial, parece ser de aceitar um entendimento menos exigente do conceito de conclusões do recurso que o acolhido no processo penal, de modo a bastar-se com a mera indicação da pretensão ou pedido de providência jurisdicional solicitada. [13]


Assim, sendo um ou outro o entendimento que se tenha acerca do conceito de conclusões no processo contra-ordenacional, a verdade é que não poderemos deixar de expressar a nossa concordância com a Recorrente e com o Ministério Público no sentido de que a douta sentença recorrida não pode subsistir e deve ser revogada, determinando-se então que a Mm.ª Juíza proferira decisão sobre o mérito da impugnação da decisão administrativa.

III - Decisão.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, em consequência, se revoga a douta sentença recorrida e se determina que a Mm.ª Juíza a quo proferira outra na qual conheça do mérito da impugnação da decisão administrativa.

Sem custas.

Évora, 18-04-2010.

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(António José Alves Duarte - Relator)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz - Adjunta)





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[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[2] Art.º 59.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
[3] Art.º 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
[4] Art.º 65.º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
[5] Art.º 63.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
[6] Art.º 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/2001, de 19 de Junho de 2001, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010265.html, o qual, com força obrigatória geral, decidiu «… a inconstitucionalidade, por violação do n.º 10 do artigo 32.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, um e outro da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas constantes do n.º 3 do art.º 59.º e do n.º 1 do art.º 63.º, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na dimensão interpretativa segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação.» Neste sentido seguiu o Acórdão da Relação do Porto, de 26-05-2004, visto em www.dgsi.pt.
[7] Nunca pode, seja neste ou noutro caso qualquer.
[8] Ou até por maioria de razão, diríamos, pois que então já fora ultrapassada a fase em que o juiz poderia rejeitar o recurso e se deu entrada na fase de instrução ou decisão, consoante o processo contenha ou não todos os elementos de facto necessários para a decisão de direito.
[9] Neste sentido, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1133 e Simas Santos e Lopes de Sousa, em Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral, 5.ª Edição, página 488.
[10] Daí que, como vimos, o processo penal lhe é de aplicação meramente subsidiária.
[11] Art.os 33.º a 58.º do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
[12] Art.º 59.º a 91.º do citado diploma.
[13] É o que defendem os Cons.os Oliveira Mendes e Santos Cabral, em Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, páginas 210 e 211. No mesmo sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 11-10-2005, na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2005, tomo IV, página 280.