DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Sumário

I – A prévia admissibilidade do recurso – que tem entre os requisitos a tempestividade da sua apresentação – constitui pressuposto do seu conhecimento. É questão de conhecimento oficioso. E o Tribunal da Relação não está vinculado à decisão de admissão do recurso proferida na 1.ª Instância.

II - A razão se ser do prazo – alargado – de 30 (trinta) dias para a interposição de recurso que tenha por objeto a reapreciação de prova gravada radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, face ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal e que pressupõe, naturalmente, a audição dessa prova.

III – Porque o despacho de não pronúncia contém decisão sobre indícios e não sobre matéria de facto, é de 20 (vinte) dias o prazo para interposição de recurso dele.

Texto Integral

DECISÃO SUMÁRIA

I. RELATÓRIO

No processo nº 46/10.0PESTR, do Tribunal Judicial de Santarém, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos que se iniciaram com queixa apresentada por RM contra PA, devidamente identificados nos autos, pela prática dos crimes de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal – eventualmente qualificada pelo disposto nos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 132.º, alínea m), do mesmo compêndio legal – e de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.

Requerida a abertura da instrução, por RM, entretanto constituída Assistente nos autos, foi proferido despacho de não pronúncia.

Inconformada com tal decisão, a Assistente RM dela interpôs recurso, formulando as conclusões que constam de fls. 344 a 356 dos autos, onde refere as razões que a levaram a requerer a abertura da instrução [não se conformar com o modo como foi conduzido o inquérito], invoca omissão de pronúncia sobre pedido que formulou de declaração de nulidade do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, esclarece contra quem pretende procedimento criminal e afirma que o seu requerimento para a abertura da instrução contém todos os elementos tendentes à identificação dos autores dos crimes e à individualização dos factos que fundamentam a aplicação de penas, factos estes que considera terem ficado demonstrados. Quanto a este último aspeto, a Recorrente afirma a existência de contradições entre depoimentos prestados nos autos e acentua que aquele que foi por si produzido, em conjugação com os documentos existentes no processo, seria suficiente para considerar como demonstrados os factos denunciados e relatados requerimento para abertura da instrução.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, pela forma expressa de fls. 409 a 418 dos autos, concluindo pela rejeição do recurso, por extemporâneo, ou pela sua improcedência.

v
O recurso foi admitido.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor visto.

Em consonância com a posição já expressa nos autos, entendo que o recurso deve ser rejeitado, por ter sido interposto fora do prazo perentório fixado na lei processual.

O que passo a explicitar.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – nos termos do artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1.ª Série A.

Independentemente da apreciação do objeto do recurso, delimitado nos termos acabados de referir, constitui pressuposto do seu conhecimento a prévia admissibilidade do mesmo, sendo que um dos requisitos para o efeito é a tempestividade da sua apresentação – artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Questão que não pode deixar de se assumir como prévia e, assim, cujo conhecimento oficioso se impõe, sendo indiscutível que a decisão de admissão do recurso não vincula este Tribunal da Relação – artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Regras do Código de Processo Penal com relevo para a decisão:

Artigo 283.º
(Acusação pelo Ministério Público)

«1 – Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público (…), deduz acusação contra aquele.

2 – Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
(…).»
Artigo 308.º
(Despacho de pronúncia ou de não pronúncia)
«1 – Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; no caso contrário profere despacho de não pronúncia.

2 – É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.
(…).»
Artigo 411.º
(Interposição e notificação do recurso)
«1 – O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria;
(...)
4 – Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.
(...)»
Artigo 412.º
(Motivação do recurso e conclusões)
« (…)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(…).»

A razão se ser do prazo – alargado – de 30 (trinta) dias para a interposição de recurso que tenha por objeto a reapreciação de prova gravada radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, face ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal e que pressupõe, naturalmente, a audição dessa prova.

E estabelecendo, pois, a lei prazos diversos para a impugnação das decisões judiciais, em virtude dos fundamentos em que se alicerçam, não haverá dúvida que quem pretende recorrer não pode prevalecer-se de prazo mais longo para impugnar matéria para a qual a lei estabelece prazo mais curto.

«No caso, está em causa impugnação do despacho de não pronúncia, através do qual o Mmo. JIC decidiu não se terem apurado indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.

De acordo com o art. 283, nº 2, do CPP consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. No juízo de quem pronuncia, não se exige a prova, entendida esta como sinónimo da demonstração da existência dos factos integradores dos elementos típicos do crime, bastam indícios da sua ocorrência, donde se possa formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.

Assim, através do despacho de não pronúncia não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios.

Só em relação à decisão proferida sobre a matéria de facto, constante da sentença, pode ser aproveitado o alargamento do prazo de recurso previsto no nº 4, do art. 411, do CPP.

Compreende-se que assim seja, pois só quanto à sentença, e não a qualquer despacho, ocorrem as exigências do art. 374, nº 2, do CPP (enumeração dos factos provados e não provados, com indicação e exame crítico das provas), suscetíveis de justificar impugnação com as especificações previstas nos nºs 3 e 4, do art. 412 e alargamento do prazo de recurso.

Em relação a recurso interposto de decisão sobre a matéria de facto, em que o recorrente a pretende impugnar, são-lhe impostas particulares exigências (nºs 3 e 4, do art. 412), que obrigam a trabalho cuidado e moroso, muitas vezes não possível no prazo normal de recurso.

Em caso de recurso do despacho de não pronúncia, tal alargamento do prazo não se justifica, pois o que está em causa é a apreciação de indícios, não estando o recorrente onerado com aquelas exigências.[1]»

Importa, agora, regressar ao processo.

A decisão recorrida foi proferida no dia 6 de julho de 2011 – fls. 291 a 311.

Considera-se notificada à Assistente e respetiva Mandatária no mesmo dia 6 de julho de 2011 – ata de fls. 311.

O recurso foi interposto no dia 26 de setembro de 2011 – fls. 314

O prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data em que a decisão de não pronúncia foi notificada – 6 de julho de 2011.

E sendo esse prazo de 20 (vinte) dias, o seu termo ocorreu no dia 12 de setembro de 2011, ou nos três primeiros dias úteis subsequentes – 13, 14 e 15 de setembro de 2011 –, com a sanção a que se refere o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil e o artigo 107.º-A do Código de Processo Penal.

Posto isto, tendo o recurso sido interposto para além das ocasiões acabadas de mencionar – em 26 de setembro de 2011 –, não resta senão concluir que não devia ter sido admitido, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 414.º do Código de Processo Penal.

E que, ocorrendo causa que deveria ter determinado a sua não admissão, se impõe a rejeição do recurso interposto pela Assistente RM ao abrigo do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decido rejeitar, por manifesta intempestividade, o recurso interposto pela Assistente

Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, vai ainda a Recorrente condenada no pagamento de importância correspondente a 3 UC.
v

Évora, 17-01-2012

(processado em computador e revisto pela signatária)

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(Ana Luisa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de abril de 2009, processo n.º 1878/07-2GCALM.L1-5 – acessível em www.dgsi.pt