INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ARTICULADOS
Sumário

I- Nos casos em que o incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal é imputável a um dos pais do menor, aplica-se o disposto no art.º 181.º, OTM, e não o seu art.º 191.º.
II- O processo regulado no citado art.º 181.º apenas admite dois articulados, não permitindo uma resposta à alegação do requerido.
III- Pode-se mandar aguardar pela realização de uma diligência ordenada no âmbito de outro processo tutelar cível entre as mesmas partes pois seria um acto inútil a realização de igual diligência.

Sumário do relator

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora
M… requereu, nos termos do art.º 181.º, O.T.M., o incidente de incumprimento de responsabilidades parentais contra A….
Alegou, para tanto, que o requerido, pai de seu filho J…, não cumpriu o acordo de regulação do poder paternal.
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Foi determinado que os autos fossem autuados como autos de entrega judicial de menor.
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O requerido deduziu oposição.
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A requerente respondeu à oposição do requerido.
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O requerido recorreu do despacho que mandou autuar como entrega judicial de menor.
Requereu ainda que fosse desentranhada a resposta por ela não ser admissível.
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Foi proferido despacho que determinou que se desse por não escrita a resposta na parte em que se apresenta como tal às alegações do requerido; e que se considere o mesmo articulado como requerimento de apresentação de prova.
Perante o facto de estar pendente um outro processo entre as partes, de alteração da regulação do exercício do poder paternal, onde foi determinada a realização de um exame psiquiátrico e psicológico, foi ainda decidido suspender os presentes autos até que esteja concluído o referido exame.
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Destas duas decisões a requerente recorreu.
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Começaremos pelo recurso interposto pelo requerido.
A este respeito, alega que o processo de entrega judicial de menor não é o adequado quando se pretende obter a entrega de menor a quem fora confiado no âmbito de anterior acordo, em consequência de eventual violação do regime de visitas.
Nesta situação, deve ser deduzido um incidente de incumprimento.
Diga-se desde já que estamos de acordo.
Embora não haja uma distribuição de processos, nos termos a que alude o art.º 222.º, Cód. Proc. Civil, é verdade que existem tipos de processos diferente.
Não se trata, pois, de um específico problema de distribuição e autuação, mas sim de um problema de forma de processo que se nos coloca.
Tendo isto em mente, importa notar que o requerimento inicial é, em sentido próprio, a dedução de um incidente de incumprimento, nos termos do art.º 181.º; o que se alega é que o requerido, pai do menor, não cumpriu o acordo sobre o regime de visitas estabelecido. A previsão do art.º 181.º é, precisamente, esta: a situação de, «relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado» (n.º 1), ou seja, apenas quando o incumprimento for imputável a um dos pais dos menor e não a terceiros.
Este último, já é outro caso ­— o do art.º 191.º
Este preceito legal trata da situação em que um menor abandone «a casa paterna ou aquela que os pais lhe destinaram ou dela for retirado, ou se se encontrar fora do poder da pessoa ou do estabelecimento a quem esteja legalmente confiado» (n.º 1).
São situações absolutamente diferentes com soluções diferentes e procedimentos diferentes. Já há muitos anos que a jurisprudência e a doutrina assim o afirmam (cfr. Ary Elias da Costa e Carlos Matias, Notas e Comentários à Lei Tutelar de Menores, 2.ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1982, pp. 244-245).
No caso dos autos, temos tão-só um problema de incumprimento de acordo de regulação do poder paternal: o menor devia ir para casa do requerido a 18 de Junho e foi a 17 do mesmo mês. É só disto que se trata.
Assim, é manifesto, perante o alegado, que o acordo não foi cumprido.
Por isso, o processo deve seguir os termos do art.º 181.º e não os do art.º 191.º, sendo procedente o recurso.
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Os recursos da requerente.
Em primeiro lugar, o recurso do despacho que mandou considerar não escrita a parte da resposta que impugnava a oposição do requerido.
Alega a requerente, fundamentalmente, que o despacho recorrido viola o princípio do inquisitório e o do contraditório, invocando o art.º 3.º, Cód. Proc. Civil, uma vez que não cuidou se os factos contraditados pela requerente seriam úteis à decisão da causa; mais alega que a natureza do processo não está sujeita e decisões segundo critérios de legalidade escrita.
Manifestamente, não tem qualquer razão.
Uma coisa é a decisão não estar sujeita a critérios de estrita legalidade outra coisa bem diferente é a lei mandar seguir uma determinada forma, com determinados trâmites, para se obter a melhor decisão.
A discricionariedade só existe no primeiro caso; no segundo vigora a lei. Isto é, devem-se seguir as formalidades que a lei impõe não sendo lícito praticar outras que a lei não preveja.
O art.º 181.º, OTM, determina que, apresentado o requerimento e se não se designar audiência, o requerido alegará.
Nada mais.
Não há aqui qualquer violação do contraditório; cada uma das partes disse o que tinha a dizer. Depois disto, far-se-á um inquérito ou outras diligências em função do que vários factos serão dados por provados. Todos eles serão considerados na decisão independentemente de quem os alegou.
O processo é só este.
Confunde-se o contraditório com a vontade de dizer qualquer coisa — mesmo que relevante, note-se.
O argumento de que o juiz não cuidou de saber da relevância dos factos alegados pela requerente tem como consequência a possibilidade de as partes, sempre que o entenderem, apresentarem os articulados que quiserem. Mas aqui, repete-se, não há discricionariedade; há um rito estabelecido por lei.
Assim, improcede o recurso.
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Resta o recurso da decisão que decidiu suspender o processo aguardando-se uma perícia já ordenada noutros autos.
Alega a requerente que a decisão viola os artigos 181º e 191.º, OTM, porque ela devia ter sido a notificação para entrega do menor e, se assim não acontecesse, o uso de meios coercivos necessários.
Deixemos de lado o art.º 191.º que para aqui não é chamado.
Salvo o devido respeito, parece-nos que a requerente confunde momentos processuais distintos, sendo um o da realização de diligências e outro o da decisão, com isto querendo que se suprima o primeiro.
Como acima se disse, depois dos articulados, «o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá» (art.º 181.º, n.º 4).
A Mmª Juiz entendeu que a perícia psicológica do menor é útil para decidir o caso de incumprimento (que a decisão, aliás, reconhece existir); mais entendeu que, uma vez que tal já foi ordenado noutro processo pendente entre as mesmas partes, não havia necessidade de ordenar novo exame; por isso mandou aguardar a realização do já solicitado.
Resulta do que antecede, linearmente, que o juiz não é obrigado a decidir depois de as partes terem alegado e menos ainda a decidir em determinado sentido. Pode acontecer, até, que a decisão venha a ser uma que não a querida pela requerente. Em todo o caso, uma decisão vai ser tomada, sem dúvida, mas depois de realizadas as diligências úteis.
Por outro lado, a realização da perícia (cuja necessidade a requerente não põe em causa) nestes autos seria um acto perfeitamente inútil (e como tal proibido, nos termos do art.º 137.º, Cód. Proc. Civil) uma vez que ela já foi ordenada noutro processo. Seria uma duplicação sem sentido.
Por isso, entendemos que a decisão recorrida fez bem em determinar que se aguardasse o resultado do exame já ordenado.
Improcede este recurso.
Pelo exposto:
I- julga-se procedente o recurso do requerido em função do que se determina que o processo siga os trâmites do art.º 181.º, OTM, e que como tal seja autuado;
II- julga-se improcedentes os recursos interpostos pela requerente mantendo-se as decisões recorridas.
Custas na totalidade pela requerente.
Évora, 26 de Janeiro de 2012
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos