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ABANDONO DE TRABALHO
DENÚNCIA DO CONTRATO
ÓNUS DA PROVA
AUSÊNCIA AO SERVIÇO
Sumário
I- O abandono do trabalho pelo trabalhador e a interpretação de tal atitude face à falta de informação do motivo da ausência, valendo como denúncia (tácita) do contrato de trabalho, assentam numa expressão de vontade do próprio trabalhador que não opera quando é dada uma explicação da ausência. II- É ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da presunção de abandono do trabalho, onde se inclui a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos e a não recepção de comunicação do motivo da ausência. III- Não se provando a não recepção de comunicação do motivo da ausência do trabalhador, fica afastada a aplicação daquela presunção, pelo que a cessação do contrato de trabalho operada pelo empregador com fundamento em abandono do trabalho configura despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, já que não foi precedido de processo disciplinar. IV- Perante a invocação, pelo trabalhador, de factos falsos ou a ausência de justificação, não operando o abandono do trabalho com as implicações previstas no artigo 403.º do Código do Trabalho, à entidade empregadora fica sempre em aberto a possibilidade de instaurar procedimento disciplinar e de proceder ao despedimento do trabalhador, com fundamento em faltas injustificadas.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I) Relatório 1.P…, residente na Ruaintentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra N…, L.da, com sede em…. 1.1 O autor alega, em síntese, ter sido admitido ao serviço da ré, em 1 de Setembro de 2008, para exercer, sob a sua direcção e autoridade, as funções correspondentes à categoria profissional de técnico de vendas, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo de doze meses.
Entretanto, em 19 de Março de 2010, inexplicavelmente, a ré operou a cessação do contrato, com efeitos imediatos, alegando abandono do trabalho pelo autor.
Entendendo não estarem reunidos os respectivos requisitos, afirma que não lhe pode ser imputada a cessação do contrato com tal fundamento, reclamando da ré o pagamento de valores a título de indemnização e de créditos laborais.
Conclui afirmando que a presente acção deve ser julgada procedente e em consequência:
A) Ser a ré condenada a pagar ao autor as quantias peticionadas nas alíneas a), b) e c) do artigo 23.º da petição, a título de remanescente do vencimentos do mês de Janeiro de 2010, e vencimentos de Fevereiro e de Março de 2010, acrescidas de juros calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
B) Ser a ré condenada a pagar ao autor as quantias peticionadas nas alíneas d), e), f), g) e h) do artigo 23.º da petição, a título de férias não gozadas, proporcionais e remanescente de subsídios de férias e de subsídios de Natal, acrescidas de juros calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
C) Ser declarado que não se encontram reunidos os requisitos da figura de abandono de trabalho e, consequentemente, a ré condenada no pagamento das quantias peticionadas no artigo 26.º da petição, acrescidas de juros calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento. 1.2 Frustrada a obtenção de acordo na audiência de partes, a ré apresentou contestação.
Impugna parcialmente os factos alegados pelo autor e afirma a efectiva verificação dos requisitos do abandono de trabalho por parte do mesmo, com referência aos factos que alega.
Refuta serem devidas ao autor as quantias que reclama.
Conclui defendendo a improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido. 1.3 Realizada audiência de discussão e julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto, sem que tenha havido reclamação, e foi proferida sentença, onde se decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
1) Condena-se a ré a pagar ao autor:
1.1. A quantia global de € 4.129,60, a título de retribuições referentes aos meses Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio Junho e Agosto, do ano de 2010, acrescida de juros à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento;
1.2. A quantia global de € 1.081,98, a título de subsídios de férias e de Natal Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio Junho e Agosto, do ano de 2010, acrescida de juros à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento;
1.3. A quantia de 1.198,52, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
2) Absolve-se a ré da restante parte do pedido;
3) Condena-se a autor e a ré nas custas (…)” 2.1 A ré, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) A partir do dia 20/01/2010 (quarta-feira) o Apelado não mais compareceu no seu local de trabalho, conforme ficou provado no ponto 25º dos factos provados da douta sentença.
B) Ficou o Apelado ausente do seu local de trabalho por um período de tempo superior a 10 dia úteis seguidos, conforme consta da articulação dos factos provados constantes dos pontos com os nºs. 25º e 30º da douta Sentença.
C) Não tendo logrado provar o Apelado que tivesse efectuado as devidas comunicações justificativas e comprovativas do motivo da sua ausência, conforme consta da articulação dos factos provados constantes dos pontos com os nºs. 27º e 28º da douta Sentença.
D) Acrescendo que anteriormente, nada foi declarado ou fazia crer por parte da conduta do Apelado que se encontrava sem condições, doente, incapacitado ou de baixa para o trabalho que vinha desenvolvendo normalmente para a Apelante no período de tempo compreendido entre 08/01/2010 até 19/01/2010, conforme ficou provado nos pontos 24 e 25 dos factos provados da douta Sentença.
E) À Apelante não era possível adivinhar ou prever os motivos da ausência do Apelado, uma vez que não possuía qualquer conhecimento eventual de doença anterior.
F) E o Apelado não fez chegar ao conhecimento da sua entidade patronal, ora Apelante, a razão da sua ausência nem nunca facultou elementos, tanto antes como depois da data de início da sua efectiva ausência (em 20/01/2010), pelo que nada impõe à Apelante o dever de indagação sobre tal, sendo perfeitamente legítimo que a mesma considerasse a situação de abandono de trabalho, utilizando a presunção legal que a Lei fixa a seu favor, decorridos que foram mais de 48 dias consecutivos (de 20/01/2010 a 09/03/2010).
G) Motivo pelo qual se veio a considerar provado que o Apelado: “nunca apresentou qualquer documento comprovativo de que se encontrava de baixa médica” (conf. consta do ponto 28º dos factos provados da Sentença).
H) Não compreende a Apelante que o MMº. Juiz do Tribunal A Quo alegue que o seu conhecimento para a inexistência de abandono do local de trabalho tinha a haver com uma eventual baixa do Apelado, quando ao mesmo tempo considera como provado que este: “... nunca apresentou qualquer documento comprovativo de que se encontrava de baixa médica;” (conf. consta dos ponto 28º dos factos provados da Sentença) e que : “... não havia registo de participação de baixa médica do autor à seguradora” (conf. consta dos ponto 27º dos factos provados da Sentença).
I) É incorrecto o entendimento expresso pelo MMº. Juiz do Tribunal A Quo, segundo o qual qualquer facto eventualmente invocado pelo Apelado, mesmo que seja inválido, incongruente, falso ou até inexistente, serviria para justificar a sua ausência prolongada ao local de trabalho e ainda sem que nunca tivesse apresentado qualquer documento comprovativo de que se encontrava de baixa médica (conf. consta dos ponto 28º dos factos provados da Sentença) ou até outro qualquer documento comprovativo.
J) Segundo a perspectiva do MMº. Juiz do Tribunal A Quo, bastaria o conhecimento da Apelante de tais invalidades, incongruências e falsidades eventualmente alegadas pelo Apelado, ou até nem sequer alegadas, para que não se verificasse o abandono do local de trabalho uma vez que a entidade empregadora encontra-se obrigada a perceber, analisar intrínseca e psicanaliticamente a mente do trabalhador e indagar acerca das suas reais intenções e razões pelas quais não comparece ao trabalho por mais de quarenta e oito dias consecutivos.
L) Sendo inválidos, incongruentes, falsos e até inexistentes os motivos apresentados pelo Apelado, não pode a Apelante nem o Tribunal aceitar que os mesmos justificam ou dão como justificada a ausência do local de trabalho por mais de quarenta e oito dias consecutivos.
M) Não é exigível à Apelante que averigúe do porquê de tal conduta absentista do Apelado, nem que aquela investigue, interrogue e fiscalize o trabalhador por forma a saber qual é o animus da sua vontade.
N) A Apelante tem apenas o ónus da prova da ausência do Apelado ao trabalho, conforme consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/05/2003 in C.J, Acs/ STJ, VIII, II, 262, o qual logrou fazer nestes autos, conforme consta do ponto 25. dos factos provados.
O) Não ilidiu o Apelado a presunção nos termos do n.º 4 do Art 403º do Código do Trabalho, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao Apelante da causa da ausência.
P) Uma vez decorrido o prazo de dez dias úteis seguidos, sem que o trabalhador justifique fundamentadamente a sua ausência, pode a entidade patronal considerar a presunção de abandono de trabalho.
Q) E o apelado, mesmo após ter recebido a carta a considerar a existência de abandono, não justificou a sua ausência pelo que demonstrou manifesta intenção de não retomar o trabalho.
R) A douta Sentença não tomou em consideração nem formou a sua convicção com base em toda a matéria de facto provada e ao decidir de tal modo, o MMº. Juiz de Direito do Tribunal A Quo fê-lo sem considerar a relevância efectiva da matéria factual considerada provada e o correcto enquadramento das disposições legais, cometendo, em consequência erros na interpretação, determinação e respectiva aplicação das disposições e princípios gerais de direito ao caso concreto.
S) Acrescendo que o Tribunal A Quo conheceu de factos e estabeleceu presunções injustificadas de que não podia tomar conhecimento, nomeadamente a que consta dos ponto 26. dos factos provados da Sentença proferida.
T) No nosso entendimento não foi produzida prova bastante que fundamentasse a procedência da acção do Apelado e consequente condenação da Apelante, antes pelo contrário, ficou claramente demonstrado através da matéria provada que o Apelado abandonou clara e efectivamente o local de trabalho e actuou por forma a concluir-se que não era sua intenção o retomar.
U) Não se verifica, contrariamente ao fixado na Sentença, falta de preenchimento dos requisitos exigidos por Lei para a invocação por parte da Apelante do abandono de trabalho ou qualquer despedimento ilícito do Apelado.
V) Antes se está perante uma forma de extinção do vínculo laboral entre a Apelante e Apelado, por presunção legal de abandono do trabalho por parte deste.
X) Nestes termos, ao decidir como decidiu violou o Tribunal A Quo, os dispostos no art. 403º do Código do Trabalho, artigos 342º, n.º 1 e 350 do Código Civil, n.º 2 do art. 659º; n.º 2 do Art. 660º; Art. 661 º; n.º 1 do Art. 663º; alíneas b) e d), n.º 1 do art. 668º todos do C.P.C. pois não formou a sua convicção com base em toda a matéria de facto provada, não atribuindo a relevância devida aos factos que deu como provados e não aplicou as normas jurídicas correspondentes, cometendo, em consequência, erros na interpretação, determinação e aplicação das disposições legais aplicáveis. Estabeleceu ainda presunções injustificadas que não poderia ter tomado conhecimento.
Termina afirmando que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, com as legais consequências, sendo esta substituída por outra que conclua pela verificação efectiva do abandono de trabalho por parte do apelado e inexistência de despedimento ilícito deste, com consequente extinção do vínculo laboral entre a apelante e apelado, por presunção legal de abandono do trabalho por parte deste. 2.2 O autor, notificado da interposição de recurso pela ré, veio responder, formulando as seguintes conclusões:
1- A razão de ser do presente Recurso baseia-se essencialmente no entendimento feito pela Ré de que não foi feita a correcta interpretação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da consonância com os preceitos legais que referem os requisitos para a verificação da existência de abandono do trabalho por parte do Autor como forma de cessação do contrato de trabalho.
2- Entende o Autor, ora Recorrido, que não pode prevalecer a tese da Apelante, por considerar ter sido correctamente interpretado e aplicado o Direito e que face à prova produzida e aos factos dados como provados, correcta a decisão do MMº Juiz “a quo”, não tendo havido incorrecta aplicação dos preceitos referentes à verificação (ou não) de abandono do trabalho por parte do trabalhador como forma de cessação do contrato de trabalho.
3- A Ré confunde-se e tenta confundir do Tribunal quanto à leitura a fazer relativamente à verificação (ou não) dos elementos e requisitos necessários para se concluir pelo abandono do trabalho por parte do Autor, fazendo assim este cessar o contrato de trabalho.
4- O MM. Juiz faz constar da douta sentença todos os elementos essenciais e constando igualmente da mesma os factos dados como provados, bem como o Direito aplicado ao caso, fundamentando em pleno e sem contradição na sua decisão.
5- Não existe pois qualquer motivação para a Ré peticionar a revogação da Douta Sentença como alega.
6- Bem esteve pois o MM.º Juiz “a quo” ao decidir que face aos factos provados e dispositivos legais aplicáveis ao caso, deveria proferir sentença que pugna pela procedência do pedido no que respeita ao não se mostrarem reunidos os requisitos exigidos pela Lei para que o abandono do trabalho pudesse ser invocado pela Ré ora Apelante em termos válidos.
7- Consequentemente esteve igualmente bem o MM.º Juiz ao decidir que teria assim ocorrido um despedimento ilícito do Autor, cujas consequências se traduzem no pagamento da quantia global de 6.410,10 €, conforme explanado na Douta Sentença e para a qual nos remetemos quanto a esta matéria.
8- Não pode pois assim prevalecer a tese da apelante.
Termina afirmando que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença. 2.3 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer sustentando que não está demonstrado o abandono do trabalho, com a correspondente eficácia extintiva do vínculo laboral, pelo que a cessação do contrato de trabalho operada pela ré com tal fundamento, tendo em conta que vigorava um contrato de trabalho a termo certo, configura um despedimento ilícito, já que não precedido de processo disciplinar, com as inerentes consequências legais, pelo que deve improceder o recurso. 2.4 Notificado à recorrente e ao recorrido, nenhuma das partes respondeu. 3. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho – sem prejuízo da apreciação por iniciativa própria de questões de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, analisadas as conclusões formuladas pela recorrente, extrai-se que o objecto do presente recurso se consubstancia, no essencial, na apreciação das seguintes questões:
§ O efectivo abandono do trabalho por parte do autor, com a correspondente eficácia extintiva do vínculo laboral que o ligava à ré. II) Fundamentação 1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, devem-se considerar os factos que o tribunal de primeira instância julgou provados, em sede de sentença. 1.1 Importa no entanto começar por corrigir um erro que se regista na decisão da matéria de facto e que se vê transposto para a sentença e que, apesar de não ter sido suscitado por qualquer um dos sujeitos processuais e não ultrapassar um mero lapso de escrita, se afigura dever corrigir, de modo a obstar a eventuais equívocos.
No elenco dos factos provados, consigna-se sob o n.º 9 que, “em data não concretamente apurada, mas ocorrida em Fevereiro ou Março de 2009, o Autor e [o] sócio-gerente da Ré – Sr. M…, estabeleceram contacto telefónico, nos termos referidos em 26”.
Sob o n.º 26, consigna-se que “Em Fevereiro ou Março de 2009, o Autor e o legal representante da R. – Sr. M… – estabeleceram contacto telefónico no decurso do qual abordaram a razão pela qual o autor não comparecia no local de trabalho desde o dia referido em 26, tendo a dada altura desse telefonema o Sr. M… proferido as palavras «seguro» e «baixa»”.
Em sede de motivação da decisão da matéria de facto reitera-se a referência às aludidas datas de “Fevereiro ou Março de 2009” (fls. 121 dos autos).
O confronto da matéria que se deixa transcrita com os restantes factos evidencia de modo incontroverso que a referência feitas nestes trechos ao ano de 2009 decorre de manifesto erro de escrita, pretendendo antes afirmar-se o ano de 2010.
Está em causa nos presentes autos contrato de trabalho a termo certo, por doze meses e renovável, outorgado entre autor e ré, em Setembro de 2008 e que se mantinha em Janeiro de 2010.
Conforme decorre da matéria de facto provada e que não é questionada, no âmbito do aludido contrato e no desempenho das respectivas funções, o autor utilizava uma viatura que a ré lhe disponibilizava; entretanto, no dia 10 de Dezembro de 2009 foi interveniente em acidente de viação, sem responsabilidade na sua produção, mas em consequência do qual ficou privado, desde então, do uso da aludida viatura; entre os dias 15 e 18 de Dezembro de 2009, o autor deslocou-se aos clientes numa outra viatura, disponibilizada por uma colega que se encontrava de férias; no período compreendido entre os dias 19 de Dezembro de 2009 e 3 de Janeiro de 2010, a ré encerrou completamente para efeitos de gozo de férias de Natal, tendo retomado a sua actividade comercial no dia 4 de Janeiro de 2010; no período compreendido entre os dias 8 e 19 de Janeiro de 2010, o autor desenvolveu a sua actividade de técnico de vendas para a ré, deslocando-se mediante transporte público aos clientes e vendendo-lhes os produtos, elaborando as notas de encomendas que reportou à ré; a partir do dia 20 de Janeiro de 2010, o autor não mais compareceu no seu local de trabalho.
Discute-se nos autos a relevância deste último facto e o conhecimento ou não, por parte da ré, das razões (verdadeiras ou falsas) que determinaram essa falta de comparência do autor ao respectivo local de trabalho – e essa é matéria a apreciar adiante.
Nesse contexto se insere o contacto telefónico a que se reportam os artigos 9.º e 26.º dos factos provados, no decurso do qual foi abordada a razão pela qual o autor não comparecia no local de trabalho desde o dia referido em 26, isto é, desde 20 de Janeiro de 2010. É seguro que em Fevereiro ou Março de 2009 esta conversação não podia ter ocorrido, na medida em que se reportaria então a facto futuro que nessa data não seria previsível.
Se dúvidas houvesse quanto à efectiva existência do erro, a simples audição dos depoimentos das testemunhas A… e A… – mencionadas no despacho de fundamentação e que o tribunal considerou relativamente à matéria dos artigos 9.º e 26.º, nos termos e com as restrições aí apontadas – legitima a alteração da redacção dada aos aludidos artigos (artigo 712.º do Código de Processo Civil), na medida em que confirma a referência ao ano de 2010 – Fevereiro desse ano, no relato da testemunha A… (cf. trecho entre 23m:26s e 24m:08s do respectivo depoimento), ou Março ou finais de Fevereiro, no relato da testemunha A… (cf. trecho entre 24m:05s e 27m:00s do respectivo depoimento).
Assim, ao transcreverem-se os factos provados e no que diz respeito aos artigos 9.º e 26.º dos factos assentes, proceder-se-á à correcção do aludido erro. 1.2 Com interesse para a decisão a proferir e incluindo a rectificação apontada, importa considerar os seguintes factos (transcrição):
1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 01 de Setembro de 2008, através da celebração de um contrato de trabalho a termo certo, junto a fls. 11/13 dos autos, sob a designação de documento n.º 1, de 12 (doze) meses, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, prestar os seus serviços com a categoria profissional de “técnico de vendas”;
2. No desempenho das suas funções, e em conformidade com a actividade profissional da Ré (comércio de produtos alimentares congelados), competia ao Autor, utilizando viatura que a ré lhe disponibilizava, proceder ao contacto com os clientes desta, divulgando os produtos comercializados, elaborando notas de encomenda, fazendo entregas, recebendo dinheiro e dele dando quitação, entregando no escritório da Ré as notas de encomendas e valores monetários;
3. O Autor realizava serviços por todo o Algarve, particularmente na zona do Barlavento, em horário fixado pela Ré, iniciando funções às 09h00 e saindo às 18h30, com uma hora de pausa para o almoço, tudo por ordem e no interesse da Ré;
4. Entre o Autor e a Ré ficou acordado que aquele iria auferir o vencimento base mensal de € 541,00, a que acresceria subsídio de refeição e um valor a título de comissões calculado em função dos produtos mensalmente vendidos;
5. A Ré dedica-se à actividade a descrita em 17 [comércio por grosso de produtos alimentares e ultra-congelados];
6. No dia 10 de Dezembro de 2009 foi o Autor interveniente em acidente de viação, no qual não teve responsabilidade;
7. A partir de tal data ficou o Autor privado do uso da viatura referida em 2, tendo utilizado transportes públicos nos termos referidos em 8;
8. No período referido em 18 [período compreendido entre os dias 08/01/2010 e 19/01/2010], o Autor utilizou transportes públicos para visitar vários clientes e procedeu a vendas e elaboração de notas de encomendas que reportou à Ré;
9. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida em Fevereiro ou Março de 2010, o Autor e [o] sócio-gerente da Ré – Sr. M…, estabeleceram contacto telefónico, nos termos referidos em 26;
10. O autor remeteu à Ré uma carta datada de 8 de Março de 2010, junto a fls. 22 dos autos, sob a designação de documento n.º 10, com o seguinte teor: Ex.mos Senhores Como é do V. perfeito conhecimento, após o acidente de viação do dia 10 de Dezembro passado, fiquei privado do uso da viatura da empresa para desenvolver a minha actividade de vendedor. No entanto, socorrendo-me de outros meios, ainda prestei actividade durante o resto do mês de Dezembro e metade de Janeiro do corrente ano. Durante todo este tempo contínuo em casa a aguardar ordens para retomar a minha actividade. Acontece porém que os meus salários dos meses de Janeiro de Fevereiro não foram ainda pagos, o que muito me prejudica, pois não tenho outra fonte de rendimento que não o salário, e tenho compromissos mensais como todos nós que tenho que fazer face. Solicito pois que nos próximos dias a minha situação, já bastante difícil face a estes atrasos no pagamento, seja resolvida. Sem outro assunto, atentamente;
11. A Ré remeteu ao Autor uma carta datada de 19 de Março de 2010, junta a fls. 23, sob a designação de documento n.º 11, com o seguinte teor: Assunto: Cessação do contrato de trabalho Exmº Senhor Atendendo a que V. Exª. Desde 18 de Janeiro de 2010 até à presente data não compareceu ao serviço, sem que para tal ausência tenha apresentado justificação, somos levados a concluir pelo seu abandono ao trabalho, com consequente extinção do contrato de trabalho a termo outorgado em 30/09/2008. Mais informamos, encontra-se ao seu dispor, no nosso escritório o montante devido Com os melhores cumprimentos;
12. Em resposta a tal carta, o Autor, representado pela sua Advogada, enviou à Ré uma carta datada de 30 de Março de 2010, junta a fls. 26, sob a designação de documento n.º 12, com o seguinte teor: Exmos Senhores Os meus melhores cumprimentos. Endereço-lhes a presente em representação do meu Cliente Sr. P…. O mesmo foi recebedor de uma V. carta onde alegavam abandono do trabalho por parte deste. Salvo o devido respeito, não Vos assiste qualquer razão, porquanto em 08 de Março do corrente ano o meu Cliente endereçou correspondência a V. Ex.ªs, onde clarificava que estava em casa a aguardar ordens para retomar a actividade, e o porquê de se encontrar em casa. Tal carta não teve como resposta o reinício da actividade, mas tão somente a alegação de abandono do trabalho. Acontece porém, que face à correspondência enviada pelo meu Cliente e diversos contactos telefónicos estabelecidos, entendemos que não estão reunidos os condicionalismos do artigo 403º do Código do Trabalho, para invocar o abandono do trabalho. Uma vez que o meu Cliente não recebe vencimento desde Dezembro de 2009, não tem condições económicas para se deslocar às V. instalações. Solicita-se pois o depósito em conta bancária do meu Cliente dos valores finais, e o envio do Mod. 5044 e Certificado de Trabalho. Pelos motivos supra expostos, o telemóvel e pasta de serviço será entregue a colega que faça a zona de Portimão. Sem outro assunto, subscrevo-me renovando os meus cumprimentos, atentamente ao dispor, A Advogada;
13. A Ré remeteu ao Autor certificado de trabalho e declaração de situação de desemprego em 09 de Abril de 2010, e um cheque no montante de € 444,27;
14. A ré não pagou ao autor a retribuição referente a 19 dias do mês de Janeiro de 2010;
15. A ré não pagou ao autor as retribuições referentes aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto do ano de 2010 e, exceptuando os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal e férias não gozadas referidos em 31, não pagou os demais proporcionais dos subsídios de férias e de Natal e de férias não gozadas referentes ao ano de 2010, bem como não pagou a compensação pela cessação do contrato de trabalho;
16. No contrato de trabalho referido em 1 nada consta a respeito da utilização de viatura no exercício das funções do autor;
17. A ré dedica-se ao comércio por grosso de produtos alimentares e ultra-congelados;
18. No período compreendido entre os dias 08/01/2010 e 19/01/2010 [o autor] desenvolveu a sua actividade de técnico de vendas para a R., deslocando-se mediante transporte público aos clientes e vendendo os produtos;
19. O transporte público é mais um meio de transporte por forma a ser assegurado o apoio aos clientes da R. e vendas respectivas;
20. A ré é quem paga todos os gastos os transportes públicos;
21. Entre o dia 15/12/2009 e o dia 18/12/2009, o autor deslocou-se aos clientes na viatura com matrícula …XI, disponibilizada por uma colega que se encontrava de férias;
22. No período compreendido entre os dias 19/12/2009 até ao dia 03/01/2010, a R. encerrou completamente para efeitos de gozo de Férias de Natal, tendo retomado a sua actividade comercial no dia 04/01/2010 (segunda-feira);
23. No dia 04/01/2010 (segunda-feira) a testemunha A…, funcionária da R. compareceu no seu local de trabalho para retomar normalmente as suas funções, não tendo visto o Autor nesse dia na sede da Ré;
24. No dia 08/01/2010 (sexta-feira) o A. compareceu no local de trabalho;
25. A partir do dia 20/01/2010 (quarta-feira), o A. não mais compareceu no seu local de trabalho;
26. Em Fevereiro ou Março de 2010, o Autor e o legal representante da R. – Sr. M… – estabeleceram contacto telefónico no decurso do qual abordaram a razão pela qual o autor não comparecia no local de trabalho desde o dia referido em 26 [20/01/2010], tendo a dada altura desse telefonema o Sr. M… proferido as palavras «seguro» e «baixa»;
27. A Sr.ª C… da seguradora recebeu um telefonema da D. C… (esposa do Sr. M…), dizendo que o contabilista estava a telefonar por causa do ordenado do autor, perguntando sobre se havia baixa médica do mesmo, ao que respondeu à D. C… que não havia registo de participação de baixa médica do autor à seguradora;
28. O A. nunca apresentou qualquer documento comprovativo de que se encontrava de baixa médica;
29. Fazia parte das obrigações laborais do autor comparecer no seu local de trabalho e perante a sua entidade empregadora;
30. As justificações apresentadas pelo A. que constam da carta referida em 10 [carta datada de 8 de Março de 2010, junta a fls. 22 dos autos, sob a designação de documento n.º 10], só chegaram ao conhecimento do R. em 09/03/2010;
31. Com o cheque referido em 13, datado de 7.4.2010, a Ré procedeu ao pagamento dos 11 dias de trabalho que, efectivamente, o autor prestou em Janeiro de 2010, acrescido dos proporcionais dos subsídios de Natal, férias e férias não gozadas do ano de 2010;
32. O autor gozou as férias vencidas no dia 01/01/2010, referentes ao trabalho prestado no ano de 2009. 2. Enquadramento legal.
Relevam na apreciação da matéria em discussão nos autos e atentas as datas em que ocorreram os factos que aqui se discutem, relativamente ao Código do Trabalho, a versão aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cf. artigo 7.º desta Lei) e, quanto ao Código de Processo do Trabalho, a redacção que resulta do Decreto-lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, diplomas a que se reportarão ulteriores referências a tais códigos sem outra menção. 2.1 É pacífico que o autor e a ré, no início de 2010 e desde 1 de Setembro de 2008, estavam vinculados por contrato de trabalho a termo certo, pelo período de doze meses.
O contrato de trabalho pode cessar por diferentes razões, quer por iniciativa do empregador, quer do trabalhador.
No primeiro caso, nos termos do artigo 340.º, alínea c), do Código do Trabalho, para além de outras modalidades legalmente previstas e na parte que aqui interessa, o contrato de trabalho pode cessar por despedimento por iniciativa do empregador, no exercício do poder disciplinar que a lei lhe confere (cf. artigo 328.º do mesmo diploma), por facto imputável ao trabalhador.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a existência de justa causa, constituindo-se como tal o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que se pode concretizar com comportamentos do trabalhador que se traduzam em faltas não justificadas ao trabalho que determinam directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco – artigo 351.º do Código do Trabalho.
A concretização do despedimento pressupõe, por sua vez, a existência de um procedimento disciplinar no qual sobressai a imposição de se lavrar nota de culpa e o facto de se considerar aquilo que o trabalhador arguido alegue em sua defesa, caso entenda fazê-lo, culminando na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, no pressuposto da verificação (total ou parcial) dos factos que levaram a instaurar o procedimento, suficientemente graves para justificar a aplicação da sanção disciplinar mais severa – cf. artigos 353.º e seguintes do Código do Trabalho.
O despedimento por iniciativa do empregador é ilícito se, entre outras razões, não for precedido do respectivo procedimento – artigo 381.º do mesmo diploma.
Quanto à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, pode a mesma operar, entre outras razões e na parte que aqui interessa, por denúncia do trabalhador, segundo os procedimentos dos artigos 400.º e seguintes do Código do Trabalho.
Nos termos do artigo 403.º, n.º 3, o abandono do trabalho por parte do trabalhador vale como denúncia (tácita) do contrato. Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar; presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência – artigo 403.º, n.º 1 e n.º 2.
A informação do motivo da ausência não está sujeita a qualquer formalidade específica, operando desde que o empregador tenha ou deva ter conhecimento do mesmo.
Em contrapartida, o abandono do trabalho só pode operar cumprida a formalidade exigida pelo artigo 403.º, n.º 3, por parte do empregador: só pode ser por este invocado após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
A presunção antes referida pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência – artigo 403.º, n.º 4.
“O abandono do trabalho, equivalendo à denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador (…), pode assumir-se, quando a situação fáctica permita o recurso a ambas as figuras, como uma alternativa à responsabilidade disciplinar. De facto, se a ausência do trabalhador for imputável a este, a título de culpa, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do contrato, incorrendo o trabalhador em responsabilidade disciplinar, podendo o empregador instaurar-lhe um procedimento disciplinar (…), por faltas injustificadas (…), sendo que se quando essas faltas atinjam, em cada ano civil, as 5 seguidas, ou 10 intercaladas, o comportamento do trabalhador integra o conceito de justa causa para despedimento (…). Quando a situação em concreto permita o recurso a ambas as figuras, o abandono do trabalho constitui um expediente de que o empregador se poderá socorrer, e que, por comparação com um procedimento disciplinar com vista ao despedimento, será mais célere, caso o trabalhador não ilida a presunção de abandono do trabalho” – Diogo Vaz Marecos, “Código do Trabalho Anotado”, Coimbra Editora, página 982, em anotação ao artigo 403.º.
Importa salientar que, sem prejuízo da utilização do expediente nos termos assinalados, as figuras em causa não se confundem.
As faltas injustificadas do trabalhador que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco, constituindo justa causa de despedimento, legitimam a instauração de procedimento disciplinar e, comprovadas as faltas, o despedimento do trabalhador. Estamos aqui no âmbito da violação de deveres por parte do trabalhador e do poder disciplinar do empregador.
Diversamente, o abandono do trabalho pelo trabalhador e a interpretação de tal atitude face à falta de informação do motivo da ausência, assentam numa expressão de vontade do próprio trabalhador, ainda que sem prejuízo da sua responsabilização nos termos previstos para a denúncia sem aviso prévio – artigos 403.º, n.º 5, e 401.º do Código do Trabalho. E a mesma não opera quando é dada pelo trabalhador uma explicação da sua ausência, quando o mesmo, com a alegação de factos verdadeiros ou falsos, pretende justificar a ausência ao trabalho, uma vez que, em tais circunstâncias, não pode falar-se, verdadeiramente, em abandono do trabalho, na medida em que, perante a explicação da ausência, não se configura uma intenção de não retomar o trabalho.
Esta conclusão não exige da entidade patronal – diversamente do que esta alega – qualquer poder especial de “análise intrínseca e psicoanalítica” da mente do trabalhador para a percepção das suas reais intenções, bastando-se com as razões por este afirmadas.
E obviamente que, ao afirmar-se a existência de explicação para a ausência ao trabalho com a alegação de factos verdadeiros ou falsos, não se está a pretender admitir como justificação válida a invocação de qualquer facto, mesmo inválido, incongruente, falso ou até inexistente e a desnecessidade de qualquer documento comprovativo, nomeadamente em casos de baixa médica. Perante tais explicações apenas fica prejudicado o recurso ao expediente antes assinalado; dito de outro modo, apenas fica prejudicada a possibilidade de recurso à figura do abandono do trabalho enquanto expressão de vontade do trabalhador que vale como denúncia tácita do contrato. À entidade empregadora fica sempre em aberto a possibilidade de instaurar procedimento disciplinar e, com fundamento em faltas injustificadas, de proceder ao despedimento do trabalhador, nos termos antes enunciados. 2.2 Relativamente à presunção de abandono do trabalho, pretende a recorrente que tem apenas o ónus da prova da ausência do apelado ao trabalho, reportando-se para o efeito ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de Maio de 2003 e publicado na página 262 do tomo II/2003 da Colectânea de Jurisprudência.
Sem ignorar este aresto e a evolução jurisprudencial, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, em relação a esta matéria, nos seguintes termos: “Nos n.ºs 2 e 3 do art. 450.º [reporta-se ao Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a que correspondem os n.ºs 2 e 4 do artigo 403.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], prevê-se a figura da presunção do abandono, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
Ou seja, no fundo, a lei tipifica tais factos (ausência por mais de 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido tal comunicação) como concludentes da intenção, por parte do trabalhador, de fazer cessar o contrato, permitindo, porém, que o trabalhador ilida a presunção, mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
E como resulta dos princípios gerais aplicáveis nesse domínio e tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência, cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono — como acontece, no caso dos autos — os aludidos factos que suportam a presunção (…).
Trata-se, na verdade, do ponto de vista substantivo, de factos integradores ou constitutivos do abandono do trabalho invocado pelo R. como fundamento da cessação do contrato que os ligou, e, na sua projecção processual na presente acção, como factos impeditivos da pretensão nela formulada pelo A. — de reconhecimento da existência de um despedimento ilícito por parte do R., com as inerentes consequências legais, por alegada inverificação desse abandono de trabalho (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil)” – acórdão de 26 de Março de 2008, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/, processo 07S2715,
Este entendimento é secundado, entre outros, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008, disponível no mesmo endereço, processo 08S2273: “O Código do Trabalho, no n.º 2 do seu artigo 450.º, prevê a figura da presunção de abandono do trabalho, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência. (…) É ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não recepção de comunicação do motivo da ausência. (…) Não tendo o empregador provado a não recepção de comunicação do motivo da ausência do trabalhador, o que alegou e que lhe cabia provar, fica afastada a aplicação daquela presunção, pelo que a cessação do contrato de trabalho operada pelo empregador com fundamento em abandono do trabalho, porque vigorava um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes, configura um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, já que não precedido de processo disciplinar”.
O entendimento que antecede mantém-se perante contrato de trabalho a termo.
Neste enquadramento se apreciará o caso a que se reportam os autos. 3. Com relevância, demonstrou-se que o autor foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Setembro de 2008, através da celebração de um contrato de trabalho a termo certo por doze meses e que se mantinha em Dezembro de 2009 e em Janeiro de 2010, competindo-lhe, no desempenho das suas funções e em conformidade com a actividade profissional da ré (comércio de produtos alimentares congelados), utilizando viatura que a ré lhe disponibilizava, proceder ao contacto com os clientes desta, divulgando os produtos comercializados, elaborando notas de encomenda, fazendo entregas, recebendo dinheiro e dele dando quitação, entregando no escritório da ré as notas de encomendas e valores monetários.
A partir de 10 de Dezembro de 2009, na sequência de acidente de viação, no qual não teve responsabilidade, o autor ficou privado do uso da viatura; entre 15 e 18 de Dezembro de 2009, deslocou-se aos clientes numa viatura disponibilizada por uma colega que se encontrava de férias; após férias de Natal e no período compreendido entre 8 e 19 de Janeiro de 2010, o autor desenvolveu a sua actividade de técnico de vendas para a ré deslocando-se em transporte público aos clientes e vendendo os produtos.
A partir do dia 20 de Janeiro de 2010, o autor não mais compareceu no seu local de trabalho. Em carta com data de 8 de Março de 2010 e de cujo teor a ré tomou conhecimento em 9 de Março, o autor invocou, relativamente à sua ausência, as razões que constam do documento de fls. 22 e que antes se deixou transcrito.
Em Fevereiro ou Março de 2010, o autor e o legal representante da ré estabeleceram contacto telefónico no decurso do qual abordaram a razão pela qual o autor não comparecia no local de trabalho desde o dia 20 de Janeiro de 2010, tendo sido proferidas pelo legal representante da ré, a dada altura desse telefonema, as palavras «seguro» e «baixa».
O autor nunca apresentou qualquer documento comprovativo de que se encontrava de baixa médica.
A ré remeteu ao autor, em 19 de Março de 2010, carta em que afirma que, atendendo a que o mesmo, desde 18 de Janeiro de 2010 e até à referida data não compareceu ao serviço, sem que para tal ausência tenha apresentado justificação, é levada a concluir pelo seu abandono ao trabalho, com consequente extinção do contrato de trabalho a termo.
Perante os factos provados, nomeadamente os que se deixam antes enunciados, é certo que se demonstra – a ré demonstra – que o autor faltou ao trabalho a partir de 20 de Janeiro de 2010 e, com referência à data de 19 de Março de 2010, por mais de cinquenta dias, sem que se evidencie a existência de uma justificação válida para tal absentismo; nomeadamente quanto a eventual baixa médica determinada pelo acidente de viação, foi informado pela seguradora, por contacto telefónico, que não havia qualquer registo de participação nesse sentido.
Contudo, dos mesmos factos não resulta que a ré não tenha sido informada do(s) motivo(s) da ausência, independentemente da validade e veracidade de tais informações. Tal omissão é contrariada, nomeadamente, pelo contacto telefónico estabelecido em Fevereiro ou Março de 2010.
Em tais circunstâncias, ficou prejudicada a consideração de abandono do trabalho, com os efeitos que constam do artigo 403.º do Código do Trabalho.
Esta conclusão não é prejudicada pela ausência de documentos justificativos ou pelo facto da ré, em diligências realizadas, ter constatado a divergência entre as razões suscitadas pelo autor e a realidade dos factos. A ausência de justificação válida e a constatação da falta de veracidade legitimavam a instauração de procedimento disciplinar ao autor, com eventual despedimento. Contudo, não foi essa a via seguida pela ré. O recurso ao abandono do trabalho nas circunstâncias em que ocorreu, não se verificando os pressupostos legalmente exigidos, determina que a carta remetida pela ré configure despedimento ilícito, porquanto não foi precedido do respectivo procedimento – artigo 381.º do Código do Trabalho.
Assim, não se vê que haja censura a fazer à sentença recorrida, que esta tenha violado o disposto nos artigos 403.º do Código do Trabalho, 342.º, n.º 1 e 350.º do Código Civil, 659.º, 660.º, 661.º, 663.º e 668.º do Código de Processo Civil, que não tenha formado a sua convicção com base em toda a matéria de facto provada, não tenha atribuído a relevância devida aos factos que deu como provados e não tenha aplicado as normas jurídicas correspondentes, e que, por essa via, tenha cometido erros na interpretação, determinação e aplicação das disposições legais aplicáveis, estabelecendo presunções injustificadas de que não poderia ter tomado conhecimento.
Concluindo no sentido do despedimento ilícito do autor, apreciam-se as consequências daí decorrentes, no que diz respeito às prestações devidas ao autor. Não há razões para questionar a correcção dos aludidos valores.
Impõe-se por isso a confirmação da sentença recorrida, com a consequente improcedência do recurso. 4. Vencida no recurso, a ré suportará o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º do Código de Processo Civil). III) Decisão: 1. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso. 2. Custas a cargo da ré.
Évora, 7 de Fevereiro de 2012. (Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto) (João Luís Nunes) (Acácio André Proença)