DESOBEDIÊNCIA
ORDEM LEGÍTIMA
Sumário

O despacho judicial, proferido no âmbito de processo de execução para entrega de coisa certa, segundo o qual se determinou o executado a notificação do executado para, em prazo aí fixado, desocupar e entregar a casa em causa, devoluta de pessoas e bens, sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência, é uma ordem legítima, independentemente dos poderes conferidos pelo art. 840.º do Código de Processo Civil para suportar a condenação por esse crime.

Texto Integral


Processo nº 82/12.2GAMAC.E1


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No Processo Sumário nº 82/12.2GAMAC, que correu termos no Tribunal Judicial de Mação, por sentença proferida em 4/6/12, foi decidido:
a) Condenar o arguido A pela prática, como autor material, e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, al. b) do Código Penal, ocorrido a 24/04/2012, na pena de 3 (três) meses de prisão;
b) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de 1 (um) ano, subordinada, cumulativamente (cfr. art. 50, nos 2, 3 e 5 do Código Penal):
b.1 - ao cumprimento dos seguintes deveres: desocupar (no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, e antes da partilha dos bens comuns entre B e o arguido), a casa sita na Estrada das Portelas, na Aboboreira, em Mação e proceder à sua efectiva entrega, devoluta de pessoas e dos seus bens pessoais a B e C (cfr. art. 51º, nº 1 do Código Penal).
b.2 - à observância da seguinte regra de conduta: não residir na casa sita na Estrada das Portelas, na Aboboreira, em Mação, no prazo da suspensão da execução da pena de prisão aplicada e até à partilha dos bens comuns entre B e o arguido (cfr. art. 52º, nº 2, al. c) do Código Penal).
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. No âmbito do processo de execução nº 71/07.9TBMAC, a correr termos junto no Tribunal Judicial de Mação, pela Juíza, com data de 29/03/2012 foi proferido o seguinte despacho: “(…) notifique o executado pessoalmente, através de OPC, de que dispõe de um prazo de 5 (cinco) dias a contar dessa notificação para desocupar a casa em causa nos autos (sita na Estrada das Portelas, na Aboboreira), procedendo à sua efectiva entrega, devoluta de pessoas e dos seus bens ao Exmo. Sr. Agente de Execução, sob pena de não o fazendo no aludido prazo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto no art. 348º, nº 1, al. b) do Código Penal e punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”.
2. Em 18/04/2012, A foi notificado pessoalmente, através da GNR de Mação, do despacho referido no ponto 1, na qualidade de executado, sendo-lhe entregue no acto uma cópia do mesmo.
3. Não obstante tal notificação e cominação, A continua a ocupar tal habitação até à data de hoje, recusando-se a proceder à sua entrega, aí pernoitando, detendo os seus pertences e tomando refeições, desrespeitando a ordem que lhe foi dada por este Tribunal.
4. A, tendo sido notificado para proceder à desocupação da habitação e entrega ao Sr. Agente de execução, bem sabia que a ordem emanada era legítima e provinha de autoridade com competência para a proferir e, tendo sido devidamente comunicada, tinha consciência de que lhe devia obediência.
5. A, ao não efectuar a desocupação e entrega do imóvel, continuando a ocupar o mesmo, e aí introduzindo terceiras pessoas, agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
6. O arguido desempenha a actividade de servente, mas a empresa para a qual trabalha, tem-se atrasado a pagar os salários nos últimos meses. Vive em comunhão de leito, mesa e habitação com D, a qual trabalha como auxiliar de acção médica no Hospital de Abrantes e aufere cerca de € 600,00/mês. O arguido pratica agricultura e cria animais para consumo próprio. Tem uma filha, de nome C, já independente. O agregado familiar do arguido tem despesas com os filhos de D (de 27 e de 21 anos de idade), no valor de cerca de € 300,00 / € 350,00/mês.
7. Por sentença proferida em 13/12/2011, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 73/09.0TAMAC, da Secção Única do Tribunal Judicial de Mação, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, praticado em 07/12/2009, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.
Da referida sentença o arguido A veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1) O douto despacho que esteve na origem cios presentes autos, determinou a realização de diligências atípicas e não previstas no regime legal para a entrega de coisa certa nos termos do Código Processo Civil:
2) Tal despacho violou o preceituado nos artigos 848º n.º 3, 850º n.º 1, 840º n.º 2 do Código Processo Civil e 668 n.º 1 d) do Código Processo Civil dado que conheceu de questões não suscitadas pelos exequentes:
Consequentemente
3) O Arguido não praticou o crime em que foi condenando pelo que deve ser absolvido do mesmo.
4) A considerar-se que o arguido praticou o crime de desobediência em que foi condenando, atendendo à ilicitude do facto, ao dolo do Agente, às condições de vida, à situação económica e social do arguido, a pena aplicada ao Recorrente pelo Tribunal "a quo' mostra-se exagerada;
5) Sendo o crime punido com pena de multa e pena de prisão a Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial de Mação deveria ter dado prevalência a aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, uma vez que a mesma asseguraria no caso concreto as necessidades de prevenção geral e especial:
6) Nesse caso seria adequado aplicar ao Arguido a pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7 Euros atenta as condições económicas e sociais do arguido;
7) A aplicação ao arguido duma pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, subordinada cumulativamente ao cumprimento dos deveres e regras de condutas previstas nos pontos b1 e b2 da alínea b) da parte decisória da douta sentença em recurso é exagerada, e no que respeita aos deveres e regras de conduta determinados, os mesmos são contrários ao espírito do preceituado nos artigos 51º e 52º do Código Processo Penal:
8) Pois, com os deveres e regras de condutas que foram aplicados ao Arguido, o Tribunal "a quo' pretende atingir objectivos que estão restringidos ao processo executivo, o que não pode ocorrer, sob pena de desvirtuar as regras do processo civil:
9) Os deveres e regras de conduta previstas nos artigos 51° e 52° do Código Penal destinam-se a promover a reintegração do arguido na sociedade, o que não ocorre no caso concreto, com os deveres e regras de conduta fixados pelo Tribunal " a quo" ao arguido:
10) Mostra-se violado o preceituado nos artigos 51°, 52° e 71º do Código Penal:
11) O douto Acórdão deve ser revogado e substituído por outro que absolva o Arguido da prática do crime em que foi condenado ou se assim não se entender, ser o mesmo revogado, na parte que aplicou ao Arguido uma pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita cumulativamente à aplicação de deveres e regras de conduta nos termos dos artigos 51º e 52° do Código Penal, substituindo-a pela pena de multa a que se alude no ponto 6 das conclusões das Alegações do arguido,
O MP respondeu à motivação do recorrente, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:
1 - O recorrente apresenta, basicamente, nas suas conclusões, as seguintes questões que pretende ver apreciadas, que apenas pretende impugnar a matéria de direito – a saber:
a)- Falta de legitimidade da Mma. Juiz no processo de execução n.º 71/07.9TBMAC para proferir o despacho, datado de 29/03/2012, ordenando ao aí executado (e aqui arguido) a desocupação da casa, no prazo de 5 dias, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
b)- Discordância no que concerne à medida da pena e das medidas aplicadas.
2- No que concerne à matéria de facto, a mesma deve-se dar como definitivamente assente uma vez que o arguido não a impugnou.
3- O recurso que foi interposto pelo arguido no processo de execução n.º 71/07.9TBMAC do despacho aí proferido, já obteve decisão em 21 de Junho 2012, como o recorrente bem sabe, e concluiu da seguinte forma: “Num processo executivo em que a entrega da casa já foi feita com recurso a arrombamento mas em que, passados dois dias, o executado dela, de novo, se apropria, não está ferida de nulidade, por excesso de pronuncia, a decisão que ordena a sua entrega, e lhe acrescenta uma advertência de incorrer o executado na prática de crime de desobediência, ou possibilidade de detenção, verificados os seus pressupostos, pois que isso resulta da lei, não precisando de ser pedido, e se destina a tornar o despacho exequível e a credibilizar a actuação do Tribunal (artigo 668.º n.º 1 alínea d), in fine, C. P. Civil)”
4- Estão devidamente verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de desobediência, pois que a ordem é legítima, foi emanada de entidade competente, foi devidamente cominada e comunicada ao arguido. Este bem sabendo disso decidiu sobre valer a sua vontade à do Tribunal e desobedecer bem sabendo que o seu comportamento é crime. Tal tem como consequência necessária uma condenação.
5- Quanto à segunda questão levantada - Discordância no que concerne à escolha e medida da pena e das regras aplicadas, entende o arguido que, a ser condenado, o deveria ter sido em pena de multa e nunca superior a 80 dias, o que, não deixemos de assinalar, seria ridículo uma vez que por crime igual e em circunstância em tudo idênticas, o mesmo foi condenado em 90 dias de multa. Seria caso para perguntar se o facto de o arguido persistir na sua actividade criminosa e demonstrar total desprezo e desrespeito pelas decisões judiciais faz diminuir as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
6- Aderimos à fundamentação constante da sentença “a quo” quando refere que “no presente caso, o arguido já foi condenado em pena de multa pelo mesmo tipo de crime e em relação ao mesmo tipo de factos e isso não o impediu de voltar a praticar o mesmo ilícito. Além do mais, o arguido não demonstrou qualquer auto-censura para com o seu comportamento. Assim, o tribunal não pode dar preferência à pena de multa (não privativa da liberdade), pois esta não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ora, efectivamente, perante os factos provados, e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, bem como o dolo intenso do arguido, a pena de prisão é efectivamente a adequada e justa.
7- No que concerne às regras e deveres a que foi sujeita a suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente, parece-nos claro que os mesmos não violam qualquer direito fundamental do arguido e apenas visam que o mesmo cesse definitivamente a sua actividade criminosa e interiorize a censura da sua conduta. São adequadas e proporcionais. É impressionante e até chocante que o arguido se insurja contra medidas que o vão impedir de voltar a cometer novos crimes semelhantes aos dos autos, defendendo o seu comportamento desviante, doloso, censurável e ilegal, persistindo em permanecer no imóvel.
8- Assim, não há a assinalar qualquer censura à Douta Sentença da 1ª Instância.
O recurso interposto foi admitido com subida imediata nos próprios autos, e efeito suspensivo do processo.
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, defendendo a respectiva improcedência.
O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, o que ele fez, declarando manter a posição assumida na motivação do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo recorrente nas suas conclusões, versa exclusivamente sobre matéria jurídica e centra-se nas seguintes questões:
a) Impugnação da legalidade da ordem transmitida ao arguido, de acordo com os pontos 1 e 2 da matéria de facto provada, a qual, no entender do recorrente seria contrária ao disposto nos arts. 668º nº 1 al. d), 840º nº 2, 848º nº 3 e 850º nº 1 do CPC;
b) Impugnação da escolha e da medida da pena, no sentido que o Tribunal deveria optado pela aplicação de uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, e, caso assim se não entenda, o quantitativo da pena detentiva mostra-se exagerado, sendo que as condições impostas à suspensão da respectiva execução contrariam o normativo dos arts. 51º e 52º do CP.
O tipo fundamental do crime de desobediência é definido pelo nº 1 do art. 348º do CP, como segue:
Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
Como pode verificar-se do texto legal agora transcrito, um dos elementos típicos objectivos do crime de desobediência reside na legitimidade da ordem ou mandado, que o agente tenha desacatado.
Na motivação do recurso, veio o recorrente pôr em causa a legitimidade da ordem consubstanciada no despacho judicial enunciado no ponto 1 da matéria de facto assente, que lhe foi notificado nos termos descritos no ponto 2, por ser contrária a diversas disposições da lei processual civil, cujo conteúdo iremos reproduzir.
O nº 1 do art. 668º do CPC estatui:
É nula a sentença quando:
a) …;
b) …;
c) …;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
O art. 840º do CPC é do seguinte teor:
1 - Sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo anterior, o depositário deve tomar posse efectiva do imóvel.
2 - Quando seja oposta alguma resistência, o agente de execução pode solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais.
3 - A requerimento fundamentado do agente de execução, o juiz determina o auxílio das autoridades policiais nos casos em que as portas estejam fechadas ou haja receio justificado de oposição de resistência arrombando-se aquelas, se necessário, e lavrando-se auto da ocorrência.
4 - Quando a diligência deva efectuar-se em casa habitada ou numa sua dependência fechada, só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas, devendo o agente de execução entregar cópia do auto de penhora a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, o qual pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se apresente no local.
5 - Às autoridades policiais que prestem auxílio nos termos deste artigo é devida uma remuneração pelos serviços prestados, nos termos de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e da justiça, que fixa, igualmente, as modalidades de auxílio a adoptar e os procedimentos de cooperação entre os serviços judiciais e as forças de segurança, nomeadamente quanto às comunicações a efectuar preferencialmente por via electrónica.
6 - A remuneração referida no número anterior constitui encargo para os efeitos do Regulamento das Custas Processuais.
O nº 3 do art. 848º do CPC dispõe:
Quando, para a realização da penhora, seja necessário forçar a entrada no domicílio do executado ou de terceiro, bem como quando haja receio justificado de que tal se verifique, aplica-se o disposto nos nºs 2 a 6 do artigo 840.º
Por seu turno, o nº 1 do art. 850º do CPC estabelece:
Se o executado, ou quem o represente, se recusar a abrir quaisquer portas ou móveis, ou se a casa estiver deserta e as portas e móveis se encontrarem fechados, observar-se-á o disposto no artigo 840.º
Os nºs 1 e 2 do art. 839º do CPC, a que faz referência o nº 1 do art. 840º, rezam:
1 - É constituído depositário dos bens o agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, pessoa por este designada, salvo se o exequente consentir que seja depositário o próprio executado ou outra pessoa designada pelo agente de execução ou ocorrer alguma das seguintes circunstâncias:
a) O bem penhorado ser a casa de habitação efectiva do executado, caso em que é este o depositário;
b) O bem estar arrendado, caso em que é depositário o arrendatário;
c) O bem ser objecto de direito de retenção, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, caso em que é depositário o retentor.
2 - Estando o mesmo prédio arrendado a mais de uma pessoa, de entre elas se escolherá o depositário, que cobrará as rendas dos outros arrendatários.
Os arts. 839º e 840º do CPC integram a Subsecção III da Secção III do Subtítulo I do Título III do Livro III desse Código, a qual tem por epígrafe «Penhora de bens imóveis», enquanto os arts. 848º e 850º estão englobados na Subsecção IV da mesma Secção, epigrafada «Penhora de bens móveis».
Com excepção do art. 668º do CPC, as disposições da lei processual civil cuja violação o recorrente invoca têm por objecto a penhora de bens.
Contudo, para um melhor enquadramento jurídico da situação processual referenciada na matéria de facto provada, importará ter presente que o processo executivo identificado no ponto dessa enumeração factual tem por finalidade a entrega de uma coisa certa, conforme se infere do respectivo requerimento inicial, certificado a fls. 31 e seguintes destes autos.
O nº 1 do art. 930º do CPC manda aplicar à entrega de coisa certa, com as devidas adaptações, as disposições relativas à penhora.
Sobre o enquadramento jurídico-criminal dos factos provados expende-se na decisão sob recurso (transcrição com diferente tipo de letra:
O incumprimento de um dever de obediência só tem dignidade penal quando esse dever provenha de uma de duas fontes, designadamente:
- uma disposição legal que comine a sua punição – alínea a); ou
- na ausência desta, a correspondente cominação seja feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandado - alínea b).
São, pois, elementos constitutivos deste tipo legal de crime, ao nível do tipo objectivo de ilícito:
- A existência de uma ordem ou mandado substancial e formalmente legítimo, consistindo essa ordem na imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto (Luís Osório, apud Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, II volume, Rei dos Livros, 1997, p. 348);
- A competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão;
- A regularidade da sua transmissão ao destinatário; e
- A falta à obediência a tal ordem ou mandado após ter sido feita por aquela autoridade ou funcionário competentes a correspondente cominação.
Ao nível do tipo de ilícito subjectivo, exige-se o conhecimento de todos os elementos objectivos do ilícito e a vontade de os realizar, podendo o dolo assumir qualquer das suas modalidades.
Nos termos do art. 14º do Código Penal, pode assumir a forma de:
- dolo directo – quando o agente representa um facto que preenche um tipo-de-ilícito e actua com intenção de o realizar;
- dolo necessário – se o agente representa a realização de um facto típico como consequência necessária da sua conduta; ou
- dolo eventual – quando o agente representa a realização de um facto típico como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com essa realização.
Como refere Cristina Líbano Monteiro (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 357), “as mais das vezes, o crime do artigo 348º obedecerá a um móbil simples de tentar salvaguardar a própria autonomia à custa, muito embora, da autonomia estadual, de fugir a uma situação que contraria os próprios interesses”.
*
In casu, no que respeita aos elementos objectivos, a existência da ordem encontra-se demonstrada nos autos, porquanto resulta provado que foi imposta ao arguido, por via do despacho judicial proferido pela Juíza, em 29/03/2012, nos autos de execução para entrega de coisa certa, em face dos sucessivos e reiterados incumprimentos da decisão proferida a 13/10/2006 pelo Exmo. Sr. Conservador do Registo Civil de Mação, a obrigação de o mesmo desocupar a casa, procedendo à sua entrega, devoluta de pessoas e dos seus bens, no prazo de 5 dias contados da notificação pessoal do despacho, sob expressa cominação de, não o fazendo no aludido prazo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
Daqui resulta claramente que foi emitida uma ordem judicial, clara e específica, ordem essa que cumpre todos os requisitos de legalidade substancial e formal exigíveis. Resulta ainda da factualidade provada que a assinalada ordem foi transmitida de forma regular ao arguido, seu destinatário concreto, por notificação pessoal, com explicitação do respectivo conteúdo e entrega de cópia do aludido despacho judicial.
Por último, da matéria de facto dada como provada resulta que o arguido não obedeceu à ordem enunciada, no prazo de 5 dias que lhe foi fixado, tendo ocorrido a consumação do crime no 6º dia após a notificação pessoal (ou seja, 24/04/2012), com efeitos que perduram até ao presente.
Conclui-se, assim, que se mostram preenchidos, no caso concreto, os elementos objectivos do tipo de ilícito previsto na alínea b), do nº 1, do art. 348° do Código Penal pelo qual o arguido vem acusado.
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, resulta igualmente provado nos autos que o arguido sabia que a ordem emanada era legítima e provinha de autoridade com competência para a proferir, bem como tinha consciência de que lhe devia obediência e estava ciente que uma eventual omissão da sua parte acarretaria consequências criminais, designadamente a prática de um crime de desobediência. Não obstante, não desocupou a casa de habitação no prazo que lhe foi fixado, assumindo uma conduta de desobediência à ordem legítima dada.
Mostram-se, pois, preenchidos os elementos intelectual e volitivo do dolo, integrando a previsão do nº 1 do art. 14º do Código Penal, na modalidade de dolo directo.
O arguido agiu igualmente com culpa, na medida em que sabia que a sua conduta era proibida por lei.
Pelo exposto, em face da factualidade apurada, encontram-se verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência simples, pelo que, não se descortinando o preenchimento de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, forçoso é concluir que o arguido cometeu efectivamente o crime de desobediência pelo qual vem acusado.
Como pode verificar-se, o Tribunal «a quo», no trecho da sentença recorrida acabado de transcrever, não discutiu expressamente a questão da legitimidade da ordem transmitida ao arguido, tendo-se limitado à afirmação conclusiva de que a mesma «cumpre todos os requisitos de legalidade substancial e formal exigíveis».
Importará, então, ajuizar se a injunção dirigida ao arguido e por ele inobservada colide, de alguma forma, com as disposições da lei de processo civil invocadas em sede de recurso.
Antes de mais, cumpre salientar que o nº 3 do art. 848º e o nº 1 do art. 850º do CPC são ambos normas de extensão, que torna extensivos à penhora de bens móveis alguns aspectos do regime legal da penhora de imóveis, sendo, por isso, inócuas para a questão que agora nos ocupa, pois, no processo executivo, a que se refere a matéria de facto provada, está em causa a apreensão material e entrega às exequentes de um bem imóvel.
O que o recorrente censura ao despacho judicial referido no ponto 1 da factualidade assente reside, se bem entendemos, em não ter a Exmº Juiz da execução, através desse acto, exercido os poderes que lhe são conferidos pelo art. 840º do CPC, com vista à apreensão material do imóvel, e tivesse optado por um procedimento «atípico» em relação àquele normativo legal, mandando notificar o ora arguido e então executado para efectuar a entrega do bem ao agente da execução, no prazo de 5 dias, sob pena de incorrer no cometimento de um crime de desobediência.
É verdade que o procedimento então adoptado pela Exmª Juiz é atípico, à face das normas processuais invocadas pelo recorrente, mas daí não se segue que o acto discutido seja ilegal.
Na realidade, ao optar por fixar ao ora arguido um prazo, ainda que relativamente curto, para fazer entrega ao agente da execução do imóvel em questão, o Tribunal da execução seguiu um procedimento menos gravoso do ponto de vista dos interesses do executado em comparação com apreensão pura e simples do bem, feita unilateral e autoritariamente, com o eventual concurso da força policial.
Neste contexto, a cominação da prática do crime do crime de desobediência justifica-se como meio de conferir à injunção formulada um mínimo de eficácia coactivo.
De todo o modo, ao proferir e fazer notificar ao ora arguido o despacho mencionado no ponto 1 da matéria de facto assente, a Exmª Juiz da execução levou a efeito uma intervenção na esfera pessoal e patrimonial daquele menos drástica do que aquilo que lhe permitia o normativo do art. 840º do CPC, pelo que o procedimento adoptado não excedeu os limites dos poderes que lhe são conferidos por essas disposições legais.
Sustenta ainda o recorrente que o despacho judicial a que vimos aludindo violou também o disposto no art. 668º nº 1 al. d) do CPC, pois conheceu de questões que não foram suscitadas pelos exequentes.
A esse respeito, diremos que os termos do processo de execução certificados nos presentes autos não nos permitem apurar, com o necessário grau de certeza, se a prolação do questionado despacho judicial foi ou não antecedida de um pedido, por parte das exequentes, no sentido de se notificar o então executado para entregar o imóvel ao agente de execução, dentro de certo prazo, sob a cominação de incorrer em responsabilidade criminal, a título de desobediência.
De todo o modo, na hipótese de não ter sido formulado um pedido com esse conteúdo, o despacho judicial referenciado no ponto 1 da matéria assente não fica, por isso, afectado de excesso de pronúncia, tipificado como causa de nulidade da sentença pela al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Com efeito, a lei de processo civil reconhece ao Juiz da execução uma certa margem de discricionariedade na escolha dos meios que se lhe afigurem mais eficazes com vista a que o processo atinja, do modo mais célere possível, a sua finalidade, desde que não exceda os limites dos poderes que lhe são legalmente conferidos.
Ora, como pensamos ter já demonstrado, tais limites não foram excedidos, no caso concreto.
Por conseguinte, impõe-se concluir que o despacho judicial referido na matéria de acto provada não só não contraria as disposições da lei processual civil invocadas pelo recorrente, como também obtém apoio legal, pelo menos, das normas do art. 840º do CPC, aplicável «ex vi» do nº 1 do art. 930º do mesmo Código.
Assim sendo, não tem razão o recorrente na impugnação que fez da legitimidade desse despacho, enquanto elemento constitutivo típico do crime de desobediência, por cuja prática foi condenado.
De resto, não vislumbramos razão válida para questionar o juízo formulado na sentença recorrida, no sentido de se encontrarem reunidos todos os elementos constitutivos desse tipo criminal, que o recorrente, quanto ao mais, não impugnou.
Como tal, passaremos a conhecer das questões suscitadas pelo recorrente, em matéria de escolha e determinação da medida da pena.
O critério orientador da escolha da pena aplicar aos agentes de crimes abstractamente puníveis com penalidades de diferente natureza, em alternativa, é definido pelo art. 70º do CP, cujo teor é o seguinte:
Se ao crime forem aplicadas, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concreta, são os estabelecidos pelo art. 71º do CP, o qual, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:
1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O recorrente alega que o regime de condicionamento da suspensão da execução da pena aplicada, decidido na sentença recorrida, contraria as disposições dos arts. 51º e 52º do CP, cujo teor passaremos a transcrever.
Art. 51º:
1 — A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 — Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
3 — Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
4 — O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos.
Art. 52º:
1 — O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
a) Residir em determinado lugar;
b) Frequentar certos programas ou actividades;
c) Cumprir determinadas obrigações.
2 — O tribunal pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta, designadamente:
a) Não exercer determinadas profissões;
b) Não frequentar certos meios ou lugares;
c) Não residir em certos lugares ou regiões;
d) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;
e) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões;
f) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes.
3 — O tribunal pode ainda, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada.
4 — É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.
Acerca da escolha e da determinação da medida da pena, expende-se na sentença sob recurso (transcrição com diferente tipo de letra):
A determinação da medida da pena obedece a três fases que consistem na determinação da moldura legal ou abstracta, na escolha da natureza da pena e na determinação concreta da medida da pena.
Quando o crime prevê a punição em pena de prisão ou em pena de multa, cumpre proceder à escolha da pena, nos termos do art. 70º do Código Penal.
Dispõe este preceito legal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A escolha da pena deve obedecer, nos termos do art. 40º do Código Penal, a finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto protecção de bens jurídicos, e a finalidades de prevenção especial de socialização referidas à reintegração do agente na comunidade.
Referindo também esse artigo, no seu nº 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Do que se conclui que além de a culpa ser um pressuposto obrigatório da pena, é elemento condicionante da sua própria medida.
O bem jurídico protegido pena norma violada, a necessidade de resposta contrafáctica a essa violação e a personalidade do Recorrente, manifestada no facto, hão-de influir – e decisivamente – na medida concreta da pena.
Segundo Figueiredo Dias (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro de 1993, p. 186 e segs.), o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é aquele que comete:
- à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena;
- à prevenção geral (de integração), entendida esta como a protecção de bens jurídicos alcançada mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (o revelar perante a comunidade a solidez do sistema jurídico-penal, traduzido na necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.– Figueiredo Dias, in Temas Básicos de Direito Penal, p. 105); e
- à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
“Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social” (Ac. do STJ de 17.03.99, citado pelo Ac. do mesmo Tribunal, de 14.03.01 in CJ, Acs. do STJ, IX, 1, 249).
A este respeito dispõe o art. 71º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
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No caso concreto, a favor do arguido, o Tribunal atentou:
- no facto de se encontrar medianamente inserido ao nível económico-familiar.
Contra o arguido milita:
- o facto de ter agido com dolo directo, e por isso, intenso;
- na conduta anterior aos factos, uma vez que desde a data da decisão do Conservador do Registo Civil já decorreram mais de 5 anos e meio e o arguido já possui antecedentes criminais por crime da mesma natureza (e relacionados com a recusa de entrega da mesma casa em causa nos autos);
- na conduta posterior aos factos, uma vez que até ao presente o arguido persiste na recusa da entrega da casa;
- na postura que o arguido assumiu na audiência de julgamento, não demonstrado qualquer auto-censura do seu comportamento.
Quanto às exigências de prevenção geral, estas são elevadas. Uma vez que o respeito pelas ordens emanadas nos Tribunais são o garante de um Estado de Direito Democrático. É, por isso, necessária a intervenção firme do direito punitivo do Estado para dissuadir este tipo de condutas individualistas.
Quanto às exigências de prevenção especial, estas são elevadas, pois o arguido não demonstrou minimamente que interiorizou a censura do seu comportamento, sendo possível que o arguido continue a praticar o crime em causa nos autos.
A moldura abstractamente prevista para o crime de desobediência imputado ao arguido, é de 1 mês até 1 ano de prisão ou de 10 até 120 dias de multa (cfr. arts. 41º, nº 1, 47º, nº 1 e 348º, nº 1, al. b) todos do Código Penal).
No presente caso, o arguido já foi condenado em pena de multa pelo mesmo tipo de crime e em relação ao mesmo tipo de factos e isso não o impediu de volta a praticar o mesmo ilícito. Além do mais, o arguido não demonstrou qualquer auto-censura para o seu comportamento.
Assim, o tribunal não pode dar preferência à pena de multa (não privativa da liberdade), pois esta não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo exposto, afigura-se adequado optar por pena detentiva da liberdade que apresenta inequívoca superioridade político-criminal, tendo em conta as necessidades preventivas que o caso configura, devendo, por isso, ser aplicada ao arguido uma pena de prisão.
Pelo exposto, dentro da referida moldura abstracta da pena de prisão, considera-se ser adequada e suficiente a realizar as necessidades preventivas que no caso se verificam, a aplicação ao arguido da pena de 3 (três) meses de prisão.
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Abstractamente, pelo facto de a pena de prisão aplicada ser de 3 meses, seria aplicável ao caso a substituição dessa pena, quer por pena de multa (art. 43º do Código Penal), quer por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do Código Penal).
No entanto, entende o tribunal que as preditas penas de substituição não asseguram de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, sobretudo devido às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, face aos antecedentes criminais que o arguido possui por crime da mesma natureza (e por factos em tudo idênticos) e face à permanência do arguido na casa em questão.
A lei também prevê as formas de cumprimento da pena de prisão previstas nos arts. 44º, nº 1, al. a), 45º e 46º, todos do Código Penal, susceptíveis de serem aplicáveis in casu, mas que implicam privação da liberdade, o que só deve ser ponderado subsidiariamente, nos termos do preceituado no art. 70º do Código Penal.
Com relevo para o caso em apreço, cumpre atentar no que dispõe o art. 50º, nº 1 do Código Penal que estabelece que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O nº 5 da mesma disposição legal refere que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Neste contexto, considera-se que a suspensão da execução da pena de prisão traduz-se numa medida de conteúdo reeducativo e pedagógico que visa responder, em simultâneo à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização do agente, pela advertência da condenação e da injunção que impõe ao agente que paute a sua vida em conformidade com os valores inscritos nas normas.
Tal pena substitutiva visa evitar a exclusão social, na medida em que previne a fractura familiar, laboral e social.
Na decisão da sua aplicação deve ser efectuado um juízo prognóstico sobre a ausência de elementos que apontem para um juízo negativo sobre a suficiência da simples ameaça da execução para obstar à prática de futuros crimes.
A suspensão da execução da pena não depende de discricionariedade, mas do exercício de um poder-dever vinculado. Assim, se verificados os seus requisitos, deve ser aplicada ao caso.
Para a sua aplicação, exige-se aquele juízo relativo à capacidade de o agente se reintegrar socialmente e ao seu consequente afastamento da prática de novos crimes, e um requisito objectivo que se traduz em que não lhe tenha sido aplicado pena de prisão superior a determinada medida.
Relativamente a esse requisito objectivo, com a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 04/09, o art. 50º, nº 1, do Código Penal, alargou-se o âmbito de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, passando-se a permitir a sua aplicação quando ao agente tenha sido aplicada pena de prisão em medida não superior a cinco anos.
A pena de prisão aplicada ao arguido é de 3 (três) meses, deste modo, cumprindo o mencionado requisito objectivo.
No que respeita aos pressupostos subjectivos, apesar de o arguido não ter revelado a interiorização da censura da sua conduta, o Tribunal considera que ainda não é de afastar um juízo de prognose favorável ao arguido. Ou seja, o Tribunal crê ainda que a simples censura do facto e a ameaça real da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O Tribunal considera que o receio de cumprir pena efectiva de prisão, de forma iminente, poderá impedir o arguido de voltar a cometer novamente factos ilícitos.
Pelo exposto, considera-se que a execução da pena de prisão aplicada ao arguido deverá ser suspensa pelo período de 1 (um) ano, o mínimo legal, à luz da redacção actual do art. 50º, nº 1 do Código Penal.
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O art. 50º, nº 2 do Código Penal refere que “o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.
E no nº 3 dessa mesma disposição legal que “os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente”.
A este propósito cumpre então atentar no art. 51º, nº 1 do Código Penal que prevê deveres susceptíveis de serem impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime como condição para a suspensão da execução da pena de prisão.
In casu, afigura-se adequado aos referidos fins subordinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ao cumprimento dos seguintes deveres: desocupar (no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, e antes da partilha dos bens comuns entre B e o arguido), a casa sita na Estrada das Portelas, na Aboboreira, em Mação e proceder à sua efectiva entrega, devoluta de pessoas e dos seus bens pessoais a B e C (cfr. art. 51º, nº 1 do Código Penal).
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Revela-se também curial, no presente caso, atentar no que estabelece o art. 52º, nº 1, al. c) do Código Penal. Segundo esta disposição legal, o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de outras regras de conduta, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente, não residir em certos lugares.
ln casu, a vivência do arguido, até agora, conferiu-lhe uma ideia de banalização e desrespeito pelas ordens judiciais.
Assim, revela-se adequado e necessário para promover a reintegração do arguido na sociedade, com a interiorização da censura da sua conduta, para não voltar a praticar factos ilícitos, mormente da mesma natureza, a imposição ao mesmo da seguinte regra de conduta: não residir na casa sita na Estrada das Portelas, na Aboboreira, em Mação, no prazo da suspensão da execução da pena de prisão aplicada e até à partilha dos bens comuns entre B e o arguido.
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A Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS) deverá apoiar e fiscalizar o arguido no cumprimento dos supra referidos deveres e regra de conduta (cfr. art. 51º, nº 4, ex vi art. 52º, nº 4, ambos do Código Penal).
Recapitulando, os pontos de discordância do recorrente relativamente à sentença recorrida, em matéria de escolha e medida da sanção, consistiam em:
a) Opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa;
b) Quantitativo da pena de prisão;
c) Condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão.
Nos termos do art. 70º do CP, o Tribunal está vinculado a dar preferência à pena de multa, ou outra não privativa de liberdade que no caso caiba, sempre que se mostre suficiente á realização das finalidades da punição, que são qas definidas pelo nº 1 do art. 40º do CP, ao qual também já fizemos alusão.
No caso concreto, o Tribunal «a quo» foi levado a optar pela pena de prisão em detrimento da pena pecuniária com fundamento, se bem entendemos, em exigências de prevenção especial, as quais assentam, antes de mais, no facto de o arguido ter sido já condenado, em pena de multa, pela prática de crime idêntico àquele por que responde.
A circunstância de o arguido ter sido, por uma vez, condenado pela prática de um crime de desobediência poderia não ser, por si só, motivo determinante da aplicação, no presente processo, de uma pena de prisão, em homenagem aos imperativos de prevenção especial, os quais, poderiam, em abstracto, ter sido satisfeitos com a imposição, por exemplo, de uma pena pecuniária mais gravosa que a anteriormente aplicada.
Contudo, os factos apurados revelam que o arguido, ao continuar a ocupar a casa, que o Tribunal da execução lhe ordenou que abandonasse, vem mantendo até ao presente a intenção criminosa inicial, o que, somado à ausência de qualquer postura minimamente auto-crítica em relação à conduta incriminada, permite razoavelmente antever que uma reacção penal de efeito exclusivamente patrimonial não seria suficientemente enérgica para dissuadir o arguido de incorrer, de futuro, em comportamentos de idêntica natureza jurídico-penal.
Nesse sentido, não poderia o Tribunal «a quo» ter deixado de dar preferência, como deu, à pena de prisão.
No que se refere à quantificação desta pena, verifica-se que o Tribunal «a quo» equaciona correctamente, de um modo geral, os parâmetros que devem presidir a essa operação jurídica, nos termos do art. 71º do CP.
Em acréscimo ao expendido, diremos que o grau de ilicitude da conduta por que o arguido responde é particularmente elevado, em virtude de a ordem por ele desacatada ser proveniente de um Tribunal, já que as decisões destes órgãos se apresentam dotadas de uma força vinculativa especial, impondo-se às das restantes autoridades, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 205º do CRP.
Por outro lado, o dolo com que o arguido actuou é intensíssimo, não só por ser directo e por se ter mantido até ao presente, mas também porque, no caso concreto, a resolução criminosa não se formou numa situação de confronto pessoal entre o cidadão e o agente da autoridade, como frequentemente sucede com muitas das condutas integradoras de crimes de desobediência, mas sim na sequência de o arguido ter sido notificado de uma decisão judicial, à qual decidiu, «a frio», não obedecer.
O arguido não beneficia da atenuante da confissão ou do arrependimento.
Nesta ordem de ideias, ao fixar o «quantum» da pena de prisão em 3 meses, dentro de um quadro punitivo de 1 mês a 1 ano, o Tribunal «a quo» usou de evidente moderação, não se justificando uma ulterior compressão do mesmo.
Improcede, pois, a pretensão recursiva, nesta parte.
Não está em discussão a suspensão da execução da pena de prisão, tendo em atenção que não foi interposto recurso em detrimento do arguido e a proibição da «reformatio in pejus» consagrada pelo art. 409º do CPP.
Resta, pois, ajuizar da legalidade, em face das disposições dos arts. 51º e 52º do CP, do condicionamento decidido na sentença recorrida da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, ao cumprimento por parte dele do dever de entrega às exequentes da casa, a que se referia o despacho judicial por ele desacatado, no prazo de 5 dias, a contar do trânsito em julgado da condenação, e da regra de conduta de não residir nessa habitação, até ao termo do período da suspensão e da partilha de bens entre o arguido e uma das exequentes.
O nº 2 do art. 50º do CP, a que se faz alusão na sentença sob recurso, estatui que o Tribunal condicionará a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de qualquer dos deveres e das regras de conduta previstos nos arts. 51º e 52º, sempre que «o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição».
Podemos dizer que, perante os factos apurados em julgamento, a subordinação da suspensão da execução da pena ao dever de entrega da casa às exequentes é quase intuitiva.
Na verdade, aquilo que resulta da factualidade provada é que a situação anti-jurídica criada pela conduta delituosa porque o arguido respondeu se mantém no presente.
Ora, permitir ao arguido beneficiar da suspensão da execução da pena sem o obrigar a reverter essa situação ilegítima seguramente não serviria as exigências de prevenção geral e especial da prática de crimes.
Convém salientar que a tipificação dos deveres a que pode ser condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, feita no nº 1 do art. 51º do CP, tem carácter meramente exemplificativo e não exaustivo, conforme pode inferir-se do emprego da locução «nomeadamente», no proémio desse normativo.
O dever imposto ao arguido é manifestamente adequado a reparar o mal gerado pelo crime, pois, melhor que uma indemnização, reconduz-se a uma espécie de reconstituição «in natura», na medida do possível, da situação que se verificaria, se conduta criminosa não tivesse ocorrido.
Importa dizer também que o condicionamento decidido pelo Tribunal «a quo» não acarreta a imposição ao arguido de uma obrigação cujo cumprimento não seja razoável exigir-lhe, a qual é proibida pelo nº 2 do art. 51º do CP, pois não visa mais do que a satisfação pelo arguido do dever por ele postergado através da conduta que esteve na origem da condenação.
Quanto à regra de conduta de não residir na casa que o arguido está obrigado a entregar, surge como o corolário lógico do dever de entrega da habitação e a garantia do respeito pelo arguido do «status quo» decorrente do cumprimento desse dever, durante a suspensão da execução da pena tendo, por isso, pleno cabimento.
O único reparo a fazer à sentença impugnada, nesta parte, reside no período de vigência da norma de conduta imposta.
De acordo com o consignado na al. b2 do segmento decisório da sentença, o arguido ficará vinculado à referida regra de conduta «no prazo da suspensão da execução da pena de prisão aplicada e», ou seja, cumulativamente, «até à partilha dos bens comuns entre B e o arguido».
O regime de aplicação das regras de conduta de conteúdo negativo previstas no nº 2 do art. 52º do CP é o mesmo das injunções de conteúdo positivo referidas no nº 1 do mesmo artigo e consta do proémio desta última disposição.
Ora, do disposto no proémio do nº 1 do art. 51º do CP resulta que as regras de conduta a que se refere tal normativo se destinam a vigorar apenas no período da suspensão da execução da pena de prisão, não podendo a sua vigência prolongar-se para além dele.
Compreende-se que assim seja, já que qualquer das mencionadas regras de conduta constitui uma medida coadjuvante da suspensão, destinada a permitir que esta possa mais eficazmente atingir os seus propósitos, e o prolongamento da sua vigência para além do tempo de suspensão equivaleria a transformá-las em algo como uma pena acessória, que elas efectivamente não são.
\Tal como se encontra formulada, a condenação proferida na sentença recorrida acarretará o prolongamento da vigência para além do período da suspensão da execução da pena, caso, uma vez chegado aquele ao seu termo, a partilha de bens entre o arguido e a identificada exequente ainda não tenha tido lugar.
Consequentemente, impõe-se proceder a alteração da decisão recorrida, de forma a referenciar a vigência da norma de conduta exclusivamente ao período da suspensão da execução da pena, procedendo o recurso quanto a esta questão pontual.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no sentido de a regra de conduta imposta na alínea b2 do respectivo segmento decisório vigorar apenas durante o período de suspensão da execução da pena de prisão e não até à partilha de bens entre B e o arguido;
b) Negar provimento ao recurso, quanto ao mais, e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Évora 8/1/13 (processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Póvoas Corvacho
João Manuel Monteiro Amaro