TRANSACÇÃO JUDICIAL
ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Sumário


I – As normas dos artigos 666º e 667º do Código de Processo Civil são aplicáveis à rectificação de lapsos de escrita constantes das cláusulas de termo de transacção homologada por sentença.
II – Deve ser admitida a rectificação do erro de escrita constante de cláusula do termo de transacção se o mesmo for manifesto, resultando do contexto da declaração ou das circunstâncias em que a declaração é feita.

Sumário do relator

Texto Integral


Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. Nos autos de procedimento cautelar de embargo de obra nova em que foi requerente M…, e requerida M…, lavraram as partes o termo de transacção, de fls. 93 e 94, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A Requerida obriga-se a remover o pilar (P9) da estrutura do prédio, em construção, levantado em terreno da requerente (no pátio das escadas).
CLAUSULA SEGUNDA
Em consequência da remoção do referido pilar deverá ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja a viga VC.T-2, transferindo-a para o terreno da requerente, com todas as obras e alterações que se imponham como necessárias.
CAUSULA TERCEIRA
No terraço da construção nova deve ser construída parede, ou guarda, com pelo menos um metro de altura.
CLAUSULA QUARTA
A caleira será reconstruída com as dimensões antigas, substituindo-se todas as telhas partidas, com a necessária impermeabilização;
CLAUSULA QUINTA
A Requerida obriga-se a reparar os danos verificados no interior e fachada do prédio da requerente (rebocos, pinturas, tectos falsos e pavimentos em madeira), em conformidade com o parecer técnico junto ao requerimento inicial da presente providência (…).

2. Com data de 21 de Outubro de 2008, foi proferida a sentença homologatória, de fls. 97/98, do seguinte teor:
“Na presente acção declarativa, sob a forma sumária, em que são partes os acima identificados, julgo válida, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram a transacção sobre o objecto da causa, constante do termo de fls. 93 e 94 (cujas cláusulas fazem parte integrante desta sentença), assim cessando a causa nos precisos termos em que se efectuou, homologando-a e condenando as partes nos seus precisos termos (cf. artigos 293º, n.º 2, 294º e 300º, n.º 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil).
(…)”

3. Por requerimento de 20 de Março de 2012, veio a requerente da providência deduzir, nos termos do disposto nos artigos 249º do Código Civil e 666º e 667º do Código de Processo Civil, “incidente de rectificação de declaração consubstanciada na redacção contida na cláusula segunda do Termo de Transacção celebrado em 20.10.2008”, invocando erro de escrita, quando se refere nesta cláusula que, “Em consequência da remoção do referido pilar deverá ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja a viga VC.T-2, transferindo-a para o terreno da requerente, com todas as obras e alterações que se imponham como necessárias”, pois pretendia escrever-se “ … transferindo-a para o terreno da requerida …”, como resulta do contexto da declaração e das circunstâncias em que a mesma foi feita.
A requerida opôs-se a esta pretensão, alegando que o pedido formulado é legalmente inadmissível, porque as normas dos artigos 666º, n.º 2, e 667º, n.º 1, do Código de Processo Civil, apenas prevêem a rectificação da sentença e não das declarações das partes, que a requerente fez uso da transacção, em momento anterior, como título executivo, sem pôr em causa a respectiva propriedade ou correcção, e que o tribunal não pode substituir-se às partes alterando um qualquer sentido da declaração.

4. Por despacho de 4 de Maio de 2012, foi indeferida a pretensão da requerente, com os seguintes fundamentos [segue transcrição da parte relevante do despacho]:
«(…)
As partes, no dia 20.10.2008, compareceram na secretaria deste Tribunal, onde foi lavrado o “termo de transacção” de fls. 93 e 94, assinado pelas mesmas perante o Sr. Funcionário, sendo que ambas as partes se faziam acompanhar dos respectivos Mandatários (fls. 93 e 94).
Por decisão judicial do dia 21.10.2008 foi o acordo homologado (e com base na sentença homologatória intentada a correspondente execução, o que ocorreu a 26 de Janeiro de 2010).
A sentença homologatória transitou em julgado. Não padece de nenhum lapso de escrita ou qualquer outro, que permitisse a sua rectificação ou reforma ao abrigo do disposto nos artigos 667º e 669º, ambos do CPC, nem se encontra inquinada de nulidade ou qualquer outro vício (artigo 668º do CPC).
A sentença transitada em julgado “fica a ter valor obrigatório dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º (…)” – artigo 671º do CPC.
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)” – artigo 673º do CPC.
A sentença homologatória do acordo/contrato de transacção celebrado entre as partes limitou-se, como não poderia deixar de ser, a apreciar a “validade extrínseca do negócio de auto-composição” – Acórdão da RC, de 08.09.2009, processo n.º 1589/08.1TBGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Considerando tratar-se de incidente anómalo à tramitação dos autos, o Tribunal condena a requerente nas custas do incidente a que deu causa, fixando a taxa de justiça em 4 Ucs».

5. Inconformada com esta decisão, veio a requerente interpor recurso de apelação com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª Pela simples contextualização tirada das cláusulas primeira e segunda, é forçoso concluir, que a declaração contida na cláusula segunda contem um erro de escrita, porquanto o que as partes quiseram nela declarar foi: “Em consequência da remoção do referido pilar deverá ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja, a viga VC.T-2 transferindo-a para terreno da requerida, com todas as obras e alterações que se imponham como necessárias” e não “Em consequência da remoção do referido pilar deverá ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja, a viga VC.T-2, transferindo-a para o terreno da requerente, com todas as obras e alterações que se imponham como necessárias.”
2.ª Tal erro de escrita consiste em ter-se feito a menção na cláusula segunda, a “Requerente” quando se devia ter aludido à “Requerida”.

3.ª Face a tal erro na declaração deve corrigir-se o erro material verificado, por forma a que a declaração fique consignada a traduzir a intenção das partes.

4.ª Impõe-se que a Sentença incorpore o verdadeiro sentido negocial do contrato de transacção e não um conjunto de cláusulas que, a não ser corrigido o erro, não têm nexo.

5.ª Contrariamente ao decidido, a Sentença mesmo depois de transitada em julgado é susceptível de nela ter lugar a correcção dos erros materiais.

6.ª Os erros de escrita no Termo da Transacção homologado por Sentença pode ser objecto de correcção, nos termos do disposto no art. 667.º do C.P.C., aplicado por analogia.

7.ª A Sentença recorrida violou o disposto no art. 249.º do C.C. e no art. 667.º do C.P.C., disposição esta aplicável por analogia.

8.ª Impunha-se, para poder executar o Termo de Transacção homologado por Sentença, requerer a correcção do erro de escrita em questão, pois a Sra. Juíza revelou, no julgamento da execução, não estar disponível para o corrigir oficiosamente.

9.ª Tendo o Recorrente agido com singular limpidez e com o maior sentido de cooperação e de boa fé e ainda por absoluta necessidade.

10.ª E sendo a questão suscitada de grande simplicidade.

11.ª Tendo ainda em conta a taxa de justiça fixada no Regulamento de Custas Processuais – 1 a 3 UC’s – deve a taxa de justiça ser fixada no mínimo, e levando-se em conta a taxa já paga.

Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida, julgando-se procedente a sua pretensão “em ver alterada a declaração contida na cláusula segunda [do termo de transacção] que deve ficar assim redigida:
“Em consequência da remoção do referido pilar deverá ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja, a viga VC.T-2 transferindo-a para terreno da requerida, com todas as obras e alterações que se imponham como necessárias”.

6. Não foram validamente apresentadas contra-alegações, porquanto as oferecidas pela requerida, já após o despacho de admissão do recurso no tribunal a quo, não foram admitidas por extemporaneidade.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, salvo questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 684.º, n.º 3, 685.º-A e 660.º, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil).
Deste modo, importa apreciar e decidir:
i) Se é, ou não, possível a rectificação de lapso de escrita de termo de transacção, homologado por sentença já transitada e, na afirmativa,
ii) Se procede o pedido de rectificação formulado; e
iii) Se está correcta a taxa de justiça fixada no despacho recorrido pelo incidente em causa.
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Para apreciação do recurso relevam as ocorrências processuais acima referidas no relatório, que se têm por reproduzidas.

B) – O Direito
1. Quanto à primeira questão, importa reter o que se dispõe nos artigos 249º do Código Civil e 666º e 667º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 249º do Código Civil, “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito a rectificação desta”. A rectificação do erro constitui uma consequência da regra prescrita no artigo 236º Código Civil, pois que, revelado esse erro, logo o declaratário fica a saber ou a poder e dever saber que a vontade do declarante não coincide com o declarado e qual é essa vontade.

1.1. Tem-se entendido que o princípio geral firmado no citado artigo 249º Código Civil é aplicável não só aos erros de cálculo ou de escrita cometidos em declarações negociais como também aos erros que se verificam em declarações enunciativas, como são as que as partes produzem no decurso do processo, portanto aos erros nos actos judiciais das partes nos processos em que intervenham (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/06/1978, in BMJ, 278, 165), certo sendo ainda que a lei processual aplica a mesma regra por força do disposto nos artigos 666º, n.º 2 e 667º, n.º 1, quanto à rectificação dos erros materiais da sentença e, claro está, do despacho, pelo que, por maioria de razão, o mesmo deve valer quanto à rectificação dos erros materiais das partes (Vaz Serra, RLJ, ano 111º, pp. 384,). [Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 01/06/2010, Processo n.º 1371/09.9TYLSB-B.L1.6, disponível, como os demais citados sem outra referência em www.dgsi.pt].
A este respeito transcreve-se, porque elucidativo, o que se disse no Acórdão da Relação de Coimbra, de 01/02/2005 (processo n.º 3259/04), onde estava em causa a rectificação de erros materiais cometidos nos articulados:
“9.1. A rectificação de erros materiais por lapso de escrita está prevista para as sentenças e despachos, nos artigos 667º e 666º, nº 3, do CPC. Deve estender-se tal regime a qualquer lapso manifesto que conste do processo, praticado por uma das partes ou por qualquer interveniente no processo, por analogia com o que se passa com o citado normativo [Acórdão da Relação do Porto, de 8 de Abril de 1953, publicado na Revista dos Tribunais, Ano 72º, Nº 1669, pág. 28 e ss, concretamente, pág. 31, 1ª col., 1º §]. Justifica-se que ele se insira a propósito de sentenças e despachos por causa do princípio da intangibilidade da decisão judicial [Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, vol. V, pág. 130, anotação ao artigo 667º], situação que não é tão marcante relativamente aos actos das partes, sem prejuízo das situações de preclusão. Não faria nenhum sentido que determinada peça processual, eivada de um lapso, não pudesse ser corrigida e já o pudesse ser um despacho ou uma sentença; assim, a afirmação da possibilidade de erros materiais situa-se no local sistemático mais adequado, o que não quer dizer que a correcção não possa ocorrer noutros momentos e para outras peças. O Acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1953 [Boletim do Ministério da Justiça, ano 39º, pág. 170] admitiu a correcção de um erro de escrita contido no livro de lembranças [de um erro material sobre outro erro material]. O já referido Acórdão da Relação do Porto de 8 de Abril de 1953 admitiu a correcção do erro de escrita cometido na petição inicial (…)”.

1.2. Sucede, porém, que, no caso dos autos, o pedido de rectificação tem a particularidade de incidir sobre uma transacção, constante de termo de termo lavrado nos autos, e já homologado por sentença transitada em julgado, nos termos do 300º do Código de Processo Civil.
A transacção é especialmente contemplada no Título do Código Civil, “dos contratos em especial”, e definida como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, concessões essas que poderão envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (artigo 1248º).
Em termos adjectivos, a figura encontra regulamentação no Código de Processo Civil, onde se prevê, designadamente: - que é lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objecto da causa (artigo 293º, nº 2); - que a transacção modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efectua (artigo 294º); - que não é permitida a transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis (artigo 299º, nº 1); e – que a transacção pode ser declarada nula ou anulada como os outros actos da mesma natureza (artigo 301º, nº 1)
Resulta daqui que a transacção assume a natureza de contrato e, como tal, está sujeita às regras gerais dos contratos e dos negócios jurídicos, designadamente no que toca à interpretação e integração da declaração negocial, bem como à falta e vícios da vontade (cfr. artigos 236º, e seguintes, e 405º e seguintes do Código Civil.
Ora, quando a transacção se efectua em processo judicial, como foi o caso, sobre a mesma recai necessariamente sentença, sem a qual o acto de vontade das partes não produz efeitos (artigo 300º, nº 3 do Código de Processo Civil). Mas, tal decisão não tem por função decidir a controvérsia substancial, mas unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo celebrado.
Ou seja, esta decisão não tem por função decidir a controvérsia substancial, mas unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo celebrado, daí que não se possa afirmar que a sentença homologatória de transacção tenha verdadeiramente o alcance de “caso julgado”, de modo a permitir a convocação desta excepção.
Efectivamente, como escreve Alberto dos Reis, sobre a natureza jurídica da transacção judicial (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 534), na sentença homologatória: “O juiz não conhece do mérito da causa, não se pronuncia sobre a relação substancial em litígio; limita-se a verificar a validade do acto praticado pelo autor, pelo réu ou por ambos os litigantes.”
No mesmo sentido, de que, a função da sentença homologatória da transacção não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo das partes, pronunciaram-se, entre outros, a propósito da excepção do caso julgado e da excepção de transacção, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 2001 e de 18 de Maio de 2006 (processos nº 01A2924 e 05S4237, respectivamente), disponíveis em www.dgsi.pt.

1.3. Acresce que prevendo a lei, nos termos do disposto no artigo 301º do Código de Processo Civil, a possibilidade de a transacção ser declarada nula ou anulada, como os outros actos da mesma natureza (nº 1), a isso não obstando o trânsito em julgado da decisão homologatória, pois como se escreve no nº 2 deste artigo, o transito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou de anulação da transacção (bem como da confissão e da desistência), ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, por maioria de razão, o transito em julgado da decisão homologatória, não pode obstar à simples rectificação de lapsos materiais da transacção, nos termos em que tal rectificação está prevista, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 666º e n.º 1 do artigo 667º, do Código de Processo Civil, para os actos do juiz (sentenças e despachos), relativamente aos quais também não existe este impedimento.
Também não impede a rectificação, o disposto no n.º 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil – porquanto, proferida a decisão, é ainda licito ao juiz proceder à correcção de lapsos materiais, nos termos previstos no mesmo artigo e no artigo 667º do Código de Processo Civil, sendo que no caso, não tendo havido recurso, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo (cfr. n.º 3 do artigo 667º do Código de Processo Civil) –, nem o facto de, entretanto, ter sido instaurada execução, uma vez que, tendo ali sido detectado e não corrigido o lapso, só neste processo o mesmo pode ter lugar, sendo certo que não há notícia nos autos de que a oposição deduzida contra tal execução tenha tido por fundamento o invocado lapso.

1.4. Deste modo, e não estando em causa nos autos uma situação de falta ou vício da vontade, ou de impossibilidade legal, que importe a nulidade ou anulabilidade da transacção, a qual teria de ser atacada em sede de acção intentada com vista a obter tal declaração, ou em revisão de sentença, como decorre dos nºs 1 e 2 do artigo 301º do Código de Processo Civil, conclui-se pela admissibilidade da rectificação da transacção, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 666º e n.º 1 do artigo 667º, do Código de Processo Civil, com a consequente rectificação da sentença homologatória, cujos termos a integram.

2. Assente que está a possibilidade legal de rectificação de lapsos materiais constantes do termo de transacção, para que tal rectificação tenha lugar necessário é que o invocado lapso seja manifesto e que seja revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a mesma declaração é feita, como se referiu.
Vejamos:
No caso dos autos, a recorrente instaurou procedimento cautelar de embargo de obra nova, pedindo a suspensão das obras levadas a cabo pela requerida no prédio que confronta a poente com o de sua propriedade, invocando que a requerida estava a efectuar obras no prédio, sem autorização e sem licenciamento camarário, obras essas que causaram danos no prédio da requerente, e que a requerida se apropriou de espaços da área do seu prédio, substituindo, no prédio da requerente, paredes antigas por novas paredes de tijolo com construção de pilares, em propriedade alheia, e desaparecimento de caleiras essenciais para o escoamento de águas no prédio da requerente.
Este procedimento terminou, pois, com a homologação de transacção entre as partes, no âmbito da qual, além do mais, a requerida obrigou-se a remover o pilar (P9) da estrutura do prédio que estava a construir, que levantou em terreno da requerente, no pátio das escadas (cláusula 1ª), e, em consequência da remoção do referido pilar, acordaram as partes que devia ser alterada toda a estrutura que se apoiasse nesse pilar, ou seja a viga VC.T-2, “transferindo-a para o terreno da requerente …” (cláusula 2ª).
Resulta expressamente destas cláusulas, que foi intenção inequívoca das partes a remoção do pilar da estrutura do prédio que a requerida levantou no terreno da requerente, no pátio das escadas e que, em consequência dessa remoção, devia ser alterada toda a estrutura que se apoia nesse pilar, ou seja a viga VC. T-2. Tais factos não são sequer questionados.
Assim, sendo evidente, que se acordou retirar o pilar do terreno da requerente, a alteração da estrutura que nele se apoiava, no caso a viga, mencionada na cláusula 2ª, surge como uma consequência lógica daquela remoção. Por isso, é manifesto que a transferência da referida estrutura (no caso a viga), não podia ser feita para o terreno da requerente, como se escreveu na cláusula, onde já estaria, pois estava apoiada no pilar que as partes acordaram na transacção retirar do terreno da requerente, e retirado o pilar a viga ficava sem sustentação.
Acresce que, não se pode afirmar que tenha sido intenção das partes manter a estrutura no terreno da requerente, porque acordaram expressamente na sua alteração, com as obras necessárias, e na sua transferência, o que implica a sua remoção do local onde se encontrava (a utilização da expressão “transferindo-a para” significa que se pretendeu retirar ou mover a estrutura de onde estava). O que é lógico, pois a viga, com a remoção do pilar do terreno da requerente perdeu a base de sustentação que ali tinha, como se referiu.
Deste modo, é evidente que a intenção das partes foi a de, em consequência da remoção do pilar, alterar a estrutura que nele assentava, transferindo a viga que nele se apoiava para o terreno da requerida e não para o da requerente.
Este é, pois, o entendimento que, com linear clareza se retira das ditas cláusulas, como correspondendo à intenção das partes, pelo que a inclusão na cláusula 2ª da referência ao terreno da requerente só ocorreu por manifesto lapso de escrita, como é alegado.
Tal conclusão, sublinha-se, é, não só uma consequência lógica da articulação do teor das duas cláusulas, sendo perfeitamente perceptível pelo contexto da declaração, como está de acordo com a pretensão formulada pela recorrente no procedimento cautelar.
Assim, concluindo-se pela existência do apontado manifesto lapso de escrita, deve, em consequência ser ordenada a rectificação da cláusula 2ª do termo de transacção, de modo a que onde dela consta “…transferindo-a para o terreno da requerente …”, passe a constar “… transferindo-a para o terreno da requerida …”.

3. Insurge-se ainda a recorrente quanto à sua condenação em 4 Ucs. de taxa de justiça pelo “incidente anómalo à tramitação dos autos”, e com razão.
Aliás, só por lapso se compreende tal condenação, porquanto, ainda que se considerasse como anómalo o incidente deduzido, tal incidente teria que ser tributado ao abrigo do Regulamento das Custas Processuais (e não do Código das Custas Judiciais), por força do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo que a taxa de justiça máxima a aplicar não podia exceder as 3 Ucs. (cfr. n.ºs 4 e 8 do artigo 7.º e tabela II, do Regulamento das Custas Processuais).
Deste modo, face ao acima decidido, sendo o incidente tributável como de rectificação, e tendo em conta a simplicidade do mesmo, fixa-se em 1 Uc. a taxa de justiça final devida pelo incidente, levando-se em conta a já autoliquidada, como é de lei.
Quanto ao recurso, tendo a recorrente obtido vencimento de causa, sem oposição, não são devidas custas.
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a) Determinar a rectificação da cláusula 2ª do termo de transacção, de fls. 93/94 dos autos e, consequentemente, da sentença homologatória, de modo a que onde na referida cláusula consta “… transferindo-a para terreno da requerente …” passe a constar “… transferindo-a para terreno da requerida …”.
b) Fixar em 1 Uc. a taxa de justiça final devida em 1ª instância pelo incidente de rectificação.
Sem custas.
Évora, 10 de Janeiro de 2013
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)
(Maria Isabel Silva)