INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
CASO JULGADO MATERIAL
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário


(i) na interpretação das decisões judiciais deverá ter-se em conta, entre o mais, a própria coerência entre a fundamentação e a parte propriamente decisória da sentença, assim como todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão;
(ii) por isso, não obstante na parte decisória da sentença declarativa condenatória da 1.ª instância, que declarou a ilicitude do despedimento, quanto às retribuições intercalares devidas ao trabalhador apenas se tenha referido como limite temporal final a «data da sentença», utilizando para tanto a terminologia constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da LCCT, tendo em conta que na fundamentação antecedente se explicitou essa «data da sentença», em harmonia com o acórdão uniformizador n.º 1/2004, como sendo a data da decisão final que declarou ou confirmou a ilicitude do despedimento, é de concluir que as retribuições intercalares são devidas até à data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a ilicitude do despedimento, e não apenas até à data da sentença da 1.ª instância;
(iii) em conformidade, não viola os limites do caso julgado material, a sentença proferida em incidente de liquidação que calculou o limite temporal final das retribuições intercalares devidas ao trabalhador despedido ilicitamente até à data do trânsito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou essa ilicitude.

Sumário do relator

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
R… veio deduzir incidente de liquidação de sentença, nos termos do disposto no artigo 378.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, contra A…a, pedindo, a final, que se julgue liquidada a sentença proferida nos autos e se condene a Ré a reconhecer como líquidas:
a) o valor das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento (27-02-2003) até à data do trânsito em julgado da sentença, no montante de € 123.081,90;
b) a indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção até ao trânsito em julgado, no valor de € 31.429,60;
c) as diferenças salariais relativas ao período de 01-10-2001 até 30-09-2002, e ao salário de € 1.481,43, e ao período de 01-10-2002 até 27-02-2003, e ao salário de € 1.521,50, no valor total de € 7.082,07;
d) juros vencidos:
(i) quanto ao valor referido em a) e até 19-02-2012, no montante de € 31.650,89;
(ii) quanto ao valor referido em b) e até 19-02-2012, no montante de € 11.077,00;
(iii) quanto ao valor referido em c), no montante de € 3.042,71.

Alegou, para o efeito e em síntese, que por sentença da 1.ª instância de 15-07-2005 proferida nos autos foi a Ré condenada no pagamento:
- da importância correspondente ao valor das retribuições que (o Autor) deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença;
- de uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da sentença;
- no pagamento de diferenças salariais;
- e ainda em juros de mora, à taxa legal, sobre os respectivos vencimentos até integral pagamento.
Quanto à referida condenação foi a sentença confirmada por acórdão deste tribunal, em 08-05-2007, e, posteriormente, por acórdão de 06-02-2008, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão deste tribunal.
Por tal motivo, e não lhe tendo a Ré até ao presente pago qualquer quantia decorrente dessa condenação, procedeu à respectiva liquidação.

A Ré veio deduzir oposição à liquidação, alegando, em suma, que o limite temporal final (a data) a considerar para efeitos de liquidação do direito às retribuições intercalares e respectivos juros de mora é a data da decisão da 1.ª instância, ou seja, 15 de Julho de 2005.
Por isso entende que o montante das retribuições intercalares devido é de € 56.512,93, e os respectivos juros de mora ascendem a € 17.121,32, acrescentando ainda que o montante da indemnização de antiguidade é de € 30.602,64 (e não de € 31.429,60 liquidados pelo Autor).
Assim, conclui, deverá reconhecer-se como sendo de € 125.438,67, valor total líquido em dívida pela Ré ao Autor, assim discriminado:
- € 56.512,93 a título de retribuições intercalares;
- € 30.602,64 a título de indemnização de antiguidade;
- € 7.082,07 a título de diferenças salariais;
- € 31.241,03 a título de juros vencidos até 19-02-2013.

Respondeu o Autor, a reafirmar que o limite temporal a considerar é a data do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, transitado em julgado em 21-02-2008, que fixou definitivamente a decisão da causa e declarou judicialmente a ilicitude do despedimento, pelo que deve manter-se a liquidação por ele efectuada.

Seguidamente foi proferida sentença, que julgou procedente o incidente de liquidação, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Em face do exposto julgo procedente o presente incidente de liquidação de sentença e, consequentemente:
a) condeno a R. a pagar ao A.:
1. a quantia de 123 081, 90€ ( cento e vinte e três mil e oitenta e um euros e noventa cêntimos) a título de retribuições intercalares;
2. a quantia de € 31 429, 60 ( trinta e um mil quatrocentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de indemnização por antiguidade;
3. a quantia de € 7 082, 07 ( sete mil e oitenta e dois euros e sete cêntimos ) a título de diferenças salariais;
4. a quantia de € 45 770,60 (quarenta e cinco mil setecentos e setenta euros e seis cêntimos) a título de juros.
b) custas do incidente pela R..».

Inconformada com a decisão, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
«1 – O procedimento de liquidação do pedido genérico (não dependente de simples calculo aritmético), quer este tenha lugar através do incidente de instância declarativa previsto nos artigos 378° e ss. do Código do Processo Civil, quantificando ou especificando o objecto da prestação, quer proceda através da fase liminar da execução (artigo 805°. do Código do Processo Civil), quantificando ou especificando o objecto da sentença, não pode ultrapassar os limites que aos direitos hajam sido fixados na decisão declarativa condenatória em homenagem à força ou autoridade do caso julgado material (artigo 666°, n°1, 671° e 673°, tudo do Código do Processo Civil).
2 – A esta luz, não tendo as partes reagido quanto ao conteúdo e limites de uma determinada condenação, independentemente da bondade da solução, não tem cabimento na quantificação ou especificação do objecto da prestação ou da sentença, fazer apelo a uma “interpretação correctiva” ou “conforme a Lei” da sentença liquidanda.
3 – À semelhança do que sucede [] com a acção executiva, dispondo o artigo 45º, nº 1 do Código do Processo Civil, que toda a execução tem por base um título, que determina o seu fim ou limites, certificando a obrigação cuja pretensão se pretende obter por via coactiva, no incidente de instancia de liquidação (artigos 378°, nº 2 do Código do Processo Civil) a referencia de liquidação é a sentença que determinou a condenação genérica,
desempenhando a sentença que, no final da tramitação declarativa de liquidação, fixar o valor da condenação, uma mera função instrumental face á sentença de liquidação condenatória carecida de liquidação.

4 - Em homenagem aos valores da estabilidade e da certeza jurídica, as regras processuais que se ligam à figura do caso julgado prevalecem sobre os preceitos substantivos e suas interpretações, incluindo as que lhe sejam dadas por acórdãos uniformizadores de jurisprudência.
5 - No caso vertente, por sentença datada de 27 de Fevereiro de 2003, devidamente transitada em julgado, a recorrente foi condenada a pagar ao recorrido a “importância correspondente ao valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença (deduzido do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data de propositura da acção, bem como do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento)” (sublinhados no texto da sentença).
6 - Como o recorrente fez menção de sublinhar na sua oposição ao pedido de liquidação de fls, a aludida decisão condenatória marca inelutavelmente o limite temporal final a atender para a definição do direito ás retribuições intercalares, (condenação do recorrente a pagar ao recorrido a “importância correspondente ao valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença), ou seja, fixou como marco temporal limite da data da prolação da aludida sentença, como se disse e se repete, 15 de Julho de 2005, e, não, como se decidiu na decisão recorrida, em 21 de Fevereiro de 2008, data do transito em julgado da respectiva sentença.
7 - Da “leitura normativa” do aludido aresto, considerando a análise da respectiva fundamentação, em que não se faz qualquer alusão a outro limite temporal, que não a data da sentença em causa, a inequívoca resposta injuntiva do Tribunal à pretensão do recorrido, que deferiu na plenitude o pedido formulado pelo recorrido na sua petição inicial sobre[] esta matéria, é hialino que a data a ter em consideração, para a definição do direito às retribuições intercalares por parte do recorrido, a data da decisão da 1.ª instância, ou seja, 15 de Julho de 2005.
8 - Ao tentar “coligir” no presente incidente de liquidação, os termos da aludida sentença condenatória, de molde a adaptá-la ao conteúdo do Acórdão Uniformizador 1/2004, publicado no Diário da Republica 1- Série A, de 9 de Janeiro de 2004-, liquidando o valor das retribuições intercalares desde a data do despedimento, até ao transito em julgado da sentença, o Tribunal recorrido violou o valor enunciativo do caso julgado da sentença liquidanda (que se limitou a condenar a recorrente a pagar ao recorrido a “importância correspondente ao valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença)
9 - De igual modo, ao proceder conforme o descrito, o Tribunal “a quo” fez tábua rasa da função instrumental do presente incidente, porquanto neste procedimento não cabe dirimir um litigio mas, tão só, proceder á liquidação da condenação genérica definida por um titulo (“in casu”, sentença condenatória de fls.), encontrando-se como que “amarrado” ao que foi fixado na “fase declarativa”.
10 - Postas as coisas neste pé, não pode a sentença recorrida deixar de ser substituída por outra que ordene ao tribunal “a quo” a liquidação das retribuições intercalares desde a data do despedimento, ou seja, 27 de Fevereiro de 2003 e a data da prolação da sentença condenatória de fls., ou seja, 15 de Julho de 2005, como expressamente se determinou na sentença liquidanda, contabilizando-se os respectivos juros de mora em conformidade, como se pede e se espera.
(…)
Ao [não] tomar nada disso em consideração, a decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 378°, 666°, n°1, 671°, nº 1 e 673° do Código do Processo Civil, artigo 1º, nº 2, alínea a) do Código do Processo do Trabalho, artigos 236, nº 1 e 295º do Código Civil.
(…)
Pelo aduzido e no que Doutamente se suprirá, deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, a sentença recorrida ser parcialmente revogada, determinando-se o prosseguimento do incidente de liquidação, de molde a contabilizar os valores das retribuições intercalares e respectivos juros de mora devidos pelo recorrente ao recorrido, desde a data do despedimento, ou seja, 27 de Fevereiro de 2003 e a data da prolação da sentença condenatória de fls, ou seja, 15 de Julho de 2005, como expressamente se exarou na sentença liquidanda, com as devidas e legais consequências (…)».

O Autor não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir imediatamente nos autos, e com efeito devolutivo.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Respondeu a recorrente, a reiterar o constante das alegações e conclusões anteriormente apresentadas, e a concluir, mais uma vez, pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1. Por sentença proferida em 15 de Julho de 2005, declarou-se ilícito o despedimento do A. levado a cabo pela R. e, consequentemente, foi esta condenada:
- no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença (deduzida do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até trinta dias antes da data de propositura da acção, bem como do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho, auferidos pelo Trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento;
- no pagamento de uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito, todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da sentença, tudo a liquidar em execução de sentença, atenta a evolução salarial do A.;
- no pagamento das diferenças salariais relativas ao período de 01-10- 2001 a 30-09-2002 (relativo ao salário devido de 1.481,43€) e relativas ao mesmo período no ano de 2002/03, (tendo em conta o salário devido de 1.521,50€), em montante global a liquidar em execução de sentença;
- a quantia de € 2 500,00 a título de danos não patrimoniais;
- os juros de mora às sucessivas taxas legais contados desde os respectivos vencimentos quanto às primeiras e desde a citação quanto à quantia devida a título de danos morais até integral pagamento.
2. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 08-05-2007, foi a sentença proferida confirmada quanto aos pontos acima transcritos, tendo sido revogada a condenação em indemnização por danos não patrimoniais.
3. Por Acórdão de 06-02-2008, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou integralmente o Acórdão do Tribunal da Relação, tendo transitado em 21 de Fevereiro de 2008.
4. À data dos factos o A. era professor licenciado.
5. O A. iniciou funções para a R. em 01/11/1991.
6. O A. foi despedido em 27 de Fevereiro de 2003.
7. A acção foi proposta em 31 de Março de 2003.
8. A categoria A (Professores licenciados e profissionalizados), nível 4 (dezasseis a dezanove ano s de serviço) do Anexo V- Tabelas salariais do contrato colectivo de trabalho do Ensino Particular e Coooperativo prevê uma remuneração base de € 1 848,80.
9. A remuneração base dos professores com 13 a 15 anos de serviço era de € 1 786, 50.
10. O A. não iniciou actividade posteriormente ao despedimento.
11. À data deste já leccionava, simultaneamente, no Conservatório Regional de Vila real de Santo António.
12. Entre Outubro de 2001 e Fevereiro de 2003 a R. pagou ao A. a quantia, mensal, € 1 163, 74 a que acresceu idêntica quantia a título de subsídio de natal e de subsídio de férias dos anos de 2001 e 2002.
13. A R. pagou ainda ao A., a título de subsídio de férias e de natal de 2003 a quantia de € 211, 59 + € 211,59.

III. Fundamentação
Sabido com é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 684.º, 3 e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), no caso, tendo em conta a declarada ilicitude do despedimento do Autor, a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber qual o limite temporal final a atender para efeitos de apuramento das retribuições intercalares e respectivos juros de mora devidos ao Autor, aqui recorrido: se, como se decidiu na sentença recorrida, a data do trânsito em julgado da decisão final (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) que declarou a ilicitude do despedimento do Autor, ou seja, 21-02-2008, ou, diversamente, se, como sustenta a recorrente, a data da sentença da 1.ª instância, que declarou a referida ilicitude do despedimento, ou seja, 15-07-2005.
Analisemos, pois, a referida questão.

Tem-se por incontroverso que ao caso é aplicável, entre o mais, o regime jurídico da «Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Prazo», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02 (também designado LCCT), maxime o seu n.º 13, n.º 1, alínea a), cuja redacção é do seguinte teor:
«1. Sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada:
a) No pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença;».
Na apreciação e decisão da questão equacionada terá também que se ter presente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-2003, de uniformização de jurisprudência, n.º 1/2004 (DR - I Série-A, n.º 7, de 09 de Janeiro de 2004, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Declarada judicialmente a ilicitude do despedimento, o momento a atender como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo artigo 13.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, é, não necessariamente a data da sentença da 1.ª instância, mas a data da decisão final, sentença ou acórdão, que haja declarado ou confirmado aquela ilicitude.».
Assim, de acordo com a citada jurisprudência, o termo final a ter em conta para aferir os direitos do trabalhador é a «decisão final, sentença ou acórdão» que declarou ou confirmou a ilicitude do despedimento.
Ancorou-se, para tanto, na seguinte fundamentação:
- o legislador laboral primacialmente visou proteger os interesses do trabalhador, dada a sua qualidade de parte mais frágil na relação do trabalho;
- a expressão «sentença» que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º, não tem, necessariamente, que ser empregue em sentido rigoroso, de decisão do juiz singular, já que noutras disposições legais, como seja, por exemplo, no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, também não é empregue com aquele sentido rigoroso de decisão de juiz singular;
- no referido artigo 13.º da LCCT, à semelhança do que se verificava no artigo 12.º da anterior Lei dos Despedimentos (Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 Julho), o legislador definiu o regime jurídico aplicável a uma «situação padrão», em que o despedimento é julgado ilícito pela sentença da 1.ª instância e se pressupõe o seu trânsito em julgado, sem interposição de recurso; mas se for interposto este sem que o trabalhador seja logo reintegrado no seu posto de trabalho, a situação de ilicitude mantém-se, diferindo-se os seus efeitos para a data de decisão final que, confirmando a ilicitude do despedimento decretada em decisão anterior, ou reconhecendo pela primeira vez a ilicitude do despedimento, transite em julgado: «[n]ão faria nenhum sentido que se criasse no período que decorre entre a data da sentença da 1.ª instância que veio a ser impugnada e a data da decisão final da acção um hiato ou vácuo na protecção do trabalhador, privando-o das retribuições que teria auferido ao longo desse período não fora o despedimento ilícito e desprezando esse mesmo período para efeitos de antiguidade»..
Impõe-se, por isso, ter como assente, em termos de direito substantivo, que o limite temporal final para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da LCCT, se encontra balizado pela data da decisão final que declarou ou confirmou a ilicitude do despedimento.
A questão, porém, que ora se coloca consiste em saber se no caso, tendo em conta que a fase executiva se destina a obter a satisfação do direito reconhecido na acção declarativa, a decisão que declarou a ilicitude do despedimento comporta, ou não, tal interpretação.
Isto é, tendo em conta que a liquidação não pode ultrapassar os limites que ao direito/título hajam sido fixados na acção declarativa (cfr. artigos 45.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a questão que ora se coloca consiste em saber se a decisão que declarou a ilicitude do despedimento fixou(a) a condenação da empregadora nas retribuições intercalares até ao trânsito em julgado da mesma, 21-02-2008 (data do trânsito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a ilicitude do despedimento), ou apenas até à data da decisão da 1.ª instância, 15-07-2005.

A resposta à referida questão terá, naturalmente, que ser encontrada face aos termos do litígio e à interpretação das decisões judiciais proferidas nos autos.
Com efeito, como se extrai do disposto no artigo 295.º do Código Civil, na interpretação das decisões judiciais, como actos jurídicos que são, deve observar-se a disciplina legal à interpretação e integração das declarações negociais, nomeadamente a que se encontra prevista nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.
Assim, as decisões judiciais hão-de ser interpretadas com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu conteúdo (artigo 236.º do Código Civil); porém, não pode ser considerado um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no respectivo texto, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238.º, do Código Civil).
Na referida interpretação deverá ter-se em conta a própria coerência entre a fundamentação e a parte propriamente decisória da sentença [cfr. artigos 659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil]; mas deverá também atender-se a todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão (cfr., a este propósito, Vaz Serra, RLJ, 110.º, pág. 42).

O Autor propôs a acção em 31 de Março de 2003, peticionando, entre o mais e no que ora releva, a condenação da Ré a pagar-lhe «(…) todos os salários vencidos desde a data do despedimento (…) e nos salários e subsídios que se vencerem até à data da sentença» [alínea a), do pedido].
Não se localiza na petição inicial qualquer contributo relevante quanto ao limite temporal do cálculo dos «salários e subsídios que se vencerem até à data da sentença», até porque o citado acórdão uniformizador de jurisprudência (n.º 1/2004) só viria ser proferido posteriormente, em 20-11-2003, e publicado no DR I Série-A, de 09-01-2004.
Na sentença da 1.ª instância, proferida em 15-07-2005, que declarou a ilicitude do despedimento, escreveu-se sobre as consequências da ilicitude (fls. 429):
«De harmonia com o disposto no art. 13º nº 1 do mesmo Dec.-Lei nº 64-A/89, como consequência da ilicitude do despedimento, a entidade empregadora é condenada:
- no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença (deduzida do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, bem como do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento); e
- na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou no pagamento de uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença (caso opte por esta, em substituição da reintegração).
No caso em apreço o A. optou pela indemnização.
Assim, o A. tem direito à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 30 (trinta) dias antes sobre a data da entrada em juízo da presente acção e até à data da sentença, como vem pedido, tudo a liquidar em execução de sentença atenta a evolução salarial correspondente à categoria profissional do A. após o seu despedimento (sendo certo que, como se decidiu no Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2004, de 20-11-2003, publicado no D.R. 7, IA, de 09.01.2004, “o momento a atender, como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo artigo 13.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, é, não necessariamente a data da sentença da 1.ª instância, mas a data da decisão final, sentença ou acórdão, que haja declarado ou confirmado aquela ilicitude”).
Tem, ainda, direito à indemnização por antiguidade correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença, também a liquidar em execução de sentença.».
E na parte decisória da mesma sentença, condenou-se a Ré, entre o mais (fls. 432):
«- no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença (deduzida do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, bem como do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento)».
Da referida transcrição, maxime da fundamentação da sentença da 1.ª instância, resulta à evidência que o julgador teve em conta, como limite temporal «até à data da sentença», em conformidade com a doutrina do acórdão uniformizador n.º 1/2004, a data da decisão final, sentença ou acórdão que haja declarado ou confirmado a ilicitude do despedimento.
Interposto recurso de tal decisão pela Ré, a mesma sustentou a licitude do despedimento, mas não questionou que a julgar-se o mesmo ilícito tivesse as consequências constante da sentença, supra transcritas.
Por isso, o acórdão deste tribunal, julgando o despedimento ilícito, confirmou a sentença da 1.ª instância (com excepção da condenação por danos não patrimoniais, que ora não releva).
A Ré interpôs então revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, mais uma vez, sustentando a justa causa de despedimento, mas não questionando, caso este fosse considerado ilícito, as consequências fixadas da ilicitude do mesmo.
Por acórdão de 06-02-2008, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista, confirmando a decisão recorrida, nada referindo sobre as consequências da ilicitude, pois, como se disse, tal matéria não era objecto de recurso.
Ora, do que fica descrito resulta que a decisão declarativa condenatória, que declarou a ilicitude do despedimento, quanto às retribuições intercalares, embora sendo certo que na parte decisória apenas refere o limite temporal da «data da sentença», utilizando para tanto a terminologia constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da LCCT, não o é menos que na fundamentação antecedente explicita essa «data da sentença», em harmonia com o acórdão uniformizador n.º 1/2004, como sendo a data da decisão final que declarou ou confirmou a ilicitude do despedimento.
Ou seja, e dito de outro modo: embora a parte decisória da sentença da 1.ª instância se tenha «limitado» a utilizar os termos da lei – «data da sentença» – quanto ao limite temporal das retribuições intercalares devidas ao trabalhador, na fundamentação da mesma sentença deixou-se explicitado que se entendia o referido termo «data da sentença» como sendo a data da decisão final que confirmou a ilicitude do despedimento.
Como se assinalou, na interpretação da decisão judicial deverá ter-se em conta não só as regras atinentes à interpretação e integração das declarações negociais, como também a própria coerência entre a fundamentação e a parte propriamente decisória da sentença, e ainda outras circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão.
Pois bem: tendo em conta estas regras de interpretação, podemos afirmar, sem hesitação, que o limite temporal final da condenação da Ré, quanto às retribuições intercalares, é o da data do trânsito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a ilicitude do despedimento, 21-02-2008.
Se, como sustenta a recorrente, esse limite temporal final fosse a data da sentença da 1.ª instância, mal se compreenderia que na fundamentação da mesma, após se mencionar que o trabalhador tinha direito às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da entrada em juízo da acção até à data da sentença, se tivesse acrescentado, logo a seguir, que de acordo com o referido acórdão uniformizador, o limite temporal final não tinha necessariamente que ser a data dessa sentença, mas sim a data da decisão final que confirmasse a ilicitude do despedimento.
Assim, e ressalvado o devido respeito por diferente interpretação, não se acolhe o entendimento da recorrente, no sentido de que a sentença recorrida ultrapassou os direitos que foram fixados na decisão declarativa condenatória e, por isso, que violou caso julgado material.
Nesta sequência, tendo em conta que de acordo com o acórdão uniformizador n.º 1/2004 o limite temporal final das retribuições intercalares devidas ao trabalhador é a data da decisão final que declarou ou confirmou a ilicitude do despedimento, que a interpretação da decisão declarativa condenatória vai também nesse sentido, nenhuma censura nos merece a decisão ora recorrida que, em consentâneo, liquidou as retribuições intercalares devidas ao recorrido até à data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a ilicitude do despedimento.
Improcedem, consequentemente, as conclusões das alegações de recurso, pelo que, não vindo suscitada qualquer outra questão, impõe-se confirmar a decisão recorrida.
Vencida no recuArso, deverá a recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto por Associação do Conservatório Regional do Algarve Maria Campina, confirmando, por consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 26 de Junho de 2013
(João Luís Nunes)
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)