JULGAMENTO EM PROCESSO SUMÁRIO
FALTA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA AO ARGUIDO
Sumário


I - Nas situações em que o arguido está ausente desde o início da audiência de julgamento e por isso, também à leitura da respectiva sentença, a lei considera-o representado pelo defensor, mas exige que a notificação da decisão lhe seja feita pessoalmente, contando-se o prazo para interposição do recurso a partir dessa notificação.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo sumário nº 1632/12.0JAPTM, que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Portimão, o arguido A. foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p., pelo Artº 292 nsº1 e 2 do C. Penal, na pena de 120 ( cento e vinte ) dias de multa à razão diária de 7,00 € ( sete euros ), o que perfaz a quantia de 840,00 € ( oitocentos e quarenta euros ) e ainda, na proibição de conduzir veículos rodoviários pelo período de 8 ( oito ) meses.

Não tendo o arguido comparecido à Audiência de Julgamento, nem à leitura da sentença e não tendo sido possível notificá-lo da mesma, por ser desconhecido o seu paradeiro, o M.P. requereu que se averiguasse nas bases de dados do registo automóvel, DGCI e DGSP, quais as informações existentes acerca do condenado.

Tal requerimento foi indeferido pelo Mº Juiz a quo, por despacho que gera os presentes autos de recurso e que reza assim (transcrição):

O arguido foi notificado nos termos do art. 385º n" 2 al. c) do CPP - vd. fls. 6 - pelo que, considerando tal circunstância bem assim como o que estatuem os arts. 373º n°3 e 411º n°1 al. c), da aludida sede legal, que são regime especial afastando o regime geral, considero o arguido notificado da sentença.

Termos em que, indefiro o promovido e determino a oportuna realização dos procedimentos advenientes do trânsito em julgado.
Notifique.

B – Recurso
Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

1. Recorre-se do despacho do Mem" Juiz de Direito que entendeu que o arguido se considera notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor por aplicação do disposto no art. 385°, n° 2 al. a) e 373°, n° 3 do Código de Processo Penal.

2. Nos presentes autos de processo sumário, foi dado cumprimento ao disposto no art. 385°, n° 2 al. a) do Código de Processo Penal (que corresponde ao anterior art, 385°, n" 3 al. a) do CPP), tendo o arguido sido expressamente advertido que a audiência de julgamento em processo sumário se realizaria no dia 29.10.2012, mesmo que não comparecesse, sendo representado por defensor.

3. O arguido não compareceu na referida data, tendo início a audiência porquanto não se reputou essencial a sua presença desde esse momento

4. Na mesma data, o arguido foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 7,00, num total de € 840,00 e na proibição de condução de veículos rodoviários pelo período de 8 meses.

5. No regime do processo sumário, entre os vários efeitos para os quais o arguido se considera representado por defensor não se inclui a notificação da sentença.

6. Por essa razão, e considerando que o arguido foi julgado na ausência, a sentença deverá ser pessoalmente notificada ao arguido, porquanto valem aqui as mesmas razões de ser do disposto no art. 333º, n° 5 do Código de Processo Penal, que estabelece que havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente

7. O art. 373°, n" 3 do Código de Processo Penal, que pressupõe que o arguido compareceu na audiência de julgamento, tendo-se ausentado na leitura, não é aplicável no caso concreto.

8. O despacho recorrido ao considerar o arguido notificado da sentença violou o preceituado no art. 333°, n° 5 do C.P.P., postergando os direitos de defesa do arguido, nomeadamente o seu direito ao recurso

9. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o douto despacho ser substituído por outro que determine que o arguido deve ser pessoalmente notificado da sentença condenatória.

C – Resposta ao Recurso
O arguido não apresentou resposta ao recurso.

D – Tramitação subsequente
Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que militou pela procedência do recurso e consequente revogação do despacho recorrido.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente na questão que suscita e que pode ser sintetiza da seguinte forma:

Em processo sumário, não tendo o arguido comparecido à Audiência de Julgamento, nem à leitura da sentença, pode o mesmo considerar-se notificado da decisão por via da notificação da mesma ao defensor?

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, cuja simplicidade de pressupostos não justifica particulares considerações jurídicas, parece-nos e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a razão assiste ao recorrente.

Da tramitação processual espelhada nos autos constata-se que, tendo sido detido, em 27/10/,12 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em momento fora do horário normal de funcionamento da Secretaria Judicial, o arguido foi notificado para comparecer nos Serviços do Ministério Público de Portimão no dia 29/10/12, pelas 09.30, tendo então sido dado cumprimento ao disposto no Artº 385 nº2 al. a) do CPP, ou seja, foi o mesmo expressamente advertido que a audiência de julgamento em processo sumário se realizaria nesse dia, ainda que não comparecesse, sendo então nela representado por defensor.

No dia da audiência de julgamento - 29/10/12 - o arguido faltou, mas ela realizou-se, por não se ter reputado a sua presença essencial ou necessária, vindo o mesmo a ser condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Mau grado a realização de várias diligências com vista à notificação da sentença ao arguido, até ao momento tal desiderato não foi alcançado, em virtude do paradeiro deste ser desconhecido.

Ora, atento este quadro factual e estas vicissitudes processuais, entende-se que o tribunal a quo não poderia considerar o arguido notificado da sentença – por via da sua notificação defensor – e, consequentemente, dar como adquirido o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Na verdade, sendo certo que, em processo penal a presença do arguido em julgamento é, em princípio, obrigatória, por via do estatuído no Artº 332 nº1 do CPP, esta regra não é, em sentido estrito, absoluta, como aliás a própria norma indicia, ao dizer, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333 e nos nºs 1 e 2 do artigo 334, casos em que, expressamente, se prevê a possibilidade da realização de julgamento na ausência do arguido, por falta do mesmo apesar de notificado para a audiência, ou por a sua ausência ser determinada, por exemplo, por via da notificação edital.

Nas situações em que o arguido está ausente desde o início da audiência de julgamento e por isso, também à leitura da respectiva sentença, a lei considera-o representado pelo defensor, mas exige que a notificação da decisão lhe seja feita pessoalmente.

Da conjugação destes preceitos com o estabelecido nos Artsº 196 nº3 al. d) e 373, ambos do citado Código, pode-se assim concluir que a obrigatoriedade ou regra da presença do arguido em julgamento não é absoluta, prevendo a lei a realização de julgamento na sua ausência, caso em que será representado pelo seu defenso e em que a sentença terá de ser notificada pessoalmente ao arguido.

Distingue assim o legislador, compreensivelmente, duas situações: a da notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento e a da notificação de arguido presente em julgamento e que entretanto se tenha ausentado.

Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido, nos termos do Artº 333 nº5 do CPP, porquanto na segunda situação, regulada nos termos combinados dos Artsº 373 nº3 e 411 nº1 al. a) do citado Código, já vale a regra da notificação na leitura da sentença perante o próprio e/ou o seu defensor, contando-se o prazo de recurso a partir do depósito da sentença.

Dito de outro modo.

A notificação feita na com a leitura da sentença abrange tanto os casos em que o arguido esteja presente como aqueles em que, embora presente no início da audiência, dela se tenha entretanto ausentado, caso em que o prazo para recorrer se conta a partir do depósito da mesma, pois são situações em que há a certeza que o arguido sabe que está a ser julgado e que o julgamento terminará inevitavelmente com a leitura da sentença, da qual ele é, naturalmente, o primeiro interessado.

Nas outras situações, em que o arguido esteve sempre ausente durante o julgamento, incluindo a leitura da decisão, a sentença tem de lhe ser notificada pessoalmente, contando-se o prazo para interposição do recurso a partir dessa notificação.

Ora, sendo estas as regras gerais, importa dizer que as mesmas em nada se alteram pela natureza sumária do processo.

É sabido que o processo sumário, tal como o sumaríssimo, foi uma das formas encontradas pelo legislador para a resolução daquela pequena criminalidade, as denominadas bagatelas penais, em que a necessidade de intervenção do poder do Estado, a natureza dos crimes e um desejo de celeridade e eficácia processual, justificam que os litígios delitivos se dirimam de uma forma rápida e eficaz, onde não devem ter lugar os adiamentos por falta de comparência dos arguidos.

Tal desiderato, contudo, não autoriza que não se considerem como válidas as regras atrás expostas, designadamente, (Artº 333 nº5 do CPP), a que preceitua que, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, o prazo para a interposição de recurso se conta a partir da notificação pessoal do mesmo da sentença (Cfr, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2011, 4ª edição, pág. 1005.

Entender de forma diversa, salvo o devido respeito, seria postergar os seus direitos de defesa, constitucionalmente garantidos, nomeadamente o direito ao recurso, o qual só plenamente poderá ser exercido se tiver conhecimento do desfecho da causa, o que não acontecerá se o tivermos por notificado da sentença na pessoa do seu defensor.

Como bem nota o recorrente, em nenhum lado a lei refere, no âmbito do processo sumário, que o arguido se considera representado por defensor para efeitos de notificação da sentença após um julgamento ao qual não compareceu.

Vale assim, para o mesmo, o estatuído como regra geral no Artº 333 nº5 do CPP, aplicável ao processo sumário e pelo qual, tendo em conta que o arguido não compareceu na audiência de julgamento nem na leitura da sentença, esta ter-lhe-á de ser notificada logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, contando-se então e desde aí, o prazo para a interposição de recurso.

A especificidade invocada pelo despacho recorrido decorrente do Artº 385 nº2 al. a) do CPP, reporta-se semente à necessidade de efectuar o julgamento ainda que o arguido, apesar de notificado do mesmo, a ele falte, mas já nenhuma consequência pode ter quanto às exigências legais para a notificação da sentença como condição do trânsito da decisão condenatória.

Ao contrário do ali alegado, nenhuma especialidade resulta dessa norma no que concerne ao supra exposto, havendo assim que concluir que o despacho sindicado violou o disposto no nº5 do Artº 333 do CPP, na medida em que o Artº 373 nº3 do mesmo Código, em que o aludido despacho também se apoia, apenas é aplicável aos casos em que o arguido está presente durante a audiência de julgamento mas falta à leitura da sentença, o que, manifestamente, não é a situação sub judice.

O despacho recorrido ao considerar o arguido notificado da sentença e por consequência, que a mesma teria transitado em julgado, violou o disposto no Artº 333 nº 5 do CPP, devendo, por isso, ser alterado.

Procede, assim, o recurso.

3. DECISÃO
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que determine a realização das diligências necessárias com vista à notificação pessoal do arguido da sentença condenatória.

Sem tributação.

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.

Évora, 13 de Maio de 2014
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(Renato Damas Barroso)
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(António Manuel Clemente Lima)