Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
SÓCIO
GERENTE
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE
CRÉDITOS LABORAIS
Sumário
I- Para que se verifique a responsabilização do sócio e, também do gerente da sociedade, ao abrigo do artigo 335º do Código do Trabalho, é necessário: (i) que a atuação do mesmo tenha constituído inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas a proteger os interesses dos credores sociais; (ii) que o restante património da sociedade se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos credores sociais; (iii) que se verifique nexo causal entre o ato do sócio/gerente e a insuficiência de satisfação de credores sociais. II- Constituindo estes pressupostos elementos constitutivos de um direito que visa garantir os créditos do trabalhador, naturalmente, que o ónus de alegação e prova da verificação concreta dos aludidos elementos, compete ao autor, de harmonia com a regra geral estatuída no artigo 342º, nº1 do Código Civil. III- As falsas declarações no momento da liquidação de sociedade dissolvida, apenas poderiam originar a responsabilização pessoal dos liquidatários nos termos do artigo 158º do Código das Sociedades Comerciais e não a responsabilização solidária prevista no artigo 335º do Código do Trabalho. IV- Encontrando-se a sociedade ex-empregadora extinta, não é possível requerer a insolvência da mesma, por ter perdido a personalidade jurídica e judiciária. V- Existindo uma norma específica no Código do Trabalho (artigo 335º) que dispõe sobre a responsabilidade solidária de sócio, gerente, administrador ou diretor por montantes pecuniários resultantes de créditos emergentes de contrato individual de trabalho, não são aplicáveis os artigos 1020º e 997º, nº1 do Código Civil. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório BB veio intentar ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC e mulher DD, pedindo a condenação dos réus, enquanto litisconsortes passivos, no pagamento à autora dos seus créditos laborais e, bem assim, no pagamento solidariamente à autora da quantia de € 9.357,82, nos precisos termos em que o havia sido a sociedade que extinguiram.
Alega sucintamente que por sentença de 16/01/2013, transitada em julgado foi a sociedade “EE” e da qual os réus eram os únicos sócios condenada a pagar à autora a quantia ora peticionada, no âmbito de uma ação proposta em 21/11/2012.
Em 30/11/2012, os réus procederam à dissolução e liquidação da sociedade declarando que a mesma não tinha passivo.
Àquela data sabiam que a sociedade tinha passivo concretamente e pelo menos para com a demandante, pelo que se constituíram enquanto sócios e o réu marido também enquanto gerente, responsáveis pelo pagamento à autora da quantia a que a sociedade foi condenada.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
Os réus contestaram, invocando as exceções da incompetência absoluta, da ilegitimidade passiva, do caso julgado material e da prescrição. Igualmente alegam que, à data da extinção da sociedade empregadora, a mesma não tinha passivo nem ativo. Mais referem que acordaram com a autora o pagamento dos seus créditos laborais aquando do trespasse do estabelecimento comercial. Entretanto, foram-lhe pagando pequenas prestações que totalizaram o valor de € 1.598,55. Após o trespasse, disseram à demandante que só lhe poderiam pagar (para além do recebido), a quantia de € 2.500,00, parecendo a autora ter anuído. Contudo, passado pouco tempo, foram surpreendidos com a citação da empregadora no âmbito de uma ação judicial.
Finalmente, concluem, invocando que não estão verificados os pressupostos dos artigos 78º, 79º e 83º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 335º do Código do Trabalho, não havendo lugar nem à responsabilização dos sócios, nem do gerente da empregadora.
A autora respondeu à defesa por exceção, impugnando-a e reafirmando a extensão da responsabilidade dos sócios pelo pagamento das retribuições devidas, nos termos do artigo 335º do Código do Trabalho. Apenas admitiu que recebeu a quantia de € 375,00, por conta da indemnização devida, reduzindo o seu pedido, em conformidade.
Realizada a audiência preliminar e fracassada a nova tentativa de conciliação, procedeu-se ao saneamento do processo, tendo sido julgadas improcedentes as exceções da incompetência absoluta, da ilegitimidade passiva, da prescrição e do caso julgado.
Atenta a simplicidade da causa, foi dispensada a seleção dos factos assentes, bem como a organização da base instrutória.
Admitiu-se a redução do pedido para o montante de € 8.982,82.
Realizou-se a audiência final, no final da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto que não sofreu reclamação.
Foi, então, proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor: «Pelo exposto julgo a ação improcedente por não provada e em consequência: a) absolvo os Réus CC e mulher DD do pedido formulado pela A. BB. b) custas pela Autora. As partes não litigaram de má-fé.»
Foi fixado à ação o valor de € 8.982,82.
Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor recurso da mesma, apresentando a finalizar as suas alegações, as seguintes conclusões:
A) Ao arrepio do disposto nos Art.ºs 315º e 316º, do Código do Trabalho, os RR. despediram a A. no dia anterior ao encerramento do estabelecimento;
B) Constata-se da contabilidade da sociedade que esta apresentava prejuízos e que os ativos registados na contabilidade, afinal, eram apenas virtuais ou como diz o povo “para inglês ver”, motivo pelo qual omitiram o dever de requererem a insolvência da sociedade.
C) Mais grave é o facto de, após terem sido citados para as ações propostas pelas trabalhadoras, em que se inclui a aqui A./Recorrente, terem, indevidamente, procedido à liquidação e requerido a extinção da sociedade fundamentando-se em falsas declarações.
D) Desde logo, a culpa dos sócios e gerentes e a sua consequente condenação decorre do facto de terem procedido à liquidação e extinção da sociedade utilizando meios ardilosos ao declararem a inexistência de ativo e passivo, para alcançarem esse escopo.
E) Escusado é incorrer-se na apreciação e análise da licitude ou da existência ou inexistência de culpa dos sócios, porque estes, ao registarem a extinção da sociedade, ficam taxativamente obrigados e respondem solidariamente pelas dívidas da sociedade, nos termos do disposto no Art.º 1020º e n.º 1, do Art.º 997º, do CC.
F) Normas estas que a douta sentença de que se recorre violou.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida ser revogada, condenando-se os Réus no pagamento da quantia peticionada pela A./Recorrente, nos termos legais e sem necessidade de apreciação da culpa dos sócios, atento o disposto no aludido Art.º 1020º, do CC, assim se fazendo, como sempre JUSTIÇA !!!
Com o recurso foi junta certidão da petição inicial e da sentença relativas ao processo nº (…)TTEVR e certidão da decisão final proferida no processo nº (…)TTEVR.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo os autos subido a esta Relação e mantida a admissão do recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exmª. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta discordante da apelante.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Questão Prévia - da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso
A acompanhar o recurso, a apelante requer a junção de uma certidão da petição inicial e sentença relativas ao processo nº (…)TTEVR e certidão da decisão final proferida no processo nº (…)TTEVR
Apreciemos.
De harmonia com o normativo inserto no artigo 651º, nº1 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº41/2013, de 26 de junho, aplicável por força do artigo 1º, nº2, alínea a) e 87º, nº1, ambos do Código de Processo do Trabalho, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
O nº2 do preceito estipula que as partes podem juntar ainda pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Em relação aos documentos cuja junção a apelante requer sempre se dirá que a petição inicial e a sentença proferida no processo nº (…)TTEVR, já se encontravam juntas aos autos, desde a apresentação da petição inicial, muito embora sem forma de certidão.
Alega a apelante que a junção da certidão das aludidas peças processuais visa realizar a “prova da culpa dos aqui RR e que logo ali foi alegada e demonstrada e nunca contestada”.
Ora, considerando que a autora, à data da propositura da presente ação, já tinha possibilidade de ter apresentado a certidão das duas peças processuais que acabou por juntar por meio de cópia simples, afigura-se-nos que não se verifica qualquer superveniência objetiva ou subjetiva que justifique a junção da certidão na fase de recurso. A questão factual cuja certidão visa demonstrar também foi submetida ab initio à apreciação do tribunal a quo, pelo que não se trata de documento cuja junção apenas se revela necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância, tanto mais que o tribunal considerou provados factos relacionados com a tramitação do aludido processo nº (...)TTEVR, que resultam da petição inicial apresentada e da sentença proferida.
Assim, não se justifica a admissão da certidão relativa ao mencionado processo nº(...)TTEVR, ao abrigo do nº1 do artigo 651º do Código de Processo Civil. Mas, também não se justifica a sua admissão, ao abrigo do nº2 do normativo, pois no âmbito desta norma apenas se integraria a decisão judicial. Todavia, considerando que a decisão judicial corresponde a matéria factual alegada que fundamenta a pretensão deduzida, tal decisão judicial não reveste, neste caso, a natureza de parecer jurídico prevista no nº2 do aludido artigo 651º.
Deste modo, não se admite a junção da certidão da petição inicial e da decisão judicial relativas ao processo nº (...)TTEVR.
No que concerne à certidão da decisão judicial proferida no processo nº (...)TTEVR, em que os intervenientes processuais não são os mesmos da presente ação, nem se reporta a factualidade concretamente alegada nos articulados, admite-se a sua junção ao processo, ao abrigo do artigo 651º, nº2 do Código de Processo Civil.
*
III. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, a questão que se coloca no âmbito do recurso interposto é a de saber se os réus/recorridos devem ser solidariamente condenados, na qualidade de sócios e o réu marido também de gerente, no pagamento à autora/recorrente dos créditos laborais em que foi condenada a sociedade “EE”.
*
IV. Matéria de facto O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1 – Em 21 de Novembro de 2012, a Autora propôs neste Tribunal do Trabalho, ação declarativa de condenação contra a entidade empregadora “EE”, com o NIPC (…), para a qual prestara o seu trabalho com a categoria de subgerente de balcão, desde o dia 10 de Abril de 2000 e até à data do despedimento que ocorreu em 30 de Novembro de 2011.
2 – A então e ora Autora, pediu o pagamento de subsídios de férias e de Natal, de férias não gozadas, de falta de aviso prévio e da compensação por antiguidade, tudo no montante de € 9.357,82.
3 – Foi devida e legalmente convocada e realizou-se a audiência de partes, no passado dia 12 de Dezembro de 2011, na qual a Ré se fez representar por ilustre mandatário, o qual, desde logo, alegou que a sociedade havia sido dissolvida em 30 de Novembro de 2012.
4 – A sociedade Ré não apresentou contestação.
5 – Em 22 de Janeiro de 2013, sob a referência 455085 foi notificada a douta sentença de fls. … com conclusão de 16. 1. 2013, através da qual foi a Ré sociedade condenada a pagar à Autora a quantia peticionada no valor de € 9.357,82.
6 – À data da prolação e mesmo após o trânsito em julgado da sentença a sociedade Ré ainda era detentora do estabelecimento onde sempre funcionou e do direito ao trespasse que efetivamente se verificou, dos bens e equipamentos, do respetivo capital e outros ativos.
7 – Era do conhecimento dos sócios e do gerente da sociedade que a A. era credora da Ré sociedade por créditos laborais.
8 – Os sócios na ata lavrada a 20 de Novembro de 2012, com o nº 20, consignaram no penúltimo parágrafo da folha nº 17 do livro de atas que “… à data de hoje, a sociedade já não ter ativo nem passivo, está em condições de poder ser dada como liquidada, …”, tendo sido com essa ata nº 20, outorgada por ambos os sócios, que apresentaram a declaração modelo 1 (requerimento para registo por transcrição), através da qual requereram a extinção imediata da sociedade.
9 – Dando origem à inscrição 4 – Ap. 2/20121130, 11:55:33 UTC – Dissolução e Encerramento da Liquidação, nos precisos termos que se alcançam do final da pág. 3/5 da certidão da sociedade emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Évora.
10 – Tudo foi feito com perfeito e integral conhecimento de que a sociedade tinha passivo, para com a trabalhadora.
11 – Ambos os Réus eram os detentores do capital social da sociedade no montante de € 5.000,00 e, na proporção de 50% cada um deles, ou seja, cada um deles era titular de uma quota de € 2.500,00.
12 – Para o efeito do depósito de prestação de contas do ano de 2011 a sociedade tinha a 31 de Dezembro de 2011 ativos tangíveis (€ 906,52); ativos intangíveis – goodwill (€ 42.243,19) e outros ativos financeiros (€ 21.668,00), para além do capital social no montante de € 5.000,00.
13 – No decurso do exercício do ano de 2012 a sociedade teve outros rendimentos e ganhos no montante de € 14.093,48 tendo efetuado fornecimentos e serviços externos no valor de € 4.491,04, tendo desaparecido da contabilidade o valor correspondente aos ativos intangíveis (€ 42.243,19).
14 – A empregadora cessou a atividade em IVA a 31. 12. 2011.
15 – O património da empregadora era apenas constituído pelo direito de arrendamento do estabelecimento que explorava, sito na (...), em Évora e de algum parco equipamento, sem qualquer valor comercial devido ao uso e desgaste.
16 – À data da cessação do contrato individual de trabalho, a empregadora, através dos seus sócios, propôs à A. a cessão do contrato de arrendamento para seu nome, incluindo todos os bens que compunham o seu recheio, passando a Autora a explorar o referido estabelecimento.
17 – A Autora não aceitou.
18 – A empregadora pagava de renda mensal a quantia de € 801,97.
19 – A 20 de Novembro de 2012, é celebrado entre a empregadora, na qualidade de inquilina, e a usufrutuária do imóvel, na qualidade de senhoria a cessação do contrato de arrendamento.
20 – A 3. 1. 2012 os Réus transferiram para a conta da A. a quantia de € 300,00.
21 – Do ativo constam obrigatoriamente verbas, cujos valores não representam qualquer liquidez ou incremento patrimonial para a empregadora, como é o caso da verba dos ativos não correntes, sendo a alínea denominada goodwill referente ao valor que a empregadora despendeu para início da sua atividade no ano de 1998, sendo alínea denominada outros ativos financeiros referente ao valor despendido pela empregadora com equipamentos também desde o início da sua atividade (desde 1998).
22 – Os Réus injetaram, por diversas vezes, capitais próprios a título de suprimento a favor da empregadora.
23 – A 3 de Janeiro de 2012, em reunião de Assembleia Geral, na qual foi redigida a ata nº 18, efetuaram os Réus um suprimento a favor da sociedade no valor igual ao do capital social de que cada um era titular.
24 - Nas datas de 30. 3. 2012, 3. 5. 2012, 8. 6. 2012, 5. 7. 2012 e 18. 8. 2012 os Réus transferiram a importância de € 75,00 para a conta da Autora.
25 - No ano de 2011 a sociedade de que os Réus eram sócios apresentou um valor líquido negativo de € 36.284,59.
26 - No ano de 2012 a sociedade de que os Réus eram sócios apresentou um valor líquido negativo de € 7.852,09.
*
Inexistem quaisquer razões para alterar a factualidade dada como assente que se tem por definitiva.
*
V. Enquadramento jurídico Como referimos supra, importa analisar se os réus/recorridos devem ser solidariamente condenados, na qualidade de sócios e o réu marido também de gerente, no pagamento à autora/recorrente dos créditos laborais em que foi condenada a sociedade “EE”.
Atenta a cronologia dos factos, mostra-se aplicável o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
E, sobre a responsabilidade dos sócios e gerentes, estatui o artigo 335º deste compêndio legal, o seguinte: «1- O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido. 2- O gerente, administrador ou diretor responde nos termos previstos no artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido.»
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 78º do mencionado código, os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.
Já o artigo 79º, nº1, estatui que os gerentes ou administradores respondem, também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Por sua vez, o artigo 83º, nº 1 do referido diploma legal, estabelece que o sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha, por força de disposições do contrato de sociedade, o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação responde solidariamente com a pessoa por ele designada, sempre que esta for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios e se verifique culpa na escolha da pessoa designada.
Sobre o específico regime da responsabilidade dos gerentes pelos créditos dos trabalhadores derivados duma relação de trabalho ao serviço das sociedades que gerem, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 24 de novembro de 2011, P. 3365/04.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere: «O art.º 78.º, n.º 1 do CSC prevê expressamente a responsabilidade civil dos gerentes, administradores ou diretores perante os credores sociais. Esta responsabilização depende da verificação de dois requisitos: a) Inobservância de disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais; b) Insuficiência do património social para a satisfação dos respetivos créditos. O primeiro pressuposto refere-se à ilicitude e à culpa, ou seja, deve tratar-se de uma violação culposa de normas legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais. Esta modalidade de responsabilidade civil é de natureza extracontratual e situa-se no quadro da chamada responsabilidade pela violação de normas de proteção, prevista no art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil. As normas de proteção relevantes são aquelas que protegem a função de garantia do capital social para os credores sociais. (…) A responsabilidade direta dos administradores só surge quando a inobservância culposa das normas de proteção provoque uma insuficiência patrimonial. (…) Nos termos do art.º 79.º, n.º 1 do CSC, os gerentes respondem, nos termos gerais, para com terceiros, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções. Esta norma prevê uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil, norma jurídica, segundo a qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Está em causa, portanto, a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de direitos subjetivos absolutos ou de normas de proteção. Cabe, então, ao Autor, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade aquiliana, nos termos gerais: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. O art.º 79º, n.º 1 do CSC procede, contudo, a uma delimitação especial da responsabilidade civil dos gerentes, nos termos da qual, esta cobre apenas os danos diretamente causados ao terceiro. A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos, o que redunda, em termos valorativos, numa restrição desta responsabilidade, como defende Menezes Cordeiro, aos casos de «práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado»; ou de «práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa.».
Também o douto Acórdão do mesmo Tribunal de 21/11/2012, P. 3365/04.1TTLSB.L1.S1, disponível na mesma base de dados, se pronunciou no sentido de fazer depender a responsabilidade solidária do sócio gerente, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, (que corresponde ao nº 2 do artigo 335º do Código do Trabalho atual), que remete para os artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais, da violação de normas de proteção da integridade do capital social e da prova dos pressupostos gerais da responsabilidade aquiliana (art.º 483º, n.º 1 do Código Civil).
Do que se teve a oportunidade de referir emerge que a responsabilidade do sócio prevista no artigo 335º do Código do Trabalho, para além de estar dependente da verificação dos pressupostos referidos nos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais, também está dependente de o mesmo, por si ou através de acordo parassocial, se encontrar nas situações descritas no artigo 83º deste último Código, isto é, mostra-se necessário que o mesmo, por força de disposições do contrato de sociedade, tenha o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação. Já a responsabilidade do gerente prevista no nº2 do mesmo artigo 335º do Código do Trabalho está dependente da verificação dos pressupostos referidos nos aludidos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais.
Por conseguinte e também em consonância com a mencionada jurisprudência, para que se verifique a responsabilização do sócio- sem prejuízo daquela especificidade a este atinente- e, também do gerente da sociedade, é necessário:
(i) Que a atuação do mesmo tenha constituído inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas a proteger os interesses dos credores sociais;
(ii) Que o restante património da sociedade se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos credores sociais;
(iii) Que se verifique nexo causal entre o ato do sócio/gerente e a insuficiência de satisfação de credores sociais (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2005, Processo 05B3016 e Acórdão desta Relação de 17/05/2011, Processo nº 649/09.6TTSTB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Constituindo estes pressupostos elementos constitutivos de um direito que visa garantir os créditos do trabalhador, naturalmente, que o ónus de alegação e prova da verificação concreta dos aludidos elementos compete ao autor, de harmonia com a regra geral estatuída no artigo 342º, nº1 do Código Civil.
Apreciemos, assim, se no caso dos autos, em face da factualidade assente resulta a verificação dos aludidos pressupostos.
E desde já se adianta que a factualidade assente não nos permite concluir pela verificação dos elementos constitutivos do direito reclamado.
Passemos a explicar porquê!
Resulta da factualidade assente que a apelante foi despedida em 30 de novembro de 2011. A empregadora cessou atividade em IVA, em 31/12/2011. Em 20 de novembro de 2012, os sócios da “EE”, outorgaram uma ata, na qual consignaram que a sociedade não tinha ativo nem passivo, estando em condições de poder ser dada como liquidada. Tal ata esteve na base do pedido de extinção imediata da sociedade, acabando a dissolução e encerramento da sociedade por serem registadas por via da inscrição 4- Ap. 2/20121130, 11:55:33. Os demandantes sabiam que a autora era credora da sociedade por força do contrato individual de trabalho que vigorou entre ambas.
Para o efeito do depósito de prestação de contas do ano de 2011, a sociedade tinha a 31 de dezembro de 2011, ativos tangíveis (€ 906,52); ativos intangíveis-goodwill (€ 42.243,19) e outros ativos financeiros (€ 21.668,00), para além do capital social no montante de € 5.000,00.
Os ativos intangíveis-goodwill eram referentes ao valor que a empregadora despendeu para início da sua atividade no ano de 1998. Já os ativos financeiros, referiam-se ao valor despendido pela empregadora com equipamentos desde o início da sua atividade.
No ano de 2011, a sociedade apresentou um valor negativo de € 36.284,59.
No decurso do exercício do ano de 2012, a sociedade teve rendimentos e ganhos no montante de € 14.093,48, tendo efetuado fornecimentos e serviços externos no valor de € 4.491,04, tendo desaparecido da contabilidade o valor correspondente aos ativos intangíveis (€ 42.243,19).
No ano de 2012, a sociedade de que os réus eram sócios apresentou um valor líquido negativo de € 7.852,09.
Os réus injetaram, por diversas vezes, capitais próprios, a título de suprimento, a favor da sociedade, como por exemplo, a 3 de janeiro de 2012, em reunião da Assembleia Geral, na qual foi redigida a ata nº18, em que efetuaram os réus um suprimento a favor da sociedade no valor igual ao do capital social de que cada um era titular (cada um deles tinha uma quota de € 2.500,00).
O património da sociedade era apenas constituído pelo direito de arrendamento do estabelecimento que explorava, sito na (...), em Évora e de algum parco equipamento, sem qualquer valor comercial devido ao uso e desgaste.
Em 20 de novembro de 2012, isto é, na data em que os recorridos outorgaram a ata, na qual consignaram que a sociedade não tinha ativo nem passivo, estando em condições de poder ser dada como liquidada, a sociedade empregadora, na qualidade de inquilina e a usufrutuária do imóvel, na qualidade de senhoria, procederam à cessação do contrato de arrendamento.
À data da prolação da sentença (22/01/2013) e após o trânsito desta, que condenou a sociedade a pagar à autora a quantia de € 9.357,82 relativa a créditos laborais, existia ainda o direito ao trespasse do estabelecimento, conforme é referido no ponto 6 dos factos assentes.
Ora, atento este acervo factual destacado, desde logo, não resulta do mesmo que o património da sociedade dissolvida se tenha tornado insuficiente para satisfação do crédito da apelante por ato dos sócios ou do gerente da ex-empregadora.
E, competia à apelante provar este nexo causal que constitui um dos pressupostos essenciais para a responsabilização solidárias dos sócios e/ou gerente da sociedade.
A circunstância dos recorridos terem outorgado uma ata que originou a dissolução da sociedade e encerramento da liquidação, onde constava a inexistência de ativo e passivo, sabendo de antemão que a sociedade tinha passivo para com a trabalhadora, não é por si suficiente para permitir extrair tal nexo causal.
Além disso, as aludidas falsas declarações no momento da liquidação, apenas poderia originar a responsabilização pessoal dos liquidatários nos termos do artigo 158º do Código das Sociedades Comerciais, o que implicava a alegação da efetivação da partilha e da entrega de bens aos sócios, que não consta da petição inicial apresentada.
O que na presente ação se invoca é a responsabilidade solidária dos sócios e do gerente da sociedade ex-empregadora.
Logo, apenas importaria analisar da eventual verificação dos pressupostos legalmente exigidos para tal responsabilidade solidária, análise a que se procedeu supra.
Todavia, ainda no âmbito da apreciação dos argumentos desenvolvidos em sede de recurso, também se dirá que o despedimento da autora “no dia anterior ao encerramento do estabelecimento”, não constitui elemento do qual se possa extrair a verificação dos pressupostos da visada responsabilidade solidária, desde logo porque desconhecemos em absoluto as circunstâncias em que ocorreu tal alegado “despedimento”, mormente se o mesmo constitui um ato ilícito (“ao arrepio do disposto nos Art.ºs 315º e 316º, do Código do Trabalho”), sendo que tal questão nunca foi submetida à apreciação do tribunal recorrido, pelo que sempre constituiria uma questão nova, excluída do âmbito do conhecimento oficioso, pelo que nunca poderia ser apreciada por este tribunal.
Argumentou também a apelante que os recorridos omitiram o dever de requerer a insolvência da sociedade empregadora, a que estavam devidamente obrigados nos termos do disposto no artigo 18º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), inviabilizando que a trabalhadora pudesse recorrer ao Fundo de Garantia Salarial para receber os seus créditos laborais judicialmente reconhecidos, em conformidade com o disposto no artigo 336º do Código do Trabalho.
Falece esta argumentação de qualquer razão.
O crédito laboral da trabalhadora apenas foi judicialmente declarado após o registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade.
Com o referido registo, a sociedade considera-se extinta, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária (cf. artigo 160º, nº2 do Código das Sociedades Comerciais). Ora, a circunstância da sociedade comercial já estar extinta obsta a que se requeira a sua insolvência, uma vez que falta um pressuposto processual essencial e que não pode ser suprido.
Mas mesmo que se admitisse que a insolvência poderia ter sido requerida anteriormente, eliminando assim o óbice processual que ocorre após a extinção da sociedade, competia à autora/recorrente alegar e provar os pressupostos do dever de apresentação à insolvência e o incumprimento deste dever, por forma a beneficiar da presunção de culpa consagrada no artigo 186º, nº3, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo que esta presunção não exclui a prova do nexo de causalidade entre a atuação culposa presumida e a criação ou agravamento da situação de insolvência (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 21/04/2014, Processo nº 174/12.8TJCBR-C1, disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreciação nos autos não se encontra provada nem sequer alegada a verificação dos aludidos pressupostos, o que inviabiliza desde logo o sucesso desta linha argumentativa.
Finalmente, argumenta a apelante que é escusado incorrer-se na apreciação e análise da licitude ou da existência ou inexistência de culpa dos sócios, porque estes ao registarem a extinção da sociedade, ficaram taxativamente obrigados e respondem solidariamente pelas dívidas da sociedade, nos termos do disposto nos artigos 1020º e 997, nº1, ambos do Código Civil, dispositivos estes que a sentença recorrida violou.
Discordamos desta tese argumentativa, pois o recurso às normas gerais do Código Civil, apenas se justifica nos casos em que as fontes de direito do trabalho não prevejam uma determinada situação (lacunas) e na impossibilidade de aplicação de analogia com recurso às leis gerais do trabalho.
Assim, existindo uma norma específica no Código do Trabalho (artigo 335º) que dispõe sobre a responsabilidade solidária de sócio, gerente, administrador ou diretor por montantes pecuniários resultantes de créditos emergentes de contrato individual de trabalho, não são aplicáveis os artigos 1020º e 997º, nº1 do Código Civil
Daí improceder a tese argumentativa defendida e agora analisada.
Concluindo, não se verificando, no caso em apreço nos autos, os pressupostos da responsabilidade solidária prevista no artigo 335º do Código do Trabalho, nos termos supra apreciados, cujo ónus de alegação e prova competia à ora recorrente, bem andou o tribunal a quo ao decidir absolver os recorridos do pedido formulado na ação.
Por conseguinte, mostra-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 25 de setembro de 2014