EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
Sumário


I) - O pedido de exoneração do passivo restante tem como objectivo primordial conceder uma “segunda oportunidade” ao devedor singular que caia em situação de insolvência, de recomeçar vida nova no fim do período de 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito daquele processo.
II) - Na determinação do rendimento indisponível a que alude a subalínea i) da al. b) do nº. 3 do artº. 239 do CIRE, o legislador estabeleceu dois limites: um limite mínimo, avaliado por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar), a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor; um limite máximo, obtido através de um critério quantificável e objectivo (o equivalente a três salários mínimos nacionais), o qual, excepcionalmente, poderá ser excedido em casos que o justifiquem.
III) - Na determinação do que se deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular.
IV) - Consistindo a exoneração do passivo restante na concessão ao insolvente, pessoa singular, de um benefício que se traduz num perdão de dívidas com a inerente perda, para os credores, dos correspondentes créditos, forçoso é encontrar um equilíbrio entre o ressarcimento desses credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.
V) - O montante mensal que há-de ser dispensado ao insolvente no período da cessão não visa assegurar o padrão de vida que porventura teria antes da situação de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao visado adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral e na medida do possível, à nova realidade que enfrenta.
VI) - Deste modo, não serão simplesmente as despesas enunciadas ou comprovadas que devem justificar o montante do rendimento indisponível no período da cessão, mas apenas aquelas que razoavelmente se justifiquem, reduzidas ao mínimo de vivência digna do devedor e seu agregado familiar, traduzindo uma efectiva adaptação do padrão de vida do insolvente ao estatuto que lhe foi conferido.
VII) - O valor a fixar terá de levar em consideração as particularidades de cada caso, devendo ponderar-se, por um lado, que se está perante uma situação transitória, durante a qual o insolvente deverá fazer um particular esforço de contenção de despesas e de percepção de receitas de molde a atenuar ao máximo as perdas que advirão aos credores da exoneração do passivo restante e, por outro lado, atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana, assegurar as necessidades básicas do insolvente e do seu agregado familiar.
VIII) - O salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna, cabendo ao tribunal fazer uma apreciação casuística das situações submetidas a escrutínio.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

BB e CC, no uso da faculdade concedida pelos artºs 235º a 248º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), requereram, com a sua apresentação à insolvência, que lhes fosse concedido o benefício de exoneração do passivo restante.

Por sentença proferida em 20/09/2011 foi declarada a insolvência dos requerentes.

Em 22/11/2011, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou Relatório nos termos do artº. 155º do CIRE, no qual se pronunciou favoravelmente à concessão da exoneração do passivo restante.

Na Assembleia de Credores para apreciação do Relatório realizada em 28/11/2011, os presentes pronunciaram-se sobre o pedido de exoneração do passivo restante nos seguintes termos: o credor DD votou a favor; os credores BPI, Sociedade Aberta, Banco Popular e Cofidis, votaram contra a concessão de tal pedido; o credor Fazenda Nacional, representado pelo Ministério Público, não votou porque o pedido não abrange os créditos tributários e o Sr. Administrador da Insolvência reiterou a posição de concessão da exoneração do passivo restante já expressa no seu Relatório.

Em 4/11/2013 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos requerentes, com fundamento no facto de estar verificada a situação prevista na alínea d) do nº. 1 do artº. 238º do CIRE.

Os insolventes interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora.

Tal decisão veio a ser revogada por acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 13/03/2014, que determinou a prolação do despacho a que alude o artº. 239º do CIRE.

Na sequência do mencionado acórdão deste Tribunal Superior, em 8/05/2014 foi decidido o seguinte [transcrição[]:

«(…)

1. Deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante;

2. Declarar que a exoneração do passivo restante será concedida aos insolventes uma vez observadas as condições previstas no artigo 239.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (artigo 237.º, alínea b) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas);

3. Determinar a cessão, durante o referido período de cinco anos, do rendimento disponível que o insolvente venha a auferir, a um fiduciário, para os fins previstos no artigo 241.º, n.º 1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, investindo, nessa qualidade, o Sr. Administrador da insolvência já nomeado nos autos, Dr. HH (artigo 239.º, n.º 2 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas);

4. Considera-se excluído do dito rendimento disponível, o montante necessário para assegurar o sustento minimamente digno dos insolventes, o qual fixo no valor líquido equivalente a €550,00 (quinhentos e cinquenta euros) (artigo 239.º, n.º 3, alínea b), i) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas);

5. Durante o período da cessão, o devedor fica, ainda, obrigado a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto, nos casos aplicáveis;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;

d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores».

Inconformados com tal decisão, os insolventes dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Vem o presente recurso do despacho de Exoneração do Passivo Restante apenas na parte que respeita á cessão ao fiduciário do rendimento disponível com exclusão do montante necessário para assegurar o sustento minimamente digno dos insolventes, considerado no valor equivalente a €550,00 mensais.

2. Os recorrentes auferem mensalmente cerca de €1.210,00 mensais, decorrentes do trabalho como funcionária bancária da cônjuge mulher, na medida em que o marido apenas auferia rendimentos na qualidade de sócio e gerente da sociedade JJ, também declarada insolvente, encontrando-se, assim, desempregado e, sem direito a subsidio de desemprego.

3. Está comprovado nos autos que, sem contabilizar despesas inesperadas, os insolventes, ora recorrentes, dispendem mensalmente em despesas inevitáveis ao seu sustento, sem contabilizar a renda de casa, valor superior a €769,10/€819,10 descriminado do seguinte modo:

a) €87,70 electricidade (valor mínimo das facturas)

b) €60,00 de despesas médicas e medicamentosas, caso não ocorra qualquer situação excepcional.

c) €36,40 em televisão e telefone

d) Não resultando provado, mas resultando dos dados da experiência comum que as despesas de água e gás não serão de valores inferiores a €30,00/€35,00.

e) Em deslocações diárias para trabalho - casa e vice-versa e consultas médicas, as despesas ascendem, por vezes a cerca de €100,00/€150,00 mensais.

f) Em alimentação, vestuário, para ambos os recorrentes, não dispendem valor inferior a €450,00 mensais.

4. A renda mensal da casa é de €500,00.

5. O artigo 239º, nº 3, alinea b) do CIRE exclui do rendimento disponível o que seja razoavelmente necessário para assegurar o sustento minimamente digno dos insolventes, cujo agregado familiar é exclusivamente constituído pelo casal.

7. A ratio legis desta regra e correspondente excepção “é a salvaguarda do quantitativo monetário necessário á sobrevivência humanamente condigna dos insolventes, em concretização do principio da dignidade humana, decorrente do principio do Estado de Direito, vertidos nas disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, nº 2 al. a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 22.06.2010, proferido no âmbito do processo nº 536/09.8TBFAF-C.G1, consultável in www.dgsi.pt e Acórdão do TC nº 177/2002, com força obrigatória geral, também no sentido de que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna).

8. Entre a necessidade de conjugar os interesses dos credores, cuja satisfação o processo de insolvência visa, enquanto execução universal e o principio da salvaguarda e garantia da dignidade humana, ínsito no artigo 1 da declaração Universal dos Direitos Humanos e artigos 1 e 59º, nº 1, alínea a) da CRP, foi decidido pelo Tribunal Constitucional “em caso de colisão entre o direito de um credor e o direito do devedor a uma pensão que garanta uma sobrevivência condigna, deve o legislador, para tutela do valor supremo da DPH sacrificar o direito do credor, na medida do necessário, não permitindo que a realização deste direito ponha em causa a subsistência do devedor.”

E, acrescenta o signatário, de igual modo deverá proceder o intérprete e o aplicador do Direito.

9. Do exposto resulta que é indispensável para garantir o sustento minimamente digno dos recorrentes, o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos dos valores que, no caso, se revelarem necessários.

10. Pois, o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e do cidadão e, por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo reduzido, qualquer que seja o motivo,

11. Constituindo, pois, o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade (Acórdão de RP de 12.06.12, proferido no processo 51/12.2TBESP-E.P1, disponível em www.dgsi.pt) ou seja, o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna.

12. Nesse mesmo sentido se refere, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 28.09.2010, no âmbito do processo 1826/09.5T2AVR-C.C1, consultável in www.dgsi.pt, que, “ Na fixação do montante a ceder aos credores (“rendimento disponível”), deve partir-se do valor correspondente a um salário mínimo nacional para cada membro do casal, adicionando-se, de seguida, se for o caso, o valor das despesas que se mostrem imprescindíveis para garantir o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.”

13. Ora o valor mínimo abaixo do qual se colocam em causa a satisfação das referidas necessidades, terá sempre de partir, á falta de outro critério do valor do salário mínimo nacional para cada pessoa (RMMG).

14. No caso, este seria o valor mínimo, ou seja, o correspondente a dois salários mínimos nacionais e o máximo equivalente a três, conforme determinado no artigo 239º, nº 3, b), subalínea i.

15. O que significa que, entre estes dois valores, o tribunal “a quo” deveria ter ponderado o caso em concreto e todas as outras circunstâncias de facto atrás invocadas e, sob as quais, tão pouco, se pronunciou e que também não foram impugnadas por qualquer credor.

16. Daí que, o valor estabelecido no despacho recorrido como rendimento indisponível ser manifestamente insuficiente para assegurar uma sobrevivência condigna aos insolventes.

17. Acresce que tal despacho relativo á cessão do rendimento disponível para além de contender com os princípios constitucionalmente consagrados, não incentiva ao trabalho, á procura de emprego e situação estável.

18. Assim e porque importa salvaguardar o necessário a uma sobrevivência condigna dos insolventes e ora recorrentes, incentivando na procura de trabalho e na entrega ao fiduciário do valor do rendimento disponível em prol da satisfação dos credores da cessão, de forma a pagar aos credores durante cinco anos,

19. Importa que se proceda á substituição do despacho recorrido por outro que estabeleça como rendimento disponível do casal, todo o que ultrapassar €1.200,00 (mil e duzentos Euros), ou seja, o valor a excluir da cessão deverá corresponder a €1.200,00.

PELO EXPOSTO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER PROVIDO, REVOGANDO-SE DOUTA DESPACHO RECORRIDO, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRO QUE CONSIDERE O SUPRA EXPLANADO, EXCLUINDO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL QUE OS INSOLVENTES VENHAM A AUFERIR O VALOR DE €1.200,00, DUAS VEZES O SALÁRIO MINIMO NACIONAL ACRESCIDO DE €230,00.

ASSIM, SE FAZENDO JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 2.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão em crise ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Deste modo, considerando o teor das conclusões apresentadas nos presentes autos, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser aumentado o montante fixado pelo Tribunal “a quo” como sendo o necessário para o sustento minimamente digno dos insolventes e do seu agregado familiar, a excluir do seu rendimento disponível, nos termos do artº. 239º, nº. 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Na decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, ora recorrentes, revogada por este Tribunal da Relação, foram considerados os seguintes factos com interesse para a apreciação daquele pedido [transcrição]:

1. «BB nasceu no dia 28-10-1962 e CC nasceu no dia 27-01-1959.

2. BB e CC são casados um com o outro desde 11 de Fevereiro de 1984.

3. BB e CC apresentaram-se à insolvência no dia 27 de Julho de 2011.

4. CC é funcionária bancária e aufere uma remuneração base ilíquida de €1.210,00.

5. BB é sócio-gerente da sociedade “JJ , Lda.

6. Em assembleia geral da sociedade JJ, Lda, que teve lugar no dia 31 de Maio de 2011, foi deliberado que o vencimento do sócio gerente seria reduzido para o valor correspondente ao salário mínimo nacional.

7. A sociedade JJ, Lda não tem funcionários ao seu serviço.

8. Com referência ao ano de 2010 os ora insolventes declaram um rendimento total de €31.502,68.

9. DD instaurou acção executiva contra os ora insolventes no dia 18-08-2010, sendo a quantia exequenda no valor de €79.511,98.

10. KK instaurou acção executiva contra os ora insolventes no dia 13-02-2010, sendo a quantia exequenda no valor de €1.236,53.

11. Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., instaurou acção executiva contra os ora insolventes e outra, em 12-05-2011 sendo a quantia exequenda no valor de €30.384,86.

12. Nos presentes autos de insolvência foram reclamados os seguintes créditos:

- Pela DD a quantia de total de €82.063.81, sendo €79.199,63 a título de capital;

- Pelo Banco BNP Paribas Personal Finance, S.A, a quantia total de €14.111,78 com base num contrato de financiamento, celebrado em Maio de 2011, incorrendo em incumprimento em Julho de 2011;

- Pelo Banco BPI, S.A. a quantia total de €27.350,00 com base num contrato de financiamento celebrado em 14-08-2008, de um crédito derivado de um contrato de empréstimo celebrado em 20-11-2000 e um crédito resultante da utilização de um cartão de crédito.

- Pelo Banco Popular Portugal, S.A. a quantia total de €23.697,50, sendo €18.930,25 a título de capital com base num contrato de mútuo celebrado em 10-12-2008, no saldo negativo de uma conta de depósito à ordem e num contrato de utilização de cartão de crédito cujo incumprimento data de 29-09-2009, num financiamento celebrado em 10-12-2008.

- Pelo Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. a quantia total de €32.268,47, sendo €30.253,83 a título de capital, com base num contrato de financiamento, com incumprimento em 04-04-2011;

- Pela Cofidis, S.A. a quantia total de €19.394,03 sendo €16.830,44 a título de capital, com base num contrato de financiamento, celebrado em 02-12-2008, sendo que em 17-06-2009 foi solicitado um novo financiamento. O incumprimento data de 01-07-2011.

- Pela Fazenda Nacional a quantia total de €18.143,17, sendo €15.574,00 a título de capital.

- Pelo Instituto da Segurança Social, a quantia total de €18.248,37 sendo €13.521,58 a título de capital.

- Pela KK. a quantia de €1.636.53 com base num contrato de financiamento.

13. Do certificado do registo criminal dos insolventes não consta registada nenhuma condenação».

Por ter interesse para a decisão da questão suscitada no presente recurso, considera-se a seguinte factualidade que resulta dos elementos constantes dos autos, que não foram impugnados:

1. No Relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do artº. 155º do CIRE, consta, entre outros elementos, a lista provisória de credores, ascendendo as dívidas ao valor global de € 324 934,65, incluindo capital e juros (fls. 265 a 280).

2. No mencionado Relatório são identificados um prédio urbano, um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, da marca Ford, do ano de 1976, e dois veículos ligeiros de passageiros - um Volkswagen Transporter do ano de 2000 e um Toyota Corolla, do ano 2004 - como bens pertencentes aos insolventes (fls. 265 a 280).

3. A requerente CCes, nos meses de Maio a Setembro de 2013, auferiu as seguintes remunerações totais líquidas: € 1 366,33, € 1 405,14, € 1 625,12, € 1 449,35 e € 1 474,39, respectivamente (fls. 314 a 316, 320 e 321).

4. O requerente BB encontra-se desempregado e não aufere qualquer retribuição.

5. Os requerentes pagam mensalmente uma renda de casa no montante de € 500,00 (fls. 308 a 310).

6. Os requerentes têm de suportar as seguintes despesas médias mensais:

- € 87,87 de electricidade (valor mínimo das facturas – fls. 339 a 341));

- € 36,40 em telefone e televisão (valor mínimos das facturas – fls. 334 a 336);

- € 49,45 em medicamentos (valor máximo das facturas da farmácia – fls. 324 a 326 e 329 a 331);

- despesas com a deslocação diária da requerente para o seu local de trabalho sito no Cartaxo;

- despesas com alimentação, água e gás.

7. O agregado familiar dos requerentes é constituído apenas pelos próprios.


*

Apreciando e decidindo.

Como é sabido, de acordo com o disposto nos artºs 235º e 236º do CIRE, a exoneração do passivo restante (figura reservada ao devedor pessoa singular) consiste na concessão de uma exoneração de créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no respectivo processo, ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, desde que seja pedida, como no caso sob análise, no requerimento de apresentação à insolvência, consubstanciando-se, desse modo, numa libertação definitiva do devedor quanto ao passivo não satisfeito totalmente, naquele processo ou no espaço de tempo em referência, nas condições fixadas no incidente em causa, para que este não fique inibido de começar de novo e poder retomar a sua actividade económica.

Conforme defendido nos acórdãos do STJ de 21/10/2010 e 19/04/2012, proferidos nos processos nºs 3850/09.9TBVLG-D e 434/11.5TJCBR-D (ambos acessíveis em www.dgsi.pt), o pedido de exoneração do passivo restante tem como objectivo primordial conceder uma “segunda oportunidade” ao devedor singular que caia em situação de insolvência, de recomeçar vida nova no fim do período de 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito daquele processo.

Uma vez admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, como se verificou nos presentes autos na sequência do decidido no acórdão deste Tribunal da Relação, de acordo com o nº. 2 do artº. 239º do CIRE, será também ali determinado pelo juiz que durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário escolhido pelo tribunal, para os fins do artº. 241º do mesmo diploma legal.

Subjacente a este instituto está a ideia de um equilíbrio entre os interesses dos credores na satisfação dos seus créditos e o interesse do devedor, de redenção, para uma nova vida, o que passa por sacrifícios para ambas as partes.

Se se trata de passivo restante é porque alguma coisa terá de ser paga, é porque terá de haver algum esforço e colaboração do requerente no pagamento das dívidas que assumiu, mediante a afectação do seu rendimento disponível, durante cinco anos, a favor dos pagamentos devidos no processo de insolvência, mormente os devidos aos respectivos credores.

Só cumprida esta obrigação e observados outros deveres demonstrativos da sua recta conduta, é que se justifica, que seja concedido ao devedor pessoa singular o benefício da exoneração, com a consequente liberação definitiva quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento [cfr. artºs 244º, nº. 2 e 243º, nº. 1, al. a) do CIRE].

A cessão temporária do rendimento disponível é, assim, uma condição da exoneração do passivo restante.

Nesta conformidade, o devedor insolvente ao longo dos 5 anos irá somente dispor de um rendimento que lhe assegure o “sustento minimamente digno” para si e seu agregado familiar, para o que necessariamente terá de mudar hábitos de vida e de consumo (artº. 239º, nº. 3, al. b), subalínea i) do CIRE), sendo o restante rendimento disponível entregue a um fiduciário para posterior distribuição pelos credores (artº. 241º, nº. 1, al. d) do CIRE) - cfr. acórdão da RC de 29/05/2012, proc. nº. 4304/10.6TBLRA, acessível em www.dgsi.pt.

Os critérios para o cálculo do rendimento disponível do devedor requerente da exoneração do passivo restante estão previstos no n.º 3 do artigo 239º do CIRE, nos termos do qual “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;

iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

No acórdão da Relação de Lisboa de 18/01/2011 (proferido no proc. nº. 1220/10.5YXLSB-A, acessível em www.dgsi.pt) decidiu-se que “na determinação do rendimento indisponível a que alude a subalínea i) da al. b) do nº. 3 do artº. 239 do CIRE, o legislador estabeleceu dois limites: um limite mínimo, avaliado por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar), a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor; um limite máximo, obtido através de um critério quantificável e objectivo (o equivalente a três salários mínimos nacionais), o qual, excepcionalmente, poderá ser excedido em casos que o justifiquem.

Na determinação do que se deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção do legislador foi pois a de utilizar um conceito aberto, que tem por subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa”.

Temos assim que o limite mínimo a considerar como excluído do rendimento disponível, para efeitos do normativo indicado, há-de ser calculado em cada caso, de acordo com a concreta condição do devedor, orientado apenas pelo critério do que seja o sustento minimamente condigno deste e do respectivo agregado familiar; ou seja, impõe-se uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular quanto à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos.

Esta posição vem sendo defendida por boa parte da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e é também por nós sufragada (cfr. acórdãos da RL de 12/04/2011, proc. nº. 1359/09TBAMD, de 22/09/2011, proc. nº. 2924/11.0TBCSC-B e de 9/04/2013, proc. nº. 2669/12.4YXLSB-B; acórdão da RP de 12/06/2012, proc. nº. 51/12.2TBESP-E; acórdão da RC de 12/03/2013, proc. nº. 1254/12.5TBLRA-F, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso em apreço, a decisão recorrida, que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, fixou o montante de € 550 mensais a ser excluído do rendimento disponível, para os efeitos do artº. 239º, nº. 3 do CIRE, a fim de ser afecto ao sustento dos insolventes/recorrentes.

Para tanto, fundamentou-se no seguinte:

«(…)

Quanto ao valor a fixar como sustento minimamente digno do devedor, importa atender à composição do seu agregado familiar e aos respectivos encargos, sem olvidar que a exoneração do passivo restante corresponde à concessão de benefício ao insolvente, pessoa singular, traduzido num perdão de dívidas, exonerando-o dos seus débitos com a perda, para os credores, dos seus correspetivos créditos, pelo que devem ser balanceados os interesses destes credores, que vêm perder parte dos seus créditos, com o benefício que o devedor vai obter, salvaguardado um valor equilibrado para o devedor ter um sustento minimamente digno.

O salário mínimo a vigorar no ano de 2014 é de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) – cfr. Decreto-lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro.

Em sede de jurisprudência, no que respeita ao valor a considerar como sustento minimamente digno do devedor, faz-se notar, “aliás em consonância com a jurisprudência constitucional (vide, v.g., acórdão do TC n.º 177/2002, com força obrigatória geral, publicado no D.R., 1.ª série-A, n.º 150, de 02.7.2004, p. 5158), de que são reflexo as alterações introduzidas ao art.º 824.º do Código de Processo Civil pelo DL n.º 38/2003, de 8.3 (corresponde actualmente ao art. 738º do Código de Processo Civil), que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna” – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Fevereiro de 2012, disponível na base de dados antes mencionada (processo 1613/11.0TBMTJ-D.L1-2).

Daqui resulta, como elemento de referência, o salário mínimo nacional, enquanto rendimento que o legislador entendeu que devia ser reservado para a generalidade dos devedores, sem prejuízo das concretas circunstâncias do insolvente e das respectivas necessidades.

Ora, considerando que o agregado familiar dos insolventes é composto por ambos e atendendo aos valores mínimos indispensáveis a uma vida condigna de um agregado familiar tendo em conta os factos apurados, e os que se mostram razoáveis perante as despesas que se mostram necessárias à subsistência de todos os cidadãos, em função da ponderação do circunstancialismo concreto apurado e apelando ao referido critério da razoabilidade, fixado na lei, entende-se adequado, proporcional e justo fixar no valor líquido equivalente a €550,00 (quinhentos e cinquenta euros) o montante do rendimento destinado a assegurar o sustento do requerente.

Assim, deverão os insolventes ceder os rendimentos por si auferidos que ultrapassem a aludida quantia.

(…)».

Os insolventes, ora recorrentes, discordam do montante fixado pelo Tribunal “a quo” como rendimento indisponível, argumentando, em síntese, que o mesmo é manifestamente insuficiente para assegurar-lhes uma sobrevivência condigna e incentivar na procura de trabalho e na entrega ao fiduciário do valor do rendimento disponível, por forma a pagar aos credores durante 5 anos, concluindo que o rendimento a excluir da cessão deverá corresponder a € 1 200,00.

Para justificar o montante por eles reclamado, invocam as seguintes despesas mensais:

a) € 87,87 de electricidade (valor mínimo das facturas);

b) € 60,00 de despesas médicas e medicamentosas, caso não ocorra qualquer situação excepcional;

c) € 36,40 em televisão e telefone;

d) água e gás - valores não inferiores a € 30,00/€ 35,00 (resultante das regras da experiência comum);

e) deslocações diárias de casa para o trabalho e vice-versa e consultas médicas ascendem, por vezes, a cerca de € 100,00/€ 150,00 mensais;

f) alimentação e vestuário para ambos os recorrentes – valor não inferior a € 450,00;

g) € 500,00 de renda de casa.

No caso em apreço, resultou apurado que o rendimento mensal dos insolventes/recorrentes corresponde apenas à remuneração da recorrente CC, como funcionária bancária, no valor base ilíquido de € 1 210,00, sendo o seu rendimento mensal líquido, em média, superior àquele montante, conforme se mostra documentado nos autos em relação aos meses de Maio a Setembro de 2013, em que a mesma auferiu as remunerações totais líquidas de € 1 366,33, € 1 405,14, € 1 625,12, € 1 449,35 e € 1 474,39, respectivamente.

Mais se apurou que o agregado familiar dos recorrentes é constituído apenas pelos próprios, tendo aqueles de suportar as seguintes despesas médias mensais: € 500,00 de renda de casa; € 87,87 de electricidade (valor mínimo das facturas); € 36,40 em telefone e televisão (valor mínimos das facturas); € 49,45 em medicamentos (valor máximo das facturas da farmácia), despesas com a deslocação diária da recorrente para o seu local de trabalho sito no Cartaxo, alimentação, água e gás, cujos valores não se encontram documentados nos autos.

Somando apenas os valores acima referidos que concretamente se apuraram, por se mostrarem documentados nos autos, os insolventes/recorrentes têm despesas fixas mensais no valor global de cerca de € 674,00, montante este que é superior ao valor de € 550,00 fixado na sentença recorrida como o necessário para assegurar o sustento minimamente digno dos recorrentes, sendo este, pois, manifestamente insuficiente para os insolventes proverem ao seu sustento, face às despesas comprovadas. Contudo, resulta das regras da experiência comum, que ao valor de € 674,00 deverão ainda acrescer, pelo menos, as despesas com água, gás, deslocação diária da recorrente de casa para o local de trabalho e vice-versa e alimentação de ambos os recorrentes.

Consistindo a exoneração do passivo restante na concessão ao insolvente, pessoa singular, de um benefício que se traduz num perdão de dívidas com a inerente perda, para os credores, dos correspondentes créditos, forçoso é encontrar um equilíbrio entre o ressarcimento desses credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, o que significa dizer que o sacrifício financeiro dos credores justifica proporcional sacrifício do insolvente tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna.

Com relação ao sacrifício do insolvente parece, pois, medianamente evidente que o montante mensal que há-de ser-lhe dispensado não visa assegurar o padrão de vida que porventura teria antes da situação de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao visado adequar-se à especial condição em que se encontra, ou seja, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral e na medida do possível, à nova realidade que enfrenta (cfr. acórdão da RL de 9/04/2013, proc. nº. 2669/12.4YXLSB-B, acessível em www.dgsi.pt).

Deste modo, podemos concluir que não serão simplesmente as despesas enunciadas ou comprovadas que devem justificar o montante do rendimento indisponível no período da cessão, mas apenas aquelas que razoavelmente se justifiquem, reduzidas ao mínimo de vivência digna do devedor e seu agregado familiar, traduzindo uma efectiva adaptação do padrão de vida do insolvente ao estatuto que lhe foi conferido (cfr. acórdãos da RC de 29/05/2012, proc. nº. 4304/10.6TBLRA e da RL de 22/01/2013, proc. nº. 27761/11.9T2SNT, acessíveis em www.dgsi.pt).

Com efeito, o legislador não estabeleceu qualquer critério de correspondência directa entre as despesas do devedor e agregado familiar e o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, ou seja, não existe uma razão directa entre a medida deste e o peso daquelas; caso contrário, não faria sentido a fixação de um limite máximo e, por isso, o cálculo do razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado não constitui uma decorrência aritmética directa das despesas do devedor e agregado familiar.

O valor a fixar terá de levar em consideração as particularidades de cada caso, devendo ponderar-se, por um lado, que se está perante uma situação transitória, durante a qual o insolvente deverá fazer um particular esforço de contenção de despesas e de percepção de receitas de molde a atenuar ao máximo as perdas que advirão aos credores da exoneração do passivo restante e, por outro lado, atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana (artºs 1º, 59º, nº. 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP), assegurar as necessidades básicas do insolvente e do seu agregado familiar.

Em toda a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores se faz notar, aliás em consonância com a jurisprudência constitucional (vide acórdão do TC nº. 177/2002, com força obrigatória geral, publicado no D. R., 1ª série-A, nº. 150, de 2/07/2004), de que são reflexo as alterações introduzidas ao artº. 824º do CPC pelo DL 38/2003 de 8/3, que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna, cabendo ao tribunal fazer uma apreciação casuística das situações submetidas a escrutínio (cfr. acórdãos da RL de 16/02/2012, proc. nº. 1613/11.0TBMTJ-D e da RG de 17/12/2013, proc. nº. 2059/13.1TBBRG-C, acessíveis em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso dos autos, há que ponderar o rendimento mensal dos recorrentes, correspondente apenas à remuneração da recorrente CC, como funcionária bancária (cujo valor total líquido é variável, tendo nos meses acima referidos oscilado entre 1 366,33 e 1 625,12) e o montante das respectivas despesas mensais que se encontram documentadas nos autos, no montante total de cerca de € 674,00, sendo valores razoáveis para o tipo de despesas em causa.

Haverá, ainda, que contar com as despesas necessárias à alimentação, água, gás e deslocação diária da recorrente para o seu local de trabalho, que não foram contabilizadas nos valores supra referidos.

Assim, em face do quadro supra descrito e não se tendo apurado a existência de quaisquer necessidades anormais dos insolventes, entendemos ser de utilizar, “in casu”, o critério/padrão do valor do salário mínimo nacional nos termos atrás referidos.

Por outro lado, há que ter em atenção que o agregado familiar dos dois devedores insolventes é constituído apenas pelos próprios e ainda o elevado montante das dívidas reclamadas pelos seus credores.

Tudo ponderado, consideramos que, durante o período de cessão, deve ser excluída do rendimento disponível, nos termos da alínea b) do nº. 3 do artº. 239º do CIRE, a quantia de € 800 (oitocentos euros) que, em nosso entender, constitui o indispensável para os recorrentes proverem ao seu sustento com o mínimo de dignidade.

Ademais, a pretensão dos recorrentes no sentido de lhes ser fixada a quantia mensal de € 1 200,00 para assegurar o seu sustento, a ser atendida, significaria que sobraria um valor insignificante para ser distribuído pelos credores, não implicando grandes sacrifícios para os insolventes, o que seria desadequado aos fins que a lei teve em vista nesta matéria.

Ao ponto a que deixaram chegar a sua situação económica e financeira, os insolventes alguma quantia terão agora que pagar aos seus credores, baixando, correlativamente, o seu padrão de vida. Não se podem contrair aquelas dívidas e, depois, nada pagar e continuar a vida como se nada tivesse acontecido. Tem necessariamente que haver aqui um custo na sua qualidade de vida.

Na verdade, cumpre aos insolventes adaptar as suas despesas à situação especial em que se encontram, vivendo com grande modéstia e particular contenção de gastos. Conforme se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 31/01/2012 (proferido no proc. nº. 1255/11.0TBVNO-A, acessível em www.dgsi.pt) “ …os recorrentes não podem, de forma alguma, esperar obter, através do presente recurso, um padrão de vida semelhante ao que tinham anteriormente nem que este Tribunal lhes atribua um valor correspondente aos seus dispêndios em tempos de normalidade, como se os sacrifícios se destinassem aos seus credores e o “fresh start“ correspondesse a exercício de um direito a uma vida sem sobressaltos apesar de não terem honrado os seus compromissos. Está, antes, em causa a mera manutenção das suas bases de subsistência que preencham o seu direito à vida e à dignidade enquanto seres humanos”.

Por outro lado, a exclusão da cedência do montante pretendido pelos recorrentes traduzir-se-ia numa verba excessivamente reduzida, praticamente insignificante, tendo em vista a recuperação substancial dos créditos de que os insolventes são devedores, frustrando deste modo o equilíbrio que a lei primordialmente prossegue entre a tutela dos interesses dos credores no respectivo ressarcimento e a garantia de subsistência económica, em condições de dignidade, do devedor insolvente durante o período da cessão.

Ora, aqui chegados, conforme já referido, entendemos ser adequado fixar em € 800 mensais o montante a excluir do rendimento disponível, nos termos do artº. 239º, nº. 3, al. b) do CIRE, e que constitui o indispensável para que os recorrentes possam prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade.

Não sobrará muito do rendimento disponível a entregar ao fiduciário para abater às dívidas dos insolventes, para além do que vier a ser apurado com a liquidação do património da massa insolvente, constituída por um imóvel e três viaturas – apenas € 566,33 mensais, em relação ao vencimento líquido mensal mais baixo da recorrente CC que se encontra documentado nos autos (€ 1 366,33 - € 800) - mas é o possível nas circunstâncias concretas.

Termos em que deve proceder parcialmente o recurso de apelação interposto pelos insolventes, com a consequente revogação da decisão recorrida, em conformidade.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos insolventes BB e CC, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, determina-se que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo, os insolventes ficam obrigados a entregar ao fiduciário o montante de € 800 (oitocentos euros), correspondente a parte dos rendimentos por si auferidos.

Custas nos termos do artº. 248º do CIRE.




Évora, 4 de Dezembro de 2014
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Maria Alexandra Moura Santos)
(Eduardo José Caetano Tenazinha)