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CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO
DOENÇA PROFISSIONAL
Sumário
I-A declaração de caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador prestar o seu trabalho, devido a doença profissional, não está dependente de qualquer procedimento prévio, mormente a obtenção do parecer a que alude o artigo 161º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro. II-Na eventualidade da empregadora fazer cessar o vínculo laboral com fundamento na caducidade do contrato de trabalho originada pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, só tem que alegar e demonstrar a verificação do facto jurídico strictu sensu gerador da invocada caducidade, nos termos previstos pelo artigo 342º, nº1 do Código Civil. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório BB demanda CC alegando resumidamente ter sido despedida com invocação de caducidade, embora considere não existirem fundamentos para tal, pelo que peticiona a declaração da ilicitude do seu despedimento, com reintegração ou, em alternativa, uma indemnização de antiguidade, bem como a condenação da ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Pede, ainda, que a Ré seja condenada a colocar a A. em serviço compatível com a sua doença profissional.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.
Contestou a Ré, invocando a exceção da incompetência territorial do Tribunal do Trabalho do Barreiro.
Em sede de defesa, afirmou, no essencial, ter procurado a atribuição à A. de funções compatíveis com a sua incapacidade, mas sem sucesso, pelo ocorreu fundamento de caducidade do contrato de trabalho, pois verificou-se uma impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta da A. prestar o seu trabalho.
Em resposta à exceção invocada, veio a A. solicitar a remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho de Setúbal.
Por despacho de fls. 72 dos autos (referência nº 1207040) julgou-se a deduzida exceção da incompetência relativa procedente e ordenou-se a remessa do processo ao Tribunal do Trabalho de Setúbal.
Foi, então, proferido despacho saneador tabelar, tendo sido dispensada a elaboração dos temas de prova.
Foi fixada a ação o valor de € 17.707,02.
Após a realização da audiência final, foi proferida a sentença que faz fls. 18 a 25 dos autos, que julgou a ação improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
Inconformada com esta decisão, veio a A. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
«Para que a caducidade de um contrato de trabalho, possa ser invocada de forma válida, por inexistência de ocupação compatível com as saúde do trabalhador vítima de acidente de trabalho, é indispensável a avaliação e comprovação da situação, pelo serviço público com competência na área.
A inexistência de tal ato, determina a ilicitude do despedimento proferido, por falta de cumprimento de um requisito impreterível, legalmente exigido, pelo artigo 161.º n.º1 da Lei 98/2004.
Nestes termos deverá a sentença recorrida ser substituída por decisão que considere o despedimento da Recorrente, pela Recorrida ilícito, fazendo-se assim JUSTIÇA!»
Contra-alegou a R., pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo os autos subido à Relação e mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo que contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, o parecer a que alude o artigo 161º, nº1 da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro constitui um requisito obrigatório e essencial para a cessação do contrato de trabalho, nos termos do artigo 343º, alínea b) do Código do Trabalho, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e o recurso ser julgado procedente.
A recorrida respondeu, manifestando a sua discordância com a posição assumida.
Foram dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, a questão que importa apreciar e conhecer é a de saber se a cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes processuais deve considerar-se ilícita, por inobservância dos trâmites legais, com as consequências que tal apreciação implique.
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III. Fundamentação de facto O tribunal da 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1.A A. foi admitida pela Ré no dia 2 de Novembro de 2004, com a categoria profissional de operadora de triagem, tendo posteriormente sido enquadrada como operadora de triagem – nível 1;
2.Em Janeiro de 2013, a A. auferia a retribuição base mensal de € 798,00, acrescendo € 6,41 diários a título de subsídio de refeição, e € 5,00 de subsídio de transporte por cada dia de trabalho;
3.A A. foi submetida a exame médico em 11.05.2011, pelo Dr. DD, médico prestando serviço de medicina do trabalho junto da Ré, o qual a declarou inapta temporariamente para o trabalho e recomendou que a mesma “deverá iniciar baixa por doença profissional”;
4.Em 12.05.2011, a A. iniciou um período de baixa por doença, situação esta em que se manteve ininterruptamente até 09.07.2012;
5.Por carta datada de 02.07.2012, o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais informou a A. que lhe iria ser dada alta por doença profissional, devendo apresentar-se ao serviço no dia 10.07.2012;
6.O mesmo ofício informou a A. que lhe havia sido reconhecida doença profissional com incapacidade de 13%;
7. A A. apresentava tendinite nos membros superiores, impedindo-a de realizar esforços violentos com os mesmos;
8.Em 11.07.2012, o já referido médico do trabalho declarou a A. apta condicionalmente e recomendou que “Deverá ter rotatividade em área de trabalho, devendoestar na linha, por exemplo, de manhã e fazer os restantes postos de triagem à tarde. A rever em Setembro”;
9.Na sequência da dita recomendação médica, os serviços de SHST da Ré sugeriram que a A. passasse a trabalhar quatro horas na linha, a separar embalagens, e as restantes quatro horas no chão da fábrica a efetuar outros trabalhos que fossem necessários;
10.Após acordo com a A., esta foi integrada no horário 2, passando a desempenhar um misto de atividades de triagem, limpeza e manutenção de primeiro nível dos equipamentos;
11.Não obstante a significativa diminuição do esforço físico reclamado pelas novas funções, a A. continuou a apresentar queixas;
12.No dia 10.09.2012, após exame à A., o referido médico do trabalho continuou a declará-la apta condicionalmente e recomendou que esta “deverá ter escala de manhã para evitar rotação para postos de trabalho mais penosos (ex., evitar PAD-PET)”;
13.Na sequência da consulta médica que teve lugar no dia 07.11.2012, o Dr. DD assinalou que a A. se encontrava inapta definitivamente para o trabalho;
14.Porém, tendo a Ré atribuído à A. novas funções – auxiliar de produção – o referido médico do trabalho examinou-a de novo em 21.11.2012 e considerou-a apta condicionalmente para o desempenho destas funções, observando que “em virtude de ser tarefa nova, deverá ter formação adequada evitando movimentos repetitivos. A rever daqui a quinze dias”;
15.A A. recusou-se a apor a sua assinatura na ficha de aptidão elaborada em consequência deste exame médico, declarando ter tomado conhecimento do seu teor;
16.No mesmo dia 21.11.2012, em reunião em que estiveram presentes, para além do médico e da própria A., também a sua chefia direta Eng. EE e a responsável dos Recursos Humanos, Dra. FF, foi dito à A. que não existia na triagem qualquer posto de trabalho cujas funções fossem compatíveis com as queixas por si apresentadas;
17.Na mesma reunião foi comunicado à A. que a partir do dia 26.11.2012 passaria a desempenhar funções de “auxiliar de produção”, limitando-se a desempenhar as tarefas de limpeza dos arruamentos e outros trabalhos que não exigissem grande esforço físico;
18.Não obstante as atrás referidas alterações de funções promovidas pela Ré, a A. continuou a afirmar que não tinha condições para desempenhar as novas funções que lhe foram atribuídas;
19.Em 22.05.2013, após novo exame médico, o médico do trabalho declarou a A. inapta definitivamente, tendo registado em recomendação que “com base nas queixas e na necessidade de defesa da saúde da trabalhadora, considero que não estão reunidas as condições para manter uma saudável relação entre a D. BB e o seu posto de trabalho”;
20.No dia 23.05.2013 a A. iniciou novo período de baixa por doença, situação em que se manteve ininterruptamente até 01.09.2013;
21.Por carta datada de 24.05.2013, a Ré solicitou à A. que procurasse o seu médico de família para “caso conclua que existe uma impossibilidade absoluta e definitiva para a prestação do trabalho habitual, poder elaborar atestado médico, com vista à instrução de processo de reforma por invalidez”;
22.Por ofício datado de 19.06.2013, a Ré solicitou ao IEFP a verificação e confirmação da impossibilidade de assegurar ocupação compatível com o estado de saúde da trabalhadora;
23.Tendo o IEFP respondido, por ofício de 01.07.2013, informando da remessa do processo da A. à DRLVT;
24.Em 06.08.2013 o IEFP solicitou à Ré o envio de diversos elementos/documentos relativos à situação da A., o que aquela satisfez em 03.09.2013;
25.Em 02.09.2013 a A. foi sujeita a mais outro exame médico, tendo o Dr. DD confirmado a inaptidão definitiva da A., esclarecendo que “a inaptidão resulta das queixas clínicas que a trabalhadora apresentou nos postos de trabalho que executou e que se prevê serem queixas crónicas”;
26.No dia 03.09.2013, a Ré comunicou à A. que, tendo em conta a situação de inaptidão definitiva para o trabalho que lhe foi reconhecida, estava dispensada de comparecer ao serviço, sem perda de qualquer direito ou regalia, até ao dia 08.09.2013, convocando-a ainda para uma reunião a decorrer no dia 06.09.2013, às 15.00 hs., destinada a apreciar qual a modalidade de cessação do contrato de trabalho melhor adequada à sua situação;
27.Nesta reunião, a Ré comunicou à A. que, na sua perspetiva, era inevitável a cessação do seu contrato de trabalho, propondo que a mesma decorresse no âmbito de um processo de redução de efetivos então em curso nas empresas que integravam o sector empresarial do Estado, mediante o pagamento de uma indemnização;
28.A A. não aceitou esta proposta;
29.Por carta datada de 06.09.2013, recebida pela A. a 8 seguinte, a Ré comunicou-lhe a caducidade do seu contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva para prestar o trabalho para o qual havia sido contratada;
30.A Ré não dispõe de qualquer outro posto de trabalho disponível e compatível com a incapacidade da A.;
31.A Ré procurou, dentro das limitações decorrentes das qualificações da A., encontrar funções compatíveis com o seu estado de saúde;
32.A Ré sempre procurou acatar as recomendações médicas no sentido de facultar à A. a prestação de trabalhos mais leves ou menos repetitivos, atenta a sua tendinite;
33.Porém, dada a atividade específica a que se dedica – valorização e tratamento de resíduos sólidos – os postos de trabalho existentes na Ré para trabalhadores com os níveis de qualificação profissional da A., exigem uma grande solicitação dos membros superiores.
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IV. Enquadramento jurídico
Considerando a questão sub judice, supra identificada, para se conhecer da mesma, julgamos ser pertinente o destaque de alguns aspetos que emergem do acervo factual dado como provado.
A apelante foi admitida ao serviço da apelada em 2 de novembro de 2004, com a categoria profissional de operadora de triagem. Mais tarde, o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais veio a reconhecer que a demandante estava afetada de doença profissional, com incapacidade de 13%.
Após diversas vicissitudes relacionadas com a específica situação clínica da A./apelante e o exercício da sua atividade profissional, ao serviço da ré, por carta datada de 06-09-2013, recebida pela trabalhadora a 8 seguinte, a R./apelada comunicou-lhe a caducidade do seu contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva para prestar o trabalho para o qual havia sido contratada.
Alega a recorrente que a cessação da relação laboral é ilícita, porquanto a empregadora não observou a tramitação legalmente prevista para tal modalidade de extinção do contrato de trabalho, designadamente não obteve a necessária avaliação e confirmação pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional, da impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado da trabalhadora, nos termos previstos pelo artigo 161º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
Apreciemos!
É consabido que o contrato de trabalho pode cessar por caducidade justificada pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 340º, alínea a) e 343º, alínea b), ambos do Código do Trabalho.
A caducidade como forma extintiva (não retroativa) de efeitos jurídicos ocorre quando se verifica um facto jurídico strictu sensu, isto é, independentemente de qualquer manifestação de vontade (cfr. Dicionário Jurídico, Ana Prata, 3ª edição, págs. 82 e 83).
Deste modo, a caducidade não está dependente de qualquer procedimento. Apenas está sujeita à verificação do facto jurídico relevante que a faz operar.
Por conseguinte, reportando-nos à situação especificamente tratada nos presentes autos, há que deixar claro que a caducidade do contrato de trabalho invocada não está sujeita a qualquer procedimento (exigido para outras formas de extinção do vínculo laboral). A caducidade do contrato de trabalho apenas depende da verificação de qualquer uma das situações previstas no artigo 343º do Código do Trabalho, entre elas, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho (que é a que nos interessa para a situação em apreço nos autos).
Assim, no nosso entender, falece a recorrente de absoluta razão ao considerar que a cessação do seu contrato de trabalho se mostra ilícita, pela falta de observância dos trâmites legais, designadamente pela falta de obtenção, pela empregadora, do parecer a que alude o artigo 161º da Lei nº98/2009, de 4 de setembro.
Dispõe o aludido normativo: « 1 - Quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo. 2 - Se o serviço público competente na área do emprego e formação profissional concluir pela viabilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, o empregador deve colocar o trabalhador em ocupação e função compatíveis, sugerindo-lhe, se for caso disso, que solicite ao centro de emprego da área geográfica do local de trabalho os apoios previstos no artigo anterior. 3 - Caso o serviço público competente na área do emprego e formação profissional conclua pela impossibilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, solicita a intervenção do centro de emprego da área geográfica da residência do trabalhador, no sentido de o apoiar a encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional.»
A previsão deste normativo insere-se no capítulo da “Reabilitação e Reintegração profissional”, do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, respeitando a medidas que devem ser tomadas no âmbito do direito de reparação consagrado neste regime, para minimizar as consequências derivadas da ocorrência de um acidente de trabalho ou da circunstância do trabalhador ter contraído doença devido ao exercício da sua profissão.
As medidas previstas neste capítulo, mormente a consagrada na disposição legal citada não constitui uma condição sine qua non para que a empregadora possa invocar a verificação da situação contemplada pela alínea b) do artigo 343º do Código do Trabalho, como razão para a caducidade do contrato.
Na eventualidade da empregadora fazer cessar o vínculo laboral com fundamento na caducidade do contrato de trabalho originada pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, só tem que alegar e demonstrar a verificação do facto jurídico strictu sensu gerador da invocada caducidade, nos termos previstos pelo artigo 342º, nº1 do Código Civil.
Por conseguinte, no nosso entender, não assiste razão à apelante quando afirma que “[p]ara que a caducidade de um contrato de trabalho, possa ser invocada de forma válida, por inexistência de ocupação compatível com as saúde do trabalhador vítima de acidente de trabalho, é indispensável a avaliação e comprovação da situação, pelo serviço público com competência na área” e que “a inexistência de tal ato, determina a ilicitude do despedimento proferido, por falta de cumprimento de um requisito impreterível, legalmente exigido, pelo artigo 161.º n.º1 da Lei 98/2004.” (querendo, naturalmente, referir-se à Lei nº98/2009).
Em suma, sendo esta a única questão suscitada em sede de recurso e mostrando-se a mesma improcedente, há que negar provimento ao recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
A recorrente está isenta de custas.
Notifique.