FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário


I -A nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio acto que constitua a sua primeira intervenção no processo, sob pena de sanação nos termos do artigo 196º do Código de Processo Civil.
II -Necessário para que a intervenção no processo seja relevante para efeitos de sanação da falta de citação é que a mesma pressuponha o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação.
III -Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado/requerido intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia, o que se verifica com a constituição de advogado.
IV -A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. Nos autos de processo especial de Divisão de Coisa Comum, actualmente a correr termos na Comarca de Évora, (Estremoz – Inst. Local - Sec. Comp. GEn – J1), sob o n.º 401/10.6TBETZ, em que é Requerente BB e Requeridos CC e outro(s), veio o Requerido CC, em 29 de Janeiro de 2014, arguir a sua falta de citação, alegando, em síntese, que não reside na morada onde foi efectuada a citação, e que a pessoa a quem foi entregue o aviso não lhe comunicou tal facto, requerendo a repetição de todos os actos praticados, incluindo o acto da citação.

2. Notificada a Requerente pugnou pelo indeferimento do requerido por inadmissibilidade legal.

3. Por despacho de 28 de Fevereiro de 2014 foi desatendida a pretensão do Requerido, com os seguintes fundamentos [segue transcrição do despacho na parte relevante]:
“(…)
Compulsados os presentes autos constata-se que o interessado CC foi citado para os termos do processo por via postal com aviso de recepção, nos termos do disposto no artigo 236.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior à Lei n.º 41/2013), tendo tal aviso sido assinado por terceira pessoa, na sequência do que foi dado cumprimento ao estatuído no artigo 241.º do referido diploma.
Sem prejuízo da legal obrigação da terceira pessoa que receba aviso de citação de comunicar tal acto ao citando, tal como decorre do n.º 1 e 3 do citado artigo 236.º do CPC, estabelece o artigo 194.º alínea a) do mesmo diploma que é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando, o réu não tenha sido citado.
Considera, por outro lado o artigo 195.º n.º 1 alínea e) do CPC, que haverá falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
In casu, o Requerido alega não ter tido conhecimento do acto de citação por facto que não lhe é imputável, tendo, inclusivamente, indicado prova testemunhal, porém não se pode olvidar do demais previsto na lei, nomeadamente, no que concerne ao prazo para arguição da referida nulidade.
Com efeito, resulta do estatuído no artigo 196.º do CPC que se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, a mesma considera-se sanada.
Ora, tal sanação ocorreu no caso em apreço, senão vejamos.
Em 1 de Dezembro de 2013 procedeu o Requerido CC à junção aos autos de procuração passada a favor de mandatário constituído, nada mais tendo requerido. E só em 29 de Janeiro de 2014 veio o mesmo invocar a sua falta de citação. Do processado decorre, pois, que, mesmo a ter ocorrido falta de citação por facto que não lhe é imputável, o Requerido interveio no processo sem ter arguido a nulidade daí decorrente, pelo que a mesma se sanou.
Pelo exposto, decide-se, por falta dos pressupostos legais, não declarar a nulidade do processado decorrente da invocada falta de citação do Requerido CC, nos termos do disposto nos artigos 194.º, alínea a), 195.º e 196.º, do CPC e, consequentemente, determinar o normal prosseguimento dos autos.
(…).”

4. Inconformado, recorreu o Requerido, pedindo a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento dos autos para apreciação dos invocados vício de “falta e nulidade da citação”.
Para tanto, invoca o Recorrente o seguinte [transcrevem-se as conclusões do recurso]:
1.ª O Tribunal “a quo” fundamenta esse despacho considerando que “em 1 de Dezembro de 2013 procedeu o Requerido CC à junção aos autos de procuração passada a favor de mandatário constituído, nada mais tendo requerido. E só em 29 de Janeiro de 2014 veio o mesmo invocar a sua falta de citação. Do processado decorre, pois, que mesmo a ter ocorrido falta de citação por facto que não foi imputável, o requerido interveio no processo sem arguido a nulidade daí decorrente, pelo que a mesma se sanou”.
2.ª E continua a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”: “Pelo exposto, decide-se, por falta de pressupostos legais, não declarar a nulidade do processado decorrente da invocada falta de citação do Requerido CC, nos termos do disposto nos artigos 194.º , alínea a), 195.º e 196.º, do CPC e, consequentemente, determinar o normal prosseguimento dos autos…”.
3.ª O recorrente, não pode conformar-se com o teor do aludido despacho, porquanto e, desde logo, é o próprio Tribunal “a quo” que tendo em conta o requerimento apresentado pelo Recorrente através da sua mandatária que refere: “…constata-se que o interessado CC foi citado para os termos do processo por via postal com aviso de recepção, nos termos do disposto no artigo 236.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior à Lei nº 41/2013), tendo tal aviso sido assinado por terceira pessoa, na sequência do que foi dado cumprimento ao estatuído no artigo 241.º do referido diploma.
Sem prejuízo da legal obrigação da terceira pessoa que receba aviso de citação de comunicar tal acto ao citando, tal como decorre do nº 1 e 3 do citado artigo 236.º do CPC, estabelece o artigo 194.º alínea a) do mesmo diploma que é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando, o réu não tenha sido citado…”
4.ª A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” refere: “Considera, por outro lado o artigo 195.º n.º 1 alínea e) do CPC, que haverá falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
In casu, o Requerido alega não ter tido conhecimento do acto de citação por facto que não lhe é imputável, tendo, inclusivamente, indicado prova testemunhal, porém não se pode olvidar do demais previsto na lei, nomeadamente, no que concerne ao prazo para a arguição da referida nulidade.
Com efeito, resulta do estatuído no artigo 196.º do CPC que se o réu intervir no processo sem arguir logo a falta da sua citação, mesma considera-se sanada.
5.ª Acrescenta ainda: “Ora tal sanação ocorreu no caso em apreço, senão vejamos.
Em 1 de Dezembro de 2013 procedeu o Requerido CC à junção aos autos de procuração passada a favor de mandatário constituído, nada mais tendo requerido. E só em 29 de Janeiro de 2014 veio o mesmo invocar a sua falta de citação. Do processado decorre, pois, que mesmo a ter ocorrido falta de citação por facto que não foi imputável, o requerido interveio no processo sem arguido a nulidade daí decorrente, pelo que a mesma se sanou”.
6.ª Continua a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo: “Pelo exposto, decide-se, por falta de pressupostos legais, não declarar a nulidade do processado decorrente da invocada falta de citação do Requerido CC, nos termos do disposto nos artigos 194.º, alínea a), 195.º e 196.º, do CPC e, consequentemente, determinar o normal prosseguimento dos autos…”.
7.ª Não pode o Recorrente conformar-se com o teor do aludido despacho, porquanto quando em 1 de Dezembro de 2013, foi junta procuração aos autos, outorgada pelo mesmo a favor da sua mandatária judicial, visava precisamente a possibilidade de conhecer o teor dos autos com vista à conveniente arguição (quer da falta, quer da nulidade de citação)
8.ª Aliás, no requerimento que a mandatária apresentou constava o seguinte: “…Requerido no processo à margem referenciado e nele melhor identificado, vem mui respeitosamente requerer aos presentes a junção de procuração forense, requerendo, desde já, que a mandatária ora constituída seja adicionada ao processo via citius…”.
9.ª Na realidade, até poucos dias antes do dia 26 de Novembro data em que foi outorgada a procuração à mandatária, o Requerido ora Recorrente desconhecia por completo a existência de qualquer processo judicial, sendo que foram familiares do mesmo, que contactaram com o filho do Requerido, DD e que o informaram que andavam algumas pessoas a ocupar todo o prédio rústico e que se veio, posteriormente, a saber ter sido “vendido” nos presentes autos, e que era também propriedade do Requerido e foram esses mesmos familiares que informaram o filho deste que existiria a correr seus termos um processo judicial.
10.ª O filho do requerido que reside em Ourozinho, concelho de Penedono e Distrito de Viseu após ter encetado vários contactos telefónicos conseguiu saber que o processo corria seus termos no Tribunal “a quo” e, telefonicamente, foi –lhe facultado o número de processo.
11.ª Após tal facto, contactou com o seu pai para Lar onde reside e informou-o do que havia tomado conhecimento, após o que decidiram fazer algumas diligências.
12.ª Foi nesse seguimento, que conforme se deixou dito, foi junta a procuração forense que, repete-se, visava precisamente a possibilidade de conhecer o teor dos autos com vista a despoletar os mecanismos legais ao dispor do Recorrente.
13.ª Ora, no momento em que foi junta a procuração forense havia um total desconhecimento por parte do Recorrente do tipo, conteúdo do processo e de todas as diligências que já haviam sido realizadas.
14.ª Daí ter a mandatária requerido, desde logo, que a mesma fosse adicionada ao processo via citius.
15.ª Precisamente porque o escritório da mandatária do Recorrente se situa em Meda, distrito da Guarda e correndo os presentes autos seus termos pelo Tribunal Judicial de Estremoz, a inserção electrónica via “citius” a figurava-se, obviamente, a forma mais célere, prática e expedita de consultar os autos, com intuito de garantir todas as possibilidades de defesa ao Recorrente.
16.ª Na realidade, só através do conhecimento dos autos podia o Recorrente, “retius”, a sua mandatária judicial ter conhecimento dos actos e vícios processuais cometidos e de que enfermam os presentes autos - explicitados no requerimento que apresentou e relativamente ao qual recaiu o despacho de que ora se recorre por forma a garantir todas as possibilidades de defesa do Recorrente.
17.ª Não pode, pois, o Recorrente, compreender o teor do presente despacho, contrário à lei, aos princípios constitucionais e ao arrepio do que consta do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto - Processo nº 0835621 de 17/12/2008, in www.dgsi.pt.
18.ª Quanto à falta de citação, dispõe o artigo 196º do C.P.C. (actual 189º) o seguinte: “Se o Réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.
19.ª Quanto à nulidade da citação, dispõe o artigo 198º nº 2 do CPC (actual 191º nº 2) do seguinte modo: “o prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo”.
20.ª Ora, não é toda e qualquer intervenção no processo que se há-de ter por suficiente para preencher as finalidades do disposto nos artigos 196º (actual 189º) e 198º nº 2 (actual 191º) ambos do C.P.C, como se refere -e bem- no douto acórdão supra mencionado:
21.ª “Afigura-se-nos, porém, que essa intervenção, para assumir relevo para aquele efeito, envolve ou pressupõe o conhecimento pelo réu da pendência do processo declarativo, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.
A intervenção deve mostrar que o interessado teve, do processo, aquele conhecimento que a citação lhe deveria dar, e revela que a falta o não impediu de vir a juízo pugnar pelo seu direito.
A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação…”.
“…A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…) – art. 228ºnº1.
Segundo a alegação da opoente, a citação na acção declarativa não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável (não residia na morada para onde foi remetida a carta registada com AR).
Estar-se-ia, portanto, perante falta de citação – art. 195º nº 1 e).
Esta nulidade pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, a não ser que deva considerar-se sanada – art. 202º.
E pode ser arguida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada – art. 204º nº 2.
O juiz conhece dessa nulidade logo que dela se aperceba, podendo suscitá-la em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada – art. 206º nº 1.
Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade – art. 196º.
A nulidade da falta de citação pode, pois, ser arguida ou conhecida oficiosamente (não se encontrando sanada) em qualquer estado do processo, ou seja, enquanto o processo pender; pode ser arguida ou conhecida oficiosamente na 1ª instância até à sentença final e se desta se interpuser recurso, pode sê-lo no tribunal de recurso.
Não sendo sanada durante o processo declarativo, a nulidade da falta de citação pode ainda ser invocada como fundamento de recurso de revisão (art. 771º, e)) ou de oposição à execução (art. 814º, al. d))…”
22.ª A simples junção aos autos de procuração forense no presente caso, teve como intenção poder conhecer o processo e arguir os vícios (falta e nulidade da citação) de que os autos enfermam e que foram alegados no requerimento apresentado em 29/01/2014.
23.ª A junção de procuração não revelou qualquer desinteresse ou desnecessidade de arguição da nulidade.
24.ª A entender-se como se entendeu no despacho recorrido, a situação poderia constituir para o Requerido (estando este completamente de boa fé e desconhecendo o conteúdo de todo o processo) uma verdadeira “armadilha”, impondo-se-lhe uma conduta com um significado que ele não dominava de qualquer forma,
25.ª Tal facto seria pouco coerente com um processo equitativo de exigência constitucional (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, doravante designada C.R.P.), como vem referido no douto acórdão supra mencionado
26.ª Por tudo o exposto, e tendo proferido o despacho recorrido, o Tribunal “a quo” violou, entre outros, o disposto nos artigos 196º (actual 189º) e 198º nº 2 (actual 191º), ambos do C.P.C., bem como o disposto no artigo 20º da C.R.P.

5. O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a esta Relação, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para apreciação do recurso relevam as ocorrências processuais acima referidas no relato dos autos.

B) – O Direito
1. O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se pode considerar-se sanada a nulidade da falta de citação com a junção aos autos pelo requerido de procuração forense, passada a mandatário judicial, sem arguir a falta da sua citação.

2. No que se reporta aos vícios da citação, a nossa lei processual importa distingue as situações de falta de citação das que constituem nulidade da citação.
Efectivamente, a falta de citação, prevista no artigo 194º e caracterizada no artigo 195º, ambos do Código de Processo Civil (na redacção em vigor à data dos factos, ou seja, anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), não se confunde com a nulidade da citação, que tem previsão no artigo 198º, n.º 1, do mesmo código.
Porque diferentes, bem se entende que diferente seja também o regime de uma e outra. Enquanto a primeira acarreta a anulação de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, a mera nulidade da citação pode não importar a anulação de coisa alguma: a arguição só será atendida, se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
E diferente é também o prazo para a arguição de cada um dos vícios: - a falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada (cf. artigo 204º, n.º 2 do Código de Processo Civil), mas considera-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta (cf. artigo 196º do mesmo código); - a nulidade da citação terá de ser arguida no prazo indicado para a contestação, ou - no caso de citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa - quando da primeira intervenção do citado no processo (cf. artigo 198º, n.º 2 daquele código).
Como decorre do artigo 195º do Código de Processo Civil, há falta de citação, quando o acto tenha sido completamente omitido (cf. alínea a)), e ainda naquelas situações que, pela sua gravidade, lhe são equiparadas (cf. alíneas b) e e)).
Por sua vez, a nulidade da citação ocorre quando na citação não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei (cf. artigo 198º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

3. No caso em apreço, como resulta dos elementos juntos aos autos (e tal não constitui situação controvertida), o Requerido foi citado por via postal, por carta registada com aviso de recepção, o qual foi assinado por terceira pessoa, tendo, por esse facto, sido remetida carta simples ao citando.
O regime de citação por via postal, no caso de o aviso de recepção da carta ter sido assinado por terceiro que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando, está previsto nos artigos 233º, n.º 4, 236º, n.º 2, 238º, n.º1, e 241º do Código de Processo Civil, dos quais resulta que a citação considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Exige ainda a lei que, sempre que a citação seja efectuada em pessoa diversa do citando, é enviada a este uma nova carta registada, nos termos do disposto no citado artigo 241º, destinada a confirmar a citação já realizada, comunicando ao citando os elementos essenciais da citação, acrescidos da indicação da pessoa que recebeu a carta registada com aviso de recepção e da data em que citação se considera realizada, garantindo-se, desta forma que o citando, se ainda não tiver tido conhecimento da citação ou se o terceiro não lhe tiver ainda transmitido os elementos recebidos, possa tomar pleno conhecimento do acto de citação e do seu conteúdo.
Porém, como se diz no Acórdão da Relação de Guimarães, de 5/04/2011 (proc. n.º 172/10.6TBC-C.G1, disponível, como os demais citados em outra referência em: www.dgsi.pt), o citando pode ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 238º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por duas vias: - mediante a prova de que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que não lhe é imputável, ou seja, mediante a prova de que, sem culpa, a carta não lhe foi entregue, o que implica o reconhecimento da nulidade de falta de citação (cf. artigos 194.º, alínea a), e 195.º, alínea e) do Código de Processo Civil) e, consequentemente, a necessidade de repetição do acto; ou - mediante a prova de que teve conhecimento tardio do acto da citação por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, viabilizando-se, assim, a prática do acto processual em momento também ulterior àquele que seria de considerar se a presunção de oportuna entrega não fosse ilidida, devendo, neste caso, o destinatário ilidir a referida presunção logo que intervenha no processo, nos termos do disposto no artigo 198.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pois estamos face a uma nulidade de citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação ao destinatário (cf. artigos 198.º, n.º 1, 236º, n.ºs 2 e 4, e 238.º, n.º1 do Código de Processo Civil).

4. Através do requerimento de 29 de Janeiro de 2014, o Requerido veio alegar que “não reside na morada para a qual foram dirigidas as notificações do presente processo” e que “a Requerida nunca prestou qualquer informação ao Requerido acerca das notificações que lhe foram dirigidas para a morada constante dos autos, motivo pelo qual teve pleno desconhecimento do processo até há poucas semanas atrás”, e que “o processo correu seus trâmites sem que o mesmo sequer tenha sido citado”. Em consequência, requereu “a repetição de todos os actos praticados no processo” e a sua citação para a morada que indica no mesmo requerimento.
Com tal argumentação procura o Requerido demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que não lhe é imputável.
Esta situação, a comprovar-se, configura, pois, um caso de falta de citação, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, e não de nulidade da citação, que, no caso, ocorreria se o Requerido tivesse invocado que teve conhecimento tardio do acto da citação por demora do terceiro encarregado de entregar a carta de citação.
Entendeu-se, porém, no despacho recorrido que, mesmo a ter ocorrido falta de citação por facto não imputável ao Requerido, este interveio no processo, juntando procuração forense em 1 de Dezembro de 2013, sem arguir a nulidade em causa, pelo que a mesma se sanou, face ao disposto no artigo 196.º do Código de Processo Civil, onde se prescreve que: “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.
Porém, argumenta o Recorrente que a simples junção da procuração não pode ter aquele efeito, pois destinou-se a poder conhecer o processo e arguir os vícios da citação, que vieram a ser alegados no requerimento de 29 de Janeiro de 2014, não revelando qualquer desinteresse ou desnecessidade de arguição da nulidade.
Vejamos:

5. Não nos diz a lei o que se deve entender por “intervenção no processo”.
A este respeito, Alberto dos Reis explicava que, enquanto o réu ou o Ministério Público se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se conservar alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 313), acrescentando que “[d]esde que o réu, por sua vontade, intervém no processo, não deve poder arguir a falta da sua citação. Por outras palavras: se a quiser arguir, não deve intervir no processo, pois não é a isso obrigado. O réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argui a falta da sua citação” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pág. 447, reproduzindo intervenção do Prof. Barbosa de Magalhães no âmbito da Comissão Revisora, que propôs a eliminação do prazo de cinco dias para arguir a falta de citação, que constava do artigo 224º do Projecto, e que foi aceite).
Em consequência destas observações, conclui o mesmo autor, “…, declarou-se que que a falta fica sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo” (cf. ob. e loc. cit.).
Rodrigues Bastos, por seu turno, afirmava que parece claro que o réu não intervém no processo enquanto se mantiver o seu estado de revelia, o que vale por dizer enquanto se não apresentar a praticar qualquer acto judicial. Por “intervenção no processo” entendemos, pois, a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia do réu (Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., pág. 398)
Para Lebre de Freitas, “[a]o intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 357).
E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é, no dizer do Acórdão da Relação do Porto, de 17/12/2008 (proc. n.º 0835621), que a mesma pressuponha “[o] conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”.
“Será, assim, suficiente qualquer intervenção do réu no processo, ainda que não qualificada como defesa ou mesmo formalmente inválida, para por termo à revelia absoluta, bastando, para tanto, a simples junção de procuração a mandatário judicial”, como se concluiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 5/04/2011, já citado.
Em idêntico sentido, com o qual se concorda, concluiu-se no Acórdão da Relação do Porto, de 25/11/2013 (proc. n.º 192/12.6TBBAO-B.P1), que “a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação”.

6. Sendo o efectivo conhecimento da pendência de um processo contra o réu, executado ou requerido um elemento essencial para o exercício do direito de defesa, é inquestionável a relevância do acto de citação e cumprimento escrupuloso das respectivas formalidades, funcionalmente conexionadas com a garantia de que o destinatário teve efectivo acesso aos elementos que a lei impõe que lhe sejam facultados, como condição para poder exercitar o seu direito fundamental de acesso aos tribunais.
Porém, esta relevância decisiva do acto e formalidades da citação, na sua conexão com a garantia fundamental de acesso aos tribunais, não obsta a que a lei de processo possa estabelecer regimes cominatórios ou preclusivos quanto à invocabilidade do vício ou irregularidade, fundados num princípio, também de fundamental importância no sistema judiciário, de estabilidade e segurança processuais, impondo por esta via ao citando o ónus de invocar atempadamente os vícios que considere afectarem o acto de citação: o que naturalmente se impõe é que tais ónus, preclusões ou cominações sejam adequados e proporcionais, não devendo representar um regime de invocabilidade excessivamente oneroso para o réu ou executado (cf. neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5/06/2012 – proc. n.º 409/10.1TCFUN.L1.S1).
Não colhe, assim, a argumentação do recorrente no sentido de que a junção da procuração teve por objectivo conhecer o processo e arguir os vícios, pois a parte ao juntar a procuração aos autos na qualidade de “Requerido” sabia perfeitamente que corria contra si o processo em causa, e conhecia tal facto, pelo menos, desde 26 de Novembro de 2013, data em que outorgou a procuração em causa à sua mandatária, como refere na conclusão 9ª.
Munida da procuração e conhecedora da pendência do processo, estava, pois, o Requerido, através da sua mandatária, em condições de a ele aceder junto do tribunal onde o mesmo pendia, podendo e devendo ter arguido a falta da sua citação aquando da junção aos autos da procuração forense, sendo certo que a ter-se verificado a alegada falta de citação, tal facto era do conhecimento do Requerido.
Não o tendo feito, face ao disposto no artigo 196º do Código de Processo Civil, mostra-se sanada a nulidade decorrente da alegada falta de citação, não se concedendo que a imposição de tal ónus, nas circunstâncias acima descritas, estando o Requerido assistido por mandatário judicial, constitua um ónus desrazoável ou desproporcionado violador dos princípios decorrentes do artigo 20º da Constituição, ainda mais num caso como o dos autos em que a arguida falta apenas veio a ocorrer mais de um mês depois da junção da procuração aos autos (já se descontando neste lapso temporal as férias judiciais do Natal).
*
C) - Sumário
I - A nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio acto que constitua a sua primeira intervenção no processo, sob pena de sanação nos termos do artigo 196º do Código de Processo Civil.
II - Necessário para que a intervenção no processo seja relevante para efeitos de sanação da falta de citação é que a mesma pressuponha o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação.
III - Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado/requerido intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia, o que se verifica com a constituição de advogado.
IV - A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
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III – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas a cargo do Recorrente.
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Évora, 16 de Abril de 2015

(Francisco Xavier)

(Elisabete Valente)

(Cristina Cerdeira)