ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
MOTORISTA
Sumário


Pela sua gravidade e consequências, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo assumido pelo Autor quando, no exercício das suas funções de motorista de pesados de passageiros ao serviço da Ré, conduzia um autocarro que a esta pertencia e entrou num cruzamento sem parar nem facultar a passagem a um outro autocarro que se apresentava pela sua direita, cortando a linha de trânsito deste outro veículo à entrada de um cruzamento, sendo que nesse local se encontrava colocado o sinal B2 (sinal de paragem obrigatória na interceção, vulgo sinal de STOP) referido no art.º 21º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/1998 de 1 de outubro, tendo o Autor, com tal comportamento, provocado o acidente entre as duas viaturas, bem como ferimentos nos dois condutores e em vinte e um passageiros transportados em ambos os veículos, assim como danos nas duas viaturas, sendo que o autocarro da Ré ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios, tendo sido necessário recorrer a um reboque para o retirar do local e transportá-lo para as instalações desta e, posteriormente, para o estabelecimento do reparador, cabendo à Ré suportar, em exclusivo, os custos de reparação do seu próprio autocarro, para além de que, até à completa reparação do mesmo, ficou esta privada de o utilizar no exercício da sua atividade de transporte público de passageiros.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora.

I. Relatório.
BB, (...), instaurou no Tribunal do Trabalho de Setúbal – agora Comarca de Setúbal - Instância Central - 1º Sec. Trabalho - J2 – mediante o formulário a que se alude nos artigos 98º-C e 98º-D do Código de Processo do Trabalho, a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra a Ré CC Transportes, S.A. com sede na (...), requerendo fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento de que foi alvo por parte da Ré em 2 de outubro de 2013.
Convocados o Autor e a Ré para uma audiência de partes, frustrou-se a tentativa de conciliação aí realizada, motivo pelo qual foi esta notificada para apresentar articulado motivador do aludido despedimento, o que fez apresentando o articulado de fls. 25 e seguintes dos autos, no qual e em síntese, alega que em 17 de junho de 2010 admitiu o Autor para, mediante remuneração lhe prestar as funções de motorista de automóveis pesados de passageiros, podendo fazê-lo em regime de agente único – desempenhando as funções de motorista e as de venda de bilhetes aos passageiros que não fossem portadores de título de transporte válido.
Essa relação de trabalho cessou por despedimento do Autor decretado pela Ré em 25 de setembro de 2013, na sequência de procedimento disciplinar no qual se apurou que, competindo ao Autor, além do mais, conduzir veículos automóveis pesados para o transporte de passageiros, designadamente em carreiras expresso, serviços ocasionais e serviços regulares especializados, no dia 28 de junho de 2013 este estava escalado para realizar a carreira expresso entre Vila Viçosa e Lisboa com partida às 16h15, tendo-lhe sido confiado o autocarro de matrícula 00-IA-00, sendo que, pelas 16h20, ao circular no cruzamento formado pela EN 254 com a EN 255, o Autor foi interveniente num acidente de viação.
Nesse acidente, para além do veículo conduzido pelo Autor foi interveniente o autocarro de matrícula 00-FO-00 propriedade da DD – Transporte de Passageiros, Unipessoal, Ld.ª, conduzido por EE único sócio e gerente dessa sociedade.
O autocarro conduzido pelo Autor circulava na EN 254 no sentido Vila Viçosa/Bencatel e o autocarro 00-FO-00 circulava na EN 255 no sentido Borba/Alandroal e ao entrar no referido cruzamento, o Autor cortou a linha de trânsito deste outro veículo, o qual se apresentara pela direita atendendo ao sentido de marcha do Autor, veículo que, como consequência, acabou por embater na viatura conduzida pelo Autor, embate que foi violento, imobilizando-se ambos os veículos fora da faixa de rodagem a mais de trinta metros do local da colisão.
À entrada do referido cruzamento e atendendo ao sentido de marcha da viatura conduzida pelo Autor (Vila Viçosa/Bencatel) estava colocado um sinal de STOP de paragem obrigatória e na altura o tempo estava seco, era dia e o piso, em tapete betuminoso, estava em bom estado de conservação e oferecia boas condições de aderência. Além disso, na entrada do referido cruzamento o Autor conseguia avistar a faixa de rodagem da EN 255 em toda a sua largura, numa extensão muito superior a mil metros.
O comportamento do Autor foi causal da produção do referido acidente, acidente que provocou ferimentos em ambos os condutores, numa passageira transportada no autocarro conduzido pelo Autor e em vinte dos passageiros transportados no autocarro 00-FO-00, sendo que o respetivo condutor só conseguiu ser retirado do seu posto de condução na sequência de operações de desencarceramento realizadas pelos bombeiros que asseguraram o socorro às vítimas.
Do embate também resultaram danos de grande monta em ambos os autocarros, em especial na frente do veículo 00-FO-00, sendo que a Ré terá de suportar, em exclusivo, os custos de reparação do seu autocarro, o qual ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios tendo sido necessário um reboque para o retirar do local e para o transporte do mesmo para as instalações da Ré sitas em Frielas, Loures e depois para o estabelecimento do reparador sito em Pedroso, Vila Nova de Gaia.
Tal acidente foi amplamente noticiado nos diversos órgãos de comunicação social, circunstância que potenciou os efeitos negativos do acidente no que respeita à marca “Rede de Expressos” na qual a Ré tem interesse económico relevante já que controla direta ou indiretamente 50% do capital da Rede Nacional de Expressos, Ld.ª.
A Ré considerou que em face dos mencionados factos, a relação de trabalho se tornou imediata e irremediavelmente impossível e em consequência decretou o despedimento do Autor, tendo este tomado conhecimento desse despedimento em 2 de outubro de 2013.
Concluiu que deverá reconhecer-se que a sanção de despedimento aplicada ao Autor foi proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade do mesmo, devendo, por isso, ser considerada legítima, razoável e mantida.
Contestou o Autor, alegando, em síntese, que a nota de culpa é obscura, imprecisa e subjetiva, não compreendendo de que factos concretos foi acusado motivo pelo qual a mesma enferma de nulidade insuprível.
O processo disciplinar é nulo porquanto não foi realizada uma reconstituição da ocorrência conforme fora requerido pelo Autor no âmbito da sua defesa e por se considerar a mesma imprescindível para a descoberta da verdade.
Quanto aos factos, o Autor parou o veículo à entrada do cruzamento e o condutor do outro veículo é que fez uma condução grosseira e desatenta, porquanto, o Autor parou e não presenciou a aproximação de qualquer viatura, a qual só poderia circular em excesso de velocidade.
Não se tendo demonstrado a violação de deveres laborais por parte do Autor, não se verifica justa causa para o seu despedimento, razão pela qual este é ilícito.
Acresce que, ainda que os factos invocados pela Ré correspondessem à verdade, estar-se-ia perante uma situação isolada insuscetível de beliscar a continuidade da relação de trabalho.
Em face da ampla publicidade dada pela Ré, o Autor não conseguiu contrariar a versão da mesma, passando a ser considerado como se de um delinquente se tratasse, passando as pessoas a olhá-lo de soslaio e a terem medo de falar com ele, constrangimento que levou o Autor a fechar-se em si próprio, deixando de sair à rua, de ir ao café e os amigos já o não visitam.
Passou a acordar de noite e a ter pesadelos e sobressaltos, receando ficar sem salário e não dispor de meios para prover ao sustento do seu agregado familiar, o que lhe causou direta e necessariamente sofrimento.
Concluiu que a ação deve ser julgada improcedente e que o pedido reconvencional deve ser julgado procedente e, por conseguinte, deve:
A) Ser declarada a ilicitude do despedimento efetuado em 25 de setembro de 2013;
B) Ser a Ré condenada a reintegrar o Autor, sem prejuízo da categoria, antiguidade, retribuição e posto de trabalho;
C) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor todas as retribuições vencidas e vincendas, contadas um mês antes da interposição da presente ação até ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
D) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 2.000,00€
E) Ser a Ré condenada a título de sanção pecuniária compulsória na quantia de 200,00€ por cada dia, em que por qualquer forma, a contar da citação, se abstenha de convocar o Autor para retomar o posto de trabalho e demais peticionado em B), C), D) e E).
Respondeu a Ré, alegando que a exceção da invalidade do procedimento disciplinar deve ser julgada improcedente, o mesmo devendo suceder com o pedido reconvencional deduzido pelo Autor, com as legais consequências.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar e admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador meramente tabelar, foi dispensada a seleção de matéria de facto assente e a organização de base instrutória.
Realizou-se a audiência final de discussão e julgamento da causa, após o que foi proferida a decisão de fls. 206 a 218 sobre matéria de facto provada e não provada, não tendo sido deduzida qualquer reclamação.
Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 220 a 240 que culminou com a decisão de improcedência da presente ação e com a declaração de licitude do despedimento do Autor BB e consequente absolvição da Ré CC Transportes, S.A. dos pedidos deduzidos por aquele.
Fixou-se à causa o valor de € 13.271,00.
Inconformado com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
1ª- As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
2ª- A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho (art. 666º nº 3) ou da sentença (art. 668º nº 1 b). Tratando-se da decisão sobre matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente (art. 712º nº 5).
3ª- Por outro lado a douta sentença não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pela R, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
4ª- Na fixação dos factos da causa, determina o art. 659º nº 3 que: - o juiz tomará em consideração: - os factos admitidos por acordo (cfr. arts. 490º e 505º); - os factos provados por documento (cfr. arts. 523º e 524º); - os factos provados por confissão reduzida a escrito (cfr. arts. 356º e 358º do CC); - os factos que o tribunal colectivo deu como provados (cfr. art. 653º nºs 2 e 3); A estes acrescem: - os factos que resultem de presunção legal ou judicial (cfr. arts. 349 a 351º do CC); - os factos notórios (cfr. art. 514º nº 1); os factos de conhecimento oficioso (cfr. art. 660º nº 2); - e procede ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
5ª- A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho (art. 666º nº 3) ou da sentença (art. 668º nº 1 b)). Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente (art. 712º nº 5).
6ª- Na decisão sobre a matéria de facto são dados como provados os factos cuja verificação está sujeita à livre apreciação do julgador, que decide segundo a sua prudente convicção (art. 655º nº 1), com base na análise crítica das provas apresentadas, mostrando e explicando através desta as razões que objetivamente o determinam a ter (ou não) por provado determinado facto.
7ª- Em sede de Fundamentação de Facto, é manifesto que a Arguente não fez prova em Juízo de qualquer da violação por parte do arguido de qualquer dever profissional, nem da imputabilidade do que quer que seja.
8ª- Efectivamente, impendia sob a entidade empregadora o ónus de em audiência produzir a competente prova e não tendo prestado depoimento qualquer testemunha presencial e inexistindo qualquer sentença sobre o acidente não se pode presumir que o A seja responsável e muito menos que seja o único responsável pelo mesmo.
9ª- Acresce ainda que a douta sentença não ponderou e deveria ter ponderado que se trata de uma conduta isolada e que também não se provou que o Autor e que tenha antecedentes disciplinares.
10ª- O referido comportamento, apesar de culposo, a nosso ver, não assume a gravidade suficiente susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, tendo sobretudo em conta o grau de lesão dos interesses do empregador.
11ª- A Ré alega a notícia do jornal. Todavia, não foi o trabalhador quem fez a divulgação e nem os Tribunais estão dependentes desta ou daquela notícia!
12ª- Como se refere no recente Ac. Do STJ de 29/4/2009, Proc. nº 08S3081, em www.dgsi.pt/jstj na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável” segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.
13ª- Acrescenta-se que a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.
14ª- O despedimento é a sanção mais grave do elenco das sanções disciplinares que o empregador pode aplicar ao trabalhador, daí que deva ser reservada para os comportamentos do trabalhador cuja gravidade torne inexigível a manutenção da relação laboral, o que não nos parece ser o caso dos autos.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido – com efeito suspensivo – revogando-se a sentença recorrida, Como é de Justiça!.
Contra-alegou a Ré formulando as seguintes conclusões:
A) Este Tribunal da Relação não deverá conhecer da invocada nulidade da sentença (conclusões 1ª a 9ª), pois a pretensa nulidade não foi invocada no requerimento de interposição do recurso, conforme determina o artigo 77º nº 1 CPT;
B) As conclusões respeitantes à pretensa inexistência de justa causa de despedimento não tem correspondência directa com o conteúdo essencial das alegações, nem constituem uma sua decorrência lógica e natural e, além disso, não permitem vislumbrar os fundamentos da pretensão do recorrente de ver modificada a decisão, pelo que não deverão proceder.
Nestes termos, o recurso deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a Sentença Recorrida nos seus precisos termos, que traduz uma criteriosa aplicação do direito aos factos provados.
Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, pronunciou-se a Mmª Juíza do Tribunal a quo sobre a invocada nulidade de sentença, no sentido da não existência da mesma.
Remetidos os autos para este Relação e mantido o recurso, determinou-se se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 87º n.º 3 do C.P.T., o que foi feito, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o douto parecer de fls. 280 a 283 no sentido de ser liminarmente indeferida a nulidade de sentença arguida pelo Autor/apelante e de ser negado provimento ao recurso por este interposto.
Pelas razões que constam do despacho de fls. 287 dos autos, foram dispensados os vistos dos Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. Apreciação.
Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto (cfr. artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do C.P.C.), colocam-se à apreciação desta Relação as seguintes questões de recurso:
· Nulidade da sentença recorrida;
· Inexistência de justa causa para o despedimento do Autor/apelante e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1) Por contrato de trabalho de 17 de Junho de 2010, a R. admitiu o A. ao seu serviço para, mediante remuneração, lhe prestar as funções de Motorista de Automóveis Pesados de Passageiros, podendo fazê-lo em Regime de Agente Único, como tal se considerando o regime de trabalho em que, além das funções próprias de motorista, são exercidas, também, as principais tarefas de cobrador bilheteiro, designadamente, as de venda de bilhetes aos passageiros que não sejam portadores de título de transporte válido.
2) À data do despedimento, o A. auferia a remuneração base de € 612, acrescida de € 51, a título de complemento à remuneração base, de € 13,47, a título de diuturnidades, e de € 2,50 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho efetivo.
3) Em 1 de Julho de 2013, a R. instaurou um processo disciplinar ao A., que foi registado sob o n.º 25/2013.
4) No dia 10 de Julho de 2013, a R. deduziu contra o A. nota de culpa, na qual lhe imputou a prática dos seguintes factos e, bem assim, lhe comunicou ser intenção dela, R., proceder ao seu despedimento com justa causa com base em tais factos:
(…) Nota de Culpa
1. O trabalhador arguido está classificado profissionalmente como Motorista, competindo-lhe, além do mais, conduzir veículos automóveis pesados para o transporte de passageiros, designadamente em execução de carreiras Expresso, de serviços ocasionais e de serviços regulares especializados.
2. No dia 28 de Junho de 2013 o trabalhador arguido esteve escalado para realizar a carreira Expresso entre Vila Viçosa e Lisboa, com partida às 16h15m.
3. Para o efeito foi confiado ao trabalhador o autocarro de marca DAF, com matrícula nº 00-IA-00 e o número interno 0424.
4. Tanto quanto se alcança do registo do aparelho tacográfico que equipa o veículo, o trabalhador iniciou a referida carreira pelas 16h16m.
5. Pelas 16h20m, ao circular no cruzamento formado pela EN254 com a EN255, o trabalhador foi interveniente num acidente de viação.
6. Nesse acidente foram intervenientes o autocarro da CC Transportes com o nº 0424, conduzido pelo trabalhador e o autocarro de marca VOLVO, com a matrícula nº 00-FO-00, propriedade de DD – TRANSPORTES DE PASSAGEIROS, UNIPESSOAL LDA., conduzido por EE, único sócio e gerente da sociedade.
7. O autocarro conduzido pelo trabalhador arguido circulava na EN 254, no sentido Vila Viçosa/Bencatel e o autocarro 00-FO-00 circulava na EN 255, no sentido Borba/Alandroal.
8. Ao entrar no cruzamento o trabalhador arguido cortou a linha de trânsito do autocarro 00-FO-00.
9. Em consequência o 00-FO-00 acabou por colidir no autocarro da CC.
10. O embate deu-se entre a frente esquerda do 00-FO-00 e a lateral direita, à frente, do autocarro da CC.
11. O embate foi violento e os veículos imobilizaram-se fora da faixa de rodagem, a mais de trinta metros do local da colisão.
12. O 00-FO-00 apresentou-se pela direita do trabalhador arguido.
13. E à entrada do cruzamento, atento o sentido de marcha Vila Viçosa/Bencatel, estava implantado o sinal B2 referido no artigo 21º e representado no Anexo III do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar Nº 22-A/1998 de 1 de Outubro (sinal de paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar).
14. Na altura do acidente o tempo estava seco, era de dia e o piso, em tapete betuminoso, estava em bom estado de conservação e oferecia boas condições de aderência.
15. Além disso, na entrada do cruzamento o trabalhador arguido conseguia avistar a faixa de rodagem da EN 255 à sua direita, em toda a sua largura, numa extensão muito superior a mil metros.
16. Como supra se referiu, a sinalização existente no local impunha ao trabalhador uma dupla obrigação: por um lado, parar à entrada do entroncamento e, por outro, ceder passagem ao ligeiro.
No entanto,
17. Da análise do registo tacográfico instalado no autocarro 0424 resulta que trabalhador não parou à entrada do cruzamento.
18. Além de que, depois, não facultou a passagem ao autocarro 00-FO-00.
19. O comportamento do trabalhador arguido foi causal do acidente.
20. O embate provocou ferimentos nos dois condutores, na passageira transportada no autocarro 0424 e em vinte dos passageiros transportados no autocarro 00-FO-00, sendo que o respectivo condutor só conseguiu ser retirado do seu posto de condução na sequência de operações de desencarceramento realizadas pelos Bombeiros que asseguraram o socorro às vítimas.
21. Os condutores e os passageiros feridos receberam tratamento no Centro de Saúde de Estremoz, uns e no Hospital do Espírito Santo, em Évora, outros, conforme a gravidade dos respectivos ferimentos.
22. Do embate também resultaram danos de grande importância nos dois autocarros, com especial incidência na frente do 00-FO-00 e na lateral direita e na frente do 0424.
23. O custo da reparação dos danos dos autocarros, nomeadamente do da CC, ainda não está totalmente apurado.
24. A CC suportará em exclusivo os custos de reparação do seu próprio autocarro.
25. Por força dos danos sofridos no acidente, o autocarro 0424 ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios, tendo sido necessário recorrer a um reboque para o retirar do local e transportá-lo para as instalações da CC, em Frielas.
26. Até à completa reparação dos danos sofridos no acidente, a CC estará privada de utilizar o autocarro 0424 no exercício da sua actividade de transporte público de passageiros.
27. Ou seja, além dos custos com a reparação do veículo, a CC sofrerá ainda os prejuízos resultantes da privação deste durante o período da reparação.
28. Acresce que o acidente de viação foi amplamente noticiado pela generalidade dos órgãos de comunicação social, nomeadamente pelos jornais «O Correio da Manhã», «Público», «I», «Jornal de Notícias», «Diário de Notícias», tanto nas suas versões em papel, como nas versões on-line, pela versão on-line dos jornais «Expresso» e «Sol», pela versão on-line das revistas «Sábado» e «Visão» e pelos canais de televisão SIC, TVI e RTP, circunstância que potenciou os efeitos negativos do acidente no que respeita à marca REDE DE EXPRESSOS, na qual a CC tem um interesse económico relevante.
29. De acordo com as disposições do artigo 128º nº 1 alíneas c) e g) do Código do Trabalho, ao trabalhador incumbia a obrigação (principal) de prestar o seu trabalho e, além desta e entre outros, os deveres (acessórios ou complementares) de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, de velar pela conservação dos bens que lhe forem confiados e, em especial, conduzir de forma segura e com respeito das regras de circulação do trânsito.
30. Ora, ao comportar-se pela forma que lhe é imputada o trabalhador arguido violou de forma grosseira os deveres acessórios ou complementares enunciados.
31. O comportamento do trabalhador arguido é muito grave, pois sendo ele, como é, um condutor profissional é-lhe especialmente exigível o cumprimento escrupuloso de todas as regras de circulação do trânsito, designadamente das que disciplinam a prioridade de passagem em cruzamentos e entroncamentos.
32. A responsabilidade do trabalhador é agravada, também, pelo valor presumivelmente elevado do custo da reparação do autocarro, acrescido do longo período de imobilização do veículo e da consequente indisponibilidade para o serviço a que se destina.
33. Pela sua gravidade e consequências, o comportamento do trabalhador arguido mostra-se adequado tornar prática e imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, já que não pode razoavelmente exigir-se à CC Transportes que mantenha ao seu serviço quem pautou a sua conduta profissional por forma tão indisciplinada e mostrou tamanha indiferença pela segurança rodoviária.
34. O descrito comportamento pode, por isso, constituir Justa Causa de Despedimento nos termos previstos no artigo 351º/1/2-e) do Código do Trabalho”.
5) O A. respondeu à nota de culpa no dia 19 de Julho de 2013, nos seguintes termos:
1.º O Arguido foi contratado como Motorista, sendo que por força das convenções legais e convencionais em vigor a Entidade Empregadora não pode instaurar qualquer processo disciplinar por causa directa e necessária da condução.
2.º A alegação pelo Arguido de tal garantia legal inquina, com base no exercício abusivo do poder disciplinar, todo o processo de nulidade insuprível.
Por impugnação:
3.º A factualidade imputada na NC não corresponde minimamente à verdade, porquanto:
4.º O Arguido deu cumprimento integral às disposições do Código da Estrada.
5.º Efectivamente imobilizou a viatura imediatamente antes do sinal de stop.
6.º Parou e verificou se se aproximava alguma viatura da sua direita e da sua esquerda.
7.º Não vinha qualquer viatura.
8.º É certo que do lado direito a visibilidade é inferior ao lado esquerdo.
9.º Neste contexto, a colisão só teve lugar porque a viatura com a matrícula 00-FO-00 se aproximou com manifesta velocidade excessiva.
10.º Deveria, atenta à reduzida visibilidade e aproximação de um cruzamento, ter adequada a velocidade a tal factualidade.
11.º Desconhece o Arguido porque razão o condutor da matrícula 00-FO-00 fazia uma condução tão desastrosa e descuidada, bem como se lhe foi ou não efectuado o teste de sopro ao balão para detecção de álcool.
12.º Por sua vez o Arguido fez uma condução zelosa e prudente e efectuado o teste revelou que não tinha qualquer presença de álcool no sangue.
13.º Para além do excesso de velocidade do veículo 00-FO-00, o mesmo, em vez de circular pela faixa da esquerda, veio embater na frente direita do veículo 00-IA-00 que se encontrava imobilizado.
14.º O Arguido nada pôde fazer para evitar o embate nem se considera responsável pelo mesmo.
15.º Não violou qualquer dever profissional.
16.º É um condutor zeloso, dedicado e cumpridor e como tal é reconhecido pelos colegas, amigos e conhecidos.
Termos em que deve o presente processo ser arquivado de imediato, sem aplicação de qualquer penalidade.
Mais, por se considerar imprescindível para a descoberta da verdade, para prova do alegado nos arts. 3.º a 14.º, deve ser efectuada a reconstituição da ocorrência, para que, com base na verificação do rasto de travagem do autocarro 00-FO-00, se determine a velocidade a que o mesmo circulava, se teve ou não falha mecânica, devendo esclarecer-se, ainda com base nos locais de embate se afinal o autocarro 00-IA-00 estava ou não imobilizado e concretamente onde”.
6) Na referida resposta à nota de culpa, o A. arrolou duas testemunhas, que foram inquiridas.
7) A requerida reconstituição do acidente não foi realizada, tendo tal facto sido comunicado ao A. com indicação dos respetivos motivos, por carta datada de 28/08/2013, expedida no dia seguinte sob registo e com aviso de receção, com o seguinte teor:
Exmo. senhor,
Na resposta à nota de culpa que apresentou no processo disciplinar em referência, o senhor solicitou, além do mais, a reconstituição do acidente para, segundo indicou, i) determinar a velocidade de circulação do autocarro 00-FO-00 com base no rasto de travagem que teria deixado; ii) determinar se o mesmo veículo foi afectado de alguma avaria mecânica; iii) apurar o concreto local em que se deu o embate entre os veículos e iv) apurar se o autocarro que o senhor conduzia estava ou não imobilizado quando ocorreu o embate e, em caso afirmativo em que ponto da via se encontrava.
É sabido que a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência. Ou dito de outra forma, a reconstituição não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se estes poderiam ter ocorrido de determinada forma. Pretende-se, por isso, comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e não comprovar a existência do facto histórico em si mesmo.
Ora, desde logo, a pretendida reconstituição não tem em vista comprovar que o acidente poderia ter ocorrido da forma que o senhor descreve na resposta à nota de culpa, mas sim comprovar a existência dos próprios factos que por si são elencados. Assim, tendo presente a natureza e a finalidade da reconstituição como meio de prova, a reclamada reconstituição do acidente configura-se como uma diligência absolutamente inútil e manifestamente dilatória.
Além disso, o apuramento da velocidade de circulação do autocarro 00-FO-00 com base nas (eventuais) marcas de travagem, bem como o apuramento de alguma avaria mecânica que tenha afectado o mesmo veículo, supõe e reclama a intervenção de pessoas dotadas de especiais conhecimentos científicos ou técnicos e que interpretam e analisam tais factos através dos referidos conhecimento técnico-científicos -- cuja intervenção, aliás, não foi requerida --, mostrando-se a pretendida reconstituição como um meio absolutamente inadequado a tal fim. Por fim, resta dizer que não será necessário realizar-se a reconstituição para poder concluir-se que o acidente poderá ter ocorrido da forma que vem descrita na resposta nota de culpa. Porém, se ocorreu dessa forma ou, ao invés, se ocorreu da forma descrita na nota de culpa, há-de apurar-se com recurso a outros meios de prova, que não a reconstituição.
Pelos motivos descritos, a requerida reconstituição não será realizada, aguardando-se pelo prazo de cinco dias que o senhor diga os que se lhe oferecer sobre a não realização da diligência. Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos.
8) O A. foi notificado do indeferimento da reconstituição e não se pronunciou no prazo que para o efeito lhe foi concedido.
9) Não havia, nem há, comissão de trabalhadores constituída no âmbito da R..
10) Por decisão de 25 de Setembro de 2013, a R. proferiu o despedimento do A..
11) A decisão de despedimento foi proferida por escrito e comunicada ao A. por correio registado, com aviso de receção, expedida no dia 27/09/2013.
12) O A. recebeu a comunicação do despedimento no dia 2 de Outubro de 2013.
13) O A. está classificado profissionalmente como Motorista, competindo-lhe, além do mais, conduzir veículos automóveis pesados para o transporte de passageiros, designadamente em execução de carreiras Expresso, de serviços ocasionais e de serviços regulares especializados.
14) No dia 28 de Junho de 2013, o A. esteve escalado para realizar a carreira Expresso entre Vila Viçosa e Lisboa, com partida às 16h15m.
15) Para o efeito, foi confiado ao A. o autocarro com a matrícula n.º 00-IA-00 e o número interno 0424.
16) O A. iniciou a referida carreira pelas 16h16m.
17) Pelas 16h20m, ao circular no cruzamento formado pela EN254 com a EN255, o A. foi interveniente num acidente de viação.
18) Nesse acidente foram intervenientes o autocarro da R. com o n.º 0424, conduzido pelo A., e o autocarro de marca VOLVO, com a matrícula n.º 00-FO-00, propriedade de DD – TRANSPORTES DE PASSAGEIROS, UNIPESSOAL LDA., conduzido por EE, único sócio e gerente da sociedade.
19) O autocarro conduzido pelo A. circulava na EN 254, no sentido Vila Viçosa/Bencatel e o autocarro 00-FO-00 circulava na EN 255, no sentido Borba/Alandroal.
20) Ao entrar no cruzamento, o A. cortou a linha de trânsito do autocarro 00-FO-00.
21) Em consequência o 00-FO-00 acabou por colidir no autocarro da R..
22) O embate deu-se entre a frente esquerda do 00-FO-00 e a lateral direita, à frente, do autocarro da R..
23) Após o embate, os veículos imobilizaram-se fora da faixa de rodagem, a mais de trinta metros do local da colisão.
24) O 00-FO-00 apresentou-se pela direita do A..
25) À entrada do cruzamento, atento o sentido de marcha Vila Viçosa/Bencatel, estava implantado o sinal B2 referido no artigo 21º e representado no Anexo III do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar Nº 22-A/1998 de 1 de Outubro.
26) Na altura do acidente o tempo estava seco, era de dia e o piso, em tapete betuminoso, estava em bom estado de conservação e oferecia boas condições de aderência.
27) Além disso, na entrada do cruzamento o A. conseguia avistar a faixa de rodagem da EN 255 à sua direita, em toda a sua largura, numa extensão superior a mil metros.
28) O A. não parou o seu veículo à entrada do cruzamento.
29) E, depois, não facultou a passagem ao autocarro 00-FO-00.
30) O cruzamento em que ocorreu o embate tinha 14,20m de largura.
31) O embate provocou ferimentos nos dois condutores, na passageira transportada no autocarro 0424 e em vinte dos passageiros transportados no autocarro 00-FO-00, sendo que o respetivo condutor só conseguiu ser retirado do seu posto de condução na sequência de operações de desencarceramento realizadas pelos Bombeiros que asseguraram o socorro às vítimas.
32) Os condutores e os passageiros feridos receberam tratamento no Centro de Saúde de Estremoz, uns e no Hospital do Espírito Santo, em Évora, outros, conforme a gravidade dos respetivos ferimentos.
33) Do embate também resultaram danos nos dois autocarros, com especial incidência na frente do 00-FO-00 e na lateral direita e na frente do 0424.
34) O veículo pertença da R., à data da motivação do despedimento, ainda se encontrava em reparação na FF., com oficinas na (...), Pedroso.
35) A CC suportará em exclusivo os custos de reparação do seu próprio autocarro.
36) Por força dos danos sofridos no acidente, o autocarro 0424 ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios, tendo sido necessário recorrer a um reboque para o retirar do local e transportá-lo para as instalações da R., em Frielas, Loures e, depois, para o estabelecimento do reparador sito em Pedroso, Vila Nova de Gaia.
37) Até à completa reparação dos danos sofridos no acidente, a CC está privada de utilizar o autocarro 0424 no exercício da sua atividade de transporte público de passageiros.
38) A R. é sócia da REDE NACIONAL DE EXPRESSOS LDA., sendo titular de duas quotas que, no total, são representativas de 16,10% do capital social.
39) A REDE NACIONAL DE EXPRESSOS, LDA., tem ainda como sócias, além doutras, as sociedades GG e HH, a primeira titular de uma quota representativa de 21,60% do capital social e, a segunda, titular de uma quota representativa de 12,30% do capital social.
40) A R. é titular de 79,94% do capital social da GG.
41) E a GG, é titular de 99,99% do capital social da HH.
42) O acidente de viação dos autos foi noticiado pela generalidade dos órgãos de comunicação social, nomeadamente pelos jornais «O Correio da Manhã», «Público», «I», «Jornal de Notícias», «Diário de Notícias», tanto nas suas versões em papel, como nas versões on-line, pela versão on-line dos jornais «Expresso» e «Sol», pela versão on-line das revistas «Sábado» e «Visão» e pelos canais de televisão SIC, TVI e RTP.
43) A R. tem ao seu serviço centenas de motoristas que percorrem diariamente milhares de quilómetros em execução de serviços de transporte de passageiros.

Dado que a reproduzida matéria de facto não foi objeto de impugnação e uma vez que não existe qualquer fundamento, designadamente, de ordem legal para a alteração oficiosa da mesma por parte desta Relação, considera-se a mesma como definitivamente assente.

· Da invocada nulidade da sentença recorrida.
Pelo que se pode inferir das conclusões 1ª a 6ª das alegações do recurso interposto pelo Autor/apelante, este argui a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e análise crítica da versão apresentada pela Ré.
Antes de mais importa referir que tendo a sentença recorrida sido proferida em 16 de maio de 2014, na análise da mencionada questão de recurso e para além da norma do Código de Processo de Trabalho que regula o modo de arguição de nulidades da sentença, dever-se-ão levar em consideração as normas do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26-06 que regulam a matéria de nulidades da sentença e isto por força do disposto no art.º 1º n.º 2 al. a) daquele primeiro Código.
Ora, nulidades da sentença são apenas as previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 615º do aludido Código de Processo Civil, sendo que delas não figura a falta de análise crítica da versão apresentada por qualquer das partes nos articulados que deduzam no âmbito da ação.
Quanto à alegada falta de fundamentação e muito embora o Autor/apelante não especifique se se reporta à falta de fundamentação em termos de matéria de facto ou de matéria de direito ou de ambas, a mesma enquadra-se no âmbito da al. b) do n.º 1 do mencionado preceito legal.
Sucede, porém, que o Código de Processo do Trabalho estabelece no n.º 1 do seu art.º 77º um regime específico de arguição de nulidades da sentença ao estabelecer que «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso». É que, fortemente imbuído dos princípios de economia e celeridade processuais, o legislador deste diploma pretendeu conferir, desde logo, ao juiz da 1ª instância que prolatou a sentença a possibilidade de apreciação de eventuais nulidades de que a mesma pudesse enfermar e que viessem a ser arguidas em sede de recurso e daí o estabelecido na referida norma.
Ora, vem entendendo de forma perfeitamente pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores que a arguição de nulidades da sentença sem a observância do estabelecido na referida norma, leva a que se tenha essa arguição por intempestiva ou extemporânea, não devendo, por isso mesmo, ser apreciada (cfr. neste sentido e entre muitos outros os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006, de 07/05/2009 e de 15/09/2010 proferidos, respetivamente, nos processos 06S574, 09S3363 e 245/05.4TTSNT.L1.S1, bem como os Acórdãos desta Relação de 18/05/2010 e 19/09/2013 proferidos nos processos n.ºs 622/08.1TTSTR.E1 e 435/11.3TTSTR.E1 e todos eles publicados em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, verifica-se que o Autor/apelante apenas argui a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação em sede de alegações e conclusões de recurso dirigidas a este Tribunal da Relação, não dando, portanto, cumprimento ao estabelecido no referido art.º 77º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Deste modo e na medida em que intempestiva ou extemporaneamente arguida, não se conhece da invocada nulidade da sentença recorrida.

· Da inexistência de justa causa para o despedimento do Autor/apelante e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
Nas conclusões 7ª a 14ª do recurso por si interposto, argumenta o Autor/apelante que a Ré/apelada não fez prova de factos donde decorresse que tivesse violado qualquer dever profissional ou de factos donde pudesse emergir ter sido o responsável pelo acidente de viação a que se reportam os autos, sendo certo que, ainda que tal se tivesse verificado não poderia deixar de se ponderar tratar-se de uma conduta isolada no percurso profissional do Autor, não assumindo a mesma uma gravidade tal que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre ambas as partes e daí que não se verifique a existência de justa causa para o seu despedimento.
Vejamos!
Antes de mais, importa referir que, tendo os factos ocorrido em junho de 2013, a verificação, ou não, de justa causa para o despedimento do Autor/apelante por parte da Ré/apelada, terá de ser apreciada à luz das normas do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02.
Posto isto, estabelece o art.º 351.º n.º 1 deste Código que, «[c]onstitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».
Contudo, como vimos referindo na apreciação deste tipo de questão, não basta a demonstração da ocorrência de qualquer comportamento violador de deveres laborais culposamente assumido pelo trabalhador, para que, de imediato, se deva concluir pela verificação de justa causa para o despedimento deste. Para que tal suceda, mostra-se necessário que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) Que o comportamento em causa seja culposamente assumido pelo trabalhador (requisito subjetivo);
b) Que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (requisito objetivo);
c) Que se verifique a existência de um nexo de causalidade entre a assunção do comportamento em causa e a impossibilidade – imediata e prática – de subsistência da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (motivo determinante).
A justa causa de despedimento pressupõe, portanto, a ocorrência de uma determinada ação ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo laboral estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo contratual.
Por outro lado, quer a culpa, quer a gravidade da violação de tais deveres, na falta de um critério legalmente estabelecido, devem ser apreciadas segundo o entendimento de um “bonus pater famílias” ou, por mais adequado ao caso dos autos, de um “empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto na posição do real empregador, utilizando-se, para o efeito, critérios de objetividade e razoabilidade[1], sendo que, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, entre outros, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2012[2], haverá que considerar que aquela se verifica e, nessa medida, se justifica a adoção do despedimento-sanção «… sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador», como sucederá, designadamente, quando os factos levem a concluir pela verificação de uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, suscetível de criar no espírito daquele uma legítima dúvida sobre a idoneidade futura da conduta deste último, deixando, desse modo, de existir um suporte psicológico mínimo para o normal desenvolvimento da relação laboral entre ambos, ou, então, quando se deva concluir pela verificação de uma situação de tal modo grave em si e pelas suas consequências que se revele como inadequada a adoção, pelo empregador, de uma das outras sanções disciplinares – repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias ou a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade – colocadas, por lei (art.º 328º do aludido C.T.), à sua disposição e que, embora corretivas, conservam o vínculo contratual existente entre as partes. Com efeito, importa não esquecer que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 330º do mesmo Código, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do trabalhador infrator.
A sanção disciplinar de despedimento sem qualquer compensação ou indemnização, deve, portanto, ser adotada quando a conduta violadora de deveres laborais, culposamente assumida pelo trabalhador infrator, ponha definitivamente em causa o aludido suporte psicológico mínimo de confiança em que assenta ou deve assentar a relação contratual de trabalho ou quando for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que conduza também a essa total quebra de confiança, mostrando-se inadequada, por inexigível, a adoção pelo empregador de uma das outras sanções disciplinares.
Finalmente, importa considerar que, «[n]a apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes» ( n.º 3 do mencionado art.º 351º do Cód. do Trabalho).
Evidenciados estes aspetos de índole jurídica, importa agora proceder à análise dos factos provados e à sua subsunção ao direito aplicável, de forma a ponderarmos se, como defende o Autor/apelante, não ocorre justa causa para o seu despedimento e a extrairmos as consequências daí decorrentes em face dos pedidos deduzidos nos presentes autos.
Ora, sendo incontroverso que, à data dos factos, ou seja em junho de 2013 e desde junho de 2010, existia uma relação contratual de natureza laboral entre ambas as partes [cfr. pontos 1) e 2) dos factos provados], competindo ao Autor, no desempenho das suas funções profissionais de motorista, conduzir veículos automóveis pesados para transporte de passageiros, designadamente em execução de carreiras expresso, de serviços ocasionais e de serviços regulares especializados [cfr. pontos 1) e 13) dos factos provados], demonstrou-se que no dia 28 de junho de 2013, estando o Autor escalado para realizar uma carreira expresso entre Vila Viçosa e Lisboa com o autocarro pertencente à Ré de matrícula 00-IA-00 e tendo o mesmo iniciado essa carreira expresso pelas 16h16m, cerca das 16h20m, ao circular com a referida viatura no cruzamento formado entre a EN 254 e a EN 255, foi interveniente num acidente de viação que ocorreu entre a viatura por si conduzida, que circulava pela EN 254 no sentido Vila Viçosa/Bencatel, e o autocarro de matrícula 00-FO-00 propriedade da sociedade “DD, Ld.ª” que circulava na EN 255 no sentido Borba/Alandroal [cfr. pontos 14) a 19) dos factos provados].
Provou-se, por outro lado, que, ao entrar no aludido cruzamento, o Autor não parou o veículo que conduzia e, não facultando a passagem ao autocarro 00-FO-00 que se apresentava pela sua direita, cortou a linha de trânsito deste, tendo esta viatura, em consequência, acabado por colidir com a 00-IA-00, embate que se deu entre a frente esquerda do 00-FO-00 e a lateral direita, à frente, do autocarro da Ré, sendo que após o embate os referidos veículos se imobilizaram fora da faixa de rodagem a mais de trinta metros do local da colisão [cfr. pontos 20) a 24), 28) e 29) dos factos provados].
Acresce haver-se demonstrado que à entrada do mencionado cruzamento, atento o sentido de marcha Vila Viçosa/Bencatel – ou seja no sentido de marcha da viatura conduzida pelo Autor – estava colocado o sinal B2 (sinal de paragem obrigatória na interceção, vulgo sinal de STOP) [3] referido no art.º 21º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/1998 de 1 de outubro e representado no Anexo III desse Regulamento de Sinalização de Trânsito, sendo que na entrada do referido cruzamento o Autor conseguia avistar a faixa de rodagem da EN 255 à sua direita, em toda a largura e numa extensão superior a mil metros [cfr. pontos 25) e 27)].
Provou-se também que na altura do acidente era dia, o tempo estava seco e o piso, em tapete betuminoso, estava em bom estado de conservação oferecendo boas condições de aderência e o cruzamento onde ocorreu o embate tinha 14,20m de largura [cfr. pontos 26) e 30)].
Ainda com manifesto interesse na apreciação do caso, demonstrou-se que o mencionado embate provocou ferimentos nos dois condutores, na passageira transportada no autocarro da Ré e em vinte dos passageiros transportados no autocarro 00-FO-00, sendo que o respetivo condutor só conseguiu ser retirado do seu posto de condução na sequência de operações de desencarceramento realizadas pelos bombeiros que asseguraram o socorro às vítimas, tendo os condutores e os passageiros feridos recebido tratamento, uns no Centro de Saúde de Estremoz e outros no Hospital de Évora conforme a gravidade dos respetivos ferimentos [cfr. pontos 31) e 32)].
Provou-se também que do embate resultaram danos nos dois autocarros, com especial incidência na frente da viatura 00-FO-00 e na lateral direita e frente do veículo 00-IA-00, veículo este que ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios, tendo sido necessário recorrer a um reboque para o retirar do local e transportá-lo para as instalações da Ré sitas em Frielas, Loures e, posteriormente, para o estabelecimento do reparador sito em Vila Nova de Gaia, sendo que cabe à Ré suportar, em exclusivo, os custos de reparação do seu próprio autocarro, para além de que, até à completa reparação do mesmo, está privada de o utilizar no exercício da sua atividade de transporte público de passageiros [cfr. pontos 33), 35), 36) e 37)].
Finalmente e ainda com interesse, demonstrou-se que a Ré tem ao seu serviço centenas de motoristas que percorrem diariamente milhares de quilómetros em execução de serviços de transporte de passageiros, sendo que o acidente de viação dos autos foi noticiado pela generalidade dos órgãos de comunicação social, nomeadamente pelos jornais nas suas versões de papel e on-line e pelas televisões [cfr. pontos 42) e 43) dos factos provados].
Ora, perante toda esta matéria de facto provada e muito embora, como o Autor alega, o comportamento por si assumido no exercício da condução do veículo autocarro de passageiros de matrícula 00-IA-00 pertencente à Ré, nos termos em que tal sucedeu no aludido dia 28 de junho de 2013, possa ter constituído um ato isolado na sua carreira de motorista de profissão, certo é que, atendendo às circunstâncias em que o mesmo se verificou e que deixamos descritas, para além de configurar um comportamento a todos os títulos inaceitável para qualquer condutor de veículos automóveis, mais inaceitável se torna quando assumido por um profissional motorista de veículos pesados de transporte coletivo de passageiros, a quem, como se sabe, é exigível um especial cuidado no desempenho da sua atividade profissional.
Na verdade, em face da matéria de facto provada e que acabámos de descrever, não há dúvida que o aqui Autor/apelante descurou, por completo, esse seu especial dever de cuidado no exercício da condução de veículo destinado ao transporte coletivo de passageiros, com as consequências fortemente gravosas para terceiros e para a própria Ré a que essa sua atitude conduziu. Com efeito, ao assumir o aludido comportamento no exercício da condução automóvel, o Autor/apelante, para além de ter provocado o acidente em causa, produziu ferimentos em vinte e duas pessoas, além dos que ele próprio sofreu, e, seguramente, danos avultados nos veículos intervenientes no acidente, em particular no veículo da Ré que ficou incapaz de circular pelos seus próprios meios tendo de ser rebocado para Loures e depois para Vila Nova de Gaia a fim de se proceder à sua reparação, reparação que teve de ser integralmente suportada pela Ré que, durante o período da mesma, deixou de poder utilizar essa viatura no transporte de passageiros.
Acresce que a conduta assumida pelo Autor nas circunstâncias descritas e com as consequências que teve, foi objeto de cobertura jornalística pela generalidade dos órgãos de comunicação social do país, o que, seguramente, em nada abonou em favor da imagem de excelência que a Ré, enquanto transportadora de passageiros de implantação nacional, pretenderia preservar.
Estamos, pois, perante um comportamento culposo assumido pelo aqui Autor/apelante, comportamento que consubstancia uma omissão do dever de respeito pelas regras estradais e consequentemente dos deveres de zelo e diligência no exercício da sua atividade profissional de motorista de veículos pesados de transporte de passageiros, sendo que o Autor/apelante estava obrigado a respeitar esses deveres e tinha plena capacidade para ter agido de um modo bem diverso, razão pela qual se não pode deixar de qualificar a assunção de um tal comportamento culposo como bastante grave em si mesma e pelas consequências que teve e, desse modo, idónea para pôr definitivamente em causa a relação de confiança em que assentava o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes.
Na verdade, a produção do sinistro nos moldes em que o mesmo se verificou, tendo por base um comportamento absolutamente inusitado do aqui Autor/apelante no exercício da condução automóvel, mostra-se suscetível de criar no espírito dos dirigentes da Ré a legítima dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele no exercício da sua atividade profissional de motorista de veículos pesados de transporte coletivo de passageiros, atividade que pressupõe um rigoroso respeito pelas normas estradais de forma a zelar não só pela integridade física dos passageiros transportados como também pela conservação dos veículos distribuídos para esse efeito.
Mostra-se, portanto, adequada a aplicação da sanção disciplinar de despedimento por parte da Ré/apelada ao Autor/apelante no âmbito do procedimento disciplinar que aquela decidiu instaurar-lhe na sequência da assunção de um tal comportamento culposo, já que fundada em justa causa como se concluiu na sentença recorrida, a qual, por isso mesmo não merece censura.

III. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor/apelante, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Évora, 16/04/2015
(José António Santos Feteira)
(Paula Maria Videira do Paço)
(Alexandre Ferreira Batista Coelho)

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[1] ) Cfr. neste sentido e entre muitos os Acs. do STJ de 07-03-1986 e de 17-10-1989, em www.dgsi.pt, Procs. n.ºs 001266 e 002519.
[2] ) Proc. n.º 686/07.5TTPRT.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt.
[3] «B2 – paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar».