REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
REQUISITOS
FALSO DEPOIMENTO DE PARTE
FALSA INTERPRETAÇÃO
FALSA PERÍCIA
Sumário

Incumbe ao requerente da abertura da instrução a clara delimitação, naquele requerimento, dos elementos de facto e de direito dos diferentes tipos penais contidos nos artigos 359º e 360º do Código Penal, a falsidade de depoimento ou declaração e a falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução.

Texto Integral




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Processo n.º 1104/13.5TASTR.E1
Reg. N.º 773

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1ª subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório
1 - No âmbito dos autos de Instrução n.º 1104/13.5TASTR, do Tribunal Judicial da Comarca de S, Instância Central - Instrução Criminal - Juiz 1, foi proferido despacho que decidiu, indeferir o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade de abertura desta fase processual, porquanto os factos alegados no RAI - requerimento de abertura de instrução - não integram a prática do alegado crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo "artigo 360° do Código Penal", pelos dez denunciados melhor identificados a fls. 191 e 192, que apenas, o assistente, LMRGJ imputa a cada um deles.

2 - O assistente, inconformado, interpôs recurso dessa decisão instrutória que não pronunciou os mencionados arguidos.
Conluie da seguinte forma:
“1- O requerimento de abertura de instrução cumpriu todos os requisitos legais.
2- No art. 52° do requerimento de abertura de instrução, o assistente indicou a disposição legal aplicável, como exige a alínea c) do n.º 3 do art. 283º CPP.
3- Se a qualificação jurídica dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução é outra no entendimento do Tribunal a quo, deve aplicar-se o n.º' 5 do art. 303º CPP e não rejeitar o requerimento.
4- O requerimento de abertura de instrução contém toda a factualidade necessária a elaboração de um despacho de pronúncia.
5- O assistente narrou rodos os factos que fundamentam a aplicação de uma pena aos arguidos.
6- O assistente confirma o vertido no art. 46° do RAI.
7- Tal não põe em causa o cumprimento dos requisitos legais exigidos para a elaboração do RAI.
8- O Acórdão Uniforme de Jurisprudência n.º 7 /2005, de 12/05 não tem aplicação in casu, pois que todos os factos e disposições legais foram alegados no RAI.
9- Existe doutrina que considera que o assistente ou arguido devem ser convidados a perfeiçoar o RAI, faltando alguém ou alguns dos seus requisitos, com excepção da falta de narração dos factos nesse requerimento.
10- O recorrente entende que a interpretação do Tribunal a quo é inconstitucional, por violação do principio da legalidade previsto no artigo 219º da C.R.P. ínsito nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283, do CPP, ex vi art. 287º n.º 2 CPP, segundo a qual o assistente não indica as disposições legais aplicáveis quando indica o artigo do crime em causa.
11- O despacho recorrido violou 283°, n.º 3 alínea c) l n.º 5, do art. 303º e o 287° n.º 2, todos do C.P.P. e ainda o artigo 219° da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos de direito, dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido por outro que declare aberta a instrução.
Assim se fará Justiça! ”

3 - O recurso foi admitido. Após cumprido o art. 411º n.º 6, do C.P.P., o MºPº apresentou a sua resposta, onde, conclui:
“1 - O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação alternativa ao arquivamento ou à acusação decididos pelo Ministério Público;
2 - Donde, deve o requerimento para abertura de instrução conter todos os elementos de uma acusação, mormente os factos que consubstanciam o ilícito que se pretende imputar ao arguido/denunciado e, de forma inequívoca, indicar as disposições legais aplicáveis, em ordem a delimitar o objecto do processo;
3 - O RAI apresentado pelo assistente nos presentes autos contém expressões genéricas e imprecisões factuais que impedem a delimitação dos factos que são imputados aos denunciados, inviabilizam a selecção do tipo de crime no qual serão subsumíveis e não permitem que se anteveja a moldura penal aplicável, impedindo globalmente a delimitação do objecto do processo;
4 - O assistente, referindo que mentiram na qualidade de testemunhas e assistentes, imputa aos denunciados a prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º do Código Penal, sem identificar com rigor a qualidade em que cada um deles prestou depoimento/declarações (como testemunhas ou como assistentes), sendo certo que, enquanto assistentes, as alegadas falsas declarações nunca serão Passiveis de integrar o aludido crime mas eventualmente o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art.º359º n.º 1 do Código Penal;
5 - Perante a insuficiência e imprecisão dos factos descritos no RAI, uma alteração de factos a este respeito operada na decisão instrutória implicaria a imputação aos arguidos de crime diverso e, nessa medida, configuraria uma alteração substancial dos factos, acarretando a nulidade da decisão instrutória;
6 - A omissão ou a insuficiência da narrativa dos factos no requerimento de abertura de instrução traduzem-se em casos de inadmissibilidade legal da instrução, por falta de objecto, nos termos do disposto no art. 287º n.º 3 do Código de Processo Penal;
7 - O RAI é equiparado a uma acusação, sendo insusceptível de convite ao aperfeiçoamento;
8 - Destarte, bem andou o Mmo. Juiz de Instrução ao rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não merecendo, por isso, qualquer censura o despacho recorrido.
Pelo exposto, negando provimento ao recurso, far-se-á JUSTIÇA! ”

4 - A Digna Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal de recurso, emitiu douto parecer concluindo:
“Analisados os fundamentos do recurso, nada nos resta acrescentar à correcta e muito bem fundamentada argumentação oferecida pela digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância na resposta ao recurso interposto que acompanhamos e, integralmente, subscrevemos.
E, sem necessidade de outros considerandos, por despiciendos, emitimos parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.”.

5 - Foi cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P. O assistente apresentou resposta ao parecer do MP, concluindo nos mesmos termos da suas conclusões da motivação de recurso

6 - Foram colhidos os vistos legais.

7 - Cumpre decidir


II - Fundamentação
2.1 - O teor do despacho recorrido, na parte que interessa, é o seguinte:
“ (…) Vem o assistente requerer a abertura da instrução contra os dez denunciados melhor identificados a fls. 191 e 192, imputando a cada um deles a prática em autoria material de um crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo "artigo 360° do Código Penal".
Cumpre pois saber se o requerimento de abertura de instrução contém de forma clara os factos necessários para que os putativos arguidos possam ser responsabilizados pela prática deste crime ou de qualquer outro e se dá uma qualificação jurídica concreta aos factos que permita aos arguidos saber qual o crime pelo qual respondem e qual a moldura penal a que se sujeitam.

*
Resulta do teor do artigo 287°, n.º 2, do CPP que o requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente deve conter as menções previstas no artigo 283°, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código.
(…).
Conforme tem vindo a ser unanimemente afirmado pela doutrina e jurisprudência, esta exigência corresponde à materialização de um imperativo constitucional, sendo uma decorrência da estrutura acusatória do processo prevista no artigo 32°, n.º 5, da Constituição da República portuguesa.
(…)
Daqui se extrai a relevância desta peça processual no âmbito da fase, equiparada portanto à acusação do M'P".
(…)
Naturalmente que, tal como numa acusação, a enunciação dos factos deve ser clara, precisa e unívoca, não sendo admitidas formulações alternativas nem ao nível dos factos essenciais do crime, nem ao nível do direito. Por outras palavras, nenhuma acusação (e por conseguinte nenhum requerimento de abertura de instrução do assistente) pode dizer "o arguido ou agiu da forma x ou da forma y e portando deve ser condenado (ou pronunciado) pelo crime a ou pelo crime b".
De facto, quando confrontado com uma acusação ou com um requerimento de abertura de instrução de assistente, um arguido deve poder olhar para essa peça processual e saber:
- quais os factos que em concreto lhe são imputados, em especial de entre os essenciais para o preenchimento do tipo de crime;
- qual o crime ou crimes concretos que lhe são imputados e qual a sua moldura penal abstracta.
No caso concreto, o assistente imputa aos denunciados a prática do crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo artigo 360° do Código Penal.
Começamos desde logo por notar que este crime tem duas formas distintas com molduras penais diversas e que o assistente não distingue.
De facto, o n.º 1, do citado artigo prevê uma forma "simples" deste ilícito, consubstanciada apenas na prestação de depoimento (no que aqui releva) falso como testemunha, punível com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
1 Neste sentido, entre muitos outros, cfr. Ac. da Rel. do Porto de 14-07-2010, proe. n° 579/08.9GDVFR­A.Pl; Ac. da Rel. do Porto de 20-01-2010, proe. n." 361/08.3PAPVZ.P 1; Ac. da Rel. de Évora de 19-03-2013, proc. N,º 590/l1.2TDEVR.El, todos disponíveis em www.dgsi.pt
Já o n.º 3 do mesmo artigo prevê uma forma agravada da comissão do crime, que ocorre quando o facto é praticado "depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe".
O assistente, no seu RAI, não especifica qual destas formas de cometimento de crime imputa aos arguidos, limitando-se a fazer referência ao disposto no artigo 360°, do Código Penal (ponto 52 do RAI, fls. 198).
Por outro lado, como já vimos, este crime apenas pode ser cometido por "testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete".
No seu RAI o assistente não especifica em que qualidade cada um dos dez denunciados praticou os factos, limitando-se a afirmar que prestaram declarações e "mentiram perante o Tribunal, na qualidade de testemunhas e assistentes no processo penal" (ponto 46 do RAI, fls. 196; sublinhado nosso).
Ora estamos perante declarações alegadamente prestadas pelos arguidos no âmbito de um único processo, que corre termos neste Tribunal sob o n." 25/07.5PESTR, sendo certo que os arguidos seguramente não prestaram declarações em ambas as qualidades, ou eram testemunhas ou eram assistentes (desde logo tendo em conta o disposto no artigo 133°, n." 1, al. b), do CPP).
Caso tenham prestado declarações como assistentes, não poderão ter cometido o crime de falsidade de testemunho que lhes é imputado, pois não têm nenhuma das posições processuais acima referidas.
Poderiam eventualmente ter praticado o crime diverso de "Falsidade de depoimento ou declaração", p. e p. pelo artigo 359°, n.º 1, do Código Penal, mas este ilícito e norma nem tão pouco são mencionados no RAI.
Assim sendo, e atentando no requerimento de abertura de instrução, ficamos na dúvida sobre quais dos arguidos depuseram como testemunhas (e como tal poderão ter praticado o crime de falsidade de testemunho) e quais deles depuseram como assistentes (e como tal poderão ter praticado o crime de falsidade de declaração), sendo que cabia ao assistente, como já vimos, elencar devidamente todos os factos necessários para determinar a responsabilidade penal dos arguidos.
Note-se que qualquer alteração de factos a este respeito operada na decisão instrutória, seria uma alteração substancial, por poder implicar a imputação aos arguidos de crime diverso, nos termos do artigo 1°, al. f), do CPP e, portanto, implicaria a nulidade da decisão instrutória nos termos do artigo 309°, n.º 1, do mesmo código.
Por outras palavras, os denunciados, confrontados com este RAI, não conseguem apurar se lhes é imputada a prestação de declarações falsas como testemunhas ou como assistentes e, por conseguinte, não conseguem determinar qual o crime que lhes poderá ser imputado e a consequente moldura penal.
Por outro lado, o assistente não indica de forma perceptível quais "as disposições legais aplicáveis" pois limita-se a remeter para a totalidade do artigo 360°, o qual como vimos prevê duas formas diversas de cometimento do referido crime, com duas molduras penais distintas.
Concluímos apenas afirmando que, como resulta da jurisprudência uniforme fixada pelo AUJ n.º 7/2005, de 12 de Maio", "Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.".
Assim sendo e pelos mesmos motivos, também aqui não deve ser concedida ao assistente a faculdade de aperfeiçoar o seu requerimento de abertura de instrução.
*
Termos em que, com os fundamentos expostos, rejeito o requerimento de abertura da instrução por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287°, n.º 3, do CPP.”
2.2 - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação, nos termos preceituados nos arts. 403º, n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P., sem embargo do conhecimento doutras questões que deva ser conhecida oficiosamente. São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
E, sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), às quais o tribunal se deve restringir, não basta que na motivação se indique, de forma genérica, a pretensão da recorrente pois a lei impõe a indicação especificada de fundamentos do recurso, nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da discordância em relação à decisão recorrida.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão

2.3 - O objecto do recurso está limitado, portanto, às questões vertidas nas conclusões das motivações de recurso.
A questão fulcral respeita ao acerto, ou não, do despacho recorrido quando entende o tribunal “a quo” que não existem alegados factos, ainda que indiciados, integradores do elemento objectivo do crime de falsificação que o assistente/recorrente imputa, a cada um dos dez denunciados.

2.4 - Análise do objecto dos recursos
2.4.1 - Tendo em consideração o objecto do processo, tal como já afirmado, importa decidir, desde logo, se o indeferimento do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade de abertura desta fase processual, tem fundamento.
O Exmo. JIC, não ordenou a abertura da instrução, por inadmissibilidade da mesma, por entender que os factos alegados, pelo assistente/recorrente, no seu RAI, não consubstanciam ou integravam os requisitos do tipo legal do crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, p. e p. pelo art. 360° do Código Penal, imputados, apenas, pelo assistente aos dez denunciados, após prolação de despacho de arquivamento, pelo MºPº.

Pois que, compulsados os autos, verificamos que o inquérito foi arquivado por despacho proferido em 12/06/2014 (cfr. fls. 187 a 188).

Foi tal decisão notificada ao assistente, na qualidade de denunciante, por via postal simples com prova de depósito remetida no dia 13/06/2014 (cfr. fls. 189).

O assistente em 08/07/2014 apresentou o RAI, requerendo a abertura da instrução.

Considerando-se o RAI tempestivo, importa apurar se se encontram reunidos os demais pressupostos da abertura da fase processual de instrução.

O assistente veio requerer a abertura de instrução, assim reagindo contra o despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo Ministério Público.

O processo penal tem estrutura acusatória, sendo o seu objecto fixado pela acusação, que assim delimita a actividade cognitória e decisória do Tribunal. Esta vinculação temática do Tribunal tem a ver fundamentalmente com as garantias de defesa, protegendo o arguido contra qualquer arbitrário alargamento do objecto do processo e possibilitando-lhe a preparação da defesa no respeito pelo princípio do contraditório.
O exercício da acção penal compete, pois, ao M.º P.º (art. 48º do CPP), que, findo o inquérito determinará o arquivamento se tiverem sido recolhidas provas de não se ter verificado o crime, de o arguido o não ter praticado ou for legalmente inadmissível o procedimento e, ainda, se não houver indícios bastantes da sua verificação ou de quem foram os agentes (art. 277º, n.º s 1 e 2 do CPP); se, pelo contrário, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, deduzirá acusação contra este (art. 283º, n.º 1, do CPP) - Vide Maia Gonçalves, CPP Anotado, 1994, pág. 445 -.
O art. 32º nº 5 da C.R.P. consagra como princípio fundamental enformador do processo penal, o princípio do acusatório, prescrevendo que " o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório ".
Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa diferenciação entre o juiz de instrução e juiz julgador e entre ambos e órgão acusador.
No sistema acusatório, o arguido é um sujeito processual que tem intervenção em todas as fases do processo, garantindo-se-lhe o contraditório, ou seja, a possibilidade de o arguido questionar ou negar factos constantes da queixa e seu enquadramento jurídico.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º, n.º 1 do CPP), podendo ser requerida pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o MºPº tiver deduzido acusação; e pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o M.ºP.º não tiver deduzido acusação (art. 287º, n.º 1, als. a) e b) do CPP).
Por outras palavras, a instrução visa, de acordo com o disposto no citado art. 286°, n.º 1, do C.P.P., a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a julgamento, tendo carácter facultativo. Para alcançar este desiderato, o juiz investiga autonomamente o caso submetido à instrução, realizando todos os actos que entenda levar a cabo, admitindo todas as provas e interrogando o arguido sempre que este o desejar, podendo juntar-se aos autos os requerimentos e documentos relevantes, quer pela defesa quer pela acusação - arts. 288°, 289º e 296°, do C.P.P.
Trata-se de uma fase processual que culmina, necessariamente, com a prolação da decisão instrutória. Esta pode corresponder a um despacho de pronúncia ou a um despacho de não pronúncia.
Como já referido, o art. 287º, n.º 1, al. a) do C.P.P dispõe “ A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento.
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular. relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação”.
Nos termos do disposto no n.º 3 do citado preceito legal, o requerimento de abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Sobre esta questão, Maia Gonçalves, Código do Processo Penal Anotado, 1998, p 540, nota 3, refere: “ A rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura da instrução, vg. ilegitimidade do requerente (caso do Ministério Público) ou inadmissibilidade legal de instrução ( v.g. casos de crimes particulares e de alguns processos especiais)”.
Portanto:
A instrução não é um novo inquérito, mas tão só um momento processual de comprovação;
A instrução visa um juízo sobre a acusação, visa a verificação da admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe é formulada;
A instrução é uma fase dotada de uma audiência, oral e contraditória, destinada a comprovar judicialmente a decisão do MP de acusar ou de não acusar, e que termina por um despacho de pronúncia ou de não pronúncia;
Em instrução apenas o debate instrutório é contraditório;
Os actos de instrução não estão sujeitos ao princípio do contraditório;
A instrução é uma fase judicial, onde a sua estrutura eminentemente acusatória é integrada pelo princípio da investigação;
A instrução tem sempre o carácter facultativo.
No que respeita aos requisitos do requerimento para abertura da instrução, o citado artigo 287º, n.ºs. 2, 4 a 6, do CPP, preceitua:
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c). Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.
4 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
5 - No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
5 - O despacho de abertura de instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor.
6 - É aplicável o disposto no nº 13, artigo 113º.”
O requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula: As razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação; bem como, sempre que disso for caso;
A indicação dos factos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo;
A indicação dos meios de prova que tenham sido considerados no inquérito;
A indicação dos factos que, através de uns e outros, se espera provar;
Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas (cfr. art. 287º, n.º 2).

2.4.2 - No que respeita ao tipo legal de crime imputado pelo assistente aos dez denunciados, a mesmo mostra-se prevista e punido no art. 360.º, do CP, sobre a epígrafe
“Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução”, preceituando:
1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução. 3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.”
Este tipo legal de crime de falso testemunho pressupõe que o autor da declaração falsa possua uma qualidade processual, isto é, se encontre investido em uma particular e precisa função processual: a de testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete.
O bem jurídico protegido com a previsão e punição deste crime é a realização ou administração da justiça como função do Estado, visando-se o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou de natureza análoga. Portanto, só quem assume uma qualidade processual pode ser responsabilizado pelas consequências da sua actuação.
A acção típica está descrita no tipo legal de crime verificando-se os seus elementos objectivos quando uma testemunha prestar depoimento falso, perante o tribunal ou funcionário competente para receber tal depoimento como meio de prova.
Sobre esta matéria, a título de exemplo, no âmbito da jurisprudência, indicar-se-ão os acórdãos seguintes:
Ac. TRL de 23-05-2013: Tem-se como verificado e preenchido o crime previsto no artº 360º, nº 1 do Código Penal (crime de falsidade de testemunho), quando alguém, na qualidade de testemunha, e em momentos distintos do processo (1º em inquérito, depois na fase de julgamento) presta depoimentos contraditórios entre si, ainda que se não apure em qual deles faltou á verdade.
Ac. TRG de 1-07-2013: Deve ser condenado como autor de um crime de falsidade de testemunho aquele que, como testemunha, prestou depoimentos irremediavelmente contraditórios que mutuamente se excluem, primeiro no inquérito e depois no julgamento, mesmo que não se demonstre em que ocasião o falso testemunho foi prestado.
Ac. TRC de 30-04-2014: I. O inciso «sem justa causa», constante do nº 2 do art. 360.º do CP, integra o tipo objectivo do crime de recusa a depor. II. Consequentemente, a acusação, para que não seja manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.ºs 2 e 3, als. b) e d), do CPP, deve descrever os factos consubstanciadores daquela expressão.
Ac. TRE de 13-05-2014: I. A «realidade» a que se refere a «verdade» do depoimento no tipo penal de falso depoimento não pode ser tomada em termos absolutos; não é a verdade aristotélica de correspondência com a realidade, nem é a verdade cientificamente comprovada, a verdade absoluta e cientificamente inatacável (aqui cum grano salis, com o que se sabe desde Karl Popper, até a verdade científica é uma verdade «provisória» á espera de melhor verdade).II. Se quanto á verdade judicial, esta tem que ultrapassar qualquer non liquet factual, a verdade obtida num processo não pode ser apenas aquilo que é, em absoluto, sabido, incontestável no mundo do ser, mas sim a verdade alcançada naquele processo, seja pelos factos provados e não provados, seja pelos fundamentos de facto, seja pelo jogo de uns e outros. III. Esse tipo penal, pedindo uma óbvia determinação temporal, não exige, porém, a precisa indicação do dia do facto, sendo que os problemas atinentes á data da sua consumação, para efeitos de contagem de prazos, devem ser objecto de interpretação in bonam partem, da forma mais favorável ao arguido.
Atentas as explanações retro, revertendo para o caso concreto, verifica-se, após análise detalhada, do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, que, tal como é mencionado no despacho recorrido, que o assistente, ora recorrente, no seu RAI, não distingue, ou individualiza, qual destas formas de cometimento de crime imputa aos denunciado, limitando-se, no seu ponto n.º 52, a fazer referência ao preceituado no citado artigo 360°, do Código Penal.
E, como já referido, este tipo legal de crime apenas pode ser cometido por "testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete".
O assistente, no RAI não especifica em que qualidade cada um dos dez denunciados praticou os factos, limitando-se a afirmar, no ponto 46 do RAI, que prestaram declarações e "mentiram perante o Tribunal, na qualidade de testemunhas e assistentes no processo penal”.
Essa menção respeita a declarações alegadamente prestadas pelos denunciados, no âmbito de um único processo n.º 25/07.5PESTR. E, é indubitável que os arguidos não podem ter prestaram declarações, simultaneamente, na qualidade de testemunhas e assistentes. Ou foi numa ou noutra qualidade de sujeito processual, pois que conforme estabelece o artigo 133°, n.º 1, al. b), do CPP, a segunda excluí a primeira, isto é está impedida de depor como testemunha quem se tiver constituído assistente.
Sendo certo como se afirma no despacho recorrido, que “caso tenham prestado declarações como assistentes, não poderão ter cometido o crime de falsidade de testemunho que lhes é imputado, pois não têm nenhuma das posições processuais acima referidas.
Poderiam eventualmente ter praticado o crime diverso de "Falsidade de depoimento ou declaração", p. e p. pelo artigo 359°, n.º 1, do Código Penal, mas este ilícito e norma nem tão pouco são mencionados no RAI.
Assim sendo, e atentando no requerimento de abertura de instrução, ficamos na dúvida sobre quais dos arguidos depuseram como testemunhas (e como tal poderão ter praticado o crime de falsidade de testemunho) e quais deles depuseram como assistentes (e como tal poderão ter praticado o crime de falsidade de declaração), sendo que cabia ao assistente, como já vimos, elencar devidamente todos os factos necessários para determinar a responsabilidade penal dos arguidos.
Note-se que qualquer alteração de factos a este respeito operada na decisão instrutória, seria uma alteração substancial, por poder implicar a imputação aos arguidos de crime diverso, nos termos do artigo 1°, al. f), do CPP e, portanto, implicaria a nulidade da decisão instrutória nos termos do artigo 309°, n." 1, do mesmo código.
Por outras palavras, os denunciados, confrontados com este RAI, não conseguem apurar se lhes é imputada a prestação de declarações falsas como testemunhas ou como assistentes e, por conseguinte, não conseguem determinar qual o crime que lhes poderá ser imputado e a consequente moldura penal.
Por outro lado, o assistente não indica de forma perceptível quais "as disposições legais aplicáveis" pois limita-se a remeter para a totalidade do artigo 360°, o qual como vimos prevê duas formas diversas de cometimento do referido crime, com duas molduras penais distintas.
É certo, como se afirma na resposta ao recurso, que se “os denunciados prestaram depoimento na qualidade de testemunhas, se prestaram declarações como assistentes e se prestaram juramento e foram advertidos das consequências penais em que incorrem se faltarem à verdade, resulta da ata do julgamento que está na origem dos presentes autos.
Por outro lado, o assistente refere que alguns dos denunciados foram ouvidos na qualidade de assistentes. Para além de não identificar quem se encontra nestas condições, como era seu dever, o facto de serem assistentes, tem implicações ao nível do tipo legal de crime à luz do qual as suas declarações, alegadamente falsas, podem ser subsumidas.
Com efeito, tendo as alegadas falsas declarações sido produzidas por quem era assistente, tal conduta não poderá subsumir-se no tipo de crime de falsidade de testemunho uma vez que a qualidade de assistente não figura nas posições processuais tipificadas na norma incriminadora.
Para além destes aspectos mais formais, sempre se acrescenta que os factos descritos pelo assistente no RAI também não se mostram suficientes para o preenchimento do crime que imputa aos denunciados.
Na verdade, o assistente limita-se a enunciar as divergências que registou nos depoimentos/declarações dos denunciados sem indicar em que medida as mesmas divergem da verdade dos factos ocorridos.
Competindo ao assistente elencar devidamente os factos necessários à determinação da responsabilidade criminal dos denunciados e indicar as disposições legais aplicáveis, porquanto o requerimento de abertura de instrução deve corporizar uma verdadeira acusação em sentido material, verifica-se que o requerimento para abertura de instrução em apreço não cumpriu tal ónus, enfermando o mesmo de manifesta insuficiência.

Neste contexto, é forçoso concluir que o despacho recorrido, ao constatar o incumprimento daquele ónus e rejeitar o RAI, não viola o princípio da legalidade nem padece de qualquer inconstitucionalidade.”

Em suma, atendendo, quer aos elementos objectos e subjectivos deste tipo de delito, quer aos factos indiciados imputados aos arguidos, pelo assistente, teremos, obrigatoriamente de concluir pelo seu não preenchimento, pois que, desde logo, porque os primeiros - factos integradores do elemento objectivo do tipo -, não são suficientes para tal subsunção legal. Pois que, nele não foram elencados, devidamente, todos os factos necessários para determinar a responsabilidade penal dos denunciados.
No presente caso, a peça processual apresentada não tem, como se referiu, a virtualidade de desempenhar a função que legalmente lhe é atribuída (possibilitar a abertura da instrução, fixando o respectivo objecto). Trata-se, nessa medida, de um requerimento “inapto”, para tal fim.
Acresce que, não é permitida a correcção do RAI, por imposição do Ac. N.º 7/2005, do STJ, de 12/05/05, publicado no DR - I Série A, N.º 212, de 4/11/05, exarado para uniformização de jurisprudência: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art. 287º, n.º 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”;
Concluindo, salvo melhor opinião, a rejeição da instrução requerida pelo assistente arguido, por inadmissibilidade legal, à luz do preceituado no artigo 287° n.º 3, do Código de Processo Penal, foi acertada.
Em face do exposto, entendemos que a interpretação do Tribunal a quo, vertida no despacho recorrido, não é:
Inconstitucional, nem violadora do princípio da legalidade previsto no artigo 219º da C.R.P. ínsito nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283, do CPP, ex vi art. 287º n.º 2 CPP;
Violadora do preceituado no art.º 283°, n.º 3 alínea c), n.º 5, do art. 303º e o 287° n.º 2, todos do C.P.P.


Em face das explanações supra, é forçoso finalizar que deve ser mantido o despacho recorrido.

IV - Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas, nos termos do art. 94 n.º 2 do CPP).

Évora, 08/09/ 2015