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REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CULPA DO ARGUIDO
Sumário
i. A revogação da suspensão da pena não constitui um efeito automático provocado pelo incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos na sentença ou acórdão respectivo, implicando sempre uma dupla realidade complementar, a saber, as características graves ou reiteradas da violação do dever ou regra de conduta, acrescidas do carácter culposo daquele incumprimento; ii. Por isso, não poderá optar-se, desde logo, pela revogação da suspensão da execução da pena, pelo facto de o arguido não ter colaborado na elaboração do plano de reinserção social, se não se apuraram as circunstâncias concretas pelas quais tal se verificou, se por causa imputável ao mesmo, ou por qualquer outra razão.
Texto Integral
Proc. N.º 279/13.8GBTNV-B.E1
Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
I – Relatório 1.1 - No Processo Especial Sumário N. 279/13.8GBTNV-B, da Comarca de Santarém, Torres Vedras - Inst. Local - Secção Criminal - J1 -, foi proferido despacho, de 03-06-2014, junto a fls. 166 e ss. (numeração anterior), que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão que foi aplicada, ao arguido, B…, determinando o cumprimento, pelo mesmo, da pena de sete meses de prisão.
1.1.1 - O MºPº e aludido arguido, inconformados com essa decisão, dela interpuseram recurso, terminando as respectivas motivações com as seguintes conclusões:
(...)
1.2 - Os sujeitos processuais afectados pelo recurso foram notificados dos aludidos requerimentos de interposição de recurso.
1.3 - Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, concluindo:
“(…) Porque não foi suficientemente indagado quais os motivos que levaram o arguido a não cumprir com a condição que lhe foi imposta, tanto mais que a DGRSP juntou aos autos, em 20 de Junho de 2014, informação no sentido de que o arguido efetivamente apresentou-se junto daquela entidade para cumprir com o plano que lhe fosse traçado, o Tribunal a quo violou o estatuído pelo citado artigo 56°, n.º 1, alínea a).
Neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão deste Tribunal da Relação de 6 de Janeiro de 2015, sendo relatora a Exma. Desembargadora Ana Barato de Brito:
1. A redacção do art. 56º, n.º 2, do CP introduzido na revisão de 1995 pós termo á revogação automática da pena de prisão suspensa.
Por tudo o exposto, somos de parecer de que os recursos merecem provimento devendo, por conseguinte, ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se que o Tribunal da primeira instância proceda a diligências para se informar dos motivos do não cumprimento da sentença que condenou o arguido, após o que proferirá decisão sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução da pena.”.
1.4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P.
1.5 - Colhidos os vistos legais.
1.6 - Cumpre decidir:
II - Fundamentação 2.1 - O teor do despacho recorrido, na parte que interessa, é o seguinte:
“Nos presentes autos foi o arguido B… condenado na pena única de 7 meses de prisão pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, como se extrai de decisão junta a fls. 41 e 51.
A execução desta pena de prisão foi suspensa pelo período de 1 ano, conforme resulta de fls. 51. Estabeleceu-se como uma das condições desta suspensão que o arguido B… respeitasse um plano individual de readaptação a elaborar pelos serviços de readaptação social e a cumprir durante o período de suspensão.
Resulta dos autos que o arguido foi devidamente notificado do teor da sentença condenatória, ficando assim ciente da obrigatoriedade de cumprimento desse plano de readaptação como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Veio entretanto a DGRS, de fls. 66 e 70, comunicar que o arguido B… não colaborou na elaboração do plano de readaptação que lhe foi imposto como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos. Nomeadamente, não tem comparecido às entrevistas que lhe foram marcadas pelos técnicos daquela entidade, para ficarem registados os elementos necessários para a elaboração do plano. O técnico que faz o acompanhamento da situação veio informar que o arguido não foi encontrado na residência que consta dos autos, tendo mudado de domicílio sem indicar a sua nova morada.
Consequentemente, o técnico da DGRSP desconhece o paradeiro e o modo de vida do arguido, não sendo exequível a elaboração do plano de readaptação e o acompanhamento da situação.
Foi entretanto marcada diligência de inquirição do arguido para vir justificar a sua falta de cumprimento da condição para a suspensão da pena de prisão, nos termos do artigo 495°, n.º 2, do Código de Processo Penal, à qual ele não compareceu apesar de estar devidamente notificado da marcação da data da realização da mesma. Deste modo, o arguido, por sua iniciativa, e por sua responsabilidade, não veio apresentar qualquer justificação para a sua falta de cumprimento da condição para a suspensão da pena de prisão.
Resulta ainda dos autos que o arguido alterou a sua residência sem vir aos autos esclarecer onde mora actualmente.
Posteriormente, a pedida do Ministério Público, através do despacho junto de fls. 112 a 114, foi concedida nova oportunidade para o arguido cumprir o plano de readaptação que lhe foi imposto como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos. Além disso, foi decidido prorrogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido nos autos por mais um ano.
Veio a DGRSP informar a fls. 124, que não foi possível estabelecer qualquer contacto com o arguido, na medida em que o mesmo continuava em paradeiro desconhecido, deixando de residir nas moradas de que tinha conhecimento. Devido a esse facto as cartas que foram enviadas para as moradas em causa a marcar uma entrevista com o arguido não obtiveram resposta. Deste modo, tornou-se impossível dar exequibilidade ao plano de readaptação que foi imposto ao arguido B… como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos.
Deste modo, o arguido B… demonstrou, por mais uma vez, um total desprezo e alheamento em relação à situação em causa.
Designadamente, o arguido alheou-se por completo da decisão tomada nos autos que determinava que ele deveria cumprir a condição de se sujeitar ao referido plano de readaptação, não colaborando de forma alguma para que se criassem as condições para que o plano em causa pudesse ser posto em prática e ainda de os técnicos do DGRSP pudessem proceder ao acompanhamento do seu cumprimento. Ter-se-á assim que concluir que o arguido tem vindo sistematicamente e culposamente a violar a condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, consistente no cumprimento do plano de readaptação que foi elaborado pela DGRSP.
Além disso, constata-se que o arguido não tem qualquer vontade ou empenho em alguma vez cumprir a referida condição. Na verdade, o arguido teve conhecimento da decisão aqui proferida e que estava obrigada ao cumprimento de um plano de readaptação como condição para a suspensão da pena de prisão. Não obstante, não deu qualquer colaboração na elaboração e no cumprimento do plano, desaparecendo simplesmente para paradeiro desconhecido.
Por outro lado, considera o Tribunal que não se justifica a concessão de uma terceira oportunidade ao arguido para cumprir a condição para a suspensão do plano de readaptação, conforme ele veio agora requerer e conforme veio o Ministério Público agora preconizar.
Na verdade, o arguido foi devidamente advertido na diligência da leitura de sentença que deveria cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão, sob pena de revogação daquela suspensão. Contudo, o arguido desapareceu para parte incerta, deixando de residir na morada que consta nos autos e figura no TIR que prestou. Deste modo, de forma intencional e voluntária pôs-se numa situação de impossibilidade de cumprimento da condição para a suspensão da pena de prisão.
Além disso, o arguido também não aproveitou a 2a oportunidade que lhe foi dada para cumprir a suspensão da pena de prisão, continuando com paradeiro desconhecido, e não respondendo às convocatórias que lhe foram feitas pela DGRSP para comparecer nos respectivos serviços a fim de se proceder à elaboração do respectivo plano de readaptação.
Se o arguido tivesse intenção de cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão, certamente que teria comunicado ao Tribunal qual seria o seu novo domicílio quando saiu da residência onde se encontrava e que figurava nos autos. Aliás, o arguido estava obrigado, nos termos do artigo 196°, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, a comunicar a sua nova residência, no prazo de 5 dias após se ausentar da mesma. Obrigação essa que o arguido não cumpriu, na medida em que, conforme referimos, mudou de residência sem indicar onde seria o seu novo domicílio.
Apenas agora, sob a pressão da possibilidade da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos e de ter de ir cumprir a mesma é que o arguido se lembrou de vir comunicar onde se situa o seu novo domicílio e vir requerer que lhe seja concedida 3ª oportunidade de cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão.
E, pergunta-se, se lhe fosse concedida uma terceira oportunidade, e o arguido voltasse a falhar, como tem feito até aqui, ser-lhe-ia concedida uma 4a oportunidade, e por aí fora, até à prescrição final da pena. Não nos parece que seja essa a intenção do legislador.
Deste modo, o arguido não merece e nada fez para justificar que lhe fosse concedida uma terceira oportunidade nos autos para cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Acresce que já não será possível proceder a nova prorrogação do prazo para a suspensão da pena de prisão, na medida em que já foi efectuada a prorrogação que é legalmente admissível nos termos do artigo 50°, n.º 5, do Código Penal. Logo o arguido nunca iria cumprir a condição durante todo o prazo da suspensão da pena de prisão, conforme se encontra obrigado através de decisão judicial proferida nos autos, devidamente transitada em julgado.
Em conformidade, indefere-se esta pretensão do arguido Nuno Elias para lhe ser concedida uma terceira oportunidade para cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos.
Verifica-se assim que o arguido B… ignorou totalmente as condições que o tribunal lhe pôs para que o mesmo beneficiasse da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos. Consideramos assim que a atitude do arguido fez desaparecer o fundamento para que se mantenha a suspensão da pena daquela pena de prisão. De outro modo, deixará de ter efeito útil o dever que lhe foi estabelecido como condição para a suspensão, e o arguido nunca iria cumprir o mesmo, violando-se assim uma decisão judicial, entretanto transitada em julgado.
Tendo em conta o comportamento exposto, ter-se-á que concluir que o arguido B... infringiu de forma grosseira e repetidamente o dever que lhe havia sido imposto. Consideramos, assim, que se encontra preenchido no caso concreto o pressuposto previsto no artigo 56°, n.º1, alínea a), do Código Penal.
Por todo o exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que havia sido aplicada nos presentes autos ao arguido B…. Em conformidade, este arguido deverá cumprir a pena de 7 meses de prisão em que foi condenado nos autos.
(…).”
2.2 - De harmonia com o disposto no art.428º, do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito.
Por outro lado, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Trata-se de um verdadeiro ónus de alegação e motivação do recurso, devendo o recorrente" formular com rigor o que pede ao tribunal São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
2.3 - As questões a decidir e objecto dos recursos consubstanciam-se em:
Elucidar se estavam ou não reunidos os legais pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao ora recorrente;
Verificação do incumprimento culposo, grosseiro ou repetido dos deveres e condições impostas à suspensão da pena;
Falta de fundamentação do despacho recorrido;
Nulidade por falta de audição do arguido.
2.4 - Análise do objecto do recurso. 2.4.1 - Com interesse para a análise do recurso refere-se o seguinte:
O arguido, B…, foi condenado por sentença de 12-07-2013, transitada em julgado, em 27-09-2013, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena 7 meses de prisão;
Essa pena foi suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, condicionada à sujeição do arguido a Regime de Prova, através do cumprimento de um plano de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social;
O arguido não tem antecedentes criminais e que tem como habilitações literárias, apenas o 8.º ano de escolaridade;
O arguido não compareceu às convocatórias que a DGRSP lhe enviou para a morada indicada no TIR e, esta entidade, em deslocação a tal morada constatou que o arguido ali não se encontrava, tendo no local colhido informação que o mesmo eventualmente poderia estar emigrado na Suíça;
O arguido foi convocado para audição em tribunal, nos termos do artigo 495º do C.P.P., não compareceu;
O tribunal a quo decidiu, então, por despacho de 04-02-2014, prorrogar o período de suspensão, por um ano, e determinou que o arguido fosse notificado para, no prazo de 10 dias, se apresentar nas instalações da D.G.R.S.P., a fim de ali ser elaborado o respectivo plano de readaptação;
Tal notificação ao arguido não foi realizada na medida em que a carta que lhe foi remetida para a morada indicada no TIR não foi depositada;
Assim, por despacho de 27-02-2014 foi ordenada a notificação pessoal do arguido;
Em momento ulterior, constatando-se que não foi possível notificar o arguido foi decidido que o mesmo deveria considerar-se notificado na pessoa do respectivo defensor - por despacho de 09-04-2014;
O arguido viria em 22-04-2014 informar aos autos a sua nova morada e comunicar, ainda, ser sua intenção cumprir o plano de readaptação imposto e colaborar com a DGRSP;
Na sequência de tal comunicação solicitou o Ministério Público que junto da DGRSP se indagasse se o arguido efectivamente encetou alguma diligência tendente a colaborar na elaboração do plano de reinserção;
Porem, entendeu o Mmo. Juiz a quo revogar, de imediato, a suspensão da execução da pena, por entender haver um incumprimento culposo, grosseiro e repetido da condição a que ficou subordinada a suspensão e que não subsiste a prognose favorável que motivou a suspensão da pena aplicada.
Os dois recursos foram interpostos, pelo MºPº e pelo arguido, que se insurgiram contra este despacho.
2.4.2 - É importante para a análise e decisão do presente recurso atender, desde logo, à previsão dos arts. 55º e 56º, do CP.
O primeiro, sobre a epígrafe “Falta de cumprimento das condições da suspensão”, preceitua:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º ”.
O segundo estabelece que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou
b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
O “ratio” da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é o prognóstico favorável feito pelo tribunal - atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias dos factos -, que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhada ou não da imposição de deveres (ou) regras de conduta – sejam bastantes para o afastar da delinquência e satisfazer as necessidades da punição.
Sobre esta questão, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, § 521, pág. 344), refere.“... o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada”.
Em anotação ao citado art.º 56.º, do CP, Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 3.ª Edição, vol. I, Rei dos Livros, pág. 711, adiantam: “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”.
A análise destas normas legais demonstra que só se justifica alterar ou revogar a suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, quando houver culpa no incumprimento da obrigação.
SSendo que, no caso de revogação, essa mesma culpa tem de ser grosseira ou reiterada.
Sobre o conceito de culpa, Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pág. 316, adianta que a culpa contém um juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso.
O condenado age com culpa ao violar as condições que foram impostas à suspensão da execução da pena, quando, fundamentalmente, ficar demonstrado: que tinha condições para as cumprir e não o fez, ou então, que se colocou voluntariamente na situação de não as poder cumprir.
O citado art. 56º, n.º 1 alínea a), do Código Penal, ao mencionar a infracção grosseira, ou reiterada pretendeequipará-laa um comportamento injustificável ou imperdoável, pelo comum dos cidadãos.
A mesma está ligada à violação do dever ou regra de conduta concretamente imposto aos condenados. A revogação da suspensão não constitui, assim, um efeito automático provocado pelo incumprimento respectivo, implicando sempre uma dupla realidade complementar, a saber, as características graves ou reiteradas da violação do dever ou regra de conduta, acrescidas do carácter culposo daquele incumprimento.
Tais requisitos ligam-se estruturalmente à própria natureza e escopo da suspensão da execução da pena, com o princípio da adequação da pena aos fins da mesma, com o carácter subsidiário da aplicação da prisão e, finalmente, com as garantias de defesa que o ordenamento constitucional atribui aos cidadãos no âmbito do sistema penal.
O art.º 55º do C. Penal, perante a falta de cumprimento das condições para a suspensão da execução da pena de prisão, atribui ao juiz a opção por várias possibilidades de modificação e de adaptação ao caso concreto antes de decidir revogar a suspensão da execução da pena.
O Ac. do TRC, de 09-09-2015, proferido no Proc. N.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, disponível em http://www.pgdlisboa.pt, sobre esta matéria, refere no seu sumário: “I - Se antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não foram envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e assim este não é ouvido na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, entendemos que o despacho de revogação incorre na nulidade prevista no art.119.º, al. c), do Código de Processo Penal. II - Tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art.495.º, n.º 2 do C.P.P. se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido. III - A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória. IV - A infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou ao plano individual de reinserção, durante o período de suspensão, determinará a revogação da suspensão enquanto circunstâncias que põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe. V - Não convencendo que não voltará a delinquir, temos como definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena, sendo a única medida ajustada ao caso concreto a revogação da suspensão da pena, nos termos do art.56.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal e o consequente cumprimento da pena de prisão fixada nos presentes autos.
A este mesmo propósito, pode ler-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 19.02.1997 (in CJ ano XXII, tomo I, pág. 166) que a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a) do nº 1 do artº 56º do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada. Só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Por outro lado, a ponderação que a lei exige ao juiz projectar-se-á sobre a conduta do condenado relativamente ao cumprimento do dever imposto, uma vez que se impõe ao mesmo o ónus de colaborar. É necessário que o juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário.
A violação dos deveres tem de assumir certa gravidade. Compreende-se, por isso, que a lei ponha como um dos pressupostos da intervenção judicial que prevê no preceito em referência uma violação culposa. É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa. Daqui decorre que se impõe um poder-dever ao julgador, aliás como acontece em sede de julgamento, de procurar reunir todos os elementos para aquilatar da situação que determinou o incumprimento e tomar uma das medidas do artº 55º ou 56º, do CP. Não se pode olvidar esse poder-dever imposto pelo artº 340º, nº 1 do CPP, isto é ordenar a produção de todos os meios com vista à boa decisão da causa.
Entende-se, assim, que não é sobre o condenado que recai o ónus de promover a justificação dos factos que o impossibilitem de cumprir, embora tal não o isente de colaborar. Em processo penal não existe, em rigor qualquer ónus da prova, cabendo ao juiz, oficiosamente, o dever de indagar e esclarecer o feito sujeito a julgamento. Não olvidamos, porém, a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da revogação da suspensão da execução da pena, no sentido de que no momento em que o recorrente tiver de prestar contas sobre o cumprimento da condição de suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento dessa condição se este for culposo.
A jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/2015, publicado no DR 100 série I, de 2015-05-25, respeita a situação distinta da “sub judice”, pois refere-se a audição do arguido para cumprimento de pena por prisão por dias livres, não sendo, portanto, aplicável.
Revertendo para o caso “sub Júdice”, está assente que:
A suspensão da execução da pena ficou subordinada ao regime de prova subordinada ao cumprimento pelo arguido de um plano de readaptação social;
O arguido não compareceu as entrevistas com o técnico da D.G.R.S.P. e ausentou-se da sua residência sem comunicar a sua nova morada;
O mesmo deixou de cumprir com a obrigação que sobre ele recaia de contactar os técnicos da D.G.R.S.P. e, não informou, nos autos, qualquer alteração da sua residência - e não cuidou de apresentar qualquer explicação para esse incumprimento;
O arguido não tem antecedentes criminais e que tem como habilitações literárias, apenas o 8.º ano de escolaridade.
Justificar-se-á, sem mais, a revogação da suspensão da execução da pena?
Ainda que haja atitudes do arguido que demonstram a falta de colaboração na elaboração do seu plano de reinserção social, não se conseguiu descortinar os motivos específicos que originaram tal incumprimento. Mais especificadamente, não se apurou se a causa desse incumprimento é imputável ao arguido/recorrente, ou foi motivada por outra qualquer razão ou circunstância.
Essa indagação, prévia, é fulcral para considerar, ou não, integrada a situação na previsão do aludido art.º 56º n.º 1, al. a), do CP.
Assim, teremos que dar razão ao MºPº, quando afirma que não poderá optar-se, desde já, pela revogação da suspensão da execução da pena, pelo facto de o arguido não ter colaborado na elaboração do plano de reinserção social já que não se logrou determinar as razões concretas pelas quais tal se verificou, se por causa imputável ao mesmo, ou por qualquer outra razão.
Haverá assim que indagar das razões desse incumprimento e eventualmente dar uma nova oportunidade ao arguido para cumprir tal plano, antes de se optar pela revogação da suspensão.
As demais questões suscitadas pelo arguido/recorrente não serão analisadas, dado o deferimento da revogação do despacho recorrido, sendo certo que no que concerne à falta de fundamentação do mesmo, carece o recorrente de razão, pois que não se verifica, da análise do texto do despacho recorrido, essa omissão de fundamentação. Nele mostram-se indicadas as razões e os motivos pelos quais o tribunal revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta, argumentando com fundamentos de facto e de direito. O que se pode afirmar é que se discorda desses argumentos e da revogação da suspensão da pena, sem indagar, previamente, se esse incumprimento foi, ou não, culposo.
III - Decisão
Termos em que se acorda em conceder provimento aos recursos, nos termos expostos, revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que proceda às diligências necessárias para indagar, previamente, quais os motivos do incumprimento do plano de readaptação social, e decida, depois, em conformidade com os elementos obtidos e as normas jurídicas aplicadas.
Sem Custas.
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas - art.º 94 n.º 2 do CPP -).
Évora, 16/02/2016
Maria Isabel Duarte (relatora)
José Martins Simão (adjunto)