DECLARAÇÃO DA EXCECIONAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Sumário


I - Constitui simples irregularidade sanável a omissão da audição do arguido sobre a declaração da excecional complexidade do processo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1.Relatório

Nos autos de inquérito que, com o nº 211/13.9GBASL, correm termos na 1ª secção do DIAP de Setúbal, foi proferido despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido, A., devidamente identificado nos autos, no qual pretendia que fosse declarada uma irregularidade, por falta de audição prévia à declaração de excepcional complexidade dos autos, e que ali foi considerada como sanada por intempestividade da respectiva arguição

Inconformado com esse despacho, e bem assim com um outro que lhe havia indeferido a libertação imediata por excesso de prisão preventiva, deles interpôs recurso o arguido, pretendendo a sua revogação e substituição por decisão que declare os vícios arguidos e a tempestividade da sua arguição, ordenando a emissão de mandados de libertação, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1. Os Despachos recorridos, entendem que a falta de audição do arguido nos termos do disposto no artigo 215º nº 4 do CPP, é uma simples irregularidade, e que deveria ter sido suscitada nos 3 dias imediatamente após o despacho que procede à revisão trimestral da prisão preventiva.

2. Na verdade entendem que através desses despachos, e quando é feita a referência ao artigo 215º nº 3 do CPP o arguido tinha de «inferir», que o processo já tinha sido declarado de excecional complexidade.

3. Ora salvo o devido respeito, não podemos aceitar, que a norma do artigo 215º nº 4 do CPP, possibilite uma decisão que afeta direitos liberdade e garantias, alargando sobremaneira o prazo de prisão preventiva e o próprio inquérito, sem que para tal, sejam os mesmo notificados para se pronunciarem.

4. Mais que essa «omissão», tenha como consequência uma «mera» ou «simples» irregularidade, sanada, se nos 3 dias seguintes a um posterior despacho de manutenção da prisão preventiva o arguido não tenha «inferido» tal vício.

5. Na verdade, se a aplicação do disposto no artigo 123º nº 1 do CPP, está previsto para os casos, como se diz, no acórdão do STJ, de fixação de jurisprudência, nº 5/2002, in DR. I Série-A, de 17 de Julho de 2002, uma “violação de lei processual” que se reporta “a uma norma que tutela interesses de menor gravidade”, jamais pode ser compatível, para uma situação, como no nosso caso, em que está em causa um erro de procedimento que afeta irremediavelmente, a sua liberdade, como ainda a impossibilidade prática de poder recorrer de um despacho que, mercê, dessa irregularidade, é irrecorrível?!...

6. Aliás, não sendo reparado oficiosamente pelo tribunal, ordenando a sua notificação, jamais o arguido ora recorrente, poderá exercer cabalmente o princípio do contraditório, como mais gritante ainda o direito de recorrer de decisão que o afeta de forma tão gravosa.

7. Na verdade salvo melhor opinião, entendemos assim, que a omissão cometida, não pode ser considerada uma «simples» irregularidade, mas sim uma nulidade insanável ao abrigo do artigo 119º al. c) do CPP, pois a a “ausência” a que alude a al. c) do artigo 119º não é apenas a física, mas também a processual, em casos graves de extensão da privação da liberdade.

8. Donde, interpretar-se normativamente que a falta de audição do arguido a que se refere o artigo 215º nº 4 do CPP, configurando mera irregularidade nos termos do artigo 213º nº 1 do CPP, fica sanada se o arguido for notificado do despacho que manteve a prisão preventiva, onde se «infere» a especial complexidade dos autos pela referência ao artigo 215º nº 3 do CPP e nada arguiu, é inconstitucional, por violação do princípio do contraditório, garantias de defesa e direito ao recurso, previstos nos artigos 32º nº 1 e 5 da CRP.

9. Mas mesmo que assim não se entendesse, tais omissões, omissão de audição prévia e notificação do douto despacho que declarou excecional complexidade, sempre estaria ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 120º nº 2 al. d) do CPP, na medida em que existe insuficiência do inquérito, quando não são praticados actos «legalmente obrigatórios».

10. Ora a audição prévia do arguido, na fase de inquérito, é um acto legalmente obrigatório pois «apenas pode ser declarada» «ouvido o arguido» e devem ser notificados da decisão não só o defensor como o arguido, nos termos do disposto no artigo 113º nº 10 do CPP.

11. Donde tratando-se de uma nulidade referente ao inquérito, posto que foi preterido um acto legalmente obrigatório, a «audição prévia do arguido» c. f. artigo 215º nº 4 do CPP, cometeram os despachos sob recurso a nulidade prevista nos artigos acima mencionados e não uma «simples» ou «mera» irregularidade.

12. Foram assim por erro e má interpretação do direito violadas as disposições acima indicadas.

O recurso foi admitido, mas apenas na parte relativa ao despacho que indeferiu a arguição da irregularidade, tendo-se considerado irrecorrível o outro despacho, datado de 21/5/14, por se tratar de mera informação relativa à petição de habeas corpus já indeferida por acórdão do STJ.

Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida e improcedência do recurso, concluindo como segue:

1º. A eventual omissão do despacho que declarou a especial complexidade dos autos, na audição prévia do arguido ou a sua notificação, são susceptíveis de integrar apenas uma irregularidade, nos termos do art. 118º/1 e 2 do CP, uma vez que as omissões em apreço não se encontram elencadas nos arts. 119º e 120º do CPP, que indicam os casos de nulidades insanáveis ou dependentes de arguição, respectivamente.

2º. Ora, padecendo o despacho que decretou a especial complexidade de irregularidade, a mesma, deve ser arguida no prazo máximo de “três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado” – cfr. art. 123º do CPP

3º. O arguido foi notificado do despacho proferido pela Mm. Juiz de Instrução Criminal, de 11/3/2015, no qual, entre o mais, se refere que ainda não decorreu o prazo de duração máxima da medida de prisão preventiva, com a menção, a seguir, do art. 215º, n 1, al. a), e n2 3, do CPP (tis. 77). Ora, este nº 3 refere-se exactamente à declaração de especial complexidade. Tinha três dias para arguir a irregularidade do despacho que declarou a especial complexidade.

4º. O vício de irregularidade do despacho que declarou a especial complexidade dos autos encontra-se sanado, por o recorrente não ter reagido no prazo de três dias, desde que tomou conhecimento do mesmo, ou seja, desde 11 de Março de 2015.

5º. Tal significa que o prazo de prisão preventiva, em virtude da declaração de especial complexidade, que produziu todos os seus efeitos e transitou em julgado, não se extinguiu.

Nesta Relação, a Exmª Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no qual, limitando-se a acompanhar e subscrever a argumentação oferecida pelo MºPº junto do tribunal da 1ª instância na resposta ao recurso, também se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente apresentado resposta na qual, além de ter posto em causa a sua notificação da resposta do MºPº, o que posteriormente reconheceu ter-se devido a lapso de que se penitenciou, veio reiterar toda a argumentação que desenvolveu no recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação

Revestem-se de interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais, que se colhem dos elementos com que os autos foram instruídos, complementados por certidões solicitadas à 1ª instância:

- na sequência do interrogatório a que foi sujeito, em 19/11/14, foi aplicada ao recorrente, indiciado da prática, em co-autoria, de 9 crimes de furto, ps. e ps. pelo art. 203º do do C. Penal, 16 crimes de furto qualificado, ps. e ps. pelos arts. 203º e 204º nº 1 als. a) e b) do C. Penal, 14 crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelos arts. 255º al. a) e 256º nºs als. a) e e) do C. Penal e 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo arts. 86º nº 1 da Lei nº 5/2006 de 23/2, a medida de coacção de prisão preventiva;

- a requerimento do MºPº, foi proferido despacho, em 24/11/14 e sem prévia audição do recorrente, que, “Face ao número de ofendidos (várias dezenas), ao número previsível de arguidos (uma vez que estamos em face de um grupo organizado), aos crimes, bem como ao “modus operandi” altamente organizado, utilizado pelos agentes dos crimes”, declarou, nos termos do art. 215º nºs 2 al. b) e 3 do CPP, a especial complexidade dos autos;

- foi indeferida, por despacho proferido em 19/12/14, a alteração da medida de coacção por ele requerida;

- a medida de coacção aplicada veio a ser novamente mantida em despacho proferido em 11/3/15, cujo teor é o seguinte:

Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido, subsequente ao auto de interrogatório de 19/11/2014 (cfr. fls. 2440 a 2461).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser mantida a medida de coacção, por não decorrer dos autos qualquer alteração dos pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da mesma, aliás, medida já anteriormente mantida (cfr. fls. 3015 a 3017).
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Não se entende necessário ouvir o arguido
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De acordo com o previsto no art. 213º n.º 1 do CPP o juiz procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas.

Compulsados os autos, constata-se que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da referida medida de coacção de prisão preventiva de fls. 2440 a 2461, mantidas por despacho de 19/12/14 ( cfr. fls. 3015 ), nomeadamente, os perigos existentes. Ainda não decorreu o prazo de duração máxima desta medida (cfr. artigo 215º n.º 1 a) e n.º 3 do Código de Processo Penal).

Assim, concordando-se na íntegra com os fundamentos de fls. 2440 a 2461, que aqui se dão por reproduzidos, mantém-se a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido Manuel Arsénio Pires.

- este despacho foi devidamente notificado ao recorrente, através dos serviços do E.P. onde se encontra detido, e ao seu mandatário, por via postal registada enviada em 12/3/15;

- o recorrente veio arguir a irregularidade decorrente da inobservância do disposto no nº 4 do art. 215º do C.P.P., por não ter sido ouvido antes da prolação do despacho que declarou a especial complexidade dos autos, em 25/5/15, mais de 2 meses depois de ter sido notificado do despacho de 11/3/15 acima aludido;

- requereu, ainda, a providência de habeas corpus, alegando a ilegalidade da sua prisão, pelo decurso do prazo máximo da prisão preventiva;

- na sequência, foi ordenada, por despacho proferido em 21/5/15, no qual se considerou que a falta de audição do arguido constitui mera irregularidade já sanada, a remessa dessa petição ao STJ e, após, em 25/5/15, proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:

A fls. 4229 veio o arguido Manuel Arsénio Pires arguir a irregularidade prevista de 123º n.º 1 do CPP por não ter sido ouvido em momento anterior à prolação do despacho que declarou a especial complexidade dos presentes autos, que alega apenas ter tido conhecimento com a notificação do despacho referente à informação dada, quanto ao habeas corpus, nos termos do preceituado no art.º 223º do CPP.

O MP veio a fls. 4236 a 4241 pugnar pelo indeferimento do requerido por se considerar sanada a irregularidade por não ter sido arguida tempestivamente.

Apreciando e decidindo:
Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido, subsequente aos respectivos autos de interrogatório 19 Novembro de 2014.

A requerimento do Ministério Público, foi por despacho de 24/11/2014 - fls. 2495 - declarada a especial complexidade dos presentes autos.

Tal como já consignado no despacho proferido a de fls. 4215 a 4217 e promoção que antecede a falta de audição do arguido a que se refere o art.º 215º n.º 4 do CPP não configura nenhuma das nulidades insanáveis ou dependentes de arguição previstas, respectivamente, pelos artºs 119º e 120º do CPP, pois que não está aí prevista.

Aliás, sobre tal se pronuncia a decisão proferira pelo STJ de fls. 4245 a 4250, quando delibera no sentido de indeferir o pedido de Habeas Corpus. Aí se refere que tal preceito legal se refere ao direito do arguido ser ouvido, por escrito, não exigindo qualquer audição presencial do mesmo.

Assim, tal falta de audição configura mera irregularidade prevista no artº 123º do CPP (neste sentido vide, entre outros, Ac. STJ de 25/11/2009 in www.dgsi.pt, citado na promoção que antecede e o Ac. Do STJ de 28/05/2015 junto aos autos a fls. 4245 a 4250).

Acresce que, o arguido foi notificado do despacho que manteve a prisão preventiva de 19/11/2015, a 19/12/2014 (fls. 3015 a 3017) e 11/03/2015 (fls. 3996) este último de onde se infere a especial complexidade dos autos pela referência ao art.º 215º n.º 3 do CPP, quando se refere expressamente que ainda não decorreu o prazo de duração máxima da prisão preventiva por aplicação desse preceito.

Nos termos do preceituado no art.º 123º qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida, no que aos autos interessa, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto praticado.

Quando assim não é, considera-se sanada a irregularidade produzindo o despacho todos os seus efeitos. Também a este propósito se pronuncia o referido Ac. STJ junto aos autos.

O arguido veio arguir a irregularidade a 25/05/2015 mais de dois meses depois de ter sido notificado do despacho de 11/03/2015, pelo que foi arguida fora do prazo que a lei prevê.

Em face do supra exposto, indefere-se o requerido pelo arguido A. por sanada a irregularidade por não arguida tempestivamente.
Notifique.

- o STJ veio a indeferir o habeas corpus, considerando, nomeadamente, que:

Consabidamente, o direito de presença que assiste ao arguido por força da al. a), do n 1, do art. 61º, do CPP, não se confunde com o direito de audição previsto na al. b) do mesmo preceito. Mais, a al. c) do art. 119º do CPP considera que a nulidade só existe, quando a presença do arguido for obrigatória em ato processual, e não quando simplesmente o arguido quiser fazer valer o direito de estar presente, podendo o ato realizar-se sem tal presença, não fazendo uso do direito.

A obrigatoriedade de presença do arguido (apesar de tudo não absoluta), existe, por exemplo, quanto ao debate instrutório, à audiência de julgamento, em matéria de liberdade condicional ou de revogação da suspensão de execução da pena, bem como em várias situações assinaladas no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de liberdade.

A declaração de especial complexidade é decidida por despacho e não é precedida de qualquer audiência de quem quer que seja. O arguido tem pois o direito a ser ouvido, mas por escrito, no prazo que lhe for concedido. Daí que a omissão que se verifica nos autos dê lugar a simples irregularidade, nos termos do art. 118º, nº 2 e 123º do CPP.
(…)
A declaração de especial complexidade ocorreu há mais de seis meses. O arguido não arguiu qualquer irregularidade limitando-se agora a arguir uma nulidade e em sede de Habeas Corpus.

E no entanto, foi notificado de despacho de 11/3/2015, em que, entre o mais, se refere que ainda não decorreu o prazo de duração máxima da medida de prisão preventiva, com a menção, a seguir, do art. 215º, n 1, al. a), e nº 3, do CPP (fls. 77). Ora, este nº 3 refere-se exatamente à declaração de especial complexidade. Tinha três dias para arguir a irregularidade do despacho que declarou a especial complexidade.

Posteriormente, ficou a saber-se, pela exposição que a 26 do presente mês o requerente fez juntar aos autos, que o mesmo terá sido notificado da informação prestada pelo Mº Juiz nos termos do art. 223º, nº 1 do CPP, onde se refere a pretérita declaração dos autos como de especial complexidade.

Portanto, ocorreu efetiva violação da lei por o arguido não ter sido ouvido nos termos do art. 215º, n 4 do CPP. Só que a prisão preventiva do arguido não é ilegal porque a validade do ato que a viabilizou não foi atacada como cumpria.

O requerente devia ter arguido a irregularidade do despacho que declarou a especial complexidade dos autos junto de quem produziu esse despacho. Deveria tê-lo feito nos três dias seguintes a ter sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado. Ao arguir tal irregularidade teria que demonstrar que estava em tempo, e já se viu que foi notificado de despacho de 11/3/2015.

Enquanto uma irregularidade não for arguida e reconhecida, inclusive oficiosamente pelo autor do ato inválido, ou então depois de ter sido considerada sanada, o despacho viciado produz todos os seus normais efeitos.

3. O Direito

Face às conclusões do recorrente, as questões submetidas à nossa apreciação reconduzem-se a determinar a natureza do vício consubstanciado na falta de audição do arguido prévia ao despacho que declarou a especial complexidade dos autos.

O recorrente, contrariando a posição que havia defendido quando veio arguir que essa omissão constituía uma irregularidade, sustenta agora no recurso que a mesma constitui a nulidade insanável prevenida na al. c) do art. 119º do C.P.P. na medida em que a ausência a que esta norma alude não é apenas a ausência física, mas também a processual em casos graves de extensão da privação da liberdade, considerando ser inconstitucional, por violação do princípio do contraditório, das garantias de defesa e direito ao recurso, configurá-la como mera irregularidade que fica sanada se o arguido for notificado do despacho que manteve a prisão preventiva do qual se infira a especial complexidade dos autos por referência ao art. 215º nº 3 do C.P.P. Para a eventualidade de assim se não entender, defende que a omissão em causa constitui a nulidade prevenida na al. d) do nº 2 do art. 120º do C.P.P. na medida em que existe insuficiência do inquérito por não ter sido praticado um acto legalmente obrigatório como sucede com aquela audição.

É inequívoco, e foi expressamente reconhecido pelo tribunal recorrido, que, no caso, não foi observado o disposto no nº 4 do art. 215º do C.P.P., na parte em que estabelece que a declaração de excepcional complexidade é proferida "ouvido(.) o arguido”.

Simplesmente, tal como já foi salientado pelo STJ no indeferimento do habeas corpus requerido pelo recorrente, este direito de ser ouvido não é presencial. O arguido tem, apenas, o direito a ser ouvido por escrito. Daí que a omissão correspondente não constitua a nulidade insanável prevenida na al. c) do art. 119º do C.P.P., que apenas respeita à ausência, do arguido ou do seu defensor, a actos processuais relativamente aos quais a lei exigir a sua comparência[1].
A omissão em causa também não integra a nulidade dependente de arguição prevenida na al. d) do art. 120º do C.P.P., diferentemente do que o recorrente sustenta em segunda linha, pois a notificação ao arguido para ser ouvido a respeito da excepcional complexidade não se encontra, seguramente, entre os actos legalmente obrigatórios a praticar durante o inquérito.

Tratando-se, é certo, de um vício, o mesmo apenas constitui irregularidade, e assim também já foi considerado, nos autos, pelo acórdão proferido pelo STJ[2]. Não foi arguido dentro do prazo estabelecido no nº 1 do art. 123º do C.P.P., sendo certo que o recorrente, ao ser notificado do despacho proferido em 11/3/15, e não obstante ainda não ter decorrido nessa data o prazo normal da prisão preventiva, não podia ter deixado de tomar conhecimento de que havia sido declarada a excepcional complexidade dos autos, já que nele foi feita expressa menção ao nº 3 do art. 215º do C.P.P., no qual vem estabelecida a elevação dos prazos da prisão preventiva em decorrência dessa declaração. A irregularidade em causa só poderia ser oficiosamente reparada no caso de poder afectar o valor do acto (a declaração de excepcional complexidade), o que não sucede[3]. Refira-se, por fim, que o recorrente não tem igualmente razão acerca das questões de inconstitucionalidade que suscita. Na verdade, o legislador ordinário goza de ampla liberdade de conformação do regime das invalidades do processo, nada obstando, pois, a que a falta de audição do arguido antes de decidida a excepcional complexidade do processo constitua mera irregularidade, sanável, nomeadamente nos casos em que o arguido tomou dela conhecimento ao ser notificado de decisão judicial em que se faz expressa alusão à norma que estabelece o alargamento dos prazos da prisão preventiva[4]. Sendo certo que, mesmo omitida a sua prévia audição, sempre ao arguido assiste o direito de recorrer do despacho que declara a excepcional complexidade, posto que o faça dentro do prazo estabelecido na lei e contado a partir do momento em que dele, e dos respectivos fundamentos, tenha tido conhecimento.

Assim, e sem necessidade de mais alongadas considerações, concluímos pela inexistência de fundamento para acolher a pretensão do recorrente.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgam improcedente o recurso, e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.

Vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Évora, 23 de Fevereiro de 2016

Maria Leonor Esteves

António João Latas

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[1] Como se refere no Ac. STJ 14/11/07, proc. nº 07P4289:

II - A al. c) do art. 119.º do CPP deve ser lida em conjugação com o art. 61.º, n.º 1, do mesmo diploma, que enumera os direitos do arguido e que distingue com clareza entre o direito de estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito (al. a) do n.º 1), e o direito de ser ouvido sempre que o tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o afecte (al. b) do mesmo n.º 1).

III - São direitos distintos, com protecção jurídica também diferente, sendo evidentemente mais forte a do primeiro, que se reporta a situações em que o direito de defesa tem de beneficiar de uma mais intensa protecção. O direito à presença do arguido em determinado acto tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma superior garantia de defesa, ao permitir ao arguido a imediação com o julgador e com as provas que contra ele são apresentadas, estando naturalmente esse direito circunscrito a um número reduzido de actos, entre os quais sobressai o julgamento. O direito de audição não envolve a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor.

IV - É, pois, insustentável a inclusão do direito de audição no de presença, sendo assim de rejeitar o conceito de “ausência processual”, ao menos enquanto equivalente à ausência física, para os efeitos do art. 119.º, al. c), do CPP.

[2] No mesmo sentido, v.g. Acs STJ 14/11/07, já cit. 30/4/08, proc. nº 08P1504 e 25/11/09, proc. nº 694/09.1JDLSB.B, RP 4/11/09, proc. nº 792/08.9JAPRT-B.P1.

[3] Pelas razões indicadas no Ac. STJ 4/2/09, proc. nº 09P0325:

III - O despacho que declara o processo de especial complexidade não tem por fundamento a posição processual do arguido, mas sim a complexidade do processo, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime;

IV- A declaração de especial complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade e exigências de investigação, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e, os direitos ou garantias do cidadão arguido, em prisão preventiva, além de se circunscrever no âmbito do processo justo, em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão, não é arbitrária mas, contida pelo princípio da legalidade, considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito.

[4] Com interesse para a questão vejam-se as declarações de voto apostas pelos Consº Benjamim Rodrigues e João Cura Mariano no Ac. TC nº 555/08 de 19/11/08, que entendem mesmo não ser constitucionalmente imposta a audição prévia do arguido nos casos de declaração oficiosa de excepcional complexidade do processo.