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PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário
Viola o princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio da igualdade, o plano que prevê um perdão de 98% do capital e perdão total de todos os juros vencidos e vincendos, com um período de carência de 2 anos, seguido do pagamento da dívida durante 10 anos, porquanto tal se traduzir num quadro de enorme prejuízo para os credores.
Texto Integral
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Instância Local de Fronteira, Secção de Competência Genérica, Juiz 1, corre termos o presente Processo Especial de Revitalização (PER) requerido por L… .
Após os devidos trâmites e aprovado o Plano de Recuperação, o mesmo foi homologado por sentença com a seguinte fundamentação:
“… Nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º3 do CIRE, não se tratando de um caso de aprovação unânime de um plano de recuperação, “sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito a voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.º 3 e 4 do artigo 17º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito a voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”. No caso concreto, a lista provisória de créditos transformou-se em lista definitiva mediante a não impugnação tempestiva da mesma, sendo assim, o quórum de aprovação o correspondente a mais de dois terços da totalidade dos créditos constantes na lista definitiva. O plano foi aprovado por credores representando 78,50% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores. A 14 de Outubro de 2015 o Credor Banco …, S.A. veio, nos termos do artigo 216.º do CIRE, afirmar que o plano de recuperação prevê, no que respeita ao crédito do reclamante, uma situação menos favorável do que a que sucederia com a ausência do mesmo, pugnando pela recusa de homologação do plano. Aprovado o Plano de Recuperação, cumpre decidir quanto à sua homologação ou recusa de homologação nos termos do artigo 17.º F, n.º 5 do CIRE e 215.º e 216.º do CIRE. Como é consabido, o processo de revitalização é um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual. Desta forma, em sede de recusa da homologação (artigo 215º CIRE) do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, por violação não negligenciável de regras procedimentais, há-de forçosamente o Juiz atender, ou pelo menos não menosprezar, o favor debitoris, ou seja, ter de alguma forma presente o desiderato do PER em sede de revitalização do tecido empresarial, em oposição à filosofia que tinha por norte e regra a liquidação e o desmantelamento dos patrimónios. Haverá, também, que ter em linha de conta que foi solicitada por credores (interessados) a não homologação do Plano, nos termos do artigo 216.º do CIRE. Dispõe o citado artigo 216.º, n.º 1, do CIRE que: “o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”. Ora, começando pela análise deste preceito legal, diremos que o credor Banco …, S.A. não logrou demonstrar, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do Plano fosse previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência deste, na medida em que, face ao enorme volume de créditos reconhecidos, em comparação com os rendimentos apresentados pela devedora, não resulta “evidente” que o seu crédito fosse pago pela devedora, em temos mais favoráveis do que os constantes do plano. De facto, apesar de o plano prever o pagamento de uma percentagem bastante reduzida dos créditos (2%), a verdade é que, face aos valores totais dos créditos reconhecidos, não demonstrou o Credor em causa que fosse previsivelmente mais favorável a não existência de plano, isto é, não logrou o Credor indicar qualquer facto concreto que leve o Tribunal a considerar que a Devedora procedesse ao pagamento de montantes superiores, ou em condições mais vantajosas, caso não existisse o plano de recuperação. Afastada esta possibilidade, importa que nos pronunciemos sobre a verificação de pressupostos que obriguem à recusa oficiosa do Plano por parte do Tribunal, nos termos do artigo 215.º do CIRE. Em primeiro lugar, resulta que os credores reconhecidos tiveram oportunidade de expressar o seu voto, relativamente ao plano apresentado, sendo que, da análise do conteúdo do plano não resulta qualquer favorecimento de um credor em detrimento dos restantes, não sendo, pois, violado o princípio da igualdade dos credores. No que se refere ao juízo sobre a situação economicamente difícil da Devedora, em contraponto com uma eventual situação de insolvência, entende o Tribunal que tal juízo é realizado pelos credores, aprovando o plano, caso em que, maioritariamente, estarão de acordo pela recuperabilidade ou rejeitando o mesmo, caso em que tal ónus passa para o administrador judicial provisório a quem competirá avaliar e transmitir aos autos a situação1. Por outro lado, entende-se não ser “ violação negligenciável – se o “plano” consagrar moratórias e prestações progressivas no pagamento dos créditos tributários, desde logo por tais situações não estarem abstratamente previstas nas disposições tributárias”, como sucede no caso do presente plano. Assim, não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação (artigo 215º do CIRE aplicável ex vi artigo 17.º-F n.º5 in fine do mesmo diploma). Assim, sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no artigo 17.º-F n.º5 do CIRE, deverá o plano de revitalização ser homologado.”
Inconformado com esta decisão, veio o credor BANCO …, S.A. recorrer da mesma, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida, em 3.12.2015, a qual determinou a homologação do plano de revitalização apresentado nos autos.
B. Contudo, o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 216.º do CIRE, com a qual a Recorrente não pode, por conseguinte, concordar.
C. Assim sendo, deve proceder-se à realização de um novo exame jurídico da questão suscitada, de forma a promover a adequada e célere realização e aplicação do Direito ao caso concreto, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida.
D. O Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade bancária.
E. No âmbito da sua atividade comercial, no dia 15 de Março de 2011, foi celebrado, entre o Recorrente e a Sociedade F…, Unipessoal, Lda. (doravante “Mutuária”), um contrato de mútuo através do qual aquele concedeu a esta um empréstimo no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
F. Para garantia do cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades decorrentes do contrato celebrado, a Mutuária entregou ao Recorrente uma livrança em branco, por si subscrita e devidamente avalizada pela Devedora, tendo ainda autorizado expressamente o seu preenchimento.
G. No âmbito dos presentes autos, o Recorrente apresentou, no dia 16 de Junho de 2015 a competente reclamação de créditos, sendo que se encontrava em dívida o montante total de € 15.601,46 (quinze mil, seiscentos e um euros e quarenta e seis cêntimos), a que acrescem os respetivos juros.
H. Posteriormente, no dia 16 de Outubro de 2015, o Recorrente, por considerar que o plano proposto previa uma proposta, sem qualquer fundamento jurídico, que consubstanciava uma situação extremamente prejudicial aos seus direitos, apresentou requerimento a requerer a não homologação do plano.
I. Não obstante, o plano de recuperação conducente à revitalização da Recorrente foi aprovado, por ter reunido a maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos, conforme resulta do número 3 do artigo 17.º-F, por referência do n.º 1 do artigo 212.º, ambos do CIRE.
J. Pelo que, foi, assim, dada publicidade à aprovação do plano de recuperação apresentado.
K. Sucede que, pese embora se tenham verificado os requisitos da sua aprovação, o plano de recuperação prevê, no que respeita ao crédito do Recorrente, uma situação claramente menos favorável do que interviria na ausência do mesmo.
L. No caso sub judice, é manifesto que a situação prevista no plano de recuperação é provável e previsivelmente menos favorável do que a que resultaria de um processo de insolvência, com liquidação do ativo e (eventual) admissão de um pedido de exoneração do passivo restante, sem razões objetivas que o justifiquem.
M. Ora, o plano de recuperação conducente à revitalização da Devedora prevê o perdão de 98% do capital em dívida e da totalidade dos juros vencidos e vincendos.
N. Mesmo num processo de insolvência, e num cenário em que se preveja liquidação do ativo e admissão de um pedido de exoneração do passivo restante sempre se poderia expectar, com alguma razoabilidade, vir a obter algum pagamento por via da cessão de rendimentos superior a 2% dos créditos reclamados e reconhecidos.
O. Ora, é certo que o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.
P. No entanto, conforme o exposto no acórdão do Relação de Guimarães, disponível em www.dgsi.pt, relativo ao processo n.º 3617/13.0TBBRG.G1, datado de 20-02-2014, o qual dispõe: “ III- A prossecução deste desiderato - da revitalização de devedores -, terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público. “
Q. É manifesto que um perdão de 98% gera um prejuízo desproporcional e injustificado a todos os credores, bem como prejudica de forma grave o funcionamento da economia.
R. De acordo com o plano que aqui se põe em crise, com exceção da Autoridade Tributária, em que se prevê o pagamento de 100% do capital, os restantes credores verão satisfeito apenas 2% do seu crédito.
S. Como se tal não fosse prejudicial o suficiente, o mencionado plano prevê ainda um período de carência de 24 meses, após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.
T. O que se pretende com o presente plano é que a revitalização da Devedora seja feita às custas dos credores, sem considerar tão-pouco o impacto que tal perdão terá nas contas de cada um deles.
U. Ora, não será necessário um juízo de prognose complexo para, ao comparar a realidade resultante do plano com a que resultaria da imediata liquidação do ativo, perceber que com toda a probabilidade, a realidade resultante do plano é menos favorável ao Recorrente.
V. Nos termos do plano aprovado, o Recorrente, apesar de ter um crédito sobre a devedora que ascende a € 15.601,46 (quinze mil, seiscentos e um euros e quarenta e seis cêntimos), receberá apenas cerca de € 312,00 (trezentos e doze euros).
W. Assim, o Recorrente continua a ter razões, de facto e de direito, já apresentadas no requerimento de não homologação do plano, para acreditar que a homologação do plano apresentado deve ser recusada.
X. Conclui-se, assim, que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 216.º do CIRE, razão pela qual deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso de apelação, revogando, em consequência, a sentença recorrida, substituindo-a por outra que recuse a homologação do plano de revitalização.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, deve o presente
recurso ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente,
revogar a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 216.º
do CIRE, substituindo-se por outra que recuse a homologação do Plano de
Revitalização apresentado.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684 nº3 e 685-A nº1 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4, 637 nº2 e 639 do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, a recorrente coloca à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
O Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 216.º do CIRE, e deveria ter concluído pela não homologação do Plano de Recuperação.
Apreciemos:
O processo especial de insolvência, claramente definido no art. 17-A, tem a finalidade de permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.
Assim, concluindo-se as negociações, o plano de recuperação apresentado considera-se aprovado quando venha a reunir a maioria dos votos prevista no nº. 1 do artº. 212 - aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência -, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista a que se referem os nºs 3 e 4 do art. 17-D.
Operada a votação e aprovação do Plano de Revitalização, por parte dos credores, cabe ao Juiz, no prazo de dez dias a contar da receção do mesmo - artº. 17º-F, nºs. 5 e 6 – apreciar o Plano aprovado, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do Plano de Insolvência previstas no título IX do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, nos arts. 215 e 216.
O PER reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, imperando nele o primado das vontades dos credores, restando ao tribunal um papel residual. Mas ao tribunal sempre cabe sindicar a observância, como pressuposto do seu juízo sobre a homologação, da regularidade dos procedimentos subjacentes e da legalidade do conteúdo do Plano.
De acordo com o disposto no art. 194 nº 1 do CIRE, o plano de recuperação obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. E acrescenta o nº2 que o tratamento mais favorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do credor afetado.
Contudo é preciso ter presente que “O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-3-2014, Proc. nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt .
E do corpo deste acórdão encontra-se a seguinte ponderação: “A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade. Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171: “… Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável. Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que nesta avaliação assumem as questões competenciais, mormente o problema da margem de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração e juiz.” (pág. 178) [sublinhámos].
Tendo em conta estes parâmetros, o que encontramos (em síntese) no plano de recuperação apresentado à homologação:
“A – pagamento de 100% dos créditos (a vários títulos) da Autoridade tributária; B – pagamento de 2% do capital primitivo dos restantes créditos; C – perdão de 98% dos créditos do capital primitivo e pagamento dos 2% em 10 anos, a prestações mensais iguais e sucessivas; D – perdão total de juros vencidos e vincendos; E – um período de carência de 24 meses após o transito em julgado da sentença homologatória. (…) Uma vez que a requerente aufere à presente data o SMN e de que o mesmo não irá sofrer muitas alterações nos próximos anos, requer a dispensa de apresentação dos pressupostos de rendimentos e ganhos e assim de outros documentos nos termos do disposto no art. 195 do CIRE, no entanto a requerente não obstante, tem condições para ser recuperada ou seja, poderá honrar os seus compromissos perante a generalidade dos credores, uma vez implementado o plano de recuperação que agora apresenta (…)”
Retira-se dos autos e a sentença recorrida refere, que concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pela devedora tendo votado 96,76% dos credores da lista definitiva de credores. Destes, votaram favoravelmente o plano de recuperação os credores que representam 78,50% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores; e votaram contra 21,50% dos credores titulares dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.
A recorrente nas suas conclusões de recurso alega:
M. Ora, o plano de recuperação conducente à revitalização da Devedora prevê o perdão de 98% do capital em dívida e da totalidade dos juros vencidos e vincendos.
N. Mesmo num processo de insolvência, e num cenário em que se preveja liquidação do ativo e admissão de um pedido de exoneração do passivo restante sempre se poderia expectar, com alguma razoabilidade, vir a obter algum pagamento por via da cessão de rendimentos superior a 2% dos créditos reclamados e reconhecidos.
O. Ora, é certo que o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.
P. No entanto, conforme o exposto no acórdão do Relação de Guimarães, disponível em www.dgsi.pt, relativo ao processo n.º 3617/13.0TBBRG.G1, datado de 20-02-2014, o qual dispõe: “ III- A prossecução deste desiderato - da revitalização de devedores -, terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público. “
Q. É manifesto que um perdão de 98% gera um prejuízo desproporcional e injustificado a todos os credores, bem como prejudica de forma grave o funcionamento da economia.
A situação explanada prende-se com a norma do art. 216 nº1 a) do CIRE, relativa ao conteúdo, segundo a qual o requerente deverá demonstrar em termos plausíveis que a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.
No requerimento que juntou aos autos antes da decisão do juiz sobre o Plano de recuperação (fls. 103 e 104), o recorrente usou tão só os argumentos supra transcritos. Mas agora, em sede de recurso, na conclusão U e V acrescenta: U. Ora, não será necessário um juízo de prognose complexo para, ao comparar a realidade resultante do plano com a que resultaria da imediata liquidação do ativo, perceber que com toda a probabilidade, a realidade resultante do plano é menos favorável ao Recorrente. V. Nos termos do plano aprovado, o Recorrente, apesar de ter um crédito sobre a devedora que ascende a € 15.601,46 (quinze mil, seiscentos e um euros e quarenta e seis cêntimos), receberá apenas cerca de € 312,00 (trezentos e doze euros). Sendo certo, acrescentamos nós, que nos termos do Plano apresentado haverá um período de carência de 24 meses e as prestações de pagamento do capital prolongar-se-ão por 10 anos…
Temos assim de concordar que a impugnação da recorrente é razoável e a sua situação mostra-se, com evidência, menos favorável da que adviria se não houvesse Plano.
Mas quid Juris em relação aos demais créditos.
Efetivamente o Plano, retirando os créditos tributários, tratou todos os outros créditos da mesma forma: pagamento de 2% do capital e perdão total de juros vencidos e vincendos.
E obteve uma votação favorável que representa 78,50% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores; e uma votação desfavorável de 21,50% dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.
Só que não acompanhamos a sentença recorrida ao apoiar-se essencialmente na verificação de uma maioria de votação favorável para homologar o plano de recuperação.
Tal fundamentação transmite a importância dos votos de certos credores para que o plano seja aprovado deve poder influenciar ou condicionar o regime de satisfação dos créditos, isto é deve poder influenciar ou condicionar o princípio da igualdade entre credores. Mas não pode ser assim, precisamente porque o vetor que regula para o caso é o da igualdade tendencial dos credores e não o da importância ou essencialidade dos votos de certos credores para que o plano possa ser aprovado.
Ao apreciarmos o mapa de votação junto aos autos a fls. 109 e colocando de fora os créditos tributários que irão ser pagos na totalidade, não deixa de ser questionável que os credores que não se pronunciaram “contra”, apenas tinham capital em dívida, não existindo quaisquer juros vencidos a favor dos mesmos.
Por outro lado, muito embora o Plano apresente (aparentemente) obediência pelo princípio da igualdade – art. 194 nº1 do CIRE – encontramos na alínea “restantes créditos” credores que são instituições crédito, financeiras e fornecedores de bens, com créditos que necessariamente não tiveram a mesma proveniência.
Certo que nos termos do disposto no art. 17-F, n.º 3 do CIRE, concluídas as negociações o plano de recuperação considera-se aprovado desde que reúna a maioria dos votos previstos pelo art. 212, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17-D. Mas tendo o plano sido aprovado, cumpre apreciar se existem fundamentos para sua rejeição, nos termos conjugados do disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE.
Decorre dos referidos arts. 215 e 216 o dever de o Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda nos casos em que não sendo o proponente do Plano o devedor, este solicite ao juiz a recusa da homologação mediante as justificações expressas naquele ultimo normativo.
“Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação e desenvolvimento do processo e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do Plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar. São não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”. Verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.” – cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, em “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª edição, pág. 826
Convenhamos que um perdão de 98% do capital e perdão total de todos os juros vencidos e vincendos, com um período de carência de 2 anos, seguido do pagamento da dívida durante 10 anos, constitui um quadro de um enorme prejuízo para os credores, parecendo-nos inaceitável que a requerente se “livre” das suas dívidas à custa dos mesmos. Muito embora o que esteja vedado, na falta de acordo dos lesados, seja sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas – cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, pág. 753 – a verdade é que, no caso em apreço, credores em circunstâncias diferentes foram sujeitos ao mesmo regime, o que não deixa de certa forma configurar igualmente uma violação do princípio consignado no art. 194 do CIRE.
Como atrás referimos, normas relativas ao conteúdo do plano são todas aquelas que respeitam à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.
Ora entre os princípios a que deve obedecer o plano de recuperação conta-se o princípio da igualdade dos credores que se acha consagrado no art. 194, nº 1 do CIRE, “ex vi” art. 17-F nº 5 do mesmo diploma, onde se dispõe que “O plano (…) obedece ao princípio da igualdade dos credores (…), sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.”
Neste preceito procurou acolher-se as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto. Torna-se pois adequado buscar soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente. Contudo, este princípio de igualdade não pode ser tido por absoluto, não se impondo, de forma necessária, uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não se permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-9-2015, Proc. nº 2438/14.7T8OAZ.P1, em www.dgsi.pt: “Os valores subjacentes ao princípio da igualdade não podem deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade, mesmo na diferença admissível entre as soluções encontradas para créditos de natureza igualmente diversa. De qualquer modo, não pode deixar de se realçar que o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante do plano de recuperação e, por conseguinte, a sua afetação traduz-se, seja qual for a perspetiva, numa violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis”.
Há então que indagar se no plano de recuperação aqui em apreciação ocorre violação do princípio da igualdade, uma vez que todos os créditos comuns foram tratados de igual forma.
E a nossa apreensão passa desde logo pela percentagem dos valores perdoados, seja a título de capital – 98% - seja a título de juros vencidos e vincendos – a totalidade. Ao que acresce um período de carência de 2 anos e 10 anos para pagamento de apenas 2% da dívida de capital.
Não dispõe o plano de qualquer explicação para estas medidas, acrescentando apenas no item “Considerações Gerais” que “… a recuperação da requerente com a aprovação do presente plano de recuperação, é do ponto de vista da gestão por parte dos credores, uma medidas estrategicamente mais eficiente e eficaz do que a sua recusa”.
Ora, na linha do que temos vindo a expor, há a concluir que o plano de recuperação aprovado nos autos ofende o princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio da igualdade. Há uma desoneração quase total da dívida da requerente que não deixará de se repercutir financeiramente no desenvolvimento económico dos credores, sobretudo das instituições bancárias cujos prejuízos se têm vindo refletir nas medidas governamentais com repercussões nos impostos dos cidadãos em geral.
Depois o período de carência previsto associado ao período de pagamento (num total de 12 anos) leva a que não haja um impacto significativo no pagamento do capital, este reduzido a um valor insignificante, como observou a recorrente em relação à sua situação em concreto.
Deste modo, com fundamento no art. 215º do CIRE, por violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, mais concretamente do disposto no art. 194º deste mesmo diploma, deveria a Mmª Juíza “a quo” ter recusado a homologação do plano.
Acresce ainda que a recorrente, como supra analisámos, conseguiu demonstrar que a sua situação é previsivelmente menos favorável do que a que teria na ausência de qualquer plano – art. 216 nº1 a) do CIRE - constituindo também um motivo de recusa de homologação.
Decisão:
Nos termos expostos, na procedência do recurso, decide-se:
1 - Revogar a decisão recorrida;
2 - Não homologar o plano de recuperação.
Custas pela recorrida.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)
Évora, 23-2-2016
Assunção Raimundo
Luís Mata Ribeiro
Sílvio de Sousa