Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXPROPRIAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
Sumário
Em processo de expropriação é a Declaração de Utilidade Pública, publicada em Diário da República, com as características da parcela a expropriar que dela constam (designadamente, de área), que delimitam o objecto dessa mesma expropriação (nem mais, nem menos).
Texto Integral
RECURSO Nº. 481/12.0 – APELAÇÃO (ÉVORA)
Acordam os juízes nesta Relação:
A Expropriante “SPER – Sociedade Portuguesa para a Construção e Exploração Rodoviária, SA”, com sede na Rua Julieta Ferrão, n.º 10-6º, Lisboa, vem, nestes autos de expropriação a correrem seus termos pela Instância Local do Tribunal Judicial da comarca de Évora, e em que são Expropriados (…) e esposa, (…), com residência na Rua (…), n.º 6, em S. Manços, interpor recurso da douta sentença que foi proferida em 06 de Outubro de 2015 (ora a fls. 442 a 469), e que fixou o montante global da indemnização a pagar-lhes em € 187.599,94 (cento e oitenta e sete mil, quinhentos e noventa e nove euros e noventa e quatro cêntimos), “actualizada de acordo com o índice de preços no consumidor, com excepção da habitação, publicados pelo I.N.E., desde a data da declaração de utilidade pública até à presente data” – e relativa à expropriação “da parcela de terreno com a área de 77.051 m2, desanexada do prédio rústico denominado Herdade do Monte do (…), sito na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) da Secção (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número …/19950102, confrontando a Norte com Herdade do (…) e Courelas do (…), a Sul com Herdade da (…) e (…), a Nascente com Herdades da (…) e (…) e a Poente com Herdade da (…), com vista à construção da obra do lanço E – IP2 – Évora (A6/IP7)/S. Manços, mediante declaração de utilidade pública publicada no DR-2ª série, de 03.11.2010” (e, bem assim, à expropriação “da parcela sobrante em forma de rectângulo, com a área de 18.274 m.2, situada entre a nova via a construir e a EN 18, a desanexar do prédio misto situado em ‘Herdade do Monte do (…), freguesia de Nossa Senhora de Machede, e inscrito na matriz rústica sob o artigo (…) da Secção (…) e na matriz urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º …/19950102”): com o fundamento aduzido, nesta parte, na douta sentença, de que “o valor devido pela expropriação de tal parcela é de € 33.395,74, tendo em consideração o valor do solo calculado pelos srs. Peritos nomeados pelo tribunal, por referência à parcela de terreno expropriada”; e de que “quanto a este pedido de expropriação da parte sobrante, obviamente que a decisão de tal matéria cabe ao tribunal e não aos srs. Peritos, pelo que estaria subtraída ao respectivo juízo” –, intentando agora a sua alteração parcial no sentido de baixar a indemnização fixada para um valor final “de não mais do que € 164.458,67”, e alegando, para tanto e em síntese, que desistiu de uma área que inicialmente tinha intenção de expropriar, já que na declaração de utilidade pública a parcela comportava 77.051 m2, mas apenas expropriou uma faixa com menor largura, com área de 68.043 m2 (“estamos assim perante uma desistência tácita e parcial da expropriação, de que os expropriados tiveram oportuno conhecimento e com a qual se conformaram”, aduz). Em segundo lugar, “o tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao determinar a expropriação da parcela sobrante localizada entre a EN 18 e o Lanço E, uma vez que os autos demonstram e os senhores peritos confirmaram que tal parcela detém ainda utilidade económica e assegura proporcionalmente os seus cómodos, motivo pelo qual apenas fixaram uma depreciação de 80% dessa área”. Em consequência, não deve vir a ser deferida a expropriação da parcela, “atribuindo-lhe apenas uma depreciação de 80%, como fixada no relatório pericial”. Termos em que deverá ser revogada, nessas partes, a douta sentença impugnada, fixando-se a indemnização em 164.458,67 euros.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações de recurso.
*
A) – Vêm dados por provados os seguintes factos:
1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º …/19950102, o prédio misto situado em “Herdade do Monte do (…)”, freguesia de Nossa Senhora de Machede, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), da Secção (…), e na matriz urbana sob o artigo (…), com uma área total de 464,789 hectares, confrontando a Norte com a Herdade do (…) e Courelas do (…), a Sul com Herdade da (…) e (…), a Nascente com Herdades da (…) e (…) e a Poente com Herdade da (…).
2) Pela apresentação nº …, de 2007/08/10, mostra-se averbado o destaque de uma parcela com a área total de 3,8643 hectares, composta por terrenos de cultura arvense e sobreiros, e parte urbana, com 82,80 m2, composta por rés-do-chão, com cinco divisões, o que deu origem ao prédio descrito sob o número …/20070810.
3) Pela apresentação nº …, de 1983/03/03, mostra-se registada a aquisição, por compra, do prédio identificado em 1), a favor de (…), no estado de casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com (…).
4) Em 01 de Setembro de 2010, o Conselho de Administração da “EP – Estradas de Portugal, E.P.E.” tomou a resolução de expropriar e de requerer a declaração de utilidade pública das expropriações com carácter de urgência, das parcelas de terreno, necessárias à concepção, construção, duplicação, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação sem cobrança de portagem aos utentes, do Lanço E: IP2-Évora (A6/IP7) / São Manços – Projecto de Expropriações – Plantas Parcelares n.os 882-E-8031 O-E-C, 1 a 17.
5) Por despacho do Senhor Secretário Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, n.º 16667/2010, publicado no Diário da República, IIª série, n.º 213, de 03 de Novembro de 2010, atenta a resolução referida supra em 4), foi declarada por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução de tal obra, identificados no mapa de expropriações e na planta parcelar em anexo, com os elementos constantes da descrição predial e inscrição matricial, e dos direitos e ónus que sobre eles incidem, bem como os nomes dos respectivos titulares, onde se inclui a parcela de terreno E-025, a desanexar do prédio supra identificado.
6) Em 25.12.2010 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela de terreno expropriada.
7) Em 21.01.2011 a “SPER – Sociedade Portuguesa para a Construção e Exploração Rodoviária, S.A.” tomou posse administrativa da mesma.
8) Por despacho exarado em 05.03.2012, notificado às partes por carta expedida em 07.03.2012, a entidade expropriante foi investida no direito de propriedade da parcela referida supra em 5).
9) A parcela expropriada, identificada supra em 5), tem a área de 77.051 (setenta e sete mil e cinquenta e um) metros quadrados.
10) A parcela é constituída por um espaço canal, com cerca de 1500 m de comprimento, com largura média de cerca de 50 metros, de terreno quase plano, paralelo e distando cerca de 15 metros da actual Estrada Nacional n.º 18.
11) O solo que constitui a parcela expropriada tem aptidão para cultura arvense de regadio – classe B, da carta de capacidade de usos.
12) À data da Declaração de Utilidade Pública, inseria-se a mesma nas Zonas Agrícolas de Regadio, na Planta de Ordenamento, e na Reserva Agrícola Nacional, bem como integrava o perímetro de rega de Monte Novo e Vigia.
13) A parcela apresentava-se cultivada com culturas de regadio.
14) O seu respectivo valor ascendia a € 18.275,00 (dezoito mil, duzentos e setenta e cinco euros), por hectare.
15) Tinha acesso a água a partir de duas charcas, uma na própria parcela e outra no lado contrário da Estrada Nacional n.º 18.
16) Existia uma conduta que atravessava a Estrada Nacional n.º 18 vinda do reservatório do lado oposto e irá ser interceptada pela via na sua largura.
17) A parcela abrange parcialmente uma charca com 80 x 20 metros e cerca de 8 metros de profundidade, sendo a mesma afectada em cerca de 25%, o que equivale a € 11.200,00 (onze mil e duzentos euros).
18) Na parcela existiam as seguintes vedações:
a) 54 metros – 6 fiadas de arame farpado e um cabo electrificado, altura de 1,5 metros e paus tratados de 4/4 metros;
b) 85 metros – 7 fiadas de arame farpado e um cabo electrificado, altura de 1,2 metros e paus tratados de 4/4 metros (limite com a parcela E026);
c) 136 metros – 6 a 8 fiadas de arame farpado e um cabo electrificado, altura de 1,2 metros, paus tratados de 4/4 metros (limites do caminho municipal que atravessa a parcela);
d) 61 metros – 6 fiadas de arame farpado e um cabo electrificado, altura de 1,5 metros e paus tratados de 4/4 metros (limita o reservatório-charca), num valor de € 1.243,50 (mil, duzentos e quarenta e três euros, cinquenta cêntimos).
19) Existia também um portão de ferro com duas folhas de três metros de largura e dois metros de altura, junto à Estrada Nacional 18, cuja relocalização no mesmo caminho, a montante da nova via, importará em € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
20) Bem como 12 (doze) azinheiras, com média de 6,7 metros de altura e 1,15 metros de PAP (perímetro à altura do peito), cujo valor total ascendia a € 600,00 (seiscentos euros).
21) Por via da expropriação, ficará uma parcela de terreno em formato de rectângulo com a largura média de 15 (quinze) metros, situada entre a nova via e a Estrada Nacional 18, e com uma área total de 18.274 (dezoito mil, duzentos e setenta e quatro) metros quadrados.
22) Dada a sua configuração estreita e a necessidade de fazer aceiros, não é economicamente rentável a exploração de tal parcela de terreno.
23) A que acresce a circunstância de não ser possível operar nessa parcela qualquer máquina agrícola.
24) Os expropriados recebiam RPU, no valor de € 196,53 (cento noventa e seis euros e cinquenta e três cêntimos), por hectare, relativamente ao prédio expropriado.
25) A cultura habitual na região em que se insere o referido prédio e, consequentemente, a adequada para a parcela expropriada, é a de milho-grão e azevém.
26) Não constituindo obstáculo a tal cultura a existência de azinheiras no terreno.
27) O prédio objecto de expropriação já se encontrava dividido em duas partes por força da construção da Estrada Nacional n.º 18.
28) O laudo de avaliação realizado no âmbito de arbitragem considerou que o valor da indemnização a atribuir à expropriada seria de € 168.782,52 (cento e sessenta e oito mil, setecentos e oitenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), valor encontrado através da soma das seguintes parcelas:
a) Solo: € 117.599,09 (cento dezassete mil, quinhentos e noventa e nove euros e nove cêntimos);
b) Benfeitorias: € 24.328,00 (vinte quatro mil, trezentos vinte oito euros);
c) Desvalorização da parte remanescente, por referência à parte sobrante: € 22.312,55 (vinte dois mil, trezentos doze euros, cinquenta e cinco cêntimos);
e) Perda de RPU: € 4.542,88 (quatro mil, quinhentos quarenta dois euros e oitenta e oito cêntimos).
29) O relatório pericial subscrito por unanimidade considerou que o valor da indemnização a atribuir aos expropriados seria de € 195.963,67 (cento e noventa e cinco mil, novecentos sessenta e três euros e sessenta sete cêntimos), valor encontrado através da soma das seguintes parcelas:
a) Solo: € 140.810,70 (cento e quarenta mil, oitocentos dez euros, setenta cêntimos);
b) Benfeitorias: € 13.393,50 (treze mil, trezentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos);
c) Desvalorização da parte remanescente, por referência à parte sobrante: € 26.176,50 (vinte e seis mil, cento e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
d) Encargos com deslocação do equipamento: € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros);
e) Perda de RPU: € 4.542,88 (quatro mil, quinhentos quarenta dois euros e oitenta e oito cêntimos).
B) – E vêm dados por não provados os seguintes factos:
1. Os expropriados não são proprietários de qualquer outro prédio rústico.
2. À data da Declaração de Utilidade Pública (DUP) a parcela de terreno expropriada era cultivada com milho-silagem.
*
Vejamos as duas questões que perpassam o recurso, e que demandam a apreciação e decisão deste Tribunal ad quem – e que se reportam à desistência de uma parte da área, inicialmente a expropriar, e à expropriação alegadamente errada de uma sua parcela sobrante (pois que não são postos em crise os valores utilizados na sentença para a efectivação dos cálculos). É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
[Basicamente, a Expropriante ora quer pagar apenas uma indemnização de € 164.458,67 – sendo que no recurso da decisão arbitral só aceitava pagar o valor de € 116.517,00; os Expropriados pretendiam vir a receber € 400.000,00 – valor pedido aquando no recurso subordinado que interpuseram da arbitragem; Já o douto Acórdão Arbitral, recorde-se, a havia fixado em € 168.782,52; E o laudo unânime dos senhores Peritos (cinco) fixou-a em € 195.963,67; Mas, a final, a douta sentença agora recorrida veio a fixar a indemnização em € 187.599,94 – quantitativo que se terá agora por aceite pelos Expropriados, pois que não interpuseram recurso da douta sentença.]
Mas enquadremos juridicamente a situação.
Segundo os termos que vêm estabelecidos no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição ” (n.º 1), sendo que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (n.º 2).
[Reportam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua já clássica “Constituição da República Portuguesa Anotada”, páginas 336 e seguintes, em anotação a tal artigo: “elemento essencial do direito de propriedade consiste no direito de não se ser privado dela. Este direito, porém, não goza de protecção constitucional nesses termos, estando garantido apenas um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação. (...) A norma consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantia que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização. Através da declaração de utilidade pública especifica-se o fim concreto da expropriação e individualizam-se os bens sujeitos a medida expropriatória. A expropriação é assim uma medida concreta tornando-se mais transparente o controlo do pressuposto da utilidade pública. A expropriação carece sempre de uma base legal (princípio da legalidade). (...) O pagamento da justa indemnização (n.º 2, ‘in fine’) é o terceiro pressuposto constitucional da requisição e da expropriação. (...) Em certo sentido, o direito de propriedade transforma-se, em caso de requisição ou expropriação, no direito ao respectivo valor. É certo que, determinando a Constituição que a indemnização há-de ser justa, não estabelece qualquer critério indemnizatório (valor venal, valor de mercado, valor real, etc.); mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado”.]
Por seu turno, estabelece o Código Civil, no artigo 1308.º, que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”; e, no artigo 1310º, estatui que “havendo expropriação por utilidade pública …, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados”.
E não tendo, como se viu, o legislador constitucional definido aquele conceito de “justa indemnização”, naturalmente que relegou para o legislador ordinário a definição dos critérios que permitirão, na prática, concretizá-lo.
Assim aconteceu com os sucessivos códigos das expropriações, só para citar os três últimos, aprovados pelo Decreto-lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro (v. g. nos seus artigos 28º e 33º), pelo Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (v. g. nos seus artigos 22º e 23º), e pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (v. g. dispondo o seu artigo 23.º, n.º 1, que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”).
[Sobre esta questão assinala o Prof. Fernando Alves Correia, no seu “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, 1982, a páginas 129/130: “de uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda. (...) Sendo concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, aquele é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente”. E o Tribunal Constitucional, no seu douto Acórdão n.º 52/90 (in I Série do Diário da República de 30 de Março de 1990), que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (aprovado pelo Dec.-lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), estabeleceu que “em termos gerais, deve entender-se que a ‘justa indemnização’ há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação” – a páginas 1517.]
Ao caso sub judicio é, portanto, aplicável o Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, atenta a data da publicação no Diário da República da declaração de utilidade pública desta expropriação: a 03 de Novembro de 2010 (vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04 de Julho de 2007, publicado pelo ITIJ, e com a referência n.º 0733513, como a jurisprudência que, a tal propósito, vem indicada na nota 1).
Particularizando, agora, um pouco mais – porque se trata de questão que perpassa, quase sempre, os recursos em matéria de expropriações (e perpassa também os presentes) –, dir-se-á que mal nenhum advém quando as sentenças judiciais aderem a decisões técnicas tomadas pela maioria dos senhores peritos.
E mal nenhum advirá, também, da situação contrária. É que a força probatória da resposta dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nos termos estabelecidos nos artigos 389.º do Código Civil e 591.º do anterior Código de Processo Civil e 489.º do actual Código de Processo Civil.
O problema está, efectivamente, em concretizar esse comando na prática, consabido que as questões são quase sempre de índole vincadamente técnica e situam-se fora das áreas de conhecimentos usualmente exigíveis aos juízes.
Naturalmente que não poderá haver aqui uma ‘ditadura da técnica’ – caso em que o papel do juiz sairia drasticamente reduzido ou mesmo esvaziado.
A jurisprudência (cfr. Raul Leite de Campos na sua “Jurisprudência sobre Expropriações Por Utilidade Pública”, onde sumaria vários acórdãos a páginas 172 a 174) entende que o juiz deve aderir aos laudos maioritários e valorizar as pronúncias dos peritos nomeados por si, pelo que, em caso de disparidade de laudos, deve dar-se preferência e conceder-se mais credibilidade aos dos peritos escolhidos pelo Tribunal, pelas maiores garantias de isenção, independência e imparcialidade que oferecem. O laudo dos peritos, sobretudo se unânime, em questões de ordem técnica, deve, pois, em princípio, merecer o acolhimento dos tribunais, desde que não padeça de erros ou deficiências, sem prejuízo da livre convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas, tendo em conta as particularidades do caso (vide, por exemplo, entre muitos outros, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Novembro de 2002, publicado pelo ITIJ, e com a referência n.º 0230585, onde se escreveu, em sumário: “o laudo unânime dos peritos do Tribunal merece maior credibilidade por parte do julgador, dada a natural imparcialidade de que está revestida”). A menos, naturalmente, acrescentamos nós, que haja violação de lei, deficiência na sua fundamentação, ou manifesto erro de raciocínio, e que tudo isso seja detectável.
Será preciso, pois, revestirmo-nos de todas as cautelas quando os pedidos que se formulam se traduzam, muitas vezes, em substituir os critérios técnicos utilizados pela maioria dos srs. Peritos que procederam à avaliação dos bens por critérios de que se socorre individualmente cada um dos restantes Peritos – mais ainda quando a divergência é de gritante ordem de grandeza.
Posto, naturalmente, que estejamos perante questões de ordem técnica – a que muito dificilmente um tribunal poderia dar resposta autónoma e satisfatória – e não de problemáticas que tenham mesmo que ser decididas pelo juiz e não pelos peritos (como uma daquelas que aqui se discute: a da expropriação total).
Prosseguindo, pois, a análise dos dois pontos concretos deste recurso.
a) A Apelante começa por se insurgir contra a área expropriada, que se traduziu em considerar-se na douta sentença uma área de 77.051 m2, em vez dos 68.043 m2, que diz que efectivamente foram expropriados, afirmando que veio a desistir da totalidade daquela que inicialmente tinha intenção de expropriar e que constava da (DUC) Declaração de Utilidade Pública – aduzindo, mesmo, a um tal propósito, que “estamos, assim, perante uma desistência tácita e parcial da expropriação, de que os expropriados tiveram oportuno conhecimento e com a qual se conformaram”.
A douta sentença procedeu à expropriação duma “parcela de terreno com a área de 77.051 m2, desanexada do prédio rústico denominado Herdade do Monte do (…), sito na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) da Secção (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número …/19950102, confrontando a Norte com Herdade do (…) e Courelas do (…), a Sul com Herdade da (…) e (…), a Nascente com Herdades da (…) e (…) e a Poente com Herdade da (…), com vista à construção da obra do lanço E – IP2 – Évora (A6/IP7)/São Manços, mediante declaração de utilidade pública publicada no DR-2ª Série, de 03.11.2010”.
E fê-lo bem – salva naturalmente melhor opinião – e, por isso, ora não há nenhuma razão para dela nos apartarmos, pois é preciso notar ser a parcela com aquelas características (designadamente, de área) que figurava na Declaração de Utilidade Pública publicada em Diário da República – única que se conhece –, a qual, in casu, delimitava o objecto desta expropriação (nem mais, nem menos).
Doutro modo, como se acautelam as expectativas do cidadão comum que é quem, normalmente, é o destinatário daquela DUC?
Sendo para notar que foi assim que a Expropriante comunicou o início do processo ao Tribunal, descrevendo a parcela com tal área (a fls. 2 dos autos); foi assim que o comunicou aos Expropriados (a fls. 16 dos autos); e foi assim que a veio a descrever na planta parcelar de fls. 19; foi assim que a identificou no DR (a fls. 34); foi assim que lhe foi entregue a posse administrativa dessa parcela (a fls. 87 a 88); foi assim que a presumiu o acórdão arbitral (a fls. 108 e 109-117); foi assim que o decidiu o douto despacho de adjudicação (a fls. 141 e 399), que ninguém impugnou em recurso ou reclamação; foi assim que a própria entidade Expropriante a veio indicar nas doutas alegações do recurso que interpôs para o tribunal da decisão arbitral, e que sempre delimitará a pronúncia judicial (a fls. 144 a 165 dos autos, maxime no seu ponto 6º); foi assim que o pressupuseram os Expropriados, quer no seu recurso subordinado do acórdão arbitral (a fls. 182 a 191), quer no seu requerimento a pedir a expropriação da parte sobrante (a fls. 200 a 204 dos autos); e foi assim que a levou em consideração o laudo unânime dos srs. peritos (a fls. 273 a 280 dos autos).
Apenas na vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam”, a fls. 50 dos autos, se aduz que se pretenderia expropriar uma área menor (de 68.043 m2); mas nem é a Entidade Expropriante quem o afirma, mas o Perito que realizou a diligência.
Assim, não vislumbramos – a não ser por repescagem dessa Vistoria –, onde é que a Expropriante e agora Apelante, foi buscar a ideia de que “estamos, assim, perante uma desistência tácita e parcial da expropriação, de que os expropriados tiveram oportuno conhecimento e com a qual se conformaram”.
Pelo que improcede esta parte da alegação da Entidade Expropriante.
b) Quanto à questão da expropriação total da área sobrante, não a aceita a Expropriante/Apelante, vindo alegar que “o tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao determinar a expropriação da parcela sobrante localizada entre a EN 18 e o Lanço E, uma vez que os autos demonstram e os senhores peritos confirmaram que tal parcela detém, ainda, utilidade económica e assegura, proporcionalmente, os seus cómodos, motivo pelo qual apenas fixaram uma depreciação de 80% dessa área”, assim não devendo deferir-se a expropriação total dessa parcela sobrante e “atribuindo-lhe apenas uma depreciação de 80%, como fixada no relatório pericial”.
A douta sentença procedeu, também, além do mais, à expropriação duma “parcela sobrante em forma de rectângulo, com a área de 18.274 m.2, situada entre a nova via a construir e a EN 18, a desanexar do prédio misto situado em ‘Herdade do Monte do (…), freguesia de Nossa Senhora de Machede, e inscrito na matriz rústica sob o artigo (…) da Secção (…), e na matriz urbana sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º …/19950102”.
E justificou-se: “o valor devido pela expropriação de tal parcela é de € 33.395,74, tendo em consideração o valor do solo calculado pelos srs. Peritos nomeados pelo tribunal, por referência à parcela de terreno expropriada” – e sendo, por outro lado, certo (com o que se concorda) que, “quanto a este pedido de expropriação da parte sobrante, obviamente que a decisão de tal matéria cabe ao Tribunal e não aos senhores Peritos, pelo que estaria subtraída ao respectivo juízo”.
Acresce que com a factualidade dada por provada – e que não vem posta em causa, a não ser enquanto se deveria ter em conta o laudo pericial –, aquela conclusão da 1ª instância se aceita perfeitamente e se tem por bem justificada.
Veja-se o que se deu por provado a esse propósito.
“21) Por via da expropriação, ficará uma parcela de terreno em formato de rectângulo com a largura média de 15 (quinze) metros, situada entre a nova via e a Estrada Nacional 18, e com uma área total de 18.274 (dezoito mil, duzentos e setenta e quatro) metros quadrado; 22) Dada a sua configuração estreita e a necessidade de fazer aceiros, não é economicamente rentável a exploração de tal parcela de terreno; 23) A que acresce a circunstância de não ser possível operar nessa parcela qualquer máquina agrícola”.
Termos em que improcede, in totum, o recurso da Entidade Expropriante, assim se mantendo, intacta na ordem jurídica, a douta decisão que, por ele, vem impugnada.
*
Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela Expropriante.
Registe e notifique.
Évora, 06 de Abril de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral