MANDATO FORENSE
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Sumário


I – Estando o arguido patrocinado por advogado por si constituído, a mera junção aos autos da comprovação do pedido por si apresentado nos serviços da Segurança Social com vista à concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, não interrompe o prazo em curso para recorrer da sentença.

Texto Integral


Decisão sumária

I- Relatório

O arguido G. veio recorrer do despacho judicial de 18-11-2015 que lhe indeferiu a possibilidade de recorrer da sentença condenatória, por ter considerado que o termo do prazo do recurso, embora tivesse estado interrompido, já decorrera.

Apresenta as seguintes conclusões:

A- O prazo de interposição de interposição de recurso da sentença de 2014-07-04 interrompido em 2014-09-18 não começou a contar, porquanto
B- o arguido não foi notificado da nomeação do patrono

C- e o patrono foi notificado da sua nomeação de forma insuficiente.

D- A falta de notificação da nomeação de patrono ao arguido configura nulidade que não se sanou.

E- A insuficiência da notificação da nomeação de patrono ao patrono configura nulidade que não se sanou.

F- O douto despacho recorrido colide com o direito de acesso ao direito e aos Tribunais, violando, designadamente, o art. 31 º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o art. 411º do CPP e o art. 20º da CRP

G- Neste sentindo propugnou o douto aresto do Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 8 Jun. 2010, Processo 1700/08: "O prazo interrompido pelo pedido de concessão do benefício de apoio judiciário inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação desde que a Ordem dos Advogados haja notificado o requerente da pessoa nomeada. Não compete ao patrono nomeado o ónus de qualquer notificação, cabendo este por inteiro à Ordem dos Advogados. Apenas pode ser reiniciado o prazo de contagem a partir do momento que o requerente do apoio judiciário foi notificado dessa nomeação."

Pugna a final pela substituição do despacho recorrido por outro que ordene a notificação da nomeação de patrono ao arguido, concedendo-lhe prazo de 30 dias para interpor recurso da decisão final em que foi condenado.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº PGA emitiu parecer no mesmo sentido.

II- Fundamentação

Teor do despacho recorrido de 18-11-2015 (parte relevante)
“Por requerimento de fls. 298 e 299 veio o arguido G requerer que se dê sem efeito a notificação para pagamento da multa penal, uma vez que requereu que lhe fosse nomeado defensor oficioso a fim de interpor recurso da sentença e até à data não foi notificado de qualquer resposta…

Promove o Ministério Público que, atento o despacho já proferido a fls. 276, se notifique o arguido para pagar a multa, com advertência de que se não o fizer e não possuir bens ou rendimentos que viabilizem a cobrança coerciva desse valor, terá de cumprir prisão subsidiária…

… Nos presentes autos, verificando-se que o defensor nomeado ao arguido foi notificado da sua nomeação em 14.04.2015 (cfr. informação da Ordem dos Advogados de fls. 274, 274 verso e 275), forçoso será concluir que nesta data se reiniciou o prazo de recurso (cfr. despacho de fls. 276), tendo a sentença transitado em julgado em 05.05.2015, uma vez que não foi apresentado qualquer requerimento de recurso.

Em face do exposto, indefere-se o requerido”.
*
Apreciando

Verifica-se que no processo principal (de que o presente constitui recurso em separado) a sentença foi lida na acta de audiência de 4-7-2014 na presença do arguido (ora recorrente) e da respectiva defensora constituída (vd. fls. 219 do processo principal; fls. 2 do presente recurso) e tendo sido depositada no mesmo dia pelo que transitaria em julgado em 19-9-2014, segundo refere o próprio recorrente no respectivo recurso.

Veio, contudo, o arguido no dia 18-9-2014 juntar aos autos comprovativo de pedido de apoio judiciário e de nomeação de advogado com vista à interposição de recurso (vd. fls. 19 do presente recurso em separado), num momento em que a respectiva Defensora se mantinha em exercício de funções, importando apreciar da eventual repercussão de tais factos relativamente ao prazo de interposição do recurso, máxime cuidando de saber se este prazo se deve ter por interrompido em algum momento.

Ora, esta questão já foi apreciada várias vezes pelo STJ e pelas Relações que se vêm pronunciando de forma uniforme, nos seguintes termos:

Assim, no Ac. STJ de 15-1-2004 (pr. 03P3297, rel. Pereira Madeira) escreveu-se o seguinte:

“… O arguido esteve sempre - e continua estando - representado pelo advogado que constituiu, pese embora o procedimento de revogação do mandato que, pelos vistos, ainda está em curso.

Na verdade, o advogado constituído pelo arguido pode ser substituído, sendo-lhe revogado o mandato, e pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39º do CPC e 83º, n.º 2, do EOA.

Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art. 62º, n. 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62º, n.º3).

Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66º, n. 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art. 39º do CPC).
É o caso dos autos.

Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.64º, n. 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.

Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação.

O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído”.

E no Ac. STJ de 12-5-2005 (pr. 05P1310, rel. Santos Carvalho) pode ler-se, entre o mais:

“… Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só opera após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

Por isso, a revogação do mandato forense apresentada pelo arguido não suspendeu o prazo em curso para a interposição de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor.

Na verdade, pode ser revogado o mandato ao advogado constituído, tal como pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39.º do CPC e 83.º, n.º 2, do EOA.

Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art.º 62.º, n.º 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62.º, n.º 3).

Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66.º, n.º 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a revogação só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art.º 39.º do CPC).

É o caso dos autos.

Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.

Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.

Esta tem sido a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, como se pode ver pelo Acds. de 15-01-2004, proc. 3297/03-5 (cuja fundamentação praticamente transcrevemos) e de 27 de Janeiro de 2005, proc 3501/04-5…”.

Por seu turno, no Ac. STJ de 23-6-2005, Proc. n.º 2251/05 - 5.ª Secção, relator Carmona da Mota:

I - Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que decorre dos artigos 42.º a 47.º deste diploma (DL 387-B/87 de 29-12) e, antes, dos arts 42.º e segs. (Disposições especiais sobre processo penal) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de dispensa do patrocínio: art. 66.º, n.º 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (...) (arts. 42.º, n.º 1 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 1 da Lei 34/2004 de 29-07).

II - O art. 66.º, nºs. 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66.º, n.º 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído) e os arts. 42.º e segs. da Lei 30-E/2000 (Disposições especiais sobre processo penal) e 39.º e segs. da Lei Lei 34/2004 (idem) não prevêem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso.

Pelo contrário, os arts. 42.º, n.º 3 e 45.º, n.º 2 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 4 e 42.º, n.º 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo e enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.

III - Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido.

Mais recentemente também a Relação de Lisboa, em acórdão de 21-6-2011, se pronunciou no mesmo sentido:

“… Será que, independentemente disso, nos termos do art.º 24º Lei 34/2004, o prazo de recurso se interrompeu com o pedido de nomeação de patrono e só se iniciou novo prazo a partir da notificação ao patrono nomeado?

O que está em causa, no processo penal, é a obrigatoriedade, não de constituição de advogado - o arguido pode constituir advogado se e quando quiser - mas de estar representado por advogado (artº 61º e 62º CPP). O prosseguimento do processo penal não está dependente da atitude que o sujeito processual adoptar.

… Deste conjunto normativo resulta que o pedido de concessão de apoio judiciário, em processo penal, não tem qualquer influência na marcha do processo, face à disposição especial do artigo 39º, nº4, da Lei nº 34/2004.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em situações semelhantes, à luz de anteriores regimes legais, como no acórdão de 06-07-1994, in BMJ 439, 418, nestes termos: O prazo para a interposição do recurso referido no art. 411º, nº 1, do CPP não se suspende por força do estatuído no art. 24º, nº 2, do Dec-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro. O prazo atingido pela suspensão é o que estiver relacionado com os fins tidos em vista com o pedido de apoio judiciário formulado, e não o da própria interposição do recurso, alheio ao pedido.

E no acórdão de 13-11-2003, in CJSTJ2003, tomo III, p. 231, onde estava em causa nomeação de patrono, foi decidido: Não se aplica em processo penal o disposto no artigo 25º, nº 4, da lei nº 30/E/2000 (que interrompe o prazo em curso quando o requerente pretenda a nomeação de patrono), pois, segundo reza o art. 42º, nº 3 do CPP, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.

A interrupção de prazo, prevista no Capítulo da Lei 34/2004 em que se insere, entre outros, o art.º 24º, não se reporta a processos penais cujo normativo está previsto no Capítulo IV, entre os quais o citado art.º 39º. A razão de ser da solução encontrada no art.º 24º decorre da circunstância de na pendência da acção judicial se requerer a nomeação de patrono por nessa fase processual não ter a parte ainda advogado constituído e como tal, não poder exercer os seus direitos, o que determina a interrupção do prazo em curso até à nomeação.

Porém, em processo penal, tendo a parte advogado constituído ou já nomeado e cuja substituição requeira, não lhe é conferida tal possibilidade uma vez que o mandato apenas cessa nos termos do art.º 39º CPC e até à nomeação de patrono ou de patrono substitutivo não deixou de estar devidamente representado.

Igual jurisprudência tem sido perfilhada de modo reiterado e sucessivo pelo relator do presente recurso, por exemplo, nos seguintes processos do Tribunal da Relação de Guimarães: Pr. 487/10.3 GBBCL.G1 (11/10/2011), Pr. 156-98.0 IDBRG (23-1-2013) ou Pr. 137-09.0 IDBRG.G2 (22-3-2013).

Sendo certo não se vislumbrar qualquer razão para afastar tal entendimento, impõe-se concluir que o prazo para o recurso em análise não se interrompeu, tendo terminado efectivamente em 19-9-2014, tal qual invoca o MP na resposta ao recurso e o Ex.ª PGA no respectivo parecer, sendo irrelevantes os despachos proferidos ilegalmente à posteriori no Tribunal a quo no sentido da potencial interrupção do dito prazo e manifestamente improcedente o presente recurso uma vez falho de qualquer fundamento válido e estribado.

Ademais, cumpre dizer que o acórdão TRP de 8-6-2010 referido pelo recorrente não tem qualquer relevo no presente caso, já que se reporta, como não podia deixar de ser, a processo civil.

Daí que o presente recurso seja manifestamente improcedente, o que acarreta a respectiva rejeição de acordo com o disposto no art. 420º., nº.1, al. a) CPP.

III- Decisão

Termos em que se rejeita o recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, a que acrescem mais 3 UCs, ao abrigo do disposto no artigo 420º, nº 3, do C. P. Penal.

Évora, 19/5/2017

António Condesso
______________________________________
[1] Cfr. Ac. Lisboa, de 21-6-2011, pr. 4615/06.5 TDLSB.L1-5, rel. Filomena Clemente Lima, disponível em www.dgsi.pt