FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
USO DE DOCUMENTO FALSO
CARTA DE CONDUÇÃO
Sumário

Se na acusação não vêem narrados factos que permitam classificar as cartas de condução, à luz do preceituado nas alíneas a) e b) do nº 1, do CPenal, na anterior redacção, como tratando-se de documentos falsos, não pode imputar-se ao arguido o cometimento de um crime de uso de documento falso previsto no artº 256º, nº 1, al. c) do CP, na redacção vigente à data dos factos, e, actualmente, previsto no artº 256º, nº 1, al. e) do CP, na redacção dada pela citada Lei nº 57/2009.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães.

No procº 183/08.1TACMN.G1, do Tribunal Judicial de Caminha, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido Hélder M..., imputando-lhe a prática «em autoria e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, na forma agravada, p. p. pelo artº 256º, nº 1, al. e) e nº 3, do Cód. Penal» . – cfr. fls 81 e ss

Distribuídos os autos, a Exmª Sra. Juíza proferiu despacho, a rejeitar a acusação, ao abrigo do disposto no artº 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. d) do CPP, com base na seguinte fundamentação (transcrição):

“(…)

A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal deduziu acusação e promoveu a realização de julgamento em processo comum e perante Tribunal singular, do arguido Hélder M..., melhor identificado a fls 81, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de “falsificação de documento”, p. p. pelo artº 256º, nº 1 al. e) e nº 3 do Código Penal.

No entanto, a meu ver, a actuação descrita não descreve matéria com relevância criminal.

Dispõe o artº 256º, nº 1 al. e) do Código Penal: “ 1- Quem, com ilegítima intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores;

é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

As alíneas a) a d), inclusive, do nº1 do artigo 256 º do Código Penal prevêem as várias modalidades que pode assumir a falsificação de um documento e as alíneas e) e f) tipificam como crime a circulação do documento falso.

Assim, o tipo objectivo do tipo de crime em análise pode assumir as seguintes modalidades: (1) a fabricação ex novo de documento; (2) a integração no documento de uma assinatura de outra pessoa; (3) a declaração de um facto falso juridicamente relevante; (5) a integração no documento de uma declaração distinta daquela que foi prestada; (6) a circulação do documento falso.

Ora, in casu, não constam da acusação factos que permitam caracterizar o documento “carta de condução”, único mencionado nesse despacho, como incorporando qualquer das características a que se referem as alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 256º do Código Penal.

Refere-se, apenas, que por forma não concretamente apurada, o arguido logrou obter uma segunda carta de condução, mantendo a primeira.

Esta referência, per si, exclui a consideração da previsão da alínea a) do nº 1 da referida disposição legal.

Assim sendo, não se pode concluir, como se faz no despacho acusatório, que o arguido usava documento “falsificado”.

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Inconformado com o aludido despacho, o Ministério Público interpôs recurso, cuja motivação remata com as seguintes conclusões:

1. A acusação pública integrou os factos, não na alínea a), mas sim na alínea e) do art. 256º, n.º 1 do C. Penal, sendo a remissão para as alíneas anteriores que ser interpretada dentro do espírito da lei e da conduta típica do crime de falsificação.
2. O que se pretende colocar no caso sub judice à consideração do venerando tribunal superior, e que são os factos que constam da acusação pública, é saber se um arguido tem, sem se saber, duas cartas verdadeiras (= obtidas da entidade oficial pública) na sua posse que, presumimos nós, e como tal não está descrito, porque é meramente conclusivo e dedutivo até pode ter sido de forma lícita, ou seja um arguido «pensa» que perde a sua carta de condução; pede licitamente uma 2ª via; algum tempo depois reencontra a primeira; não devolve a segunda; entretanto é condenado em tribunal num processo sumário a um período de inibição de conduzir, onde faz entrega de uma das cartas; antes do termo da inibição ali determinada é condenado em dois processos de contra-ordenação, onde é feito um cúmulo do período de inibição, e entrega a outra carta que mantinha na sua posse, obtendo dessa forma um encurtamento do tempo em que está sem carta de condução e inibido de conduzir, benefício que não é legítimo, contrariando as finalidades da lei penal e contra-ordenacional.
3. Interessa saber se o simples facto de um arguido ter duas cartas emitidas pela entidade oficial pública na sua posse e utilizar as duas em simultâneo para cumprir duas ordens de inibição distintas, obtendo um encurtamento do prazo global de inibição de conduzir, é em si mesma uma conduta típica, ilícita e culposa.
4. Parece-nos que teremos que concluir que sim, sob pena de deixarmos esta conduta sem punição, pois o que se pretende punir não é a obtenção de duas cartas, que como explicamos supra, tanto pode ser lícita como ilícita, mas o uso dessa 2ª carta quando já se tinha feito uso da primeira, que a torna, portanto, falsa, isto é, corporiza uma declaração que não corresponde à realidade, que é o de estar a entregar a única carta que devia ter para cumprimento de uma ordem legítima emanada da autoridade competente.
5. Chegando-se à conclusão que esta conduta integra uma conduta ilícita, cumpre ver em que conduta típica se integra:
a. se na al. e) do art. 256º, n.º 1 do C. Penal: uso de documento falso;
b. ou outro, nomeadamente o da al. f) do mesmo preceito legal;
c. ou porventura nos crimes de burla, desobediência ou violação de proibições, p. e p. respectivamente pelos arts. 217º, n.º 1, 348º, nº 1, al. b) e 353º, todos do C. Penal.
6. A simples detenção de duas cartas obtidas da entidade oficial e o seu uso em simultâneo para obter um fim a que não se tem direito integra, no nosso entendimento, o crime de falsificação por uso de documento falso, já que só é permitido o uso de uma 2ª via, no caso de perda ou destruição da originária.
7. O uso de uma 2ª carta de condução, ou o uso em simultâneo de duas cartas de condução obtidas da entidade oficial, corresponderá a uma falsidade intelectual ou ideológica, porquanto o segundo uso não reproduzir com verdade a entrega de uma única carta para cumprimento de uma inibição de conduzir – conduta que é juridicamente relevante e que produziu um dano – obtenção de um benefício ilegítimo, preenchendo a conduta típica.
8. Ou caso assim não se entenda, sempre integra a al. f) do preceito em causa, detenção por qualquer meio de documento falsificado, sendo que esta alínea já não se refere às alíneas anteriores, referência que sempre se entende que terá que ser feita segundo as prudentes regras de interpretação e de conformidade ao direito.
9. Mesmo que assim continue a afastar-se esta integração, sempre restaria a possível integração nos crimes de burla, desobediência ou violação de proibições, p. e p. respectivamente pelos arts. 217º, n.º 1, 348º, nº 1, al. b) e 353º, todos do C. Penal.
10. O que não se consegue aceitar é a impunidade criminal de tal conduta.
11. O despacho recorrido violou portanto os arts. 311º, n.º 3, al. d) do CPP e art. 256º, n.º 1, al. e) e f) do C. Penal, ao considerar que a conduta descrita na acusação pública não integrava qualquer crime.”
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Respondeu o arguido opinando no sentido de que o recurso não merece obter provimento.

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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.


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Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Antes do mais, importa dizer que o teor da conclusão 1ª só pode ter na sua base uma incorrecta interpretação do despacho recorrido. O tribunal recorrido percebeu bem o enquadramento jurídico operado na acusação, e que era o crime de uso de documento falso da previsão do artigo 256º, nº 1, al. e) do CPenal, na redacção actualmente vigente. Na verdade, quando o tribunal recorrido se refere à al. a) do nº 1, do citado preceito, está apenas a afastar a aplicação desta alínea aos factos narrados, tal como já o fizera anteriormente para as alíneas b), c) e d), para poder chegar à conclusão a que chegou :« …não se pode concluir, como se faz no despacho acusatório, que o arguido usava documento “falsificado”. (sublinhado nosso)

Posto isto.

A única questão a decidir é a de saber se a conduta narrada na acusação deduzida pelo Ministério Público integra «um crime de Falsificação de documento, na forma agravada, p. p. pelo artº 256º, nº 1, al. e) e nº 3, do CPenal», conforme subsunção jurídica operada em tal peça processual, ou ainda na modalidade prevista no nº 1, al. f) e nº 3, do mesmo normativo, também propugnado pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente na motivação de recurso.

Importa, pois, para a dilucidação da questão suscitada, trazer à colação os factos narrados na acusação:

No âmbito do Processo Sumário nº 206/06.9GBCMN que correu termos neste tribunal, em 14/12/2006 foi apreendida ao arguido a sua carta de condução para cumprimento de inibição de conduzir determinada por sentença, que terminaria a 14/06/2008.

Sucede que antes deste termo, em 20/04/2007, o arguido entregou na antiga Direcção Geral de Viação (hoje, designada por Autoridade Nacional Segurança Rodoviária), outra carta de condução para cumprimento de duas decisões de inibição de conduzir no âmbito dos processos de contra-ordenação nº 248145165 e 247668320.

Assim, por forma não concretamente apurada, o arguido logrou obter uma segunda carta de condução, mantendo a primeira.

Ao entregar das cartas de condução em dois processos distintos, conseguiu o arguido um encurtamento do prazo de cumprimento das inibições, que seria maior se cumprido todo seguido.

O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, querendo ludibriar as autoridades públicas, pondo em causa a segurança dos documentos autênticos e nessa medida prejudicando o Estado, ao usar duas cartas de condução, que possuía de forma ilícita, para isso obter um beneficio a que não tinha direito e portanto ilegítimo.

Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

Pois bem, defende o Ministério Público recorrente, em primeira linha, que os transcritos factos integram o crime previsto no artigo 256º, nº 1, al. e) do CPenal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, pois que « a simples detenção de duas cartas «verdadeiras» (pois a segunda seria também verdadeira se não continuasse a deter a primeira) e o seu uso em simultâneo para obter um fim a que não se tem direito integra, no nosso entendimento, o crime de falsificação por uso de documento falso, já que só é permitido o uso de uma 2ª via, no caso de perda ou destruição da originária».

Vejamos…

Dispõe o artigo 256º do CPenal, na redacção vigente à data dos factos (vd. artº 1º, nº 1, do CPenal):

“ 1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo:

a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;

b)Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou

c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 .(…)

3. Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autentico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

4 . (…)”.

Por sua vez, a noção de documento é fornecida pela al. a) do artº 255º do CP como sendo «a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e eu permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta

Acresce que, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, in “ Código Penal”, 2ª ed. , 2º vol., págs 730 a 732:

Na modalidade de fabrico de documento inteiramente falso «o delito consuma-se quando o agente forja, na íntegra, um documento falso. Assim sucede sempre que se fabrica, desde a origem, um documento que não existia. Há aqui, pois, uma contrafacção total, isto, a feitura «ex novo» de um documento».

«Há falsificação ou alteração de documento quando o agente o vicia, alterando-lhe parte do seu conteúdo. É a contrafacção parcial, que se preenche com os chamados actos acessórios falsos, ou seja, com actos falsos que acrescem a documento verdadeiro (vg, endosso ou aval falsos em títulos verdadeiros). E é também a alteração, que surge sempre que se acrescentam, em documento já completo, aditamentos, ou se suprimem dizeres ou sinais por forma a produzir a modificação do seu conteúdo (v.g utilizando ressalvas falsas)».

E «há fabrico de documento por abuso de assinatura de outrem quando se falsifica a assinatura de terceiro em documento contendo uma declaração de vontade, quando se utiliza assinatura mecânica alheia não autorizada para os documentos em que é aposta (v.g. chancela), ou ainda quando se aproveita papel assinado por terceiro introduzindo-lhe uma declaração de vontade que não pertence ao dono da assinatura.»

Acresce que, na modalidade ínsita na al. b) do nº 1, estão previstas «formas de falsificação intelectual (desconformidade entre o documento e a declaração que se destina a exarar, ou entre o documento e a realidade). A falsidade existe, mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar, ou dos que não são essenciais para a validade do documento. basta que seja juridicamente relevante . (…). Nesta situação o documento apresenta-se genuíno ou materialmente verdadeiro, só que o seu conteúdo intelectual não corresponde à versão, uma vez que nele foi inserido, aquando da sua feitura um facto que não é real. A inserção falsa difere da alteração (…) por nesta última o documento ser afectado na sua materialidade, ao passo que naquela o documento permanece inalterável do ponto de vista material.»

Finalmente na modalidade prevista na al. c) do nº 1, «pune-se aquele que usa o resultado de falsificação praticada por terceiro». (salientados nossos)

Pois bem, como lapidarmente se salienta no despacho recorrido, na acusação não constam narrados factos que permitam caracterizar qualquer uma das duas cartas de condução (únicos documentos invocados na acusação) como incorporando qualquer das características mencionadas nas alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 256º do CPenal, na redacção vigente à data dos factos, ou nas als a) a d), do nº 1, do mesmo normativo, na redacção introduzida pela Lei nº 50/2007, de 4 de Setembro.

Na verdade, analisadas as diferentes modalidades de documento falso previstas nas alíneas a) a b) do nº 1, do CPenal, na redacção vigente à data dos factos, e tendo presente a definição legal do que se deve entender por «documento», não vemos como é que se pode defender, que é « o uso dessa 2ª carta quando já se tinha feito uso da primeira, que a torna, portanto, falsa.» (salientado nosso)

É que, relembre-se, na modalidade prevista na al. c) do nº 1, «pune-se aquele que usa o resultado de falsificação praticada por terceiro», isto é pune-se o uso de documento fabricado ou falsificado por terceiro, nos moldes tipificados pelo legislador nas alíneas a) e b), do nº 1, do artº 256º do CPenal, na redacção vigente à data dos factos, ou nas alíneas a) a d) do nº 1, do mesmo normativo, na redacção actualmente vigente, desde que se verifique, como é evidente, o elemento subjectivo do tipo, ou seja, o conhecimento pelo agente de que usa um documento falso.

Aliás, não deixa de ser curioso que é o próprio Ministério Público recorrente a referir-se às cartas de condução como sendo «duas cartas verdadeiras».

Ora, se são documentos verdadeiros, como é que se pode pretender imputar ao arguido a utilização de um documento falso, maxime quando entrega a 2ª via?

É certo que o recorrente avança com a argumentação de que «o uso de uma 2ª carta de condução, ou o uso em simultâneo de duas cartas de condução obtidas da entidade oficial, corresponderá a uma falsidade intelectual ou ideológica, porquanto o segundo uso não reproduzir com verdade a entrega de uma única carta para cumprimento de uma inibição de conduzir – conduta que é juridicamente relevante e que produziu um dano –obtenção de um beneficio ilegítimo». (salientado nosso)

Olvida, porém, o recorrente que a mentira relevante, conforme decorre do estatuído na al. b) do nº 1, do artº 256º do CP, na redacção vigente à data dos factos (correspondente à actual alínea d), tem de estar inserida no documento. Relembremos o ensinamento dos autores supra citados: «Nesta situação o documento apresenta-se genuíno ou materialmente verdadeiro, só que o seu conteúdo intelectual não corresponde à versão, uma vez que nele foi inserido, aquando da sua feitura um facto que não é real. A inserção falsa difere da alteração (…) por nesta última o documento ser afectado na sua materialidade, ao passo que naquela o documento permanece inalterável do ponto de vista material.»

Como se vê, desde logo através deste excerto, carece de valia a argumentação esgrimida…

Ora, se na acusação não vêem narrados factos que permitam classificar as cartas de condução, à luz do preceituado nas alíneas a) e b) do nº 1, do CPenal, na anterior redacção, como tratando-se de documentos falsos, então, como é óbvio, está votada ao fracasso a pretensão do Ministério Público no sentido de que deve ser imputado ao arguido o cometimento de um crime de uso de documento falso previsto no artº 256º, nº 1, al. c) do CP, na redacção vigente à data dos factos, e, actualmente, previsto no artº 256º, nº 1, al. e) do CP, na redacção dada pela citada Lei nº 57/2009.

E a mesma argumentação vale para a pretendida integração na al. f) do nº 1, do artº 256º do CP, na redacção actualmente vigente.

Finalmente alega o Ministério Público que «Mesmo que assim continue a afastar-se esta integração, sempre restaria a possível integração nos crimes de burla, desobediência ou violação de proibições, p. e p. respectivamente pelos arts. 217º, n.º 1, 348º, nº 1, al. b) e 353º, todos do C. Penal.O que não se consegue aceitar é a impunidade criminal de tal conduta.»

Quanto a tal alegação apenas diremos muito sinteticamente - pois não carece de maiores desenvolvimentos - o seguinte:

No crime de burla o bem jurídico protegido é o património, globalmente considerado, sendo que neste tipo, o agente age com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio). Ora, tanto basta para se perceber quão inconsistente se apresenta a pretendida integração no crime de burla da previsão do artº 217º, nº 1, do CPenal…

Por outro lado, a factualidade narrada na acusação é insusceptível de ser enquadrada quer no crime previsto no artigo 353º do CPenal, quer no crime de desobediência previsto no artigo 348º, nº 1, al. b), do mesmo Código, por ausência de alegação dos indispensáveis factos que suportem os elementos objectivo e subjectivo dos tipos em causa.

Em suma, a conduta imputada ao arguido, tal como está descrita, é penalmente inócua.


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Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, confirmar o despacho recorrido.

Sem tributação.