PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
DOCUMENTO IDÓNEO
Sumário

- O artigo 337.º do Código do Trabalho prevê duas situações jurídicas distintas: o n.º 1 do artigo estipula a consagração de um prazo prescricional para a reclamação dos créditos laborais; o n.º 2, estabelece um regime probatório especial, através de “documento idóneo”, para os créditos especificamente previstos no normativo.
- Tendo a Ré, na sua contestação, invocado que a Autora não apresentou documento idóneo para prova dos créditos laborais vencidos há mais de cinco anos que foram peticionados, extraindo como consequência jurídica a prescrição desses créditos, verifica-se uma deficiente qualificação jurídica que não vincula o tribunal, pelo que o mesmo nunca poderia ter julgado procedente a designada exceção da prescrição, porque o conhecimento de tal exceção não é oficioso e a R. jamais invocou a verificação do circunstancialismo conducente à prescrição dos créditos, previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho.
(Sumário da relatora)

Texto Integral


P. 3720/15.1T8STB-A.E1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB (A.) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC, S.A. (R.), ambas com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que seja declarada a justa causa de resolução operada pela A. através da sua comunicação datada de 29/07/2014, com as legais consequências, e que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 300.032,35 trezentos mil e trinta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), decorrente da soma das seguintes parcelas:
a. € 79.597,14, a título de indemnização pela justa causa de resolução operada pela A.;
b. € 3.667,22, referente a folgas não gozadas e não pagas pela R.;
c. € 2.683,33, referente a férias não gozadas e não pagas pela R.;
d. € 99.748,02, a título de trabalho suplementar prestado pela A. entre novembro de 1994 e junho de 1997;
e. € 114.336,64, a título de trabalho suplementar prestado pela A. entre junho de 1997 e junho de 2010.
Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, desde a respetiva data de vencimento ou, pelo menos, desde a citação da R..
Alegou, em muito breve síntese, que manteve um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a R., desde 02/11/1994, que cessou por resolução unilateral da A., devidamente comunicada e com fundamento na violação culposa das garantias legais da trabalhadora, o que constitui justa causa de resolução. Considera-se titular dos créditos laborais peticionados resultantes da vigência e cessação do contrato de trabalho.
Requereu a notificação da R. para juntar aos autos cópia dos registos legalmente obrigatórios relativos ao trabalho suplementar e trabalho noturno prestados pela A. e ainda cópias dos descansos compensatórios e férias concedidas à A., desde 02/11/1994 a 31/07/2014.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
A R. contestou, invocando, para o que agora nos interessa, a exceção perentória da prescrição relativamente aos créditos peticionados respeitantes às folgas e férias não gozadas e ao trabalho suplementar alegadamente prestado, por tais créditos se terem vencido há mais de cinco anos anteriores á citação da R., que ocorreu em 04/06/2015, e a A. não ter juntado aos autos, com a petição inicial, os documentos aptos a provar os aludidos créditos, que apenas podem serem demonstrados por documentos idóneos.
A A. respondeu à defesa por exceção, referindo que a R. incorre num enorme equívoco ao confundir o prazo prescricional dos créditos reclamados com o regime probatório especial que se aplica aos aludidos créditos. O prazo prescricional aplicável mostra-se regulado pelo n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, não tendo o mesmo decorrido.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conheceu da exceção perentória da prescrição invocada, julgando a mesma procedente.
Inconformada com esta decisão, veio a A. interpor recurso da mesma, sintetizando as suas alegações com as seguidas conclusões:
«I. A ora Rte. requereu na PI, para prova do alegado nos pontos 61. a 97. da PI e ao abrigo do artigo 429.º do CPC, fosse a ora Rda. notificada para fornecer cópia dos registos legalmente obrigatórios relativos ao trabalho suplementar e trabalho noturno prestado pela A. e ainda cópias dos descansos compensatórios e férias concedidos à A. desde 02/11/1994 a 31/07/2014, tendo esta assumido nos pontos 13.º e 103.º da Contestação que tinha aqueles registos e os ter chegado a interpretar e alegado que “não resultaria a produção de qualquer prova que lhe permitisse demonstrar a existência dos direitos” da Rte.
II. Todavia, mais tarde, quando obrigada à sua apresentação pelos Despachos de 21/11/2016 e de 15/12/2016, a Rda. declarou que não dispunha dos referidos documentos através do seu requerimento de 11/01/2017.
III. Ora o Despacho de 16/02/2017, no segmento que excluiu parte do processo e constituiu decisão final relativamente à exceção invocada pela R. referente à suposta prescrição de créditos laborais, não se pronuncia concretamente sobre estas mudanças da Rda. e sobre a ambivalência da posição manifestada por esta, que até obrigou o Tribunal a instá-la por duas vezes (Despacho de 21/11/2016 e de 15/12/2016), tendo-se limitado a concluir, de forma lacónica, que não se encontram “reunidos os pressupostos que fundamentam uma inversão do ónus da prova”.
IV. A parca conclusão do Despacho de que se recorre resulta na violação do constante do n.º 2 do artigo 417.º do CPC, uma vez que analisando a conduta da Rda. Em confronto com este preceito levaria a considerá-la como violadora do dever de cooperação para a descoberta da verdade e impunha a inversão do ónus da prova, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 344.º do CC, como bem tem decidido a nossa melhor jurisprudência (vide, nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2006, relatado por Fernandes Cadilha, Processo: 05S2655; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2004, relatado por Duro Mateus Cardoso, Processo 9280/2003-4; ambos in dgsi.pt).
V. Além disso, ao considerar que a Rda. só estava obrigada a manter os referidos registos por cinco anos e não por vinte, resulta também violado o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho (CT), articulado com o artigo 309.º do CC.
VI. De facto, o n.º 1 do artigo 337.º do CT determina a prescrição de créditos dos trabalhadores “decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, pelo que não sendo essa a situação dos autos, não deveria a prescrição ter sido determinada. Sendo certo que o n.º 2 do referido artigo 337.º CT corresponde tão somente a um regime especial de prova e não a um prazo de prescrição dos direitos ali referidos.
VII. Articulando o n.º 1 do artigo 337.º do CT, com o regime disposto no artigo 309.º do CC, impende sobre a Rda. a obrigatoriedade de manter os referidos documentos por vinte anos, com o limite de um ano após a cessação do contrato, sob pena daquele primeiro preceito resultar letra morta. Sendo certo que, até pela sua inserção sistemática, o prazo de cinco anos referido no n.º 4 do artigo 202.º e no n.º 8 do artigo 231.º, ambos do CT se referem apenas ao apuramento de eventuais matérias contraordenacionais.
VIII. Resolvida que seja a questão anterior, impõe-se apreciar o Despacho de que se recorre no extrato que declara que “A A. nada juntou de comprovativo do alegado”, quando é evidente que se mostram juntos vários documentos com vista à prova do alegado, mais concretamente a fls. 20 a 21v, fls. 23 e fls. 100 v. a 115.
IX. Constatando-se que foi violado o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, uma vez que o Tribunal “a quo” ignorou aqueles documentos que não mereceram oposição da Rda., não analisou criticamente as provas, não indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais, não tomou «em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência», quando é evidente que o deveria ter feito e, consequentemente, apreciado o pedido da Rte.
Nestes termos e nos mais de Direito se requer, de acordo com as Alegações produzidas e as Conclusões formuladas, seja considerado procedente o presente recurso e, consequentemente, seja a parte do Despacho de 16/02/2017 de que se recorre, revogada e substituída por outra que, apreciando a conduta concreta da Recorrida, determine a inversão do ónus da prova no que respeita aos documentos de que se requereu a junção e que, atendendo a essa decisão e aos documentos juntos aos autos, permita a apreciação de mérito daquele segmento do pedido da Autora, assim se fazendo sã, serena e objetiva JUSTIÇA.»
Contra-alegou a Ré, concluindo:
« A) A Recorrida foi instruída pelo Digníssimo Tribunal a quo para juntar documento dos registos legalmente obrigatórios relativos ao trabalho suplementar e trabalho noturno prestado pela ora Recorrente e cópias dos descansos compensatórios e férias concedidos à ora Recorrente, contudo, não o juntou, por não o ter em arquivo e por já terem decorrido mais de 5 (cinco) anos desde a data da prática dos factos;
B) A Recorrida nunca reconheceu a existência do documento dos registos dos tempos de trabalho e não os juntou aos autos porque simplesmente não os possuía, não sendo verdade que se tenha recusado a entregar os referidos documentos.
C) Nos termos legais, cabe à o Recorrente fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado. Logo, não poderá ser culpa da Recorrida que a Recorrente não tenha conseguido provar o seu alegado direito.
D) A Recorrida prestou toda a colaboração possível que sobre ela impendia, não mais fazendo por impossibilidade objetiva de juntar os documentos pretendidos, porque simplesmente não existem.
E) Mais, não há lugar a qualquer inversão do ónus de prova, nos termos do disposto no artigo 344.º do Código Civil, pois não se verifica qualquer das condições legais verificando nenhuma dessas condições, não tendo, mais uma vez, ironicamente, sido provado pela Recorrente que a Recorrida tornou impossível com culpa essa prova do seu direito, a que a Recorrente está onerada a provar, não poderá, jamais, ser declarado uma inversão do ónus da prova.
F) Resultando legal e inequivocamente que a ora Recorrida, como entidade empregadora, tem o dever de manter o registo apenas durante os 5 (cinco) anos subsequentes à prática do facto a que os mesmos se reportam e consequentemente a ora Recorrida, à data da citação da presente ação, só estava obrigada a ter em seu poder os registos desde o mês de Junho de 2010, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 202.º e n.º 8 do artigo 231.º do Código do Trabalho.
G) Com efeito, prevendo o Código do Trabalho um regime especial para a obrigatoriedade de manter os registos legalmente obrigatórios relativos ao trabalho suplementar e trabalho noturno prestado e cópias dos descansos compensatórios e férias concedidos à ora Recorrente não poderá ser aplicado o regime geral do artigo 309.º do Código Civil, caso contrário estar-se-ia a violar um princípio base da aplicação de normas jurídicas.
H) Motivos pelos quais nos louvamos no que doutamente decidiu o Tribunal a quo, ao declarar a procedência da exceção de prescrição dos alegados créditos de folgas não gozadas, de férias não gozadas e trabalhão suplementar, pelo que a Apelação não poderá obter provimento.»
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata e em separado, com efeito devolutivo.
Tendo o apenso com o recurso subido ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, ao abrigo do artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, propugnando pela improcedência do recurso.
A apelante respondeu reiterando que o recurso deve ser julgado procedente.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se inexistia fundamento para a declarada prescrição dos créditos laborais vencidos há mais de cinco anos.
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III. Matéria de facto
O tribunal de 1.ª instância autonomizou como “Factos”, as circunstâncias que seguidamente se transcrevem:
«Nos presentes autos, veio na Petição Inicial a A. BB, no que apenas interessa nesta apreciação, pedir [(II b) a e)], :
“I) Ser declarada a justa causa da resolução operada pela A. através da sua comunicação datada de 29/07/2014, com as legais consequências;
II) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia global de € 300.032,35 (trezentos mil e trinta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), decorrente da soma das seguintes parcelas:
a. € 79.597,14, a título de indemnização pela justa causa da resolução operada pela A.;
b. € 3.667,22, referente a folgas não gozadas e não pagas pela R.;
c. € 2.683,33, referente a férias não gozadas e não pagas pela R.;
d. € 99.748,02, a título de trabalho suplementar prestado pela A., entre Novembro de 1994 e Junho de 1997;
e. € 114.336,64, a título de trabalho suplementar prestado pela A., entre Junho de 1997 e Junho de 2010;
III) Tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento, desde a respetiva data de vencimento ou, pelo menos, desde a citação;
IV) Ser a R. condenada no pagamento das custas do processo, de procuradoria condigna e dos demais encargos legais.”.
Fundamentou na causa de pedir, seguinte:
- “(…) A R. deve à A. 41 folgas não gozadas e não pagas no período em que esteve ao serviço da R. entre Novembro de 1994 e Junho de 1997;
- A A. não gozou, nem lhe foram pagas as férias a que tinha direito no ano de 2010; durante esses 12 anos e 5 meses (149 meses no total),
- A A. prestou, ao serviço e por solicitação da R., um total de 6556 horas extraordinárias(…)”.
A A. nada juntou de comprovativo do alegado.
Na contestação, para além do mais, veio a R. CC, S.A., contra-argumentar POR EXCEPÇÃO que:
“(…) - € 3.667,22, a título de folgas não gozadas e não pagas pela R.;
- € 2.683,33, a título de férias não gozadas e não pagas pela R.;
- € 99.748,02, a título de trabalho suplementar prestado pela A. entre Novembro de 1994 e Junho de 1997 …
… Constata-se que todos os créditos supra indicados se venceram em data anterior ou concomitante ao mês de Junho de 2010.
Sucede que a R. foi citada da presente ação no dia 4 de Junho de 2015
Não tendo a A. juntado qualquer documento que demonstre a existência dos alegados créditos por folgas não gozadas (subentendendo-se que, com esta designação, a A. se está a referir ao descanso compensatório do trabalho suplementar), por férias não gozadas e por trabalho suplementar, devem estes ser considerados prescritos, por se referirem a créditos vencidos há mais de cinco anos, nos termos do artigo 337º, n.º 2 do CT(…)”.
Após a Tentativa de Conciliação, veio a A., em requerimento autónomo, fundamentar e pugnar, no sentido seguinte:
“(…)seja: a) determinada a inversão do ónus da prova quanto ao alegado nos pontos 61. a 97. da PI, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPC, articulado com o disposto no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil”. (sublinhado meu)
A Ré, não acompanhou este entendimento.»
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IV. Enquadramento jurídico
Delimitado o objeto do recurso, importa analisar e decidir a questão suscitada.
O tribunal a quo declarou procedente a invocada exceção da prescrição dos créditos laborais vencidos há mais de cinco anos anteriores à data da citação da R., por «[n]ão tendo a A. juntado qualquer documento idóneo que demonstre a existência dos alegados créditos por folgas não gozadas, por férias não gozadas e por trabalho suplementar, devem estes ser considerados sem prova de crédito, por se referirem a créditos vencidos há mais de cinco anos, nos termos do artigo 337º, n.º 2 do CT.»
Com todo o respeito, afigura-se-nos que na defesa por exceção apresentada, bem como na apreciação da mesma pelo tribunal de 1.ª instância, se verificou alguma confusão quanto a duas situações jurídicas distintas, embora ambas previstas no mesmo artigo do Código do Trabalho – artigo 337.º do Código do Trabalho.
Como resulta da própria epígrafe do artigo e da leitura dos dois ínsitos que o compõem, o n.º 1 da norma respeita à figura jurídica da prescrição e o n.º 2, refere-se à prova dos créditos aí previstos ou identificados, ou seja, «crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos».
Sobre a temática pode ler-se no acórdão desta Secção Social, de 14/9/2017, P. 157/14.3TTSTR.E1, acessível em www.dgsi.pt:
«(…) nos termos do n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho, o crédito correspondente, entre o mais, ao pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por “documento idóneo”.
Trata-se de uma norma de direito material probatório, cuja razão de ser radica na possibilidade que é concedida, pelo n.º 1 do mesmo artigo, de os créditos emergentes de relações laborais, independentemente da sua antiguidade, poderem ser exigidos até um ano depois de cessado o contrato, num regime especial que consagra a imprescritibilidade dos mesmos durante a vigência do contrato.
Por isso se estabelece um regime probatório especial, através de “documento idóneo”, em relação aos créditos por trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos relativamente ao momento em que foram reclamados.
Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2011 (Proc. n.º 1001/05.0TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “a exigência de prova especial justifica-se pela circunstância de a obrigação de indemnização poder gerar-se em épocas recuadas, pretendendo o legislador, assim, acautelar a posição do empregador quanto a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos, pois o decurso do tempo vai diluindo as provas ou pelo menos dificultando a produção das mesmas conducentes à formação de uma convicção segura».
Assim, em bom rigor, o que está em causa quanto a esta matéria, não é uma questão autónoma, enquanto tal, de prescrição de créditos, (…); o que está em causa, com o referido n.º 2 do artigo 337.º do CT, é o estabelecimento de meios de prova específicos, quanto à matéria nele referido e no que à fixação da matéria de facto respeita, na medida em que o tribunal só pode dar como provados factos inerentes, além do mais, ao trabalho suplementar vencido há mais de 5 anos sobre a propositura da ação se dispuser de documento idóneo para tal, o que tem sido entendido como documento escrito, com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas (neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 19-12-2007, Recurso n.º 3788/07 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, e dito ainda de outro modo, o referido n.º 2 do artigo 337.º do CT, não altera, em relação aos créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1, apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode lançar mão para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos: através de “documento idóneo”.»
No seguimento deste entendimento, que mantemos, a falta de apresentação de “documento idóneo” que comprove a existência dos créditos especificamente previstos no n.º 2 do artigo 337.º tem como consequência jurídica a improcedência do pedido relativo aos mesmos.
A ultrapassagem do prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, conduz, por sua vez, à prescrição dos créditos laborais.
Posto isto, apreciemos a específica situação dos autos.
Não obstante a R., na sua contestação, apele à verificação da prescrição, afigura-se-nos que procedeu a uma deficiente qualificação jurídica, dado que não justifica a alegada prescrição pela circunstância de ter decorrido mais de um ano desde o dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho celebrado entre as partes processuais, e só tal justificação poderia conduzir à verificação da prescrição dos créditos laborais em causa.
No fundo, o que a R. pretende é que se considere que a A. não apresentou documento idóneo que provasse os créditos vencidos há mais de cinco anos anteriores à data da citação da R., como é exigido pelo regime probatório especial previsto no n.º 2 do mencionado artigo 337.º.
Ora, a questão suscitada constitui matéria de direito probatório, em relação à qual o tribunal de 1.ª instância não tinha ainda condições para decidir no despacho saneador, pois os créditos em causa respeitam a factualidade que se mostra controvertida, e, não obstante se reconheça que as partes devem juntar com os articulados a prova documental de que pretendem fazer uso – artigo 63.º do Código de Processo do Trabalho - existe a possibilidade de junção da prova documental superveniente, de harmonia com o disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.

Assim, as questões relacionadas com a inversão do ónus da prova e com a apresentação ou não apresentação do documento idóneo exigido pelo n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho, apenas podem ser apreciadas em momento processual futuro, designadamente aquando da decisão sobre a matéria de facto.
Resumindo e concluindo, o tribunal de 1.ª instância não poderia ter declarado prescritos os créditos abrangidos pela decisão recorrida, porque a R. não invocou a verificação do circunstancialismo conducente à prescrição dos créditos, previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, e tal exceção não é de conhecimento oficioso, sendo também de salientar que o tribunal a quo não estava vinculado à qualificação jurídica apresentada pela R. – artigo 5.º do Código de Processo Civil. No que respeita às normas de direito probatório aplicáveis (que abrangem o conhecimento da invocada inversão do ónus probatório e da eventual apresentação do “documento idóneo” previsto no n.º2 do artigo 337.º do Código do Trabalho), apenas em momento processual futuro, poderá e deverá o tribunal de 1.ª instância decidir.
Por conseguinte, há que revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação para a apreciação dos créditos laborais abrangidos pelo recurso.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogam a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação para a apreciação dos créditos laborais abrangidos pelo recurso.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 1 de fevereiro de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes