I) Na fase da instrução, apenas constitui um acto legalmente obrigatório o interrogatório de um arguido, a solicitação deste - vd. artº 292º, nº 1, do CPP.
II) No processo comum, até à prolação do despacho do artº 311º do CPP, existe apenas uma fase processual obrigatória – “ o inquérito”. O despacho do artº 311º do CPP, estabelece a passagem do inquérito ou da instrução para a fase judicial de julgamento.
III) Se for ultrapassado o crivo do saneamento previsto no nº 1, o processo é introduzido em juízo para julgamento.
Findo o inquérito o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, nos termos do artº 277º, nº 2, do Código de Processo Penal.
- Diogo A...: em autoria material e em concurso real, de um crime de burla qualificada e de um crime abuso de confiança, p.p. pelos artigos 217º, 218, nº 2 e 202º, 205º, nº 1 e 4 al. b), todos do Código Penal. Em co-autoria, de um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nº 1, ambos do Código Penal.
- Francisco A...: em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, ambos do Código Penal. Em cumplicidade e em concurso real, um crime de burla qualificada p.p. pelos artigos 217º, 218º, nº 2 e 202º, al. b), todos do Código Penal.
- João A...: em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nº 1, ambos do Código Penal. Em cumplicidade, em concurso real, de um crime de burla qualificada p.p. pelos artigos 217º, 218º, nº 2 e 202º, al. b), todos do Código Penal.
- Nuno C...: em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal.
- Pedro S...: um crime de receptação p.p. pelo artigo 231º, nº 2 do Código Penal.
- Priscila M...: um crime de receptação p.p. pelo artigo 231º, nº 2 do Código Penal.
“Declaro encerrada a instrução.
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O tribunal é competente.
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Através do requerimento que deu entrada em juízo em 30.01.09, a fls. 600, arguiram os assistentes nulidade processual, que fundamentaram factualmente por remissão para a reclamação que igualmente nessa data apresentaram, a fls. 597 a 599.
Concluem, alegando que se verifica a nulidade prevista pelo art. 120º, nº 2 al. d) do CPP, em consequência da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, quais sejam, a inquirição das testemunhas que indicam no requerimento de abertura da instrução.
Posteriormente, no decurso do debate instrutório, reagindo à decisão que indeferiu a realização de diligências suplementares de provas, quais sejam, a audição do assistente em declarações e a inquirição das testemunhas arroladas no requerimento de abertura da instrução, os assistentes renovaram a arguição da mesma nulidade processual, prevista pelo artigo 120º, nº 2 al. d) e nº 3 al. c) do CPP.
Foram ouvidos, quanto a esta matéria, a Magistrada do Ministério Público e os ilustres Advogados representantes dos arguidos, os quais pugnaram pena inexistência da invocada ou de qualquer outra nulidade processual.
Cumpre decidir.
O Tribunal já se pronunciou quanto à matéria subjacente à invocada nulidade processual, nas decisões proferidas em 21.01.09, a fls. 578 e 579, em 30.01.09, a fls. 603 e 604 e por decisões proferidas no decurso do debate instrutório, através das quais indeferiu a realização das requeridas diligências probatórias, bem como indeferiu a reclamação apresentada.
Pelos motivos nas mesmas sobejamente expostos, e pelos que constarão da fundamentação da própria decisão instrutória final, continua este Tribunal a entender que é desnecessária, atenta a finalidade da fase processual de instrução (artigo 286º do CPP), a produção de qualquer outro meio de prova, pelo que, ainda de acordo com esse entendimento, os meios de prova cuja produção foi requerida pelo assistente, não interessam à instrução, impondo-se o seu indeferimento, conforme a imposição legal do artigo 291º do CPP.
É, pois, entendimento deste Tribunal, que não foram omitidas diligências que sejam essenciais para a descoberta da verdade.
Os assistentes arguiram, igualmente, a nulidade processual decorrente da omissão dos actos de constituição como arguidos de Nuno P..., Pedro S... e Priscila M..., bem como da omissão da sua submissão a interrogatórios. Reputa aqueles actos como de realização obrigatória no âmbito desta instrução, considerando que a omissão de tais actos se enquadra na nulidade tipificada pelo artigo 120º, nº 2 al. d) e nº 3 al. c) do CPP.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 57º, nº 1 do CPP que:” Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.”
Por outro lado, o nº 3 desse mesmo preceito remete para as formalidades previstas pelos nºs 2 a 4 do artigo 58º do mesmo diploma legal, a constituição como arguido.
A preterição de tais formalidades não se encontra tipificada como nulidade processual (artigos 118º, nº 1, 119º e 120º, todos do CPP).
Por outro lado, os arguidos não solicitaram a sua audição, a qual o tribunal julgou desnecessária para o apuramento dos factos.
Pelo exposto, entende o tribunal indeferir a invocada nulidade processual.
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Não existem nulidades, ilegitimidades ou outras excepções que cumpra conhecer.
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Os presentes autos tiveram início com a denúncia apresentada a fls. 2, por José M... e esposa Maria A... contra:
- Diogo A...;
- Francisco A...;
- João A...;
- Nuno P...;
- Pedro S...;
- Priscila M...;
Todos aí melhor identificados.
Concluem imputando a todos os arguidos, a prática em co-autoria, dos crimes de coacção, violação de domicílio, usurpação de imóvel, extorsão, abuso de confiança, p.p. pelos artigos 154º, 190º, 205º, 215º e 223º, todos do Código Penal (cfr. fls. 13).
Ao primeiro participado é, ainda, imputada a prática de um crime de infidelidade p.p. pelo artigo 224º do Código Penal.
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A Magistrada do Ministério Público concluiu a fase processual de inquérito, tendo proferido despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 277º do Código de Processo Penal.
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Inconformados, os assistentes requereram a abertura de instrução, alegando em síntese que:
“Os assistentes emitiram a favor do arguido Diogo A... três procurações, a última das quais em 08.10.1984, a qual foi revogada em Agosto de 1986, data em que os primeiros comunicaram ao referido arguido que tinham revogado essa procuração.
Desde essa data, que o referido arguido percebeu claramente que a procuração estava revogada e não tinha qualquer efeito.
Os arguidos Francisco A... e João A... também tiveram conhecimento que a partir de Agosto de 1986, a referida procuração tinha sido revogada e que a partir dessa data não tinha qualquer valor.
Não obstante, em 9 de Agosto de 2005, o arguido Diogo, com o auxílio dos arguidos Francisco e João, usou a referida procuração e, através de escritura pública, vendeu ao arguido Nuno, que comprou, o prédio urbano composto de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua Manuel S..., nº 6, na freguesia de Vilarelho, do concelho de Caminha, inscrito na matriz urbana sob o artigo 597 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº 00700, que pertencia aos assistentes.
O arguido Diogo, com intenção de obter para si e para o arguido Nuno enriquecimento ilegítimo, por meio de erro e engano sobre a validade da procuração emitida pelos assistentes, que astuciosamente provocou, determinou aos assistentes prejuízos patrimoniais superiores a Euros 300.000,00.
Os arguidos Francisco e João, agindo com intenção de prejudicar os assistentes, prestaram auxílio moral e material ao arguido Diogo na obtenção do benefício ilegítimo, a favor deste e do arguido Nuno, e na astuciosa criação do erro e engano sobre a validade da procuração, incentivando os arguidos Nuno e Diogo a celebrar a escritura pública de compra e venda, acompanhando o arguido Diogo a outros Advogados para obter pareceres sobre a validade da procuração e estando presentes no arrombamento das portas e na tomada de posse do prédio supra referido.
Os assistentes nunca quiseram vender o supra referido prédio, que constituía a sua habitação permanente.
O arguido Diogo, com auxílio dos arguidos Francisco e João, vendeu o prédio ao arguido Nuno, que o comprou pelo preço de oitenta mil euros que declarou ter recebido.
Os assistentes nunca receberam essa quantia.
Tendo recebido essa quantia, através de transferência bancária, o arguido Diogo fez seu, esse dinheiro, usando-o em proveito próprio, dando-lhe o destino que julgou apropriado e nunca o devolveu aos assistentes.
Em 9 de Agosto de 2009, o arguido Diogo, com o auxílio dos arguidos Francisco e João, obrigou os assistentes, através de declaração escrita que entregou ao arguido Nuno a obterem o cancelamento da hipoteca, no valor máximo de cento e quatro mil, trezentos e vinte e cinco euros, que estava registada e em vigor sobre o prédio acima mencionado, tendo para isso os assistentes de necessariamente pagar ao credor hipotecário.
O valor normal de mercado de venda do supra referido prédio era superior a trezentos mil euros e todos os arguidos tinham conhecimento disso, pelo que a venda desse prédio pelo valor de oitenta mil euros faria qualquer pessoa suspeitar que provinha de facto ilícito contra o património.
Além disso, a celebração da escritura pública de compra e venda de transmissão de propriedade do imóvel sem proceder ao expurgo da hipoteca faria qualquer pessoa normal suspeitar sobre a proveniência e ilicitude da transacção.
Em 4 de Novembro de 2005, através do arrombamento e destruição das fechaduras das portas, substituindo-as por outras, os arguidos Diogo, Francisco e João entraram no referido prédio e entregaram-no ao arguido Nuno. Os assistentes nunca consentiram que os arguidos entrassem na casa destes e os arguidos tinham disto claro conhecimento.
No dia 5 de Novembro de 2005 os arguidos Diogo, Francisco, João e Nuno entregaram aos arguidos Pedro e Priscila, que receberam, a posse do imóvel.
Após terem conhecimento destes factos, os assistentes sempre manifestaram a sua oposição a estes negócios, quer através da apresentação de queixa criminal, quer através da apresentação da providência cautelar de restituição provisória da posse, quer da chamada ao local da Guarda Nacional Republicana, quer através de declarações de total discordância e repúdio proferidas directamente aos arguidos.
Contudo os arguidos Nuno, Pedro e Priscila mantiveram-se na habitação dos assistentes, sem consentimento destes, e não lhes entregaram o supra mencionado prédio.
Os arguidos Diogo, Francisco e João, em conjugação de esforços e dando execução a um plano previamente traçado, com intenção de obter para o arguido Nuno vantagem patrimonial, dissimularam a forma de transmissão do prédio supra referido, que foi obtido mediante facto ilícito contra o património, transmitindo ou contribuindo para a transmissão por escritura pública desse prédio…
Atendendo às condições em que se realizou a compra e venda do prédio, pela elevada qualidade do imóvel, pela condição em que foi oferecida… e pelo diminuto montante do preço proposto- faria qualquer cidadão comum suspeitar sobre a proveniência desse bem.
Em 1 de Novembro de 2005, o arguido Nuno, em conjugação de esforços com os arguidos Diogo, Francisco e João e dando execução a um plano previamente traçado pelos quatro, deu de arrendamento aos arguidos Pedro e Priscila , que tomaram de arrendamento, o prédio supra referenciado, tendo sido estabelecida a renda mensal de Euros 300,00.
Todos os arguidos sabiam que o imóvel, em 1 de Novembro de 2005, valia, se direccionado para o arrendamento, quantia superior a setecentos e cinquenta euros por mês.
Os arguidos Pedro e Priscila não se asseguraram previamente à celebração do contrato de arrendamento da legítima proveniência do imóvel, pese embora estivessem legalmente a isso obrigados.
Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.”
Pugna pela prolação de despacho de pronúncia já que a prática de tais factos pelos arguidos consubstancia a prática dos seguintes crimes:
“Diogo A...- em autoria material e em concurso real, de um crime de burla qualificada e de um crime abuso de confiança, p.p. pelos artigos 217º, 218, nº 2 e 202º, 205º, nº 1 e 4 al. b), todos do Código Penal. Em co-autoria, de um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nº 1, ambos do Código Penal.
Francisco A...- em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, ambos do Código Penal. Em cumplicidade e em concurso real, um crime de burla qualificada p.p. pelos artigos 217º, 218º, nº 2 e 202º, al. b), todos do Código Penal.
João A...- em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação, p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nº 1, ambos do Código Penal. Em cumplicidade, em concurso real, de um crime de burla qualificada p.p. pelos artigos 217º, 218º, nº 2 e 202º, al. b), todos do Código Penal.
Nuno C...- em co-autoria e em concurso real, um crime de violação de domicílio e dois crimes de receptação p.p. pelos artigos 190º, nºs 1 e 3 e 231º, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal.
Pedro S...- um crime de receptação p.p. pelo artigo 231º, nº 2 do Código Penal.
Priscila M...- um crime de receptação p.p. pelo artigo 231º, nº 2 do Código Penal.
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Foi declarada aberta a Instrução.
Veio a ser designada data para a realização de debate instrutório, por se considerar desnecessária a produção de prova complementar à prova produzida em sede de inquérito.
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Procedeu-se a debate instrutório com a observância das formalidades legais.
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Na presente fase processual destinada à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, cumpre apenas averiguar da existência, através da avaliação dos elementos probatórios recolhidos, de indícios suficientes da prática de factos susceptíveis de conduzirem à responsabilização criminal e à determinação da autoria desses factos (cfr. artigo 307 nº 5 do CPP).
No CPP vigente consideram-se indícios suficientes, se dos mesmos resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (vd. arts. 283 nº 2, 298 e 308 nº 1).
Ou seja, tem o Tribunal de formar a convicção da séria possibilidade de que os factos constantes da acusação tiveram lugar, com base na apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução.
“No culminar da fase de instrução, o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases: (i) um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, a indagação de todos os elementos probatórios produzidos; (ii) um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido (iii) e um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir que predomina uma razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos ou vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo probatório semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.”-Ac. RP de 4/1/2006, Proc.0513975, Rel. Joaquim Gomes
No entanto, e embora não sujeito a formalidades especiais, o requerimento para a abertura de instrução, tem de obedecer aos requisitos exigidos para a acusação, nos termos do artigo 283º, nº 3 alíneas b) e c), e nº 2 do artigo 287º, ambos do CPP.
A acusação define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, posto que é em função dela que o arguido organiza a sua defesa. O princípio do acusatório, como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Significa ele que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação (…) sendo a “acusação condição e limite do julgamento”-cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. P. 205 Perante tal princípio de acusatório, e do contraditório, que regem o processo penal, o requerimento de abertura da instrução, quando requerida pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação, descrevendo os factos que consubstanciem o ilícito, cuja prática imputa e a quem, já que o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constituiu substancialmente, uma acusação alternativa (ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MP) que dada a divergência com a posição assumida pelo Ministério Público, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial- cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in “Jornadas do Processo Penal Preliminar, pág. 254”
O juiz de instrução “não prossegue” uma investigação, nem se limitará a apreciar o arquivamento do MºPº, a partir da matéria indiciária do inquérito. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão, que necessariamente vem na sequência dos factos que foram objecto de queixa, no que respeita aos crimes de natureza semi-pública.
O requerimento de abertura de instrução tem que conter, ainda que sinteticamente, mas de forma precisa, a narração dos factos, numa sequência minimamente lógica, capazes de preencherem suficientemente os elementos típicos quer objectivos quer subjectivos de qualquer tipo de crime, não se impondo ao juiz de instrução, através da contextualização de conceitos dispersos, “compor” uma acusação que devia ter sido formulada pelo assistente.
Quanto a esta matéria cumpre acrescentar apenas que o Acórdão para fixação de Jurisprudência nº 7/2005 do S.T.J.-Pr. 430/2004-3ª Secção (publicado no D.R.-Iª Série-A nº 212, de 04.11.2005) decidiu que:”Não há lugar a convite do assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2 do C.P.P., quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”
Cumpre, desde logo verificar se, do RAI constam factos com virtualidade para sustentar os elementos constitutivos dos crimes cuja prática vem imputada aos arguidos ou de outros (cf. Nº 5 do art. 303º do CPP).
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No que respeita ao crime de burla imputado aos arguidos Diogo, Francisco e João, resulta óbvio, tendo presente o tipo incriminador do artigo 217º nº 1 do Código Penal, que os factos descritos não se subsumem, desde logo, à conduta objectiva típica.
Não só quem teria sido agente passivo, de acordo com a descrição factual realizada, seria o arguido Nuno, o qual nessa perspectiva seria o ofendido, como a matéria de facto é contraditória com outra matéria de facto constante do próprio RAI e da queixa, que aponta no sentido de o negócio em causa, de compra e venda de um imóvel, alegadamente pertencente aos assistentes, teria sido simulado entre os referidos arguidos.
A forma vinculada de execução do crime “utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa em erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios”-vd. A.M. Almeida Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 293, também não se encontra especificada.
Nesta parte, o requerimento dos assistentes contém factos que não constituem crime, constituindo um dos casos de inadmissibilidade legal da instrução (cfr. artigo 311º, nº 3 al. c) do CPP, por identidade de razão).- Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, anotação ao art. 286º, pag. 750.
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Quanto ao crime de abuso de confiança, impõe-se idêntica conclusão, atendendo ao tipo incriminador do artigo 205º do Código Penal.
De facto, para além de na queixa apresentada não constarem os factos agora em análise, onde também se refere que o negócio já supra referido terá sido simulado, tendo sido “encenado” um negócio de compra e venda, no RAI refere-se que, à data da realização desse negócio, a procuração que havia sido emitida ao arguido Diogo, que no mesmo alegadamente terá intervindo como vendedor, se encontrava já revogada, o que aquele arguido sabia.
Assim sendo, como se poderia cogitar a hipótese da detenção legítima, por parte do arguido Diogo, da referida quantia?
Igualmente nesta parte, o requerimento dos assistentes contém factos que não constituem crime, constituindo um dos casos de inadmissibilidade legal da instrução (cfr. artigo 311º, nº 3 al. c) do CPP, por identidade de razão) Conduz à mesma conclusão a circunstância de esses factos não terem sido objecto de denúncia e, consequentemente, não terem sido objecto de inquérito (art. 119º, al. d) do CPP).- Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, anotação ao art. 286º, pag. 750.
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Relativamente ao crime de coacção p.p. pelo artigo 154º, nº 1 do Código Penal, concluo, sem mais delongas, que não se impõem, não se encontrar descrita a forma típica de execução do crime, retirando-se idêntica conclusão.
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O crime de receptação p.p. pelo artigo 231º do Código Penal tem como objecto da acção: uma coisa obtido por outrem mediante facto ilícito típico contra o património.
Apesar de a doutrina e jurisprudência se dividirem quanto à possibilidade de as coisas imóveis poderem ser objecto de receptação – no sentido favorável pronuncia-se Pedro Caeiro, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Tomo II, pag. 476, fica por caracterizar o facto ilícito típico contra o património que tenha sido a causa da deslocação da coisa para a disponibilidade fáctica do agente do facto referencial.
A conclusão é, pois, idêntica.
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Dispõe o artigo 190º do Código Penal que tipifica o crime de violação de domicílio: «1- Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.» No caso concreto, fundamentam os assistentes a imputação do crime p.p. pelo art. 190º nºs 1 e 3 do Cód. Penal, no facto de os arguidos supra identificados se terem introduzido na sua habitação, sem o seu consentimento.
Mais uma vez, apesar do esforço de contextualização de factos que, de forma dispersa, desordenada e confusa foram alegados no requerimento para a abertura da instrução, concluo que nessa peça processual não se encontram descritos factos susceptíveis de concretizarem o elemento subjectivo do tipo de ilícito, que só é punível a título de dolo, ou seja, o conhecimento por parte dos arguidos dos elementos que integram o tipo objectivo e a vontade dirigida à prática desses actos.
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Assim, concluo que os factos constantes do requerimento de abertura de instrução não são idóneos e/ou suficientes para o preenchimento dos elementos constitutivos dos crimes cuja prática aí é imputada aos arguidos ou de outros, não constituindo o requerimento de abertura de instrução dos assistentes uma acusação alternativa ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, ou porque os factos aí descritos não têm dignidade criminal, não se encontram tipificados como crimes pelo nosso ordenamento jurídico ou porque a matéria de facto descrita é insuficiente para que se possa concluir, em abstracto, pela imputação aos arguidos da prática dos crimes que lhes são imputados nesse requerimento ou de outros de que o tribunal pudesse conhecer, operando uma mera alteração da qualificação jurídica (crf. nº 5 do art. 303º do CPC).
Quanto às situações de insuficiência da matéria de facto cumpre referir que, nos termos do disposto pelo artigo 309º, nº 1 do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar qualquer arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação do assistente, prevendo o artigo 303º do mesmo Código, as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos na acusação do assistente.
Sucede assim, por um ou outro ou por ambos os motivos expostos, uma falta de objecto do requerimento de abertura da instrução, situação que a meu ver constitui uma questão prévia cujo conhecimento se impõe ao abrigo do disposto pelo nº 3 do artigo 308º do CPP e que, no caso concreto, torna desnecessária, porque destituída, ab inicio, de efeito útil, decisão que conheça do mérito da causa, pronunciando-se quanto à suficiência ou insuficiência de indícios probatórios, nos termos do disposto pelo nº 1 do artigo 308º do CPP.
Por imperativo legal, impõe-se que este Tribunal profira DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA.
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Assim sendo, NÃO PRONUNCIO OS ARGUIDOS:
Francisco A..., João A..., Diogo A..., Nuno P..., Pedro S... e Priscila M....
As custas serão suportadas pelos assistentes, fixando-se a taxa de justiça em 3,5 UCS (artigo 515º nº 1 al. a) e 83º, nº 2 do CCJ).”
“1 - A omissão de constituição de arguidos dos denunciados Nuno, Pedro e Priscila M... e subsequente e consequente ausência de qualquer diligência tendente a apurar de uma qualquer responsabilidade dos mesmos nos actos descritos no requerimento de Abertura de Instrução, constitui uma clara insuficiência da instrução e como, uma nulidade por emergir da referida prática de actos legalmente obrigatórios, nos termos dos arts 57º, nº 1, 58º, nº 1 e 120º, nº 2, al. d), todos do CPP que, desta forma, foram violados no despacho recorrido.
2 - A decisão de rejeitar a realização da inquirição de testemunhas indicadas pelos assistentes mostra-se claramente inadequada aos objectivos pretendidos com a requerida Instrução, qual seja, a de apurar da existência de indícios da prática de um ou mais ilícitos penais por parte dos arguidos/ denunciados.
3 - A não realização de tais diligências esvazia, por completo, o objectivo da Instrução denegando-se desta forma a possibilidade dos assistentes carrearem para os autos a prova indiciária suficiente dos factos por si alegados no seu Requerimento de Abertura de Instrução de fls dos autos, diligências essas que reputam como essenciais para a descoberta da verdade.
4 - Assim, mostra-se verificada a nulidade a que alude o artº 120, nº 2, al. d) do CPP, ou seja “ a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade (…), norma que se mostra violada no despacho recorrido.
5 - Além disso não foram valorados no despacho recorrido elementos probatórios já carreados para os autos, designadamente o teor da petição inicial apresentada pelos arguidos Diogo, Francisco e João na 1ª Secção da 4ª Vara Cível do Porto, sob o processo nº 1684 (04.6TVPRT que intentaram contra os assistentes.
6 - No artº 43º dessa petição inicial, o arguido Diogo admite que a assistente lhe havia comunicado, em Agosto de 1986, a revogação da procuração.
7 - Mais: a data de propositura de tal acção cível é anterior à venda do imóvel que estes autos de processo-crime dizem respeito. Na verdade a acção cível acima identificada deu entrada no Tribunal Cível do Porto no ano de 2004 enquanto a venda do referido imóvel ocorreu em 09/08/2005.
8 - Tal petição inicial é ainda bem reveladora de que também os arguidos Francisco e João sabiam de tal acto revogatório da procuração utilizada pelo arguido Diogo para proceder à venda do imóvel em causa nestes autos.
9 - Ora, apesar de tudo isto, tal petição inicial, como já afirmámos, não foi considerada em nenhuma fase dos presentes autos sendo que é um documento com uma real relevância para se apurar da existência de indícios da prática de ilícitos penais por parte daqueles três arguidos.
10 - Tal, a nosso ver, constitui uma séria omissão que compromete uma real e concreta valoração dos factos invocados pelos assistentes, omissão essa que deverá ser suprida, através da apreciação e valoração do documento em causa. Não o fazendo, estamos perante uma nulidade a que alude o já citado artº 120º, nº 2, al. d) do CPP, norma que se mostra violada pelo despacho recorrido.
11 - Importa, por fim, considerar que, a comprovar-se a existência de indícios de factos integradores dos crimes indiciados no Requerimento de Abertura de Instrução, crime de Burla Qualificada p. p. pelos arts 217, nº 1 e 218, nº 2, al. a), e crime de Abuso de Confiança p. pelo artº 205º, nºs 1 e 4, al. b) do CPenal, ambos revestem a natureza pública, pelo que é irrelevante a discussão sobre quem será o ofendido e o titular do direito de queixa.”
E concluem: “ Termos em que…, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via disso, acordar-se na revogação do despacho de não pronúncia recorrido e, consequentemente ordenar-se a realização dos actos de Instrução requeridos pelos assistentes no Requerimento de Abertura de Instrução…”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO:
Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação (cfr. artº 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo, é claro, das questões que são de conhecimento oficioso.
No caso vertente, conforme decorre das conclusões supra transcritas, os recorrentes trazem à apreciação desta Relação as seguintes questões:
- a existência da nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d) do CPP, por, na fase instrutória, não terem sido constituídos arguidos os denunciados Nuno, Pedro e Priscila «e subsequente e consequente ausência de qualquer diligência tendente a apurar de uma qualquer responsabilidade dos mesmos nos actos descritos no requerimento de Abertura de Instrução Machado e subsequente e consequente ausência de qualquer diligência tendente a apurar de uma qualquer responsabilidade dos mesmos nos actos descritos no requerimento de Abertura de Instrução».
- a existência da nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP, por, na fase da instrução, não terem sido inquiridas as testemunhas indicadas pelos recorrentes no requerimento de abertura de instrução, por se tratar de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
- a existência da nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP por não terem sido «valorados no despacho recorrido elementos probatórios já carreados para os autos, designadamente o teor da petição inicial apresentada pelos arguidos Diogo, Francisco e João na 1ª Secção da 4ª Vara Cível do Porto, sob o processo nº 1684 (04.6TVPRT que intentaram contra os assistentes.» o que «constitui uma séria omissão que compromete uma real e concreta valoração dos factos invocados pelos assistentes».
Como se vê, os recorrentes não dissentem da decisão recorrida na parte em que decidiu não pronunciar os arguidos com o fundamento de que o requerimento de abertura de instrução não continha a narração dos factos essenciais ao preenchimento dos elementos constitutivos dos crimes invocados nessa mesma peça processual, ou seja que existia «uma falta de objecto do requerimento de abertura da instrução».
O que significa que, nesta parte, a decisão instrutória se mostra intangível, uma vez que os recorrentes dela não dissentiram e que não estamos perante uma questão de conhecimento oficioso.
.E aqui chegados, já estamos em condições de apreciar e decidir as nulidades invocadas pelos recorrentes.
Pois bem, para os recorrentes a não constituição como arguidos dos denunciados Nuno, Pedro e Priscila «e subsequente e consequente ausência de qualquer diligência tendente a apurar de uma qualquer responsabilidade dos mesmos nos actos descritos no requerimento de Abertura de Instrução Machado e subsequente e consequente ausência de qualquer diligência tendente a apurar de uma qualquer responsabilidade dos mesmos nos actos descritos no requerimento de Abertura de Instrução», integra a nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP, porquanto se trata «de actos legalmente obrigatórios, nos termos dos arts 57, nº 1, 58, º 1, ambos do CPP.
Não têm, porém, razão os recorrentes, pelas razões que se seguem.
Dispõe o artº 120º, sob a epígrafe “ Nulidades dependentes de arguição”:
“ (…)
2. Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
(…)”
Pois bem, percorridos os arts 290º e ss, do CPP, verifica-se que, na fase da instrução, apenas constitui um acto legalmente obrigatório o interrogatório de um arguido, a solicitação deste - vd. artº 292º, nº 1, do CPP
Ora, não é esta a situação em causa.
Para além de os denunciados Nuno, Pedro e Priscila terem assumido nos autos a qualidade de arguidos a partir do momento em que foi requerida a instrução, atento o disposto no artº 57, nº 1 do CPP, a verdade é que, conforme decorre dos presentes autos de instrução, os mesmos não solicitaram à Sra. Juíza de Instrução a realização dos respectivos interrogatórios.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.
Vêm ainda os recorrentes a existência da nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP, por, na fase da instrução, não terem sido inquiridas as testemunhas indicadas no requerimento de abertura de instrução, o que configura a omissão posterior de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade.
Mais uma vez, a razão não está do lado dos recorrentes.
No processo comum, até à prolação do despacho do artº 311º do CPP, existe apenas uma fase processual obrigatória – “ o inquérito”. Além do inquérito, pode também haver a “instrução”, que é uma fase facultativa. O despacho do artº 311º do CPP, por sua vez, estabelece a passagem do inquérito ou da instrução para a fase judicial de julgamento. Se for ultrapassado o crivo do saneamento previsto no nº 1, o processo é introduzido em juízo para julgamento.
Ora, o emprego do adjectivo “ posterior “ constante do segmento “ e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”, remete-nos claramente para a fase judicial de julgamento.
Logo, mostra-se inconsistente a invocada nulidade.
Finalmente defendem os recorrentes que se verifica a nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP, por não terem sido «valorados no despacho recorrido elementos probatórios já carreados para os autos, designadamente o teor da petição inicial apresentada pelos arguidos Diogo, Francisco e João na 1ª Secção da 4ª Vara Cível do Porto, sob o processo nº 1684 (04.6TVPRT que intentaram contra os assistentes.», o que «constitui uma séria omissão que compromete uma real e concreta valoração dos factos invocados pelos assistentes».
Também aqui falece a razão aos recorrentes.
Assim, a acrescer ao fundamento supra exposto, dir-se-á ainda a talho de foice o que se segue.
Dispõe o artigo 118º, nº 1, do CPP, que «A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei», sendo que, nos termos do nº 2, do mesmo preceito, «Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular».
Como se vê pelo preceito transcrito, os vícios da nulidade e irregularidade apenas têm a ver com a violação ou inobservância das disposições da lei do processo.
A valoração ou não de determinada prova, ao invés, está ligada ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº 127º do CPP.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente.
Fixa-se em 3 (três) UC a taxa de justiça a cargo de cada um dos recorrentes.