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INOFICIOSIDADE
REDUÇÃO
ERRO
FORMA DE PROCESSO
INVENTÁRIO
Sumário
1. O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador, é o processo (especial) de inventário. 2. A acção de redução de liberalidades inoficiosas a que alude o art. 2178º do Cód. Civil, que segue a forma de processo comum, só tem cabimento nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I - RELATÓRIO
"A", viúva, residente no P..., em T..., Guimarães, intentou a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra "B", "C", "D" e "E", os dois primeiros a residir no P..., 4835-..., T..., Guimarães e estes últimos a residir, respectivamente, na R..., 3º esquerdo, R..., Porto e na Rua M..., 1º esquerdo, Porto, peticionando a condenação dos réus:
a) a reconhecerem que a autora é legitima herdeira legitimaria, como cônjuge, do de cujus João de A...;
b) a reconhecerem que a legítima da autora ascende a um quinhão hereditário correspondente a 1/6 da herança no valor, no mínimo, de € 836.850,33 ou outro correspondente àquela proporção;
c) a verem reduzida, por inoficiosidade, a deixa testamentária descrita nos arts. 18º a 20º da petição inicial, no valor global de € 4.926.926,20 em pelo menos € 742.674,51, por forma a respeitar a legítima da autora;
d) a reconhecerem que o preenchimento da quota disponível do de cujus com o P..., com todos os bens imóveis e móveis que nele se encontram, viola a legítima da autora;
e) a reconhecerem que a deixa testamentária descrita, na parte em que prevê que a quota disponível do de cujus deverá começar a ser preenchida com o P..., com todos os bens imóveis e bens móveis que nele se encontram, é de cumprimento impossível em face da posição assumida pela autora.
Citados, os réus "B" e "C" apresentaram contestação, excepcionando o erro na forma de processo, gerador da absolvição dos réus da instância porquanto, alegam, o processo de inventário é o meio próprio para a autora fazer valer o seu direito. Impugnam ainda alguns dos factos articulados na petição inicial.
A Autora apresentou réplica.
Foi proferida decisão, que concluiu nos seguintes termos:
“Por tudo o exposto, nos termos do disposto nos artigos 199º, 288º/1 b)., 493º/1 e 494/ b), do C. P. Civil, julgando a nulidade do processado, por erro na forma do processo, e vista a impossibilidade de aproveitamento dos actos praticados, absolvo os Réus, "B", "C", "D" e "E", da instância.
Custas a cargo da Autora.
Registe, notifique e dê baixa”.
Não se conformando a autora recorreu, peticionando a revogação da decisão recorrida e que se determine o prosseguimento dos autos.
Formula as seguintes conclusões: “I. Em face do previsto no artº 2178º do CC o direito à redução por inoficiosidade pode ser exercido por herdeiro através de acção em processo comum. II. No caso dos autos e considerando: a) que à data em que foi intentada esta acção não havia ainda sido requerido processo de inventário; b) que este, mesmo depois de requerido, se destina apenas a averiguar da eventual inoficiosidade da deixa testamentária feita pelo de cuius; c) que este processo depende da prévia resolução de duas questões que, em relação a ele são prévias e, como tal, prejudiciais, e se mostram já suscitadas em duas acções judiciais atrás identificadas; d) que, por tal motivo, foi requerida a suspensão da instância daquele processo de inventário enquanto tais questões não forem decididas; e) que, por força da deixa testamentária em causa, os apelados tinham o prazo de um ano para cumprir com as condições nela impostas; f) que para poder exercer o seu direito à redução da inoficiosidade dessa dita deixa testamentária nesse mesmo prazo de um ano, para assim impedir o cumprimento daquelas condições e o prejuízo que, para todos, poderia advir desse cumprimento, a apelante só o poderia fazer através da presente acção em processo comum e já não no processo de inventário; g) que tal resulta do facto de em processo de inventário aquela só poder exercer (e não apenas anunciar esse eventual exercício futuro !!) esse mesmo direito em momento muitíssimo posterior, após a elaboração do mapa da partilha e após notificação nesse sentido (cf. artº 1376º/2 do CPC) e tal, ainda assim, só após resolvidas as sobreditas duas causas prejudiciais, pelo que tudo, seguramente, só daqui a alguns anos e nunca no prazo de um ano atrás referido; deverá considerar-se que a presente acção é, em concreto, e em face do litígio atrás descrito, o meio próprio e adequado ao exercício do sobredito direito de pedir a redução, por inoficiosidade, da deixa testamentária atrás referida, não tendo, assim ocorrido qualquer erro na forma do processo. III. O tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no artºs 199º, 288º/1, b), 493º/1 e 494, al. b) do CPC, devendo, como tal, ser revogada a sua decisão e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
Os réus contestantes apresentaram contra alegações.
Cumpre apreciar.
II FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que esta Relação dá como assente ponderando os documentos juntos aos autos:
1. A autora casou com João de A... em 01/08/1959, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime da separação de bens.
2. Desse matrimónio nasceram os réus.
3. O João de A... faleceu a 24/09/2009, no estado de casado com a autora.
4. Em 08/01/2009, no Cartório Notarial de Carlos Manuel Forte Ribeiro Tavares, em Guimarães, João de A... outorgou um testamento público, no qual fez a seguinte deixa testamentária:
“Que vive no P..., na freguesia de T..., concelho de Guimarães, a quem sempre dedicou especial afeição e cuidado, composto por uma casa de habitação denominada P... e por todas as casas e terrenos envolventes, os quais se encontram inscritos na matriz urbana da freguesia de T..., sob os artigos 22, 23, 24, 27, 28, 29, 46, 47, 48, 49, 50, 88, 89, 90 e 157 e na matriz rústica da mesma freguesia de T..., sob os artigos 88, 91, 158, 160, 350 e 357, não os identificando mais perfeitamente por neste momento não possuir de outros elementos.
Que institui herdeiros da sua quota disponível, em partes iguais, os seus filhos "B", "C", "D" e "E", quota disponível essa que deverá começar a ser preenchida pelo referido P... com todos os bens imóveis e bens móveis que nele se encontram, subordinando ele testador esta deixa testamentária às seguintes condições:
a) No prazo de um ano a contar da data do falecimento do testador, os seus referidos filhos deverão constituir uma sociedade comercial por quotas, com o capital inicial de cinco mil euros, correspondendo a cada quota o valor nominal de mil duzentos e cinquenta euros, em cujo pacto social será estabelecida uma gerência exercida por dois gerentes e por períodos de três anos, sempre rotativa, salvo recusa dos próprios e agrupando os gerentes por ordem das suas idades, sociedade essa que se destinará a proceder à gestão daquele P..., e cujo pacto social, no que aqui não fica determinado será objecto de negociação entre eles, decidindo por maioria as divergências que porventura surgirem, conferindo votos de qualidade, em caso de empate em votação, à filha "B";
b) O património da sociedade será constituído pelos bens móveis e imóveis que constituem o P... que para ela devem ser transmitidos por cada um dos seus filhos, atrás referidos.
c) Se algum sócio pretender abandonar a sociedade ficará obrigado a ceder a sua quota à própria sociedade ou se ela não a quiser, a qualquer dos sócios que nisso mostrar interesse pelo valor mínimo que resultar de uma peritagem feita especialmente para o efeito através de três peritos ou árbitros, sendo o valor a pagar o que corresponder à média aritmética dos dois laudos mais próximos;
Que se algum dos herdeiros instituídos não cumprir as obrigações atrás referidas, não se verificará relativamente a ele a instituição de herdeiro da quota disponível, acrescendo a sua parte à dos restantes herdeiros instituídos.
Que esta deixa testamentária é feita com vista a procurar realizar o seu desejo de não ver vendido ou dividido o P... que considera parte nuclear e sagrada que já pertenceu aos seus antepassados.
Que sem pretender impor qualquer encargo à legítima de sua mulher, de modo a que seja violado o artigo 2163º do Código Civil, declara unicamente que gostaria que a legítima da mesma não fosse preenchida por qualquer bem móvel ou imóvel que componham o P...” .
5. A presente acção foi instaurada em 24 de Março de 2010.
6. Em 30/03/2010 os réus contestantes instauraram processo de inventário com vista à partilha dos bens do aludido João de A..., que corre termos sob o nº 1284/10.1TBGMR, pelo 2º juízo cível de Guimarães (cfr. fls. 175 a 182).
7. Os réus contestantes foram citados para a presente acção em 9 de Abril de 2010 (cfr. fls. 151 e 152 dos autos).
8. Em 30 de Junho de 2010 a ré "D", intentou contra os seus irmãos, Ana Isabel, João Dinis e "E", uma acção declarativa com processo ordinário, que se encontra a correr os seus termos sob o nº 258/10.7TCGMR, pela 1ª vara do tribunal de Guimarães, nos termos constantes do documento junto a fls. 244 a 276, concluindo a petição inicial da seguinte forma:
“Termos em que a presente acção deverá ser julgada provada e procedente e, em consequência, deverão ser declaradas como nulas e não escritas as condições da deixa testamentária supra identificadas no artº 14º, maxime sob as alíneas a), b) e c), condenando-se os réus a reconhecê-lo e a pagar custas e mais encargos legais”. (sic)
9. Em 2 de Julho de 2010 o réu "E", intentou contra o seu irmão "C" e ainda contra a sociedade A...-Unipessoal, Lda., uma acção declarativa com processo ordinário, que se encontra a correr os seus termos sob o nº 267/10.6TCGMR, pela 2ª vara do tribunal de Guimarães, conforme doc. de fls. 282 a 314, concluindo da seguinte forma:
“Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, consequentemente:
a) Ser declarado que os verdadeiros sujeitos das declarações de arrendar e tomar de arrendamento constantes dos contratos de arrendamento identificados no nº 6 da presente petição inicial foi o falecido Eng. João A... e o réu "C" e não a ré A...;
b) Serem declarados nulos, por simulação, os referidos contratos de arrendamento;
Ou quando assim se não entenda
c) Ser declarada a nulidade, por fraude à lei, dos mesmos contratos de arrendamento;
Ou, a título subsidiário, para a hipótese se entender que os contratos não estão feridos do vício da nulidade por fraude à lei
d) Ser declarada a anulação dos referidos contratos por violação do disposto no artº 877º do Código Civil;
e) Em todos os casos, os réus condenados no pagamento das custas”.
10. A autora, na qualidade de cabeça de casal da herança, apresentou no referido processo de inventário o requerimento cuja cópia consta de fls. 316 a 320, concluindo nos seguintes termos:
“ 13. Assim sendo e nos termos previstos nos artºs 276º/1, alínea c), e 279º/1 do CPC, requer que a presente instância seja suspensa enquanto não forem decididos, com trânsito em julgado, os dois processos judiciais e causas prejudiciais acima identificados.” (sic).
II. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do C.P.C., com as alterações introduzidas pelos Dec. Leis 303/2007 de 24/08 e 34/2008 de 26/02 – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma [ Refira-se que a acção foi instaurada antes da entrada em vigor do novo regime jurídico do processo de inventário (Leis 29/2009 de 29/06, 1/2010 de 15/01 e 44/2010 de 03/09). ].
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela apelante, assentamos que se impõe apreciar apenas da questão de saber se a pretensão de redução de liberalidades inoficiosas pode ser formulada em acção declarativa, com forma de processo comum, quando o demandante é um herdeiro legitimário do de cujus (cônjuge), nos casos em que a liberalidade foi estabelecida a favor de outro herdeiro, ou se, ao invés, o processo (especial) de inventário é o meio processual adequado para alcançar esse desiderato.
2. Avançamos já que concordamos com a solução enunciada na sentença recorrida, que considerou que a pretensão formulada pela autora tinha de o ser por via da instauração do processo de inventário, processo especial, que segue a tramitação a que aludem os arts. 1326º e seguintes do C.P.C.
Sabendo-se que a forma de processo utilizada deve ser adequada à pretensão deduzida pelo demandante – “a causa de pedir é irrelevante para os efeitos do art. 199, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado” [ Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, Coimbra, p.367. ] – e que ocorre erro na forma de processo quando o meio utilizado não é idóneo para fazer valer essa pretensão, centremos a nossa atenção na análise do pedido em causa nos autos e naquilo que lhe está subjacente.
A autora é herdeira legitimária do de cujus (art. 2157º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem) pelo que, em defesa da sua legítima, assiste-lhe o direito de pedir a redução das liberalidades que a ofendam e que, por isso, devem ter-se por inoficiosas.
Para o cálculo da legítima (art. 2156º) importa atender ao valor dos bens que integram o património do autor da sucessão à data do óbito, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (art. 2162º, nº1) [ Refere Oliveira Ascensão, in Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, 1981, Coimbra, p. 347: “Se a legítima é representada por uma quota, temos de demarcar antes de mais o património em relação ao qual essa quota funciona. Aparentemente, tal património é constituído pela herança – o relictum, o que foi deixado pelo autor da sucessão. Mas não é assim. O cálculo da legítima exige operações bem mais complexas”. ].
Pretendendo a autora exercer o direito à redução, o reconhecimento da sua pretensão passa, pois, pela afirmação da qualidade de herdeira legitimária e pela enunciação dos factos pertinentes ao cálculo da legítima.
Ora, o apuramento desses factos e a resolução dessas questões reconduzem-se, basicamente, ao que é a essência do processo de inventário (divisório).
O processo de inventário tem por função pôr termo a uma situação de comunhão hereditária – inventário divisório – ou, não tendo cabimento a partilha, tem por função relacionar os bens objecto de sucessão – inventário arrolamento (art. 1326º do C.P.C.).
No primeiro caso – único que ora nos interessa –, e numa resenha breve, temos que às declarações da cabeça de casal, necessárias para aquilatar, nomeadamente, da identidade dos interessados directos na partilha, credores da herança e, havendo herdeiros legitimários, dos donatários (art. 1340º, nº2, al) b do C.P.C.), segue-se, depois das citações, a fase da apresentação da relação de bens, nos moldes enunciados no art. 1345º do C.P.C., ou seja:
- com inclusão dos bens que integram a herança, com indicação de todos os elementos alusivos à sua “situação jurídica” (nºs 1 e 3 do referido preceito);
- e menção das dívidas, que são relacionadas em separado (nº2 do referido artigo).
A par disso, tem o cabeça de casal de indicar “o valor que atribui a cada um dos bens”, nos termos do 1346º do C.P.C.
Na fase subsequente, alusiva à conferência de interessados, têm os interessados que deliberar, nomeadamente, sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos encargos da herança (art. 1353º, nº 3 do C.P.C.). Saliente-se que havendo acordo entre os interessados, poderá acontecer nem sequer se chegar à fase a que aludem os arts. 1373º e seguintes, maxime o art. 1376º, nº2 do C.P.C.
Fazendo o confronto entre estas fases do processo de inventário e os presentes autos, facilmente se chega à conclusão que os factos a apurar em ambas as acções são basicamente os mesmos e que as questões que se podem suscitar em ambos os processos – considerando a possibilidade que os interessados têm de apresentar reclamações, quer na fase anterior à conferência quer no decurso desta (cfr. os arts. 1348º, 1353º, nº4 e 1362º do C.P.C.) –, são perfeitamente idênticas.
Ou seja, o caminho a percorrer em ambas as acções é o mesmo, pese embora a pretensão formulada pela autora nos presentes autos fique muito aquém daquele que seria o desiderato próprio do processo de inventário – a partilha dos bens do inventariado.
Compreende-se, pois, a afirmação contida no Ac. do STJ, de 17.11.94 de que “o processo adequado para se discutir a questão da redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo de cujus é o processo de inventário, e é-o, porquanto se está apenas perante umas das muitas sub-operações que integram uma outra operação, esta altamente complexa, que é a operação de partilha de um património hereditário” [ CJ (STJ), Ano II, T. III (1994), p. 147. Assinala-se que, nesse aresto, o erro na forma do processo já não podia ser corrigido, tendo o STJ assinalado esse facto, aludindo ainda que “a inadequação do meio processual utilizado tem vindo a criar particulares dificuldades na apreciação da decisão do feito (melhor, do pedido do autor ainda por reapreciar e decidir). E este aspecto não pode deixar de ser realçado”. ].
Mas se assim é, então tem de concluir-se como no citado aresto: “Ora, existindo processo especial para a partilha (o processo de inventário previsto no artigo 1326º e seguintes do Código do Processo Civil- CPC), apodíctico é, e face ao disposto no artigo 460º, nº 2 do CPC, que o autor errou ao optar para este efeito por uma acção de processo comum” [ No sentido de que o processo de inventário constitui a sede própria para conhecer da inoficiosidade e que a acção prevista no art.º 2178 do Código Civil, se justifica apenas quando as liberalidades foram feitas a favor de quem não é herdeiro legitimário, vejam-se os Acs. STJ de 09/04/2002, processo 02A740 (Relator: Armando Lourenço), da R.P. de 22/06/2006, processo 0632516 (Relator: Saleiro de Abreu) e da RL de 03/05/2007, processo 2857/2007 (Relator: Francisco Magueijo), acessíveis in www.dgsi.pt.;
Com interesse vejam-se ainda os Acs. STJ de 24/10/2006, processo 06B2650 (Relator: Mota Miranda)e da RP de 26/03/2009, processo 0837985 (Relator: Teixeira Ribeiro), acessíveis no mesmo local.
] [ Na doutrina, cfr. João Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 140-144, parecendo-nos que o autor vai no sentido ora exposto. É assim que interpretamos a seguinte referência feita pelo autor: “Também já se decidiu que a redução das doações inoficiosas tanto pode ser decidida em acção comum como em processo de inventário, sendo este o meio por excelência. Por nossa parte continuamos a entender que só no processo de inventário, quando haja lugar a ele, pode fazer-se a verificação de que não há disposições inoficiosas”. ].
A utilização da acção comum com vista à redução de liberalidades inoficiosas está, pois, reservada:
- aos sujeitos que não têm legitimidade para instaurar o processo de inventário e que podem ter interesse em ver reconhecida a redução por inoficiosidade, como acontecerá relativamente aos credores de algum herdeiro legitimário, quando se coloca a questão da legítima deste ser afectada pela liberalidade;
- aos herdeiros legitimários quando as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume aquela qualidade.
Ou seja, se o demandante é parte legítima para intentar processo de inventário e se a liberalidade foi feita a favor de um herdeiro legitimário, então o mecanismo processual correcto para apreciar a inoficiosidade da deixa testamentária é o processo de inventário.
Parece-nos que foi essa a opção do legislador e que a alteração processual introduzida à lei processual civil pelo Dec. Lei 227/94 de 8/9 não pode ser interpretada de forma diferente.
O art. 1326, nº1 do C.P.C. (na redacção dada pelo Dec. Lei nº 44129, de 28/12/196), incluído no Capítulo XVI, “Do inventário”, Secção I, sob a epígrafe “Função do Inventário. Legitimidade para o requerer”, dispunha o seguinte:
“Aquele que pretenda por termo à comunhão hereditária requererá que se proceda a inventário, juntando logo documento comprovativo do óbito do autor da herança e indicando quem deve, nos termos doa lei civil, servir como cabeça de casal”
Por seu turno o art. 1328º, incluído na secção VII, alusiva às “Disposições Gerais”, sob a epígrafe “Regime do Inventário para descrição e avaliação”, preceituava que:
“Ao inventário que tenha unicamente por fim a descrição e avaliação de bens ou a verificação de que não há disposições inoficiosas são aplicáveis as disposições deste capítulo, na parte em que o puderem e deverem ser”.
O Dec. Lei 227/94 de 8/09 veio introduzir alterações, nomeadamente a nível do processo de inventário [ O mesmo aconteceu com os Dec. Leis 605/76 de 24/07 e 368/77 de 3/09, que no entanto não relevam para o caso em análise. ].
Assim, procedeu à revogação, tout court, do art. 1398º, passando o art. 1326º (“função do inventário”) a ter a seguinte redacção:
“1 - O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.
2 - Ao inventário destinado à realização dos fins previstos na segunda parte do número anterior são aplicáveis as disposições das secções subsequentes, com as necessárias adaptações.
3 - Pode ainda o inventário destinar-se, nos termos previstos nos artigos 1404.º e seguintes, à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges”.
Há quem interprete esta alteração no sentido de que o “legislador pretendeu excluir do processo especial a pretensão, quando única, de verificação de inoficiosidades” [ Ac. STJ de 24/10/2006, supra referido. Saliente-se que no caso aí em análise o autor era o único herdeiro de sua mãe, o que exclui a necessidade de proceder a inventário com a finalidade de proceder a partilha dos bens da herança. Aliás, escreveu-se nesse aresto, ainda, o seguinte: “Tal forma de processo comum não invalida, porém, que havendo lugar a inventário (quer para pôr termo a comunhão hereditária, quer para relacionação dos bens para eventual liquidação da herança) o pedido de declaração de inoficiosidade não possa ser apreciado e decidido nesse processo de inventário - deverá ou poderá sê-lo considerando que a partilha dos bens da herança está também dependente dessa operação de redução/revogação das inoficiosidades e o processo de inventário destina-se precisamente à partilha dos bens da herança (cf. art. 1376º do C.P.C.)”. ].
Permitimo-nos discordar desse entendimento.
Não nos parece que subjacente ao diploma aludido (Dec. Lei 227/94) esteja a vontade do legislador em restringir as situações passíveis de ser tuteladas por via do processo (especial) de inventário e pelo menos no preâmbulo do diploma não se assinala essa intenção. Pelo contrário, pode ler-se nesse preâmbulo que “enformam o presente diploma três grandes linhas de força: a eliminação da obrigatoriedade de inventário prévio à aceitação de herança por menor, a adopção de disposições que garantam, não obstante aquela eliminação, a efectiva defesa dos interesses de menor e a simplificação do processo de inventário”.
Ora, é nessa vertente da simplificação que nos parece residir a eliminação do art. 1398º, preceito que, perante a nova redacção dada ao art. 1326º, se torna perfeitamente despiciendo: a alusão à outra finalidade do processo, a descrição e avaliação de bens, que constava do art. 1398º, passou para o art. 1326º, local próprio para tal uma vez que o preceito se reportava à função do processo de inventário e, quando à eventual pretensão de verificação de inoficiosidades, a mesma há-de fazer-se por uma de duas vias, a saber, aquando da partilha, no processo de inventário ou por via de acção comum, nos casos em que aquele não tiver cabimento, nos moldes a que supra aludimos.
Feita esta incursão pelo Dec. Lei 227/94 e retomando agora a referência supra quanto à opção do legislador, temos que, a aceitar-se a tese da apelante, essa opção seria claramente posta em causa porquanto estaria encontrado o expediente para contornar/obviar à instauração do processo especial de inventário. Sempre que um herdeiro entendesse que as divergências entre as partes se quedariam por esta ou aquela questão, trataria de alcançar a sua resolução por via do processo (comum) que entendesse mais conveniente, obviando aos escolhos do processo de inventário. Só nessa perspectiva se pode interpretar a alegação vertida no corpo das alegações, na parte em que a apelante discorre sobre a desnecessidade de requerer processo de inventário uma vez que “não fora a deixa testamentária atrás indicada não haveria verdadeira divergência entre os interessados para a partilha da herança” – cfr. os arts. 14º a 16º do corpo das alegações.
Aliás, da alegação da apelante infere-se que o objectivo último da interessada é, verdadeiramente, a partilha dos bens, tendo optado pela instauração desta acção porquanto considera que a mesma constitui a forma mais expedita de o alcançar – atente-se na referência que a apelante faz à “morosidade própria” do processo de inventário, no art. 24º das alegações.
Noutra ordem de considerações dir-se-á que, ao contrário do que a apelante conclui, nos parece que nem sequer se pode dizer que, no caso, a única questão relevante a dirimir entre os vários herdeiros legitimários se resume àquela que a apelante indica. A avaliar pelas acções a que a apelante alude – cfr. os nºs 8 e 9 dos factos supra enunciados – o litígio entre os herdeiros legitimários é bem mais vasto, pelo que é no processo de inventário que devem confrontar-se. Refira-se que é nesse processo que deve concentrar-se a resolução de todas as questões susceptíveis de influir na operação de partilha e o poder que o juiz tem, de relegar as partes para os meios comuns, é um poder vinculado – cfr., nomeadamente, os arts. 1335º, 1336º, nº2 1344º, nº2, 1350º, nº1, interessando ainda o art. 1355º, todos do C.P.C.
Uma última nota para aludir à interacção entre esta acção e o inventário que já corre termos. É certo que a acção deu entrada em momento anterior ao processo de inventário entretanto instaurado pelos réus Ana Isabel e João Dinis. Mas também é verdade que, ao contrário do que a apelante indicou, estes réus só foram citados para a presente acção em 9 de Abril de 2010 (cfr. fls. 151 e 152 dos autos) pelo que não há elementos nos autos que permitam sequer considerar que estes só instauraram o inventário em reacção a estes autos e para dificultar a posição da autora. Aliás, a aceitar-se a tese da autora, cedo ou tarde as partes e o tribunal seriam confrontados com a necessidade de suspender um dos processos, sendo, então, de ponderar se não ocorre motivo justificado para a suspensão desta instância, ao abrigo do disposto nos arts. 276º nº1 al) c e 279º do C.P.C., ou do processo de inventário, uma vez que não faz sentido que corram, em simultâneo, dois processos, quando num deles – estes autos – os factos a apurar e as questões a decidir também constituem o objecto da outra acção – o inventário –, cujo tema decidum é no entanto bem mais vasto, permitindo, aliás, a intervenção de outras entidades (credores), salientando-se que o caso não configura uma hipótese de prejudicialidade [ Sobre a suspensão do processo de inventário e abordando os inconvenientes que daí podem advir, vide João Lopes Cardoso, obr. cit. pp. 202 – 213. ].
Tudo em ordem a concluir que o processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador a favor de um deles é o processo de inventário e que a acção de redução de liberalidades inoficiosas a que alude o art. 2178º só tem cabimento nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário.
* Conclusões:
1. O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador, é o processo (especial) de inventário.
2. A acção de redução de liberalidades inoficiosas a que alude o art. 2178º do Cód. Civil, que segue a forma de processo comum, só tem cabimento nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário.
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Pelo exposto, julga – se improcedente a apelação e mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela autora/apelante.
Notifique.
Guimarães,
(Isabel Fonseca)
(Maria Luísa Ramos)
(Eva Almeida)