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EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário
I - Para que o exequente possa beneficiar da situação excepcional de interrupção da prescrição prevista no nº 2, não lhe pode ser imputada qualquer infracção procedimental que possa ser causal do retardamento da citação. II - Não constitui qualquer infracção a circunstância do exequente não proceder ao pagamento de imediato dos honorários da Sra. Solicitadora de execução, exigidos para efectuar a citação. III - Ao exequente não lhe é exigível a adopção de quaisquer medidas de aceleração processual, as quais constituem uma faculdade e não um seu dever ou ónus.
Texto Integral
Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
A… e B… vieram deduzir oposição à execução que lhes foi instaurada por C…, invocando, nomeadamente, a falsidade das assinaturas apostas na letra e que lhe são atribuídas, a sua ilegitimidade e a prescrição, por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data de vencimento da letra.
O exequente contestou, pugnando pela improcedência das excepções.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade e prescrição e procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Os executados não se conformaram como o decidido relativamente à excepção de prescrição e interpuseram o presente recurso, tendo oferecido as seguintes conclusões:
1°- Os apelantes não se conformam com o douto despacho proferido, que decide que ‘face ao valor da divida exequenda, estamos perante um processo executivo em que a citação é prévia - cfr. art. 81 2°.C a 81 2°-F do CPC.”
2°- Por um lado, consideram que o mesmo não se mostra devidamente fundamentado, porquanto dele não constam todos os factos que a suportam, por outro, viola frontalmente o disposto n o n°2, do artigo 323° do CC.
3°- De facto, dos elementos juntos aos autos, incluindo a acção executiva, devem considerar-se como assentes os seguintes factos: a) que o requerimento executivo deu entrada em tribunal em 22-2-2012; b) que a letra dada à execução tem como data de vencimento 09-4-2009; c) que os executados/oponentes foram citados em 08-7-2012; d) que por comunicação enviada ao ilustre mandatário do exequente, datada de 02-3-2012, a Exm° Senhora Agente de Execução solicitou que providenciasse pelo pagamento da provisão; e e) que a provisão foi paga em 26-4-2012.
4°- Ora, determina o n° 2, do artigo 323° do CC. que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
5°- No caso em apreço, perante os factos, o exequente não beneficia nem pode beneficiar do regime consagrado no n° 2, do artigo 323° do Código Civil.
6°- Com efeito, sabendo que do titulo executivo constava como data de vencimento o dia 09-4-2009 e que na data em que instaurou a execução restava apenas pouco mais de um mês e meio antes da consumação do prazo de prescrição do titulo executivo, podia e devia o exequente ter agido de outro modo, pagando imediatamente a provisão solicitada, ao invés de deixar passar mais de mês e meio para proceder ao seu pagamento.
7°- Ou seja, demonstrada a culpa da demora na citação por parte do exequente, deve atender-se ao momento em que a citação é concretizada.
8°- De tacto, tal como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-4-2001, acessível em www.dgsi.pt, (...) o autor, para beneficiar do regime consagrado no n. 2 daquele artigo 323 tem de cumprir duas condições: requerer a citação do réu dias antes do termo do prazo prescricional (…);
9°- Ao decidir como decidiu, o douto despacho proferido violou o disposto nos artigos 156° e 158° do Código de Processo Civil, o que gera a sua nulidade e não teve em atenção os factos constantes dos autos, violando, além do mais o disposto no artigo 323° do Código Civil.
Termos em que apreciando-se as questões suscitadas supra e, por decorrência, revogando-se o douto despacho proferido substituindo-o por outro que decida pela verificação da alegada excepção da prescrição, fará este Venerando Tribunal, como sempre, Justiça.
O exequente contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto não tinha que pagar de imediato a provisão solicitada pela sra. Solicitadora de execução. Ainda que assim não se entenda, o título dado à execução pode valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, uma vez que do título consta a relação subjacente – financiamento/empréstimo.
Objecto do recurso:
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são:
. se a decisão é omissa quanto à fundamentação de facto; e,
. se ocorreu a prescrição da obrigação cartular.
II - Fundamentação:
Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação de facto:
Embora não tenha expressamente invocado a nulidade da decisão, vieram os apelantes invocar que a mesma carecia de fundamentação de facto.
A obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais decorre da lei (artº 158º do CPC) e tem consagração constitucional (nº 1 do artº 205º da CRP), o que se bem entende. Os destinatários das normas têm que conhecer as razões do decidido, para que, nomeadamente, possam impugnar a decisão, se não ficarem convencidos com os argumentos invocados.
É nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC, aplicável aos despachos por força do disposto no nº 3 do artº 666º do CPC).
Efectivamente, no despacho saneador que conheceu do excepção da prescrição, o Mmo. Juiz a quo não fixou os factos em que fundamentou a sua decisão, pelo que a decisão é nula por falta de fundamentação de facto.
No entanto, dos autos constam os elementos de prova necessários para o conhecimento desta excepção.
Assim, passam-se a fixar os factos provados com base nos documentos constantes do processo de execução e da oposição que consultámos (alínea a) do nº 1 do artº 712º do CPC) :
. O requerimento executivo deu entrada em tribunal em 22.2.2012;
. A letra dada à execução tem como data de vencimento 09.4.2009;
. Os executados/oponentes foram citados em Junho de 2012, por carta registada com aviso de recepção, na morada indicada no requerimento executivo.
. Por comunicação enviada ao srº.mandatário do exequente, datada de 02.3.2012, a sra. Solicitadora de Execução solicitou-lhe que providenciasse pelo pagamento da provisão relativa a honorários no montante de 147,60 euros;
. Mais consignou que “a provisão deve ser paga por Multibanco/Home Banking, ou por depósito nos balcões Millenium BCP, utilizando a referência contida na caixa com a indicação “Pagamento por Multibanco”
Por razões de segurança deve remeter-nos uma cópia do comprovativo de pagamento (talão de depósito ou confirmativo) por carta, mail ou fax. O processo só poderá ser tramitado após a conferência do documento com a transferência”.
. Na parte final da comunicação constava a referência para pagamento, a importância e a data limite para pagamento: 23.04.2012.
. A Sra. Solicitadora de Execução emitiu uma venda a dinheiro, comprovativa do recebimento dessa importância com data de 26.4.2012.
. O valor dado à execução foi de 101.153,25.
. Na letra dada à execução consta como sacador D… e como sacados A… e B….
. No verso da letra, transversalmente à mesma, constam duas assinaturas, na 1ª lê-se o nome de D… e na segunda, o de C….
. No rosto da letra consta sob a menção valor “financiamento/empréstimo”.
Do Direito
Estabelece o parágrafo 1º do artº 70º da LULL (Lei Uniforme sobre Letras e Livranças) que todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
A data de vencimento da letra era 9 de Abril de 2009, pelo que se completaram 3 anos em 9 de Abril de 2012 (al b) do artº 279º do CC).
O requerimento executivo deu entrada em tribunal em 22-2-2012 e os executados apenas em Junho de 2012 foram citados.
Tratando-se, como se trata de uma execução com base em documento particular e sendo a dívida de valor superior à alçada do tribunal da Relação, nos termos das disposições conjugadas do nº 1 do artº 812º F e alínea d) do artº 812º C do CPC, impunha-se a citação prévia.
Na primeira instância entendeu-se que o prazo de prescrição se interrompeu cinco dias após a entrada do requerimento executivo, aplicando-se ao caso o disposto no nº 3 do artº 323º do CC, tendo-se “por interrompida a 27.02.2012, uma vez que a data da citação efectiva dos executados dos presentes autos não é imputável ao exequente”.
Na 1ª instância os executados excepcionaram a prescrição, mas limitaram-se a
“ a argumentar que foram citados decorridos mais de 3 anos sobre a data de vencimento da letra”.
Só agora no recurso vieram invocar que a citação não foi feita antes por motivo imputável ao exequente que, tendo sido notificado por comunicação datada de 02.03.2012 para adiantar os honorários à sra. solicitadora de execução, apenas efectuou esse pagamento em 26.04.2012, assim inviabilizando que a citação fosse feita mais cedo.
Embora os efeitos extintivos da prescrição exijam, em princípio, que o devedor seja judicialmente informado da existência de uma pretensão contra si deduzida pelo credor, uma vez que o acto da citação ou de notificação judicial avulsa pode ser dificultado por razões de pura orgânica judicial ou logística, não seria razoável repercutir na esfera jurídica do autor todas as consequências que poderiam derivar da demora na efectivação da citação ou da notificação (1). Por isso, o legislador estabeleceu no nº2 do artº 323º do CC que, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias sobre o requerimento da citação. A lei, para efeitos de interrupção da prescrição equiparou assim à citação, o decurso do prazo de cinco dias após o requerimento desta.
O efeito interruptivo estabelecido no nº 2 do artº 323º do CC pressupõe a concorrência de três requisitos:
. que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção ;
. que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
. que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao Autor.
O nº 2 do artº 323º exige assim “…para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo”(2).
Ora, não resulta dos autos nem foi alegada qualquer conduta imputável ao exequente que impedisse a citação dos executados nesse prazo de 5 dias. O requerimento executivo foi recebido e a morada indicada pelo exequente foi aquela em que os executados vieram efectivamente a ser citados.
Mesmo que se entenda que a conduta do exequente, para que possa beneficiar da situação excepcional de interrupção da prescrição prevista no nº 2, tem que continuar a ser de molde a não lhe poder ser imputado qualquer infracção procedimental até à data em que a citação efectivamente ocorra, ainda assim o exequente não pode ser censurado.
Em primeiro lugar, desde logo por se desconhecer se o pagamento foi efectuado fora da data limite constante da comunicação da sra. Solicitadora. Sabe-se apenas que em 26/04/2012 foi emitida uma venda a dinheiro comprovativa do pagamento. Não está demonstrado que o pagamento a que a mesma se refere apenas foi efectuado nessa data. Até porque quando o pagamento não é efectuado, o solicitador de execução deve dar cumprimento ao disposto na alínea a) do nº 1 do artº 15-A da Portaria 331-B/2009 (3), que impõe a notificação do mandatário da falta de comprovativo do pagamento ou da entrega da provisão, solicitando a entrega do comprovativo no prazo de 10 dias, o que os autos não documentam que tivesse sido feito.
Ao exequente não era exigível que tivesse que pagar no primeiro dia do prazo de que dispunha para liquidar os honorários à sra. solicitadora, para poder beneficiar da medida excepcional prevista no nº 2 do artº 323º do CC. O que releva na aplicação do mencionado regime legal é apenas o cometimento pelo Autor de uma infracção a regras procedimentais a que estava vinculado que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação,”…e não uma omissão de actos ou diligências aceleratórias que, porventura, a terem sido adoptadas, poderiam permitir um curso mais célere do processo na sua fase liminar, mas que constituem uma faculdade e não um dever ou ónus do autor” (4).
Tendo o exequente entrado com o requerimento executivo em 22 de Fevereiro de 2012, mais de um mês antes de se ter completado o prazo de prescrição, e não tendo infringido regras procedimentais que tenham sido causais da não consumação do acto de citação até 9.04.2012 – data em que se completaram 3 anos sobre a data de vencimento da letra - beneficiou da interrupção prevista no nº 2 do artº 323º do CPC.
Sempre se dirá que, ainda que o exequente se tivesse atrasado 3 dias no pagamento da provisão, ainda assim não era esse retardamento que impediu a citação dos executados até 9.04.2012. O pagamento podia ser feito dentro do prazo e ainda assim, estar ultrapassado o prazo de 3 anos sobre a data de vencimento da letra, uma vez que o pagamento podia ser feito até 23.04.2012.
Deve assim o exequente beneficiar da interrupção da prescrição.
Sumário:
. Para que o exequente possa beneficiar da situação excepcional de interrupção da prescrição prevista no nº 2, não lhe pode ser imputada qualquer infracção procedimental que possa ser causal do retardamento da citação.
. Não constitui qualquer infracção a circunstância do exequente não proceder ao pagamento de imediato dos honorários da Sra. Solicitadora de execução, exigidos para efectuar a citação.
. Ao exequente não lhe é exigível a adopção de quaisquer medidas de aceleração processual, as quais constituem uma faculdade e não um seu dever ou ónus.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam.
Registe e notifique.
Guimarães, 14 de Fevereiro de 2013
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira
Amílcar Andrade
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(1) António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 1º vol., 2ª edição revista e ampliada, Coimbra: Almedina, 1998, p.238.
(2) Conforme se defende no Ac. do STJ de 03.10.2007, proferido no proc. 07S359, disponível em www.dgsi.pt, sítio de onde foram retirados todos os acórdãos que vierem a ser citados, sem indicação concreta da fonte. No mesmo sentido o acórdão do STJ de 20.06.2012, proferido no proc. nº 347/10.
(3) Alterada pelas Portarias 1148/2010, de 4.11, 201/2011, de 20.05 e 308/2011, de 21.12.
(4) Conforme se defende no Ac. do STJ de 20.06.2012, já citado.