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ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
MULTA
PAGAMENTO
SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário
Os arguidos condenados nos presentes autos em pena de multa pela prática do crime do abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art.30.º n.º2 do C.Penal e arts.105.º n.º1 e 107.º do RGIT, podem ser considerados solidariamente responsáveis pelo pagamento da pena de multa em que foi condenada a sociedade arguida, por aplicação do disposto no art.8.º n.º7 do RGIT.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º1407/09.3TAVCT do 1ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Viana de Castelo, por sentença proferida em 1/4/2011, o arguido António S... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art.30.º n.º2 do C.Penal e arts.105.º n.º1 e 107.º do RGIT, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €8,00, a arguida Maria P... foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art.30.º n.º2 do C.Penal e pelos arts.105.º n.º1 e 107.º do RGIT, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6,00 e a sociedade arguida “M... – Confecção de Vestuário, Lda.” foi condenada como responsável pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada p. e p. pelo art.30.º n.º2 do C.Penal e pelos arts.105.º n.º1 e 107.º do RGIT, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
A sociedade arguida não efectuou o pagamento da pena de multa em que foi condenada e em consequência o Ministério Público promoveu a notificação dos arguidos para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento da pena de multa imposta à sociedade arguida, nos termos do disposto no art. 8.º, n.º 7 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho – promoção de fls. 517.
Notificados os arguidos para, querendo, se pronunciarem sobre o promovido, nada disseram.
Em 25/11/2011 foi proferido despacho que indeferiu a aludida promoção – fls.525 a 531.
Inconformado com tal despacho, o Ministério interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1 - A douta decisão sub juditio viola as disposições conjugadas dos arts. 8º, nº. 7 e 49º do RGIT;
2 - O art. 8.º do RGIT estabelece a responsabilização civil pelo não pagamento culposo do montante equivalente das multas e coimas da responsabilidade das pessoas colectivas ou sociedades condenadas;
3 - Trata-se da imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo gerente e não da mera transmissão de uma responsabilidade penal;
4 - In casu, os arguidos gerentes foram responsabilizados pela prática do crime em que se fundou a pena de multa imposta à sociedade;
5 - Incorrem na responsabilidade civil solidária prevista no n.º 7 do art. 8 do RGIT os co-autores de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade;
6 - Os arguidos gerentes, como responsáveis civis pelo pagamento do montante equivalente à multa imposta à sociedade, gozaram dos direitos de defesa compatíveis com a defesa dos seus interesses;
7 - A dimensão normativa preconizada pelo MP não viola o princípio constitucional de intransmissibilidade das penas;
8 - Encontrando-se o art. 8 do RGIT em vigor no ordenamento jurídico, por nunca ter sido declarado inconstitucional com força obrigatória geral, não pode deixar de ser aplicado, excepto se o aplicador do direito declarar expressamente tratar-se de norma inconstitucional, o que a M.ª Juíza "a quo" não fez”;
9 - Os Tribunais comuns são competentes para a apreciação dos pressupostos da referida responsabilidade civil solidária e bem assim para a sua execução;
10 - Sendo o processo penal competente para a declaração dessa responsabilidade civil solidária, prevista no n.º 7 do art. 8 do RGIT, não sendo necessária a instauração de processo autónomo;
11 - O valor da indemnização reverte para a Administração Fiscal, por força do disposto no art. 8º, nº. 7, do RGIT, e não para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP.
Os arguidos responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.545 a 548].
Admitido o recurso, fixado o seu efeito e proferido despacho de sustentação da decisão recorrida, subiram os autos ao Tribunal da Relação, onde o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pela improcedência do recurso [fls.556 a 560].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, os arguidos não responderam.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO Despacho recorrido
É do seguinte teor a decisão recorrida:
“O Digno Magistrado do Mº.Pº. promoveu, a fls.517, se notificassem os arguidos para, em 10 dias, procederem ao pagamento da multa imposta à sociedade arguida, nos termos do disposto no art.8º, nº.7 do RGIT.
Notificados para se pronunciarem, os arguidos nada disseram.
Vejamos:
Conforme se constata do teor da sentença de fls.399 e ss., a arguida “M... – Confecção de Vestuário, Lda.” foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, num total de 1.680 euros.
A sociedade arguida não efectuou o pagamento da pena de multa em que foi condenada, tendo sido declarada insolvente.
Nos termos do art.8º do RGIT, sob a epigrafe de “Responsabilidade civil pelas multas e coimas”, estipula-se que:
“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
3 - As pessoas referidas no n.º 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são ainda subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termo do prazo de entrega da declaração, à Direcção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de
entrega não lhes seja imputável a qualquer título.
4 - As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei.
5 - O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infracções por estes cometidas.
6 - O disposto no n.º 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas.
7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade.”
Ora, considerada tal disposição legal e o teor da sentença proferida nestes autos, poderia de facto entender-se, como parece entender o Digno Magistrado do Mº.Pº., que bastaria a notificação pretendida, a efectuar nestes autos, para fazer operar a mencionada responsabilidade civil, fazendo recair sobre os arguidos também a responsabilidade pelo pagamento da pena de multa em que foi condenada a sociedade arguida.
Porém e salvo o sempre devido respeito por opinião diversa, entendemos que assim não é.
É que, desde logo, fazer impender sobre os referidos gerentes a responsabilidade pelo pagamento da pena de multa imposta à sociedade é, em última instância, transmitir para aqueles a responsabilidade penal desta, o que está constitucionalmente vedado fazer (cfr.art.30º, nº.3 da C.R.P.).
Por outro lado, fazê-lo através da pretendida notificação para pagamento, sem mais, ainda que dando, como se deu, a possibilidade de exercício de contraditório, afigura-se-nos ser manifestamente insuficiente, não podendo considerar-se, entendemos, que o silêncio tenha efeito cominatório (tanto mais que estamos no âmbito do processo penal, onde tal não releva, mesmo quanto a responsáveis meramente civis – cfr. a propósito o art.78º, nº.3 do C.P.P.), nem que baste uma simples tomada de posição expressa por parte de quem possa ser afectado por uma eventual decisão.
E, aliada a tal circunstância pode considerar-se ainda o facto de que tal responsabilidade, a ser, por mera hipótese, declarada, o haveria de ser, por força do que supra se acabou de referir e atento o âmbito processual penal em que nos encontramos, após a necessária produção de prova, em julgamento, e não já posteriormente, como ora se pretende.
Aderimos aqui à posição defendida no Ac.R.G., de 12-4-2010 (que teve como relatora Margarida Almeida e se encontra disponível in www.dgsi.pt), onde, para além do mais, se escreveu que: “o seu campo de aplicação – do art.8º do RGIT – se restringe e limita às situações em que está em questão mera responsabilidade civil, mas já não a penal (como, para além de tudo o mais, até resulta da epígrafe dada pelo legislador ao artº 8º do RGIT).
Diga-se, aliás, que o instituto da responsabilidade subsidiária e solidária é algo que pertence ao campo da civilística e não ao âmbito criminal.
Assim, a primeira conclusão a retirar da apreciação a fazer a tal normativo, é a de que o seu campo de aplicação é forçosamente exterior a um processo criminal, em que tenha ocorrido uma condenação pela prática de um crime (ainda que de natureza fiscal), que tenha determinado a imposição de uma pena.
Isto é, se o direito criminal – face ao conjunto de valores que o enformam e a proibição de transmissibilidade de penas constitucionalmente imposta – não permite a assunção por outro que não o próprio condenado, do cumprimento de uma pena, isto significa que nunca poderá, em sede de tal tipo de processo, ser convolado o cumprimento dessa pena, qua tale, para outrem, tenha este a relação que tiver com a prática dos factos.
Nestes termos, haverá desde logo que concluir que a decisão ora alvo de recurso não poderá subsistir, tendo de ser revogada, por ter determinado a transmissão directa de uma pena criminal para uma pessoa diversa daquela que foi condenada no seu cumprimento, procedendo assim a uma ilegal e inconstitucional interpretação de uma norma. (…)
Daqui se retira, desde logo, que sendo necessário apurar a existência da mencionada responsabilidade culposa do gerente, pelo esgotamento do património da sociedade – que impediu o pagamento da coima - esse apuramento terá de se verificar em processo próprio e em acção proposta para tal fim, em que se invoque tal causa de pedir.
Aí se terá de verificar se, efectivamente, existe “uma responsabilidade de cariz ressarcitório, fundada numa conduta própria, posterior e autónoma relativamente àquela que motivou a aplicação da sanção à pessoa colectiva”, que fundamente a condenação de um gerente, em sede de responsabilidade civil, pelo facto de a administração fiscal se ter visto privada de um montante que lhe era devido.
E se assim é, facilmente se conclui que nem o processo penal é o lugar próprio para tal apuramento e propositura deste tipo de acção, nem o mesmo se pode processar nos termos em que o realizou o tribunal “a quo” pois que este, em bom rigor, nada apurou quanto à responsabilidade civil do ora recorrente pelo esgotamento do mencionado património societário. (…)
Na verdade, entendemos que o artº 8º do RGIT não tem qualquer aplicação à situação que nos importa decidir – isto é, é inaplicável a casos como o presente, em que a eventual responsabilidade civil dos gerentes se funda numa condenação em pena de multa, proferida em processo-crime.
Expliquemos porquê.
O artº 8º acima mencionado inscreve-se no RGIT e refere-se a infracções fiscais em que o lesado seja a Administração Fiscal; isto é, aplica-se quando, por virtude da actuação de um gerente, o Fisco deixou de receber uma quantia que lhe era devida e que teria sido paga, caso não tivesse ocorrido o esgotamento culposo do património da sociedade.
Nesses casos – como sucede com os que se mostram tratados pelos acórdãos do T. Constitucional que acima referimos, em que estamos perante infracções fiscais punidas como contra-ordenações – a execução fiscal incidirá sobre montantes devidos à administração fiscal e que não puderam ser pagos através do património das sociedades condenadas.
Mas a situação dos autos é bem diversa, pois que o que se mostra incobrado é o montante devido por virtude da aplicação de uma pena criminal.
Ora, a impossibilidade de cobrança coerciva de uma pena de multa criminal não implica para a administração fiscal qualquer dano, pois o destino dos montantes devidos a este título é, nos termos previstos no artº 512 do C.P.Penal, o que for fixado no C.C.Judiciais – no caso, tais quantitativos são recebidos e devidos ao IGFI (Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I. P.), nos termos do artº 36 do RCP.
Queremos com isto dizer que a receita não obtida, face ao não pagamento da pena de multa criminal imposta à sociedade arguida, se destinava a entidade diversa da administração fiscal pelo que esta, em bom rigor – e mesmo fazendo apelo à construção jurídica que o T. Constitucional realiza – não será nunca credora de qualquer quantia, a este título, face à sociedade aqui arguida.
Na verdade, nada tendo a receber em sede de pena de multa criminal – por os montantes a este título devidos serem destinados a entidade diversa – a ausência de cobrança da mesma não determina qualquer dano para a Administração Fiscal, inexistindo assim qualquer fundamento ressarcitório que torne legalmente admissível a aplicação do vertido no dito artº 8º do RGIT e a subsidiária responsabilização do gerente.
E se assim é, temos sérias e fundadas dúvidas que, no caso dos autos, seja sequer possível ou legalmente admissível a interposição de um processo executivo fiscal, na sua sede própria (Tribunais Administrativos e Fiscais), com fundamento no vertido no mencionado artº8º do RGIT.”
A isto acresce que, como já decidido também pelo T.R.G. (Ac. de 3-10-2011)em processo deste mesmo juízo (P.C.nº.275/05.9IDVCT), a propósito desemelhante questão, “(…) essa declaração (de responsabilização dos arguidos/gerentes pela pena de multa da sociedade arguida) só poderia ser produzida através do mecanismo de reversão fiscal, e quanto a coimas, foi pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº.24/2011, de 12/01/2011, julgada inconstitucional, “… por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do art.8º do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora”.
Ora, pelo mesmo vício, e por maioria de razão, porque quanto à multa se está perante uma sanção criminal e não contraordenacional, não se poderia aplicar o art.8º do RGIT ao caso concreto (…)”.
É certo que já outras decisões foram proferidas em sentido contrário (incluindo, igualmente, em recursos interpostos de decisões idênticas, proferidas no âmbito de processos deste mesmo tribunal – cfr. Ac.R.G. de 17-10-11, no âmbito doP.C.nº.1243/07.1TAVCT).
Porém, enquanto não se uniformizar jurisprudência (até por força dassoluções opostas proferidas) ou se apreciar e declarar, com carácter geral, peloT.C., a inconstitucionalidade da norma que se pretendia ver aplicada, continuamos a entender ser esta, salvo o devido respeito por opinião diversa, a decisão mais correcta.
Assim e pelo exposto, porque entendemos não ser este o local, momento eprocesso próprio para fazer funcionar o disposto no art.8º do RGIT, não sendoigualmente tal funcionamento susceptível de operar mediante simples declaração judicial ou notificação aos arguidos nos termos pretendidos, indefere-se o promovido.
Sem custas.
Notifique.”
Apreciação do recurso
De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 412.º do C.P.Penal, e conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só podendo o tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.
A questão objecto do presente recurso traduz-se em saber se os arguidos António S... e Maria P... podem ser considerados solidariamente responsáveis pelo pagamento da pena de multa em que foi condenada a sociedade arguida, por aplicação do disposto no art.8.º n.º7 do RGIT.
O art.8.º do RGIT, sob a epígrafe Responsabilidade civil pelas multas e coimas, dispõe: «1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficientes para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões de que resulte a insuficiência do património da entidade em causa. 3 - As pessoas referidas no nº 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termos do prazo de entrega da declaração, à Direcção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de entrega não lhes seja imputável a qualquer título. 4 - As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometeram infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei. 5 - O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infracções por estes cometidas. 6 - O disposto no nº 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas. 7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso. 8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade.»
A jurisprudência está dividida quanto à interpretação deste normativo, tendo-se formado duas correntes: uma, que sustenta que este preceito prevê a responsabilidade civil pelo pagamento de valor equivalente àquele a que corresponde a multa ou coima que não foi paga [v, entre outros, Ac.R.Porto de 23/6/2010, Ac.R.Évora de 11/10/2011, Ac.R.Guimarães de 21/11/2011, todos in www.dgsi.pt, este último acordão relatado pelo Desembargador Fernando Chaves, adjunto no presente acórdão] e outra que defende que a norma se traduz numa transmissão da responsabilidade penal da pessoa colectiva condenada para pessoas singulares, violando o art.30.º n.º3 da CRP, pelo que só pode ter aplicação no âmbito do processo tributário e quando não esteja em causa multa aplicada em processo criminal [v.Ac.R.Guimarães de 12/4/2010, in www.dgsi.pt, aliás, ao qual aderiu a decisão recorrida].
Em nosso entendimento, a tese que sustenta que se trata de responsabilidade civil pelo pagamento de montante indemnizatório correspondente ao valor da multa ou da coima é a que se adequa ao sentido da norma, pese embora o legislador tenha sido infeliz na sua formulação.
O artigo 8º do RGIT inscreve-se sob a epígrafe “responsabilidade civil pelas multas e coimas”. Presumindo-se que o legislador se soube expressar em linguagem corrente, a norma trata de responsabilidade civil dos gerentes (e não da sua responsabilidade criminal ou contra-ordenacional).
É consabido que não há responsabilidade civil por multas penais ou coimas pelo que, «comparada a epígrafe com o conteúdo da norma, o que se conclui é que esta trata da responsabilização civil – pelo não pagamento culposo das multas e coimas (da responsabilidade das pessoas colectivas ou sociedades condenadas) – dos responsáveis pela impossibilidade da sua cobrança (com a particularidade de fixar como quantitativo indemnizatório devido uma quantia monetária equivalente ao valor das multas ou coimas cuja cobrança se gorou)» - Ac.R.Guimarães 21/11/2011 supra citado.
Será este o sentido da norma em causa, que melhor se compreenderia se, em vez de “multas e coimas”, tivesse referido o montante indemnizatório equivalente ao valor das multas e das coimas.
A menção à pena de multa ou coima no dispositivo em causa deve ser interpretada enquanto elemento de referência para a quantificação do valor da responsabilidade a que ele respeita: a civil.
Aliás, tem sido este o entendimento do Tribunal Constitucional que já se pronunciou sobre os casos de responsabilidade subsidiária prevista nas alíneas a) e b) do art.8.º n.º1 do RGIT e que, por maioria de razão, é aplicável aos casos do n.º7 do art.8.º em que a responsabilidade é solidária, fundada na “colaboração dolosa” na prática da infracção.
No acórdão n.º129/2009, de 12/3/2009, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, foi decidido «não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8º do RGIT (…) na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação» com fundamento em que aquele preceito não consagra qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou contra-ordenacional imputável à sociedade, estabelecendo, antes, «a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar (…)». O mesmo entendimento veio a ser sustentado nos acórdãos nºs 150/2009 e 234/2009, de 25/03/09 e de 12/05/09, que apreciaram a constitucionalidade da norma prevista no art. 7.º-A do RJIFNA, equivalente à do art. 8.º do RGIT, assim como no acórdão n.º 35/2011, de 25/1/11, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.
Destarte, a responsabilidade pelas multas e coimas prevista no art. 8.º do RGIT é de natureza civil, pelo que está afastada a argumentação baseada na intransmissibilidade das penas e consequente violação de princípios constitucionais em matéria penal, inexistindo obstáculo à aplicação do citado normativo.
E qual o meio processual adequado a efectivar a responsabilidade civil prevista no art. 8º n.º 7 do RGIT?
Nos termos do art. 49º do RGIT, «Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses.»
Deste preceito «resulta que é no processo penal e não em processo autónomo que deve ser proferida a condenação dos responsáveis civis, a que se alude no artigo 8.º do RGIT, assim como resulta que os responsáveis civis pelo pagamento de multas gozam dos direitos de defesa (dos arguidos) compatíveis com a defesa dos seus interesses, o que significa que devem poder defender-se dos pressupostos de que a lei faz depender a sua responsabilidade civil.» - Ac.R.Guimarães de 21/11/2011 supra citado.
Quando o arguido também for condenado como autor do crime imputado à sociedade arguida, mostra-se necessariamente preenchido este último requisito, já que, nestes casos, o arguido teve oportunidade de se defender da prática do crime e, portanto, da colaboração dolosa na prática da infracção.
Revertendo ao caso dos autos, os arguidos António S... e Maria P... colaboraram dolosamente na prática da infracção pela qual foi condenada a sociedade, pois também eles foram condenados pela mesma infracção, assim como tiveram oportunidade de se defender da prática do crime e como tal da colaboração dolosa.
Por outro lado, a circunstância da sentença não se referir à responsabilidade solidária dos arguidos não impede que seja reconhecida em momento posterior, quando se regista a necessidade, face ao não pagamento pelo responsável penal, de chamar o responsáveis civis.
Nesta conformidade, estão preenchidos os requisitos para aplicação do disposto no art.8.º n.º7 do RGIT, pelo que o recurso é procedente.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente e em consequência revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que pressuponha a aplicação nos presentes autos do disposto no art.8.º n.º7 do RGIT.
Sem custas.