GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário

I - A dação em cumprimento (datio in solutum) consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, se extinguir imediatamente a obrigação (art. 837º).
II - Não se acordando a extinção imediata da obrigação do devedor, mas antes se estipulando que o devedor pode libertar-se da sua obrigação mediante a prestação de coisa diversa da devida , não configura o acordado uma efectiva datio in solutum, mas antes uma promessa de dação em cumprimento, ou seja, um pactum de in solutum dando.
III - Porque através da promessa de dação em cumprimento, obtém o credor o direito de exigir, na falta da prestação devida, a prometida pela promessa de dação, nada obsta a que, sendo ela incumprida, e dizendo respeito a transmissão de direito real, se reconheça ao respectivo beneficiário o direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento ( cfr. artº 755º,nº1, alínea f), do CC).
IV - Para tanto, basta que o credor tenha obtido a tradição da coisa objecto da promessa de dação em cumprimento, e bem assim , que o não cumprimento seja imputável ao promitente/devedor, tendo as partes fixado/estipulado ab initio qual a indemnização então devida - em razão do incumprimento - pelo devedor ( cfr. artº 442º, nº 4, do CC).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório.
No seguimento de acção com processo especial de declaração de falência intentada por J.., Lda., veio o Tribunal judicial de Braga, em 11/11/2009, por sentença transitada em julgado, a declarar a insolvência de M.., tendo nela sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
1.1.- Deduzidas diversas reclamações, seguiu-se a apresentação pelo administrador da insolvência da lista dos credores por si reconhecidos e daqueles que como tal não reconhecia ( cfr. artº 129º do CIRE ) e, seguidamente , tendo sido apresentadas competentes impugnações dirigidas às referidas listas de credores, às mesmas respondeu o administrador, após o que, oportunamente, proferiu o Exmº Juiz titular o despacho a que aludem os artºs 510º e 511º, ambos do CPC ( ex vi do cfr. artº 137º,nº3, do CIRE), reconhecendo determinados créditos ( uns porque não impugnados e outros porque, apesar de impugnados, o estado/processado nos autos permitia desde logo o respectivo reconhecimento e/ou homologação ) e não reconhecendo outros ( cfr. fls. 487 a 496).
1.2.- Carecendo a verificação de alguns dos créditos reclamados da produção de prova, foi porém dispensada a fixação da subjacente base instrutória da causa, após o que, realizada que foi a audiência de julgamento ( cfr. artº 139º, do CIRE), no seu final elaborou-se o despacho atinente à matéria de facto provada e não provada, após o que, finalmente, proferir o Exmº Juiz titular do processo a sentença de verificação e graduação de créditos, sendo que nela, de entre vários outros, foram verificados e graduados os seguintes créditos :
- como crédito comum, o de Ma.., no valor de 120.000,00 € ;
- como crédito comum, o de A.., no valor de 120.000,00 € ;
- como crédito comum, o do Banco..,SA, no valor de 460.489,51 € ;
1.3 - Inconformados com a sentença referida em 1.2., recorreram então para este Tribunal da Relação de Guimarães, os seguintes credores reclamantes:
- A Ma..;
- A A..;
- O Banco..,SA;
1.4 - Nas respectivas alegações , as apelantes Ma.. e A.., formularam as seguintes conclusões:
1. O crédito das Recorrentes, que se encontra reconhecido e verificado, deve ser declarado como garantido pelo direito de retenção, nos termos do disposto nos artºs 759 e 755º, nº 1, al. f) do Código Civil.
2. O direito de retenção das recorrentes advém-lhes da qualidade de beneficiário da promessa de transmissão do bem imóvel acompanhada da traditio da coisa nos termos do artº 755, al. f) do C.Civil.
3. Ao contrato promessa de permuta celebrado entre Insolvente e Recorrentes não foi atribuída eficácia real, mas após a sua celebração foi efectuada a respectiva entrega às recorrentes, tendo havido a traditio da coisa.
4. Dispõe a alínea f) do nº 1 do art. 755º do C.C., que o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º.
5. O direito de retenção é um direito real de garantia que confere ao seu titular a faculdade de reter ou não restituir a coisa que possui ou detém, enquanto o devedor não cumprir, bem como, lhe assiste o direito de se fazer pagar pelo valor da coisa, com preferência sobre os demais credores.
6. No caso vertente, não tendo o contrato promessa de permuta eficácia real, sendo meramente obrigacional é-lhe aplicável o regime do art. 102º do CIRE.
7. O regime geral disposto no artº 102º do CIRE aplicável ao caso vertente, nada refere acerca das garantias dos créditos, pelo que, daí não se pode inferir que as mesmas deixam de existir quando estamos no âmbito de processos de Insolvência, aliás, tal interpretação é abusiva, pois “ Nada se diz sobre garantias desses créditos. E seria incompreensível e um verdadeiro contra-senso que essas garantias cessassem, ou não produzissem efeitos, para efeito da Insolvência – para além de se tornar espúrio todo o regime de graduação de créditos de acordo com as garantias que acompanham os respectivos créditos” – neste sentido cfr. Ac. da RL do Porto, Apelação 708/07.0TBPRD-G.P1-2ª Secção, de 31.03.2009.
8. O regime geral estabelecido pelos artº 755º, nº1 alínea f) e 759º do Código Civil não é alterado pelo regime previsto no CIRE, razão pela qual, o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de um direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442 do C.C.
9. O facto de a coisa ter sido entregue às recorrentes antes da celebração do contrato definitivo, cria-lhes uma mais forte expectativa na concretização do negócio, 1pelo que se justifica, postulado pela boa-fé, que lhe corresponda uma segurança acrescida.
10. O direito de retenção previsto na alínea f) do nº 1 do artº 755º do C.C. assenta em três pressupostos: i) existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real; ii) entrega da coisa objecto do contrato promessa; iii) titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato prometido, pressupostos que se encontram inequivocamente preenchidos para que assista às aqui Recorrentes um direito de retenção.
11. Os contratos promessa, quer com eficácia real, quer com eficácia obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, conferem ao promitente-comprador direito de retenção sobre os prédios objecto do contrato prometido, nos termos do art. 755, nº1, al. f) do C.C, devendo, pois, ser o crédito da Recorrente verificado como garantido com o direito de retenção e graduado no respectivo lugar.
12. Mesmo atentando numa reconfiguração da relação determinada pela insolvência, o facto de as recorrentes terem pago a totalidade do preço das fracções em mérito permite concluir que a sua posição jurídica preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, constituindo os actos exercidos por estas sobre as suas fracções o exercício de direitos reais praticados em seu nome próprio.
13. As fracções em causa destinam-se especificamente à habitação e as recorrentes são consumidores finais, como tal tuteladas pelo regime do artº 755, nº1, alínea f) do Código Civil, no entendimento sufragado pelo acórdão do S.T.J de 14/06/2011, in www.dgsi.pt.
14. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos artºs 755º, nº1 alínea f) 759º do Código Civil e artº 102º do CIRE, artº 60 nº1 da CRP e artº 2º nº 1 da Lei 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003 de 8 de Abril, fazendo uma interpretação incorrecta dos artigos.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, pois que, revogando a douta decisão impugnada, na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação e considerou verificado o crédito da Recorrente como comum farão Vossas Excelências a habitual.
1.5.- Por sua vez, nas respectivas alegações , a apelante Banco..,SA , formulou as seguintes conclusões:
1.O Banco.., S.A. apresentou a sua reclamação de créditos, em 30 de Dezembro de 2009, no montante global de € 2.283.512,29.
2.O crédito do Banco.., S.A. ora em crise teve origem no preenchimento de uma livrança subscrita pela sociedade “C.., Lda.” e avalizada pelo ora insolvente M.., no valor de € 460.489,51, emitida em 06/06/2002 e com vencimento em 15/09/2009.
3. A referida livrança titula o montante de um financiamento concedido à sociedade subscritora da mesma,
4. Sendo que para garantia do crédito supra mencionado concedido à sociedade “C.., Lda.”, nomeadamente, para garantia de todas as responsabilidade assumidas e/ou a assumir pela sociedade comercial por quotas que gira sob o a firma “C.., Lda.”, NIPC .. , (…) por crédito concedido bancário concedido e/ou a conceder, valores descontados e/ou adiantados, garantias bancárias prestadas e/ou a prestar, tudo até ao montante de Esc. 100.000.000$00 (cem milhões de escudos) juros à taxa Lisbor a 3 meses, acrescida de 4,5 pontos percentuais e arredondada para o meio de ponto percentual superior a que, para efeitos de registo, corresponde a taxa de 8,5%, acrescida de 4% em caso de mora, a título de clausula penal, e despesas no valor de Esc. 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) o que eleva o montante máximo garantido para 141.500.000$00, foi constituída a favor do ora Recorrente, hipoteca voluntária sobre prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar e terreiro, sito na Rua.., Braga, descrito na CRP de Braga n.º.., com registo de aquisição G-5 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo.., propriedade do ora insolvente e apreendido nos presentes autos.
5.A Sra. Administradora de Insolvência elaborou a Lista Definitiva dos Créditos reconhecidos, tendo reconhecido o crédito do Credor Banco.., S.A. no valor de 2.283.512,29 € e classificando-o como crédito privilegiado, decorrente da constituição de três hipotecas registadas a favor do ora Recorrente sobre quatro imóveis, incluindo, assim, o crédito titulado pela livrança no valor de € 460.489,51, garantido por hipoteca constituída sobre o bem imóvel supra identificado.
6.Na Douta sentença de verificação e graduação de créditos foi homologada a lista definitiva de credores apresentada pela Sra. Administradora de Insolvência que não havia sido objeto de qualquer impugnação no que diz respeito a todos os créditos reclamados pelo ora Recorrente Banco.., S.A., incluindo o crédito proveniente da livrança referida no montante de € 460.489,51.
7.A Douta sentença ora em crise refere que se encontram apreendidos para a massa insolvente os bens imóveis descritos no auto de apreensão de fls. 2 e segs., entre os quais, se encontra o prédio supra identificado descrito na CRP de Braga sob o n.º.., sobre o qual incide a hipoteca registada a favor do Credor Banco.. S.A. para garantia do crédito supra identificado proveniente da livrança de € 460.489,51.
8.Porém, na parte final da Douta sentença, designadamente, na graduação dos créditos, no ponto AE, quanto ao prédio descrito na CRP de Braga sob o n.º.. não é feita qualquer referência ao crédito garantido do Banco.., sendo assim o mesmo tratado como comum.
9. Na douta sentença de verificação e graduação de créditos relativamente a este imóvel foram os créditos verificados e graduados da seguinte forma:
5. Em primeiro lugar “As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel”
6. “Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional pelo não pagamento de IMI, exclusivamente na parte que se reportar ao aludido prédio.
7. “do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reclamados que se assumam como comuns, em paridade e sujeitos a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos.”
8. “Finalmente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.”
10. Ora, como refere a Douta sentença “no tocante aos imóveis apreendidos nos autos, deverá ser pago, primeiramente, os créditos das finanças relativo a IMI correspondente a cada um dos prédios. Após, deverão ser pagos os créditos garantidos por direito de retenção e, seguidamente, os créditos hipotecários relativamente a cada um dos imóveis sobre que incidem essas garantias garantia.”
11. Entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” foi omisso quanto ao crédito do Credor Banco.. garantido por hipoteca constituída sobre o prédio.., uma vez que não lhe é feita qualquer referência na graduação dos créditos do ponto AE da Douta Sentença.
12. O crédito do credor Banco.. ora em crise, bem como o restante, é um crédito garantido, aliás, como foi corretamente reconhecido na lista definitiva de credores elaborada pela Sra. Administradora de Insolvência e homologada na Douta sentença de verificação de créditos.
13.Assim, deveria a Douta sentença de verificação e graduação de créditos ter procedido à Graduação especial dos créditos, designadamente, pela venda dos bens apreendidos, em especial, do bem imóvel supra identificado.
14.Devendo o crédito do Credor Banco.., ora em crise, ser graduado em conformidade com a qualificação que lhe foi atribuída na lista definitiva de credores, designadamente, de crédito garantido/privilegiado.
15.A sentença recorrida violou os artigos 140º e artigo 174º, ambos do CIRE.
REQUER
A Vªs Exªs se dignem revogar a Douta sentença de graduação de créditos substituindo-se esta por outra que gradue o crédito do reclamante Banco.., S.A., ora Recorrente, no lugar que lhe compete em função da sua qualificação como crédito garantido sobre o prédio descrito na CRP de Braga sob o n.º.. e inscrito na matriz sob o artigo.., freguesia de São Vicente, com o que se fará a mais inteira JUSTIÇA.
1.6.- Com referência às apelações identificadas em 1.4 e 1.5., apenas contra-alegou a apelada Banco..,SA, impetrando, no essencial, a improcedência das apelações de Ma.. e de A.. e, consequentemente, a manutenção da sentença do tribunal a quo.
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Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ) das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se a saber :
a) Nas apelações de Ma.. e de A.. :
- Se os créditos reconhecidos de Ma.. e de A.. devem ambos ser verificados como estando garantidos com o direito de retenção e, consequentemente, serem graduados no lugar próprio ( o que não sucedeu) decorrente do referido direito real de garantia.
b) Na apelação de Banco..,SA :
- Se deve o crédito reclamado e reconhecido , no valor de € 460.489,51, ser graduado no lugar que lhe compete ( o que não sucedeu), designadamente porque garantido com hipoteca constituída sobre o prédio ...
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2.Motivação de Facto.
A) A factualidade fixada e considerada assente/provada pelo tribunal a quo¸ no âmbito da sentença apelada, foi a seguinte:
2.1.- O insolvente M.. e J.., enquanto primeiros outorgantes, e a reclamante Ma.., enquanto segunda outorgante, apuseram as suas assinaturas no documento de fls. 409 e segs. ( do qual consta a indicação de ter sido ele elaborado e assinado a 26/1/2007 ) , intitulado “Confissão de dívida e forma de pagamento”.
2.2.- Nesse âmbito, declarou o insolvente, designadamente, que “Solidariamente se confessa devedor à segunda outorgante da quantia de 240 000 €, correspondente ao preço atribuído às duas fracções T3 que o declarante M.. se obrigou a entregar como parte do pagamento do valor atribuído no contrato intitulado “Contrato de promessa de permuta” celebrado no dia 26-10-2001 entre este e Ma.., Mar.. e A.., versando a parcela de terreno a desanexar do art.. urbano da freguesia de Lamaçães, descrito na CRP sob o nº.., parcela esta a que já foi atribuída a descrição predial nº...”.
2.3 - Consta ainda desse documento que “Mais declaram os signatários que se obrigam a proceder ao pagamento do montante em débito, até 30-8-2007, através da dação em cumprimento de duas habitações T3, localizadas no 2º e 3º andares, lado esquerdo (…), cada uma com garagem individual (…) identificadas com os nºs. 15 e 16 (…), recorrendo para o efeito a duas escrituras distintas de compra e venda, cada uma, com o preço atribuído de 90 000 € (…), em que intervirão como compradoras, respectivamente, as supra referidas Ma.. e A..”.
2.4 - Consta ainda desse documento que “A não realização das escrituras referidas no ponto anterior dentro do prazo acordado determina de imediato a conversão da obrigação ora assumida numa obrigação pecuniária, ou seja, na obrigação de pagamento em dinheiro do montante total de 240 000 €, sendo que deste montante caberá a quantia de 120 000 € a Ma.. e igual valor a A...”.
2.5 - Consta ainda desse documento que “Verificando-se o não cumprimento do que supra fica convencionado, (…) poderão as credoras, de imediato, proceder judicialmente contra os declarantes, intentando o competente processo de execução com base na presente declaração de dívida à qual conferem eficácia executiva (…)”.
2.6 - Consta ainda desse documento que a segunda declarante declarou “Que para pagamento da quantia em dívida aceita a dação em cumprimento das fracções autónomas supra referidas”.
2.7 - As fracções referidas em 2.3. destinadas às reclamantes Ma.. e A.. passaram a estar descritas, após constituição da propriedade horizontal, respectivamente, na CRP de Braga sob os nºs. .. e .. da freguesia de Lamaçães e inscritas na respectiva matriz predial urbana sob os arts. .. e ...
2.8 - Em 26-10-2001, Ma.., Mar.. e A.., como 1ºas outorgantes, e o insolvente M.., como 2º outorgante, apuseram as suas assinaturas no documento de fls. 153 e segs., designado “Contrato Promessa de Permuta”, através do qual foi prometido ceder pelas primeiras ao insolvente parte do prédio descrito na matriz sob o nº .. e na CRP sob o nº.., recebendo em troca duas habitações tipo T3 no prédio ali a construir.
2.9 - Por escritura pública celebrada em 26-1-2007, a reclamante Ma.. vendeu ao insolvente a referida parcela de terreno desanexada do art. .. urbano da freguesia de Lamaçães, descrito na CRP sob o nº ...
2.10 - Em consonância com o mapa de partilha do processo de inventário que correu termos no 3º Juízo Cível de Braga, com o nº 1577/2002, o direito de crédito traduzido no contrato de permuta supra aludido foi adjudicado a Ma.. e a sua filha A.. em partes iguais.
2.11 - As fracções autónomas referidas em 2.3 e 2.7 encontram-se praticamente concluídas, faltando terminar obras de acabamentos de menor importância, designadamente, colocação de tampos de pedra nos móveis de cozinha e alguns radiadores do sistema de aquecimento.
2.12 - Face ao atraso na celebração das vendas referidas em 2.3, o insolvente M.. entregou à reclamante Ma.. a chave da fracção nº .. e à reclamante A.. a chave da fracção nº ..
2.13 - As reclamantes pretendem aí constituir as suas casas de morada de família.
2.14- Escolhendo materiais e equipamentos, modificando a sua disposição interior e planeando a colocação dos seus pertences.
2.15 - Mostrando-as a familiares e amigos.
2.16 - Suportando despesas e encargos com produtos de limpeza e de manutenção.
2.17 - Realizando ambas tais actos à frente de toda à gente, sem oposição de ninguém e sem interrupção ou hiato.
2.18 - As reclamantes solicitaram ao insolvente a realização das respectivas escrituras de compra e venda.
2.19 - O que foi por este sendo sucessivamente adiado, justificando-se com o facto de não ter reunido todos os documentos necessários.
2.20 - As reclamantes tinham livre e total acesso às aludidas fracções, a qualquer hora do dia ou da noite.
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B) Porque relevante para a apreciação/conhecimento das apelações de Ma.. , de A.. e do Banco.., SA, considera este Tribunal da Relação ( cfr. artºs 659º,nº3, ex vi do artº 713º,nº2, do CPC) como estando também provado ( maxime na sequência de certidão junta ) que :
2.21.- No âmbito da lista a que alude o artº 129º,nº1, do CIRE ( a fls. 368 a 397), indicou o administrador da insolvência como fazendo parte dos créditos por si reconhecidos , o de 2.283.512,29 € ( neste valor se incluindo já o crédito - resultante de financiamento concedido pelo Banco.. a C.., Ldª - de 460.489,51€, titulado por livrança subscrita pela sociedade “C.. e avalizada pelo insolvente M..), reclamado pelo Banco.., classificando-o como crédito (decorrente de mútuo) privilegiado, e estando garantido por três hipotecas registadas a favor do Banco.. e que incidiam sobre quatro imóveis;
2.22 - Para garantia do crédito identificado em 2.21, de 460.489,51€, supra mencionado e decorrente de financiamento concedido pelo Banco.. à sociedade “C..,Lda.”, nomeadamente, para garantia de todas as responsabilidade assumidas e/ou a assumir, crédito bancário concedido e/ou a conceder, valores descontados e/ou adiantados, garantias bancárias prestadas e/ou a prestar) pela sociedade comercial por quotas que gira sob a firma “C.., Lda.”, foi constituída pelo insolvente M.. a favor do ora Recorrente, hipoteca voluntária sobre prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar, e terreiro, sito na Rua.., Braga, descrito na CRP de Braga com o n.º .., com registo de aquisição G-5 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo .., propriedade do ora insolvente e apreendido nos presentes autos.
2.23 - Porque reconhecido no âmbito da lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência e não impugnado, por decisão de 5/7/2011 ( a fls. 487 a 496 ), foi o crédito identificado em 2.21 “julgado” verificado, nos termos do artº 130º,nº3, do CIRE.
2.24.- No âmbito da lista a que alude o artº 129º,nº1, do CIRE ( a fls. 368 a 397), indicou a administradora da insolvência como fazendo parte dos créditos por si reconhecidos , o de 120 000,00€ , sendo credor Ma.. ( a fls. 386) e o de 120 000,00€ , sendo credor A.. ( a fls. 372), classificando-os a ambos como créditos comuns mercantis.
2.25. - A Garantia identificada em 2.22 ( Hipoteca) mostra-se registada ( através da Ap. 13 de 11/10/2001) na Conservatória do Registo Predial de Braga, constando da respectiva inscrição que garante ela todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade C..,Ldª, nomeadamente por crédito bancário concedido e/ou a conceder, valores descontados e/ou adiantados, garantias bancárias prestadas e/ou a prestar , assegurando um juro anual de 8,5%, acrescido de 4% no caso de mora e despesas de 4.000.000$00, tudo até ao limite máximo de 141.500.000$00 escudos.
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3.Motivação de direito.
3.1.- Das apelações de Ma.. e de A.. .Se o crédito das Recorrentes, que se encontra reconhecido e verificado, deve ser declarado como garantido pelo direito de retenção, nos termos do disposto nos artºs 759º e 755º, nº 1, al. f) do Código Civil.
Prima facie, decorre das conclusões das apelações de Ma.. e de A.., que o respectivo thema decidendum circunscreve-se a saber se serão ambas titulares do direito de retenção sobre as fracções autónomas identificadas nos itens 2.3. e 2.7., ambos da motivação de facto do presente Acórdão, estando tal direito (garantia) relacionado com o crédito de que cada uma das reclamantes é titular em resultado do incumprimento pelo insolvente M.. do acordo identificado no item 2.1. do presente Acórdão, elaborado e assinado a 26/1/2007, e intitulado de “Confissão de dívida e forma de pagamento”.
É que, ao invés do entendimento sufragado pelo tribunal a quo na sentença apelada [ no essencial, considerou o Exmº Juiz a quo que ao acordo de 26/1/2007, cujo clausulado mostra-se vertido nos itens 2.1 a 2.5. do presente Acórdão, não é aplicável o regime do contrato promessa, configurando ele em rigor um contrato definitivo devidamente concluído, sendo que a entrega das aludidas fracções às reclamantes corresponderia à contra-prestação que lhes era devida, a título de dação em pagamento e, consequentemente, tudo se circunscrevia ao campo do incumprimento de um contrato definitivo e não no âmbito de um contrato-promessa] , sustenta cada uma das apelantes que o direito de retenção advém-lhes precisamente da qualidade de beneficiárias de promessa de transmissão de bem imóvel, acompanhada da traditio da coisa nos termos do artº 755, al. f) do Código Civil.
Porém, se bem se compreende a posição das apelantes Ma.. e A.., quiçá porque é ele o único negócio jurídico provado nos autos cujo nomen juris integra a referência a um “Contrato-Promessa”, ancoram as apelantes o direito de que se arrogam titulares, não no acordo elaborado e assinado a 26/1/2007 ( intitulado de “Confissão de dívida e forma de pagamento”), mas antes no de 26-10-2001 ( identificado no item 2.8. da motivação de facto do presente Acórdão), designado de “Contrato Promessa de Permuta”,o qual, no entendimento das mesmas apelantes, de negócio se trata que estava em curso à data da insolvência.
Ora bem.
Almejam as apelantes Ma.. e A.., como vimos já, lançar mão do disposto no artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, preceito este que dispõe que goza do direito de retenção “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º ”.
É que, provada fattispecie subsumível à previsão da referida alínea f) , e , consequentemente, impondo-se reconhecer ao beneficiário da promessa a titularidade de um crédito sobre a outra parte e que seja resultante do incumprimento por esta última do contrato, assistirá ao primeiro o direito de ser pago com preferência ( mercê do direito real de garantia – direito de retenção - de que passa a ser titular ) aos demais credores do devedor, direito que inclusive prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta última tenha sido registada anteriormente ( cfr. artº. 759, nºs 1 e 2, , do Código Civil ) .
Às apelantes, portanto, porque de facto constitutivo do direito de que se arrogam titulares se trata, incumbe provar a verificação dos pressupostos do referido direito de retenção, e que são (1) :
- Serem ambas beneficiárias da promessa de transmissão ou constituição de direito real ( existindo portanto o competente contrato);
- Terem ambas obtido a tradição da coisa objecto do contrato prometido ( contrato-promessa com traditio rei);
- Disporem ambas as beneficiárias de um crédito ( dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº 4º, do artº 442º, do CC ) sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo ( não cumprimento – incumprimento definitivo - imputável à parte do contrato promessa que promete transmitir ou constituir um direito real ) do mesmo contrato .
Dito isto, e analisada a factualidade assente, tudo aponta porém para que, a existir um inadimplemento contratual imputável ao insolvente, só poderá ele decorrer do negócio jurídico a que alude o item 2.1 da motivação de facto do presente Acórdão, intitulado de “Confissão de dívida e forma de pagamento”- de 26/1/2007-, que não do contrato promessa de permuta de 26-10-2001 ( identificado no item 2.8. da motivação de facto do presente Acórdão), pois que, o que se nos afigura manifesto, e atendendo às regras dos artºs 236º a 238º, todos do Cód. Civil (2), com a outorga do acordo de “Confissão de dívida” de 2007, as partes ao fim ao cabo como que puseram termo ao contrato promessa de permuta de 26-10-2001, extinguindo em consequência as obrigações deste último contrato decorrentes e, concomitantemente, em substituição do mesmo, contraíram novas obrigações.
Ou seja, e qualificando juridicamente o negócio de 26/1/2007, tudo aponta/exige para que integre ele uma efectiva novação ( cfr. artº 857º, do CC) objectiva, impondo-se concluir do respectivo clausulado que as partes contratantes quiseram extinguir o que antes haviam contratado (o contrato de 2001), sendo que, como clarifica o Prof. Antunes Varela (3), a novação consiste precisamente “ na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação ,mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela” .
De resto, não se olvidando que, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela (4), “ para que haja novação, objectiva ou subjectiva, é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga , e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos. Não basta, por isso, que se altere, por exemplo, a data do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa de juro, se majore ou reduza o preço, ou se dê por finda uma garantia, etc. É preciso que seja outra a obrigação e não seja apenas modificada ou alterada a obrigação existente”, manifesto é que uma coisa é a vinculação das partes a uma obrigação de facto positivo, ou seja, a uma obrigação de facere ( à obrigação de celebração de um contrato de permuta de bens imóveis, sendo este o contrato prometido), e , outra , substancialmente diferente ( daí o ser uma obrigação nova ), é a obrigação decorrente do negócio bilateral identificado no item 2.1. da motivação de facto do presente Acórdão e, através do qual, os nele identificados primeiros outorgantes, se confessaram devedores à segunda outorgante de uma prestação pecuniária, obrigando-se a proceder ao respectivo pagamento até o dia 30/8/2007.
Por outro lado, sendo verdade que ( cfr. artº 859º, do CC ) a vontade de contrair uma nova obrigação, em substituição da antiga, deve ser expressamente manifestada, razão porque, não existindo uma tal declaração expressa ( de que se pretende novar - animus novandi ), a obrigação primitiva não se extingue, o certo é que uma tal declaração pode ser feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade, nos termos do art. 217, nº1, do Código Civil.
Ora, ao constar da respectiva cláusula 2dª do acordo de 26/1/2007, que “ (…) a presente declaração é motivada pelo facto de se verificar a impossibilidade jurídica de formalização da prometida permuta, titulada pelo referido contrato de promessa de permuta celebrado no dia 26 de Outubro de 2001, pelo que as partes decidiram formalizar o negócio prometido com recurso a escrituras de compra e venda (…)“, inequívoco se nos afigura que integra ela, em rigor, uma expressa declaração de novação.
E, sendo assim como se nos parece que é , ou deve ser , tudo obriga a que não possam as apelantes socorrer-se do negócio ( porque extinto, através da novação objectiva ) do dia 26 de Outubro de 2001, para, através das obrigações neles fixadas/acordadas, arrogarem-se titulares de pretenso direito de retenção, por força do disposto no artigo 755º, nº 1, alínea f) , do Código Civil, e com referência a um não cumprimento ( do referido contrato) imputável à outra parte,o ora falido.
Resta, portanto, a possibilidade de um tal direito poder ancorar-se no contrato/negócio de 26/1/2007.
Vejamos , de seguida, se é ela ( tal possibilidade) viável/apropriada.
Com referência ao acordo de “Confissão de dívida e forma de pagamento , de 26 de Outubro de 2007, recorda-se, disse o Exmº juiz a quo, consubstanciar ele um contrato definitivo , devidamente concluído, razão porque, a existir um incumprimento do mesmo imputável ao insolvente, tudo se resumiria a um incumprimento de um contrato definitivo, que não de um contrato-promessa, e , a fortiori, afastada estava a possibilidade de as apelantes se arrogarem titulares do direito de retenção com base no disposto no artº 755º,nº1, alínea f), do Código Civil.
Ademais, ainda no entender da primeira instância, no âmbito do contrato de 26/1/2007, “(…)a entrega das aludidas fracções às reclamantes corresponderia à contra-prestação que lhes era devida, a título de dação em pagamento“, razão porque, em causa estava o incumprimento de um contrato definitivo que não de um mero contrato-promessa.
Ora, tendo presente precisamente a referência, no acordo de 26/1/2007, à obrigação dos aí 1ºs outorgantes em procederem ao pagamento à 2dª outorgante, até 30-8-2007, do montante de € 240.000.00 , através da dação em cumprimento de duas habitações [ localizadas no 2º e 3º andares, lado esquerdo (…), cada uma com garagem individual (…) identificadas com os nºs. 15 e 16 (…), recorrendo para o efeito a duas escrituras distintas de compra e venda, cada uma, com o preço atribuído de 90 000 € (…) ] , e em que interviriam como compradoras, respectivamente, Ma.. e A.., importa caracterizar e distinguir com precisão a "datio in solutum”, da dação em função de pagamento ( datio pro solvendo).
É que, enquanto através da datio in solutum ( cfr. artº 837, do CC ), o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente [ o que ocorre outrossim com a novação, ou seja, com a extinção da obrigação mediante a criação duma nova obrigação ] a obrigação , ao servir-se da datio pro solvendo ( cfr. artº 840º, do CC), mais não pretende o devedor do que facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários para este obter a satisfação futura do seu crédito [ a obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor e na medita em que for satisfeito (5) ] .
Daí que, como ensina o Prof. Antunes Varela (6), sendo é certo a dação em cumprimento uma de diversas formas através das quais se podem extinguir as obrigações, consiste ela “na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, se extinguir imediatamente a obrigação (art. 837º)”.
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura assim que, não obstante o expresso pelos respectivos outorgantes no negócio de 26/1/2007 [ com referência à outorga de duas escrituras distintas de compra e venda de duas habitações, até 30-8-2007, como forma de pagamento do montante em débito de € 240.000.00 ], porque não se está na presença de acordo de extinção imediata de obrigação, não poderá o expresso na respectiva cláusula 4tª consubstanciar uma efectiva datio in solutum , antes consubstancia tal cláusula uma promessa de dação em cumprimento, ou seja, um acordo ( um pactum de in solutum dando ) através do qual (7) se permite ao devedor libertar-se da sua obrigação mediante a prestação de coisa diversa da devida.
Um tal acordo, diz-nos Ana Prata (8), porque a dação em cumprimento constitui um negócio oneroso, “obriga” a que a respectiva promessa possa constituir um contrato-promessa.
E, mais adiante, para afastar concreta (9) oposição ao referido entendimento , explica ainda Ana Prata (10) que “ Sendo embora incontestável que, com a promessa de dação em cumprimento, o credor não obtém direito a uma suplementar prestação, para além da originariamente devida, nem sequer um novo direito de crédito, pois não há qualquer novação, não deixa de ser certo que ele obtém o direito a exigir, na falta da prestação devida, a prometida pela promessa de dação, isto é, que ele adquire uma vantagem em ordem à satisfação do seu interesse. E, porque esse direito à prestação substitutiva in solutum deriva da promessa, isto é, desta resulta a modificação da obrigação, passando esta a ter faculdade alternativa a par creditoris, não se vê razão para negar natureza contratual a esta.
Chegados aqui, partindo da referida qualificação jurídica ( que se aceita e subscreve ), e apesar do respectivo nomen juris [ em sede de qualificação jurídica importa perscrutar a vontade real das partes por forma a atribuir o correspondente sentido jurídico que pretenderam atribuir ao contrato celebrado, não sendo para o efeito decisivo o nomen juris com que tenha sido rotulado, sendo que, a regra geral de interpretação nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, cfr. artº 236º, do CC ], importa de seguida aferir da verificação de todos os pressupostos acima enunciados para que lícito seja às apelantes arrogarem-se titulares do direito de retenção à luz do artº 755º, nº1, alínea f), do CC.
Adiantando desde já o nosso veredicto, é nossa convicção de que todos eles se verificam in casu. Vejamos.
Primo, parece-nos manifesto que, em resultado do negócio de 26/1/2007 ( a fls. 409/410 ) e mercê de concreto pactum de in solutum dando, passaram ambas as apelantes a serem beneficiárias da promessa de transmissão de um direito real atinente a fracções tipo T 3, localizadas no 2º e 3º andares , lado esquerdo, de concreto prédio urbano descrito na CRPredial, fracções que passaram a estar descritas, após constituição da propriedade horizontal, respectivamente, na CRP de Braga sob os nºs. .. e .. da freguesia de Lamaçães e inscritas na respectiva matriz predial urbana sob os arts. .. e .. ( cfr. itens 2.3. e 2.7., ambos da motivação de facto do presente Acórdão) .
Secundo, decorre outrossim da factualidade assente ( cfr. itens 2.11 a 2.16, da motivação de facto), que qualquer uma das apelantes , a Ma.. e a A.. , em resultado do negócio de 26/1/2007, lograram a tradição das fracções objecto do mesmo contrato , pois que, em face do atraso na outorga das competentes escrituras, o outorgante e mais tarde insolvente M.., entregou à reclamante Ma.. a chave da fracção nº .. e , à reclamante A.. , a chave da fracção nº ...
Tertio, dúvidas não nos assaltam de que , na sequência de incumprimento definitivo imputável ao outorgante M.., e em face da existência de estipulação em contrário ( cfr. artº 442º,nº4, do Cód. Civil) , não há como não reconhecer o direito de cada uma das apelantes Ma.. e A.., a uma “prestação/indemnização” de € 120.000,00, e sendo ela devida pela não outorga das escrituras referentes, respectivamente, às fracção nº.. e nº ...
Acresce que, no tocante ao último dos pressupostos referidos, e ainda que se nos afigure que a fixação do prazo no âmbito da cláusula 4ª e 5ª do acordo de 26/1/2007, indique tratar-se de um negócio fixo absoluto [ razão porque o decurso do prazo fatal - como o chama Sacco (11) - ou a sua não observância, haja ou não uma qualquer imputação ou responsabilidade nesse desinteresse recíproco, acaba em última análise por gerar uma impossibilidade ( rectius , inutilidade) definitiva de cumprimento, conducente a uma resolução automática ] , importa todavia não olvidar que, como por diversas vezes se pronunciou já o STJ (12), em situações idênticas às dos presentes autos a “extinção do contrato é, sem qualquer dívida, imputável ao falido que se colocou na situação de não poder satisfazer pontualmente as suas obrigações”.
De resto, diz-se ainda no mesmo e citado Ac. do STJ , “ainda que assim se não entendesse, sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa, ex vi do disposto no art. 799, nº1, do Código Civil”.
Por último, tal como se refere outrossim no citado Ac. do STJ de 22/2/2011, não exigindo a recusa de cumprimento dos contratos a que se refere o citado art. 102, nº1, do CIRE, uma qualquer declaração expressa, nem forma especial, aplicando-se-lhe os princípios dos arts. 217º e 219º do Cód.Civil, pacífico é o entendimento de que a inclusão pelo Administrador da insolvência dos créditos dos promitentes compradores no elenco dos créditos reconhecidos, sem o subordinar a qualquer condição, corresponde em última análise a uma declaração de recusa de cumprimento.
Destarte, na sequência do acabado de expor e no seguimento da factualidade vertida no item 2.24. do presente Acórdão, tudo obriga a concluir pela subsunção da factualidade provada à previsão do 755º, nº1, alínea f), do CCivil, com referência ao nº 4º, primeira parte, do artº 442º, do Cód. Civil, o que equivale a dizer que às apelantes se impõe reconhecer que são ambas titulares do direito de retenção sobre as fracções objecto do contrato outorgado a 26/1/2007, nos termos do disposto no art. 755, nº1, al. f) do C.C.
3.1.1. - Em suma, impondo-se a procedência das respectivas apelações, importa pois reconhecer que o crédito de Ma.. e de A.., no valor de 120.000,00€ cada um, beneficia, cada um deles, da garantia decorrente do direito de retenção , e , por consequência, devem ambos ser graduados como créditos que beneficiam/gozam da garantia decorrente do direito de retenção, que não como se de meros créditos comuns se tratassem , e nos seguintes termos :
“(…)
F) Quanto à fracção descrita na CRP de Braga sob o nº ..:
1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da vendados bens;
2º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional pelo não pagamento de IMI, exclusivamente na parte que se reportar ao aludido prédio.
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de Ma.. ;
4º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário detido pelo “Banco.., S.A.”;
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reclamados que se assumam como comuns, em paridade e sujeitos a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos;
6º - Finalmente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
H) Quanto à fracção descrita na CRP de Braga sob o nº ..:
1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda dos bens;
2º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional pelo não pagamento de IMI, exclusivamente na parte que se reportar ao aludido prédio.
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de A.. ;
4º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário detido pelo “Banco.., S.A.”;
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reclamados que se assumam como comuns, em paridade e sujeitos a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos.
6º - Finalmente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.”
*
3.2.- Da apelação do Banco..,SA
Decorre efectivamente da factualidade assente que o crédito reclamado pelo apelante Banco.., S.A., no valor de € 460.489,51, e que teve origem no preenchimento de uma livrança subscrita pela sociedade “C.., Lda” e avalizada pelo insolvente M.., entronca em obrigação causal ou subjacente relacionada com crédito/financiamento concedido pelo Banco.. a C.., Lda., sendo que, para garantia do mesmo, foi constituída a favor do ora apelante uma hipoteca voluntária sobre prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar e terreiro, sito na Rua.., Braga, descrito na CRP de Braga n.º.., com registo de aquisição G-5 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo .., propriedade do ora insolvente e apreendido nos presentes autos.
Na verdade, e em rigor, da factualidade vertida no item 2.25. do presente Acórdão resulta a outorga pelo falido de uma hipoteca genérica ou global [ que se caracteriza por garantir uma dívida que não está inicialmente determinada, nem muitas vezes ainda constituída, apenas sendo indicado o montante máximo garantido (13) ], sendo a mesma admitida desde que , como in casu sucede , sejam indicados os elementos que permitam determinar quais os créditos que a hipoteca garante, v.g. através da identificação dos devedores dos créditos garantidos, da indicação das fontes das obrigações garantidas e as quais as prestações compreendidas nos créditos garantidos.
Em suma, manifesto é, assim, que o crédito titulado pela livrança no valor de € 460.489,51, se encontra garantido por hipoteca constituída sobre bem imóvel , sendo que , como decorre do preceituado no artº 686º, nº1, do Cód. Civil, “ A Hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Ora, encontrando-se apreendido para a massa insolvente os bens imóveis descritos no auto de apreensão de fls. 2 e segs., e de entre os quais se encontra o prédio supra identificado descrito na CRP de Braga sob o n.º .., e sobre o qual incide a hipoteca registada a favor do credor apelante Banco.. S.A., para garantia do crédito supra identificado, impunha-se portanto que em sede de graduação dos créditos, e no tocante ao prédio referido e descrito na CRP de Braga sob o n.º.., se incluísse o crédito garantido do Banco.. ( o que não sucedeu).
Destarte, tendo presente a factualidade vertida no item 2.25. do presente Acórdão, e considerando que ;
- A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes, sendo válida e eficaz, “inter partes” e “erga omnes”, apenas quando for registada - cfr. artº 687º, do CC e art. 4º, nº2, do Código do Registo Predial ;
- Sendo a hipoteca um direito real de garantia sujeito a registo, que é constitutivo, importa que do título constitutivo do registo resulte a indicação do crédito garantido, v.g. qual o respectivo montante e qual o valor máximo que pode atingir e o seu fundamento, o que tudo decorre do princípio da especialidade do registo;
- Também a extensão quantitativa da garantia e que resulta da hipoteca resulta do referido princípio da especialidade, pois que, como refere José Gabriel Pinto Coelho (13) “A hipoteca tem de assegurar uma quantia determinada, pelo menos aproximadamente, isto é , tem de se especificar a responsabilidade assegurada pela hipoteca. Esta não pode garantir quaisquer responsabilidades indeterminadas. É especial no sentido de que se estabelece para determinada responsabilidade”;
impondo-se o reconhecimento de que o crédito reclamado pelo apelante BPN ( de € 460.489,51 ) e titulado pela livrança supra referida se encontra garantido por hipoteca constituída sobre bem imóvel, tal “obriga” a que a apelação do recorrente Banco.. proceda in totum.
Ou seja, todas as conclusões do apelante Banco.. procedem.
3.2.1.- No seguimento do acabado de expor, deve portanto o crédito ( de € 460.489,51 ) do Banco.. ser graduado como crédito que beneficia/goza outrossim de garantia hipotecária sobre o prédio descrito na CRP de Braga sob o n.º .., sendo ele graduado nos seguintes termos :
1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel.
2º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional pelo não pagamento de IMI, exclusivamente na parte que se reportar ao aludido prédio.
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário detido pelo Banco..,SA
4º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reclamados que se assumam como comuns, em paridade e sujeitos a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos.
5º - Finalmente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
4.- Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 713º, do CPC).
I - A dação em cumprimento (datio in solutum) consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, se extinguir imediatamente a obrigação (art. 837º).
II - Não se acordando a extinção imediata da obrigação do devedor, mas antes se estipulando que o devedor pode libertar-se da sua obrigação mediante a prestação de coisa diversa da devida , não configura o acordado uma efectiva datio in solutum, mas antes uma promessa de dação em cumprimento, ou seja, um pactum de in solutum dando.
III - Porque através da promessa de dação em cumprimento, obtém o credor o direito de exigir, na falta da prestação devida, a prometida pela promessa de dação, nada obsta a que, sendo ela incumprida, e dizendo respeito a transmissão de direito real, se reconheça ao respectivo beneficiário o direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento ( cfr. artº 755º,nº1, alínea f), do CC).
IV - Para tanto, basta que o credor tenha obtido a tradição da coisa objecto da promessa de dação em cumprimento, e bem assim , que o não cumprimento seja imputável ao promitente/devedor, tendo as partes fixado/estipulado ab initio qual a indemnização então devida - em razão do incumprimento - pelo devedor ( cfr. artº 442º, nº 4, do CC).
***
5. Decisão.
Em face de todo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em , julgando procedentes, quer as apelações de Ma.. e A.., quer a do Banco..,SA, alterar a sentença recorrida, determinando-se que :
5.1. - O crédito de Ma.. , porque goza do direito de retenção, é graduado quanto à fracção descrita na CRP de Braga sob o nº .., no lugar a que alude o item 3.1.1. do presente Acórdão;
5.2.- O crédito de A.. , porque goza do direito de retenção, é graduado quanto à fracção descrita na CRP de Braga sob o nº .., no lugar a que alude o item 3.1.1. do presente Acórdão;
5.3.- O crédito reclamado pelo Banco.., porque goza/beneficia de garantia hipotecária sobre o prédio descrito na CRP de Braga sob o n.º .. , é graduado , quanto à referida fracção, no lugar a que alude o item 3.2.1. do presente Acórdão;
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Custas das apelações de Ma.. e de A.. : a cargo da apelada.
Custas da apelação do Banco.. : sem custas.
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(1) Cfr. João Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1988, págs. 110 e segs.
(2) Se em sede de interpretação dos negócios jurídicos, constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, integra todavia já matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, ou seja, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC.
(3) In Das Obrigações em Geral , Vol. II, 5ª edição , pág. 229.
(4) In Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição , pág. 149.
(5) In Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição , pág. 110.
(6) In Das Obrigações em geral, vol. II, 3ª ed., pág. 135.
(7) Cfr. Ana Prata, in O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, 1995, pág. 332 e segs..
(8) Ibidem, pág. 333.
(9) De Alessio Zaccaria, que cita, in La prestazione in luogo dell´adempimento, Milano , 1987 .
(10) Ibidem , pág. 333.
(11) Cfr. João Carlos Brandão Proença, in Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, 1987, págs. 110.
(12) Vide v.g. o Ac. de 22/2/2011, Relator Azevedo Ramos, socorrendo-se de outro aresto do mesmo tribunal, de 19/9/2006, ambos in www.dgsi.pt.
(13) in “ Da Hipoteca”, pág.23.
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Guimarães , 20/11/ 2012
António Manuel Fernandes dos Santos ( o Relator)
António Manuel Figueiredo de Almeida (1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto)