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AUTO-ESTRADA
DANO CAUSADO POR ANIMAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
1- A responsabilidade da concessionária de uma auto-estrada pelos danos decorrentes de acidente causado pela presença, na mesma, de um animal, é de cariz extracontratual, fundando-se no disposto no Artº 483º/1 do CC. 2- Cabe ao lesado a prova dos factos constitutivos desta fonte de responsabilidade, com excepção da culpa que, nos termos do disposto no Artº 12º/1 da Lei 24/2007 de 18/07, se aplicável, se presume. 3- Verificado o circunstancialismo aqui enunciado, cabe à concessionária o ónus de provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, o mesmo é dizer, que não actuou com culpa.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
BRISA – AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., interpôs recurso da sentença.
Pede a respectiva revogação, absolvendo-se a Ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A. (e, consequentemente, a Co-Ré Companhia de Seguros…, S.A), porque nada se provou quanto à ilicitude e culpa da mesma.
Após alegar, conclui que:
1 - Salvo melhor opinião, que decidiu mal, no ponto B., da matéria de facto dada por provada, que o autor é proprietário da viatura automóvel de matrícula …-XD;
2 - Na verdade, em face da impugnação especificada que a Ré BCR fez na sua contestação no que diz respeito, à propriedade do aludido automóvel, bem como, da falta de prova da alegada propriedade do XD por parte do A., em Audiência de Julgamento, não poderia o Tribunal “a quo”, dar como provado tal facto;
3 - Refira-se que, no caso em apreço, em face de tal circunstancialismo, se mostra totalmente irrelevante aferir da qualificação jurídica da responsabilidade da BCR perante os utentes, na medida em que, relativamente aos danos patrimoniais provocados no veículo XD pelo acidente ocorrido, o Autor não tem direito a ser ressarcido dos mesmos, já que não logrou provar, como lhe competia, atento o disposto no art. 342º, n.º 1, do Código Civil, a sua legitimidade substantiva para a procedência do pedido formulado, concretamente, que é proprietário do referido veículo sinistrado (questão que como se refere no douto Acórdão da Relação do Porto, de 28-06-99, disponível in www.dgsi.pt, Proc. n.º 9950384, não se confunde com a apreciação da legitimidade para a causa, questão formal, que a proceder leva à absolvição da instância);
4 - Dos autos, nada resulta sobre a titularidade da viatura XD: não foi junta a necessária certidão do registo automóvel (que é o meio apto a provar esse facto - não sendo aceite pelas RR., haveria que recorrer a este meio de prova;
5 - Ora, apenas ao proprietário do veículo, assiste o direito de ser indemnizado pelos danos provocados no XD, pois é ele o lesado, nomeadamente, no seu direito de propriedade;
6 - O que, sem mais considerações, por desnecessárias, implicará salvo melhor opinião, a total improcedência da acção;
7 - Por outro lado, a douta Sentença, perante a matéria assente, salvo melhor opinião, não apurou correctamente os factos, uma vez que, da matéria factual dada por provada, não se pode aferir da culpa da Ré BCR no sinistro em causa.
8 - Pois, salvo melhor opinião, não pode a douta sentença recorrida extrair “in casu” a culpa da BCR, S.A., tendo sido dado como provados os factos constantes dos pontos L a U, da douta Sentença recorrida;
9 - A saber-se, norma legal alguma, obriga a BCR, como resultado, a garantir a ausência de quaisquer obstáculos na sua área concessionada. À BCR, como concessionária, compete tão-somente, assegurar em termos razoáveis, a boa, segura e livre circulação nas auto-estradas;
10 - Cotejando a factualidade dada como provada na douta Sentença recorrida e independentemente do regime jurídico convocável, a BCR não pode ser responsabilizada pela indemnização dos danos alegadamente sofridos pelo A.;
11 - Pois, não resultou provado qualquer facto ilícito, por acção ou omissão, imputável à BCR, o que nos colocaria no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, conforme previsão do artigo 483º, do C.C.;
12 - Não se provou que os danos sofridos pelo A. sejam objectivamente imputáveis a qualquer incumprimento ou comprimento defeituoso de qualquer obrigação de que a BCR seja titular passivo, o que nos remeteria para o domínio da responsabilidade civil contratual;
13 - Pese embora a divergência nesta matéria, a jurisprudência dominante é no sentido de que a responsabilidade civil assacável à BCR por acidentes de viação ocorridos nas auto-estradas que lhes estão concessionadas assenta na culpa e não em responsabilidade contratual, atentas as regras aprovadas pelo Decreto-Lei 294/97, de 24 de Outubro, que regula as Bases do contrato de concessão para a construção, conservação e exploração de auto-estradas;
14 - Salvo melhor opinião, ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, a obrigação da BCR é de meios e não de resultado;
15 - Igualmente não se vislumbra culpa, por acção ou omissão, assacável à BCR. Efectivamente, o Autor não logrou a conduta omissiva, em termos do dever de manutenção e de fiscalização, que o Autor lhe imputava à ora recorrente;
16 - A matéria provada evidencia que a BCR actuou de forma diligente, fiscalizando e patrulhando, concretamente no dia e hora em questão, as vias de circulação no momento que precedeu a ocorrência do sinistro com o XD;
17 - Em suporte da sua petição de justiça, alegou o A. a existência de um cão na via da respectiva auto-estrada onde circulava, mas de facto, como é reconhecido pela douta sentença, e pela ora Apelante, não se considera que a Apelada tenha provado como lá foi parar o animal, qual a sua proveniência e em especial há quanto tempo aí se encontrava;
18 - Pelo contrário, logrou a Apelante provar os cuidados e diligências que teve de forma a zelar pela conservação e manutenção das condições de circulação na auto-estrada;
19 - Não tendo provado o A. há quanto tempo o referido obstáculo se encontrava na via, não pode vir a concluir-se, como pretende, que o patrulhamento efectuado não foi adequado a manter a vigilância que lhe era exigível, até porque não se consegue estabelecer o nexo de imputação causal entre a hora do último patrulhamento, tempo decorrido entre a existência do animal na via e o acidente descrito;
20 - Refira-se também que, no decurso da audiência de julgamento que teve lugar nos presentes autos, não se provou que os hipotéticos danos sofridos pelo A. sejam objectivamente imputáveis a qualquer incumprimento ou comprimento defeituoso de qualquer obrigação de que a BCR seja titular passivo, o que nos remeteria para o domínio da responsabilidade civil contratual;
21 - Ao Autor cabia o ónus da prova dos factos alegados nos articulados, nomeadamente, no que concerne à titularidade da propriedade da viatura automóvel XD e constitutivos do seu direito (art. 342º, do C.C.);
22 - Ora com o devido respeito, não se mostram provados nos autos os factos necessários para que se conclua pela verificação de todos requisitos da responsabilidade civil, de que ora falamos e, consequentemente, pela obrigação de indemnizar;
23 - No caso que nos prende bastará, em nossa opinião, debruçarmo-nos sobre um daqueles pressupostos: a culpa;
24 - A prova da culpa do lesante, em virtude de a mesma constituir um elemento constitutivo do direito à indemnização (artigo 342º, n.º 1, do C.C.), cabe em princípio ao lesado sem prejuízo das presunções que a lei estabeleça, conforme se verifica no caso concreto, por aplicação do artigo 12º, da Lei n.º 24/2007, de 18-07;
25 - Face ao estabelecido naquele diploma, pode dizer-se que hoje é permitido à Recorrente, a elisão da presunção de incumprimento em todos os casos e não apenas nos casos de força maior, e no caso em concreto, das obrigações de segurança com que o n.º 1, alínea b), do art. 12º, da Lei n.º 24/2007, onera a concessionária;
26 - No caso vertente, provou-se, nomeadamente, que nos patrulhamentos da Brisa Assistência Rodoviária nada foi detectado nesse dia quanto à existência de um cão na via, na A3;
27 - Assim no entender da Recorrente, salvo melhor opinião, não se apuraram factos concretos de onde se pode concluir, como se fez na douta sentença ora recorrida, que o sinistro ocorreu, em virtude de não terem sido cumpridas por parte da BCR, as suas obrigações de segurança, nomeadamente, no que concerne à manutenção do bom estado de conservação das vedações no local onde ocorreu o acidente;
28 - Atente-se que não se apurou o nexo causal entre a existência do cão na via de circulação por suposta falta de manutenção da Recorrente e a ocorrência do sinistro;
29 - Assim, não se tendo apurado em audiência de julgamento, antes pelo contrário, que a BCR não fez tudo o que era adequado e que legalmente se lhe impunha, em termos de regras de segurança no âmbito da retirada de objecto das vias destinadas ao trânsito, não se vê como se pode responsabilizar a Recorrente pelo pagamento peticionado;
30 - Ora, tendo em conta os factos dados como provados na sentença recorrida, não se vislumbra, qualquer facto que implique a responsabilização da BCR por qualquer das vias;
31 - Igualmente não se vislumbra culpa, por acção ou omissão, assacável à BCR. Efectivamente, salvo melhor opinião, não logrou provar-se em audiência de julgamento, a conduta omissiva, em termos do dever de manutenção e de fiscalização, que o autor imputava à ora recorrente;
32 - Antes pelo contrário, a matéria provada evidencia que a BCR actuou de forma diligente;
33 - Logo, salvo melhor opinião, não pode o tribunal “a quo” condenar a Ré BCR no pedido, apenas por considerar que: “ (…) A rede estar em bom estado de conservação foi, no caso em apreço, insuficiente para evitar a entrada do animal na auto-estrada, demonstrando quebra de eficácia relativamente à sua finalidade: evitar que animais transponham a rede e entrem na zona de circulação da auto-estrada, criando, por esta forma, um real e efectivo perigo para a circulação automóvel e respectivos utentes (…)” – cfr. fl. 14, da douta sentença recorrida.
34 - Por conseguinte, face a todo este circunstancialismo, tem de atribuir-se apenas ao condutor do veículo XD, a culpa na eclosão do acidente, uma vez que, eventualmente, não conduzia o seu veículo com a diligência que lhe era devida, em face das condições climatéricas existente na zona (chuva e piso molhado – o condutor circulava a menos de 120 Kms/h - ponto C, da matéria de facto dada por provada);
35 - Uma vez que o Apelado não o logrou provar, pelo que nessa circunstância considera a Apelante que, não é possível concluir pela responsabilidade da BCR quanto às consequências do acidente;
36 - Ao decidir da forma como o fez a, aliás, douta Sentença em crise fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 342º, 483º e 487º, do Código Civil e do estatuído no artigo 12º, da Lei n.º 24/2007, de 18.07.
J…, residente na Travessa…, Braga, contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo concluído que a demandada não observa as normas processuais quanto ao apuramento da matéria de facto, nem respeita as exigências relativas ás conclusões, fingindo desconhecer a Lei 24/2007 de 18/07, podendo a prova da propriedade do veículo ser feita por qualquer meio relativo às coisas móveis.
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Para melhor compreensão, exara-se, seguidamente, um breve resumo dos autos.
J… intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS…, S.A., pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de € 9.835 (nove mil oitocentos e trinta e cinco euros).
Alegou, em síntese, que quando o veículo …-XD, de sua propriedade, circulava na Auto-Estrada A3 teve um acidente originado por um cão procedente do separador central, do qual resultaram os prejuízos patrimoniais que enumera e computa em € 9.835. Mais alegou que, a 1ª Ré havia transferido para a 2.a a responsabilidade civil.
A Ré "BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. apresentou contestação, defendo-se por impugnação, alegando, no essencial, que a responsabilidade pelo acidente a existir será extracontratual, e como tal o Autor terá de fazer prova dos seus elementos constitutivos, não tendo o Autor alegado qualquer facto (positivo ou negativo) ilícito imputável à Ré, sendo que no local a AE encontra-se vedada.
Conclui pela improcedência da acção.
A Ré COMPANHIA DE SEGUROS…, S.A. apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, alegando desconhecer como ocorreu o acidente e os danos causados, os quais considera excessivos.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência: condenou as Rés Brisa Concessão Rodoviária, S.A. e Companhia de Seguros…, S.A. a pagarem, solidariamente, ao Autor a quantia de € 7.991,35 (sete mil novecentos e noventa e um euros e trinta e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento. Condenou a Ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A. a pagar, solidariamente, ao Autor a quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4 % desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento. Absolveu as Rés do demais peticionado.
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Por despacho proferido pela Relatora o recurso foi rejeitado parcialmente (no que tange à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto).
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Das conclusões que exarámos acima extrai-se, agora, uma única questão a decidir: a R. não tem culpa na ocorrência do sinistro?
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Por contrato de seguro titulado pela apólice n." … a Companhia de Seguros… S.A. assumiu a responsabilidade que lhe foi transferida por Brisa, Auto Estradas de Portugal, S.A, pelo pagamento das indemnizações devidas a terceiros, na sua qualidade de concessionária de exploração da auto-estrada A3, com uma franquia de € 750,00 por sinistro, com limite anual de € 25.000,00. (Alínea A) dos Factos Assentes)
B. Cerca das 00 horas e 50 minutos do dia 20 de Fevereiro de 2010 ocorreu um acidente de viação na A3, ao Km 95,840, em Mentrestido - Vila Nova de Cerveira, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros …-XD, propriedade de J… e conduzido por seu filho C…. (Artigo 1.° da Base Instrutória)
C. O veículo ..-XD circulava no sentido Porto - Valença, pela via da direita, onde a faixa de rodagem tem duas vias nesse sentido, berma e talude, com uma velocidade inferior a 120 Kms/hora, (Artigos 2.° a 4.° da Base Instrutória)
D. Quando assim circulava foi surpreendido pelo aparecimento, em correria, de um animal de raça canina, procedente do separador central, de tal modo que o condutor do veículo …-XD não teve tempo de reacção para travar, acabando por embater com a parte da frente do veículo no referido animal. (Artigos 5.° a 7.° da Base Instrutória)
E. Em consequência desta colisão perdeu o controlo do veículo que, acabou por embater nos railes separadores centrais. (Artigos 8.° e 9.° da Base Instrutória)
F. Os serviços da Brisa foram accionados, recolheram o animal, já morto e transportaram-no para o canil intermunicipal Valimar, em Ponte de Lima, onde foi verificada a inexistência de micro-chip, (Artigos 10.° a 13.° da Base Instrutória)
G. Em consequência do referido em B. a E. o veículo do Autor ficou danificado. (Artigo 14.° da Base Instrutória)
H. A sua reparação foi orçamentada em € 8.741,35. (Artigo 15.° da Base Instrutória) I. Antes do acidente, o veículo valia cerca de € 8.950,00. (Artigo 16.° da Base Instrutória)
J. E os salvados valiam cerca de € 500,00. (Artigo 17.° da Base Instrutória)
K. Com a reparação, o valor comercial ou de troca do veículo reduziria. (Artigo 19.° da Base Instrutória)
L. A Ré Brisa teve conhecimento que no dia 20 de Fevereiro de 2010, cerca das 01 hora e 02 minutos, o veículo de matrícula …-XD, conduzido por C…, encontrava-se imobilizado no talude da berma direita, ao Km 95,955, no sentido
Sul/Norte, da A3. (Artigo 23.0 da Base Instrutória)
M. A Central de Comunicações do Centro de Coordenação Operacional da Ré Brisa deu indicações ao mecânico de serviço, Sr. J…, para se deslocar ao local em socorro e protecção do condutor do XD. (Artigo 24.0 da Base Instrutória)
N. O mecânico da Brisa que se encontrava em patrulhamento, constatou ao chegar ao Km 95,955, à 01 hora e 14 minutos, a existência do XD despistado no talude existente na berma direita, no sentido Sul/Norte, da A3, após ter colidido com o separador central da A.E., ao Km 95,875, atento o seu sentido de marcha e constatou a existência de um cão morto atrás das guardas de segurança que ladeiam a berma direita da A3, ao Km 95,875, no sentido Sul/Norte. (Artigos 26.0 e 27.0 da Base Instrutória)
O. O piso estava molhado e chovia. (Artigo 28.0 da Base Instrutória)
P. A GNR/BT, a quem está atribuída a disciplina do tráfego fora dos centros urbanos, procede ao patrulhamento constante das Auto-Estradas da concessão, 24 sobre 24 horas. (Artigo 29.0 da Base Instrutória)
Q. No patrulhamento feito naquela AE, não detectou nenhuma deficiência nas condições de circulação no referido local, ou qualquer situação que pusesse em perigo a segurança dos utentes da AE 3. (Artigo 30.0 da Base Instrutória)
R. No local referido em L. o piso encontrava-se em bom estado de conservação. (Artigo 31.0 da Base Instrutória)
S. Na sequência da ocorrência do acidente, a Ré Brisa mandou o seu oficial de mecânica e os seus serviços de obra civil verificar o estado das vedações na zona envolvente da A3, nada tendo sido detectado e encontrando-se as vedações em bom estado de conservação, sem qualquer rasgo ou deficiência. (Artigos 32.0 e 33.0 da Base Instrutória)
T. A A3 encontra-se vedada em toda a sua extensão, com rede de modelo aprovado pela extinta JAE. (Artigo 34.0 da Base Instrutória)
U. Os funcionários da Ré Brisa, durante o patrulhamento, não detectaram a presença de qualquer animal, nem foi comunicada à Ré Brisa qualquer deficiência na vedação. (Artigos 35.0 e 36.0 da Base Instrutória) .
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A questão a decidir neste recurso prende-se com um dos pressupostos da responsabilidade civil, a saber, a culpa, que a Recrte. defende não se mostrar evidenciado nos autos.
Desde já adiantamos que a sentença analisou com mérito as pertinentes questões, elencando não só as diversas correntes que se delinearam a propósito da natureza da responsabilidade civil em presença, optando claramente por enveredar pela responsabilidade civil extracontratual – se bem que fundada no disposto no Artº 493º do CC-, analisando as questões decorrentes da redacção do Artº 12º/1 da Lei 24/2007 de 18/07 e ponderando todos os pressupostos gerais que enforma aquele título de responsabilidade e que julgou verificados.
O Artº 12º/1b) daquela lei veio dispor que, nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a... atravessamento de animais.
Não respondendo, embora, o Artº 12º da Lei 24/2007 á questão da natureza da responsabilidade, ele veio consagrar uma presunção de culpa, assim facilitando a vida dos lesados que, sem uma tal disposição viam muito dificultada a prova desta.
Donde, e conforme escrevemos no Acórdão que relatámos no âmbito do procº 679/08.5TBALB, cujos termos reproduziremos abaixo, continua a ser premente que definamos a que título respondem as concessionárias de auto-estradas.
“Sobre o título de responsabilidade inerente aos acidentes em auto-estrada produziu-se já abundante jurisprudência nos Tribunais Superiores, nem sempre coincidente.
Delinearam-se, ao longo dos anos, diversas correntes, umas de pendor extracontratual, outras, pelo contrário, defendendo a natureza contratual da responsabilidade.
Uma dessas correntes, maioritária, situa a questão no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, extraindo das leis que estabelecem as bases da concessão rodoviária a ideia de que estas não criam qualquer específico regime a este propósito, antes remetem para as regras e princípios gerais aplicáveis naquela sede. É o que sucederia, também no caso concreto, com a Base LXXIII , que dispõe que a concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco. Nesta corrente, delinearam-se duas vertentes – uma que parte da aplicabilidade pura e simples do instituto da responsabilidade civil extracontratual previsto no Artº 483º do CC, outra que parte da aplicabilidade do regime atinente á guarda de imóveis consignado no Artº 493º do CC. A estas variantes não será alheia a questão da culpa, que ali se impõe seja provada pelo lesado, e aqui se presume (Artº 487º/1 e 493º/1 do CC, respectivamente).
Outra corrente, parte da ideia de que se estabelece entre os utentes e a concessionária uma relação contratual de facto, com limitação das prestações devidas, pelo que situa a reparação de eventuais danos ao abrigo do regime da responsabilidade civil contratual.
Outra ainda, vê no contrato de concessão, celebrado entre o Estado e a concessionária, uma eficácia tão ampla que se estende aos próprios utentes, de forma que se cataloga o regime como de contrato com eficácia de protecção de terceiros ou, noutra formulação, como de contrato a favor de terceiro.
Menezes Cordeiro, equacionando todas estas figuras, afasta as teses de base contratual, com o argumento, ao qual aderimos, de que falham os pressupostos inerentes á disciplina dos contratos. Assim, conforme assinala, não existe liberdade de celebração, nem de estipulação do conteúdo do contrato, não só porque a concessionária não pode excluir da circulação em auto-estrada algum condutor, como também porque “à circulação em auto-estrada aplicam-se as leis gerais do país e o contrato de concessão”, sem que a concessionária ou o particular possam propor ou aceitar algo diverso, assim como não se pode ver no pagamento da portagem, o pagamento de um preço. Antes este traduz uma taxa, com todas as consequências que daí decorrem relativamente á falta de pagamento. Conclui, por isso, “pela total inadequação” do Direito positivo á teoria contratual. Do mesmo passo, considera inaplicável o regime do contrato a favor de terceiro por não vislumbrar no contrato de concessão a ideia da atribuição de alguma prestação a quem não seja parte, considerando ainda que, porque o “o contrato de concessão não tem a ver com o uso rodoviário pelo Estado”, “a transposição feita para o Direito português” da disciplina do contrato com efeito protector de terceiro é meramente vocabular” (Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, 2004, Almedina, 46 e ss.).
No que concerne ás teses que defendem a aplicabilidade do disposto no Artº 493º/1 do CC, também não se vê como perfilhá-las.
Dispõe-se aqui que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar... responde pelos danos que a coisa causar.
Ora, esta disposição reporta-se a danos causados pela coisa -a auto-estrada –, e não a danos causados por elementos exteriores a esta ou na coisa, como é o caso da presença de animais. Deste modo, sempre que a coisa não teve papel activo na produção do dano, está excluída a aplicação do Artº 493º do CC. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, segundo os quais “a lei fala, no nº 1, dos danos que a coisa ou os animais causaram e não dos danos causados com a coisa ou com os animais” (Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª Ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, 470).
Afigura-se-nos, assim, como mais adequada, como já deixámos antever, a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual consignado no Artº 483º/1 do CC de acordo com o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Neste pressuposto, cabe ao lesado a prova dos factos integradores dos conceitos que preenchem esta realidade, agora, e nos casos contemplados pela Lei 24/2007, com a nuance criada pela mesma.
São vários os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a saber, o facto voluntário do lesante, seja ele cometido por via de acção, ou por via de omissão, a ilicitude, que se revela ou através da violação de um direito de outrém, ou da violação de alguma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano e a culpa.
E é ao nível da prova da culpa que aquela lei veio inovar.”
Sobre a culpa, escreveu-se na sentença recorrida: “No caso dos autos (e independentemente do tipo de responsabilidade), sempre passou a competir à Ré "Brisa Concessão Rodoviária, S.A." o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, pelo menos desde a vigência da Lei na 24/2007, de 18 de Julho.
Com efeito, há que averiguar se as Rés ilidiram a presunção de culpa no que respeita ao acidente, ou seja, saber se lhes pode ser imputada qualquer violação das regras de segurança e afirmar que o canídeo que na auto-estrada colidiu com o veículo e lhe causou danos, se pode imputar à violação daquelas regras, nos termos da alínea b) do n." 1 do artigo 12.0 da citada Lei.
A alínea a) do na 5 da Base XXII vincula a concessionária a montar vedações em toda a extensão da auto-estrada, deixando, seguramente, ao critério da concessionária, considerando o tipo de fauna existente nos terrenos que ladeiam as auto-estradas e proximidade ou não de localidades, a definição dos parâmetros de segurança que devem estar subjacentes ao desenho da rede de vedação a implantar.
Na verdade, a vedação tem que impedir - altura/tipo de malha/qualidade de malhai forma de implantação - o atravessamento por animais, a menos que, e aqui entra a parte final do n." 1 do artigo 493.0 do Código Civil, se demonstre que a entrada do animal se ficou a dever a uma causa completamente estranha às características físicas da vedação e que ainda que esta tivesse mais meio metro ou um metro de altura, a entrada teria ocorrido.
Pese os patrulhamentos levados a cabo pela Brisa, que serão seguramente eficientes e suficientes para a detecção de toda uma panóplia de circunstâncias que podem interferir na qualidade e segurança do trânsito, a verdade é que só muito excepcionalmente respondem, evitando a entrada de animais na via ou sinalizando a sua presença de modo a informarem os utentes da sua existência.
Compete assim à vedação o papel de primeiro e único obstáculo à entrada de animais na via, competências que serão tanto mais eficazes quanto melhor consiga responder em altura e impedir transposições, em qualidade e tipo de rede e evitar rompimentos e qualidade de implantação de modo a contornar os que incapazes de saltar ou de romper, mas que usam a táctica do escavação para a contornar por baixo. A rede estar em bom estado de conservação foi, no caso em apreço, insuficiente para evitar a entrada do animal na auto-estrada, demonstrando quebra de eficácia relativamente à sua finalidade: evitar que animais transponham a rede e entrem na zona de circulação da auto-estrada, criando, por esta forma, um real e efectivo perigo para a circulação automóvel e respectivos utentes.
Não basta uma vedação em bom estado de conservação para elidir a presunção de culpa, impõe-se uma vedação que responda com eficácia à tentativa de entrada de animais, o que não aconteceu na situação em apreço, sendo, repete-se, a alegação e prova da existência de uma vedação em bom estado de conservação na zona envolvente, mas incapaz de impedir a entrada de animal na auto-estrada, insuficiente para elidir aquela presunção.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9 de Setembro de 2008 (processo 08P156), disponível em www.dgsi.pt."a concessionária só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento".
No caso em apreço é insuficiente, à elisão da presunção, a alegação e prova da inexistência, no local do acidente de qualquer deficiência nas condições de circulação, e do bom estado das vedações.
O acidente deu-se porque a vedação que circunda a zona envolvente da auto-estrada não impediu a entrada do canídeo, que surgiu imprevisivelmente na frente do veículo do Autor, o que levou a que o condutor, sem tempo de reacção para travar, nele embatesse, perdendo o controlo do veículo e acabasse por embater nos railes separadores centrais, ficando danificado.
Neste contexto factual e não logrando elidir a presunção de culpa, entendemos que estão preenchidos todos os pressupostos previstos no artigo 483.° do Código Civil, de onde deriva a obrigação de indemnizar.
Consequentemente, e pelo exposto, também se verifica que a conduta da Ré foi culposa pois não elidiu a presunção de culpa que sobre si impendia.”
Subscrevemos, no essencial, quanto assim se ponderou, muito embora nos inclinemos mais para a violação do dever de vigilância.
Na verdade, na aplicação do Artº 12º/1 da Lei 24/2007, vale a presunção ali estabelecida, pelo que cabia á R. o ónus de provar que cumpriu com todas as condições de segurança, o mesmo é dizer, que cumpriu de forma cabal ou de modo a evitar o dano, ou, noutra formulação, de que não actuou com culpa. Na falta desta prova, tem que concluir-se pela culpa.
Era dever da R. manter a auto-estrada livre de qualquer obstáculo, para o que lhe incumbia um especial dever de vigilância (Bases XXXVI e XXXVII do anexo ao DL 294/97 de 24/10) e, bem assim, e tal como se menciona na decisão acima transcrita, assegurar uma vedação eficaz.
Este dever não foi cabalmente cumprido, sem que a R. tivesse logrado provar que tal falta de cumprimento não resultou de culpa sua.
Donde, preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ambas as RR. devem indemnizar o A..
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar, embora com fundamentação algo distinta, a sentença recorrida.
Custas pela Recrte..
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Valente
Paulo Barreto