COMPETÊNCIA TERRITORIAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
FORO CONVENCIONAL
Sumário

1 - Se a autora vem a tribunal pedir que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, discutindo as razões invocadas por esta para a resolução do contrato, está a exigir uma indemnização pelo não cumprimento contratual, pela ré, caindo-se no âmbito da previsão do artigo 74.º, n.º 1 do CPC
2 - Se a autora aceitar o direito da ré a rescindir o contrato mas com obrigação de a indemnizar, estará a exigir o cumprimento de uma obrigação, com igual aplicação do artigo 74.º, n.º 1 do CPC.
3 - O mesmo se passa se a autora discute a licitude da resolução dos contratos.
4 - Também no domínio da responsabilidade civil - artigo 483.º, n.º 1 do CC - se aplicará o artigo 74.º, n.º 2 do CPC, sendo a comunicação de tipo receptícia, apenas se torna eficaz com a sua recepção em Braga, onde ocorreu, alegadamente, a lesão do direito da autora.

Texto Integral

APELAÇÃO 3633/12.9TBBRG.G1
(Acção Ordinária 3633/12.9TBBRG)

Decisão sumária, nos termos do artº705.º do CPC:

I – F…, Ldª propõe esta acção contra G…, Ldª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização de clientela, de compensação nos termos do artº29.º, nº2, do DL 178//86, de indemnização pelo dano resultante da indemnização a despender no despedimento dos seus 53 trabalhadores, de indemnização pelos danos indirectos actuais e futuros, certos e eventuais, trazidos à sua imagem e credibilidade empresarial, de retribuição pela devolução de stocks, e de indemnização pela inutilização do software “autoline”, no total de 7 045 595,01 €, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação, na sequência da resolução dos contratos de distribuição e de reparação autorizada de veículos de passageiros e comerciais da marca O…, entre ambas contratados, e resolvidos, alegadamente, de modo inesperado e injustificado, pela ré.
“Na contestação apresentada nos autos de fls. e seguintes a ré “G…” defende-se, antes de mais, por excepção alegando a incompetência territorial do Tribunal Judicial de Braga para a causa.
Já na parte final da petição inicial a sociedade autora, no respectivo ponto V, sustentava a competência territorial deste Tribunal alegando, em síntese:
- que o litígio sub judice apresenta estreita conexão com o foro de Braga;
- que a presente acção se destina a exigir uma indemnização por não cumprimento pela Ré de obrigações ditas contratuais;
- e que é inválida a convenção de foro subscrita pelas partes, por força da redacção de 2006 do art. 74.º, n.º 1, aplicável por força dos arts. 100.º, n.º 1 e 110.º, n.º 1, todos do Código Processo Civil.
A final, foi, doutamente, decidido “julgar procedente a excepção dilatória de incompetência territorial deduzida pela ré e, em consequência, declara o tribunal de Braga incompetente, em razão do território, para a causa, e competente territorialmente o tribunal de Lisboa.”.

Inconformada, a autora apela do assim decidido, firmando, inter alia, as seguintes conclusões:
“1. A presente acção tem como causa de pedir a violação do contrato em apreço por parte da R. bem como a ilicitude da resolução do mesmo por si operada, com as necessárias consequências legais, como se comprova pelo alegado nos arts. 52º a 145º da p.i. e 218º a 272º da Réplica
2. É dessas violações contratuais e da ilicitude da resolução operada pela R. que emerge o direito da A. às indemnizações peticionadas na p.i..
15. A R. violou frontalmente os seus deveres contratuais, nomeadamente incumprindo o prazo mínimo de pré-aviso – 2 anos - contratualmente estabelecido e constante da cláusula 19.2., o que determina a sua constituição no pagamento de uma indemnização à A. por falta de pré-aviso.
16. O comportamento ilícito da R. legitima a A. a peticionar, para além da indemnização referida na conclusão antecedente, a compensação de clientela e as demais indemnizações peticionadas na p.i.
17. Em especial, a R. está constituída no dever de indemnizar a A. no montante de € 1.485.991,00, por violação da cláusula 7.1., al. d), já que com a resolução ilícita do contrato provocou um dano correspondente as indemnizações a que os 53 ex-trabalhadores da A. têm direito, muitos deles com 40, 30 e 20 anos de antiguidade.
18. O contrato de concessão comercial é contrato legalmente atípico, pelo que é necessário recorrer às regras definidas pelos próprios contraentes, desde que lícitas, aos princípios e às regras gerais do direito dos contratos e do negócio jurídico, ao regime das cláusulas contratuais gerais, a legislação de defesa da concorrência e – muito importante, às regas dos contratos mais próximos (Agência), que se aplicarão por analogia.
19. Daí que os textos legais que regulam as indemnizações peticionadas se mostrem exteriores ao contrato em apreço, muito embora o direito ás mesmas emirja da violação do próprio contrato e da ilicitude da resolução do mesmo operada pela R.
Posto isto,
20. A decisão recorrida acolhe uma manifesta violação da letra e do espírito do controvertido nos arts. 74º, nº 1, 100º, nº 1, 110º, nº 1 e 774º, todos do C. P. Civil, e está em contradição frontal com o teor do douto Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo nº 1870/07.7TBCTB.C1 e com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ, de 18.10.2007, relatado pelo Venerando Senhor Juiz Conselheiro Salvador da Costa.
23. Face ao estatuído nos arts. 74º, nº 1, 100º, nº 1 e 110º, nº 1, do C. P. Civil, a oficiosidade do conhecimento da competência territorial do tribunal, no caso concreto, não se mostra compatível com a celebração de um pacto privativo de competência pelas partes.
24. Tudo depende de saber se, in caso, o conhecimento da competência territorial do tribunal é ou não de conhecimento oficioso. Em caso afirmativo não será admissível a celebração do pacto de aforamento em crise.
28. Pelo exposto, e com base nessa solução de direito, deve ser afastada a possibilidade de se ter como eficaz qualquer pacto de aforamento porquanto, sendo as partes duas sociedades e pedindo-se uma indemnização decorrente da violação de um contrato, o conhecimento da competência territorial é oficioso.
31. Interpretados os arts. 74º, nº 1, 100º, nº 1, 110º, nº 1, 774º do C.P. Civil de acordo com a jurisprudência sedimentada no douto Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 10/18/2007 e já constante do supra citado Ac. da Relação de Coimbra, o Tribunal Judicial de Braga é territorialmente competente para o conhecimento da presente acção judicial.”.
Na resposta, a ré pugna pela manutenção do julgado.

O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.

II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.
III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
1 – Com início de vigência em 01-10-2003, entre as partes, foram celebrados os 4 contratos acima referidos (contratos), por prazo indeterminado, segundo as respectivas cláusulas 19.1;
2 – Nas cláusulas 23.1 dos contratos, as partes convencionaram que os tribunais da comarca de Lisboa seriam os competentes “para dirimir todos os litígios relacionados com (os) contrato(s) (…)”;
3 – Por comunicação escrita, dirigida pela ré à autora, datada de 11.07.2011, a primeira “resolveu” os contratos, com efeitos a partir de 31.07.2013, invocando, além do mais, o constante das respectivas cláusulas 19.2;
4 – A autora pretende ser indemnizada e compensada, nos termos relatados, pelos prejuízos e obrigações que a cessação dos contratos, a qual diz ilícita, lhe determinam.

ii) O mérito do recurso:
Sem discussão, a questão gira em torno da interpretação do artº74.º do CPC, na redacção que lhe introduziu (e também ao artº110.º, nº1, alínea a), do mesmo compêndio) a Lei 14/2006.
Fora de questão está, de igual modo, que a nova redacção desses preceitos se aplica ao caso dos autos, pese a circunstância de os contratos datarem de 2003 – ver douto acórdão uniformizador, do Supremo Tribunal de Justiça, nº12/2007, publicado na I série do Diário da República de 06-12-2007.
Vejamos, então:
A decisão recorrida discorre, em substância, deste jeito:
“Porém, e tal como a ré defende, nenhum dos pedidos deduzidos pela A. se pode reconduzir a uma obrigação contratual, na vertente do cumprimento ou do incumprimento ou do cumprimento defeituoso. Também não se podem reconduzir a uma indemnização por incumprimento. É que o litígio subjudice tem por causa de pedir a alegada cessação dos contratos e tem, por pedidos, indemnizações que só podem existir após o termo daqueles mesmos contratos, não resultante de resolução.
Como bem salienta a ré “nem mesmo para o enquadramento normativo que a A. faz dos pedidos que deduz, vem invocada qualquer disciplina proveniente do regime contratual acordado entre A. e R. – pelo contrário, o enquadramento normativo dos pedidos vem alicerçado na Lei da Concorrência e no instituto do abuso de dependência económica, no DL 178/86 relativo ao regime do contrato de agência e ainda no Regulamento 1400/2003 da CE.”.
E “É a estes regimes jurídicos e respectivos institutos, não aos contratos, que a A. recorre para aferir e enquadrar legalidade da denúncia contratual em questão e para sustentação dos pedidos decorrentemente deduzidos.”.
Tudo para concluir que a “natureza das indemnizações peticionadas e os pressupostos que arbitrariam a sua atribuição à A. não estão verdadeiramente ligados a nenhuma prestação contratual contida na disciplina dos contratos, a nenhum facto contratual positivo ou negativo, como não estão relacionadas com danos decorrentes (positiva ou negativamente) de um não cumprimento ou cumprimento defeituoso de uma prestação.”
Pelo que, estando em causa meras consequências indemnizatórias que surgem
com a própria cessação – não do incumprimento - de um contrato, que não estão incluídas na previsão do art. 74.º, n.º 1., não pode fazer-se apelo à competência alternativa ali estabelecida, nem em qualquer dos outros casos que determinam o conhecimento oficioso da competência territorial, caindo-se na esfera da regra geral relativa às pessoas colectivas – local da sede, no caso Oeiras.”.
As normas processuais a ter em conta são as seguintes:
Artº74.º do CPC:
“1 - A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.
2 - Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.”.
Artº100.º, nº1, do CPC:
“1 - As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º”.
Artº110.º, nº1, alínea a), do CPC:
“1 - A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:
a) Nas causas a que se referem o artigo 73.º, a primeira parte do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 74.º, os artigos 83.º, 88.º e 89.º, o n.º 1 do artigo 90.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 94.º;”.
Não é exacto que, como causa de pedir, a autora não invoque o incumprimento contratual.
Com efeito, a cláusula 19.2 dos contratos prevê que “as comunicações de resolução (…) pela O… devem indicar razões objectivas e transparentes para resolver o mesmo, (…).”.
Isto significa, também (e sabe-se como a declaração negocial pode ser expressa ou tácita, segundo o artº217.º, nº1, do CC), que a ré se obrigou, implícita ou tacitamente, a não resolver os contratos senão quando verificadas razões objectivas e transparentes.
De modo que, se a autora vem a tribunal pedir que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, discutindo a existência dessas razões [e lembremos que a ré, na sua comunicação apresentou, para justificação da resolução, 3 razões (falta de capacidade financeira da autora, e incumprimento, por esta, dos níveis mínimos de compras e dos requisitos mínimos em termos de existências)], está a exigir uma indemnização pelo não cumprimento contratual, pela ré, caindo-se, assim, no âmbito da previsão do dito artº74.º, nº1.
Se, a esta, preferirmos a perspectiva que veja, na atitude da autora, a aceitação do direito, da ré, a rescindir o contrato, mas com a obrigação de a indemnizar, também aí, ao demandar tal indemnização, aquele inciso se aplicará, visto que, desse modo, estará a autora a exigir o cumprimento de uma obrigação (como se diz no normativo), justamente a de a ré a indemnizar – ver secção VIII do capítulo III do livro II do Código Civil e a lição de Antunes Varela no vol. I do seu “Das Obrigações em Geral”, no número (258) dedicado ao tema.
E, se, em vez de qualquer destas, se vir, na invocação, pela autora, da ilicitude do comportamento da ré, a chamada a terreiro, não já das regras contratuais, mas, como, de algum modo, a ré pretende, de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, estaremos sob a égide do disposto no artº483.º, nº1, do CC, é dizer, no domínio da responsabilidade civil, o que torna aplicável, ao caso, o que se contém no nº2 daquele artº74.º, havendo aí que ter em conta que, sendo a dita comunicação do tipo receptício (artº224.º, nº1, do CC), ela apenas se tornará eficaz com a respectiva recepção, pela autora, em Braga, onde, assim, ocorreu, alegadamente, a lesão do seu direito – ver comentário, ao dito artº224.º, no código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela.
Por último, se se considerar que a autora vem discutir (e, efectivamente, vem, embora opte por pedir as indemnizações e compensação a que se julga com direito, em vez da manutenção dos contratos) a licitude da resolução dos contratos, então, segundo Lebre de Freitas, no seu Código de Processo Civil Anotado, em comentário àquele artº74.º, deverá entender-se que, ainda assim, se estará no âmbito de aplicação do nº1 deste normativo.
De sorte que, estar-se-á, sempre, sob a alçada do artº74.º, nº1, de onde se segue que, no caso, a incompetência territorial é de conhecimento oficioso, não sendo válida a convenção pela qual as partes atribuíram competência aos tribunais da comarca de Lisboa, sendo, antes, competente o foro da comarca de Braga.

Em suma, o recurso, com mérito, deverá proceder.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, e decide-se que é o tribunal da comarca de Braga o territorialmente competente para julgar o litígio.
Custas pela recorrida.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
Guimarães, 5 de março de 2013
Henrique Andrade