CONTRATO DE RENTING
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário

1º- O contrato de renting ou contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, é um contrato de aluguer, de natureza especial, a que são aplicáveis as normas gerais do contrato de locação, as disposições gerais dos contratos e as cláusulas estabelecidas pelos contraentes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, que não estiverem em contradição com aquelas, quando de ordem imperativa.
2º- A existência de um contrato de seguro relativo ao veículo automóvel objecto daquele contrato e em benefício da locadora não libera o locatário das obrigações decorrentes do contrato de aluguer, porquanto quer a locatária, quer a entidade seguradora são solidariamente responsáveis perante a locadora /exequente, de harmonia com o disposto no artigo 100º do C. Comercial.

Texto Integral

Os executados I..-Aluguer de Automóveis, Lda, A.. e E.., vieram deduzir oposição à execução contra eles instaurada por V.. – Aluguer de Automóveis sem Condutor, Lda, com base em livrança.
Alegaram, para tanto e em síntese, que esta livrança foi entregue à exequente apenas com as assinaturas dos executados /opoentes, a 1ª, na qualidade de subscritora, e os 2°s. e 3°, enquanto avalistas desta, e destinou-se a garantir o cumprimento do contrato de nº 2370/L/RTG, celebrado em 01.08.2003 entre a exequente, V..- Aluguer de Automóveis sem Condutor, Ldª e a opoente, I..-Aluguer de Automóveis Ldª., tendo a exequente, posteriormente, procedido ao seu preenchimento sem respeitar o acordado entre eles.
Mais alegaram que existindo, relativamente à viatura objecto do contrato de aluguer, um contrato de seguro celebrado com a I.. – Companhia de Seguros.., S.A. e que incluía coberturas de responsabilidade ilimitada, por danos próprios e por furto ou roubo, é esta seguradora a responsável pela indemnização devida à exequente pela perda de tal viatura.
A exequente contestou , sustentando a improcedência do invocado preenchimento abusivo da livrança exequenda e alegando ter a dita companhia de seguros declinado a sua responsabilidade pelo desaparecimento da referida viatura.
Proferido despacho saneador, foi dispensada a elaboração da base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 222 a 232.
A final foi proferida sentença que julgou a presente oposição à execução totalmente improcedente, ordenando o prosseguimento da execução.
As custas ficaram a cargo dos executados.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os executados /opoentes, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“I. Por merecer a nossa discordância, se recorre da decisão proferida, que julgou a presente oposição totalmente improcedente.
II. É que, ao contrário do que ficou plasmado na sentença em recurso, não só estão alegados factos dos quais resulta que a exequente se obrigava a demandar a seguradora (e não os executados) em caso de verificação de situação como a ocorrida –situação de perda total do veiculo em caso de furto ou abuso de confiança como esse era um dos principais “THEMA DECIDENDUM”!!!
III. Com efeito, foi dado como provado na resposta ao quesito 13 :- Por escrito de 09/02/2004, a exequente comunicou à 1ª oponente, reportando-se ao contrato de renting 2370/L/RTG - aluguer da viatura ..-VI, que na sequência do sinistro ocorrido com a viatura em referência, foi a mesma considerada perda total…De acordo com o estipulado no contrato de aluguer, o mesmo cessa com efeito imediatos.
IV. Conforme resulta dessa carta e da resposta ao quesito 28º, as relações com a seguradora foram estabelecidas pela exequente, foi a seguradora que deu a conhecer à exequente que declinava o pagamento da indemnização, que foi a exequente quem aceitou esta posição da seguradora e foi em consequência da mesma e da sua conclusão que na sequência do sinistro deveria o mesmo considerar-se com perda total, que declarou o contrato cessado com efeitos imediatos.
V.Foi através da exequente que os executados tomaram conhecimento da posição da seguradora e não foram tidos nem achados quanto à posição que a seguradora tomou, nem quanto à perda total, nem quanto à interpretação das cláusulas do seguro.
VI. Esta carta constitui uma verdadeira confissão do contrário do plasmado na sentença recorrida, na parte supra citada.
VII. Por ouro lado, nos termos da clausula 8ª, nº 4 do contrato de renting junto a fls. 38º a 55º dos autos, cuja validade e teor está assente e cujo incumprimento a Livrança se destinava a garantir, :- “ A C.. (a oponida) deverá sempre figurar como beneficiária dessa Apólice (de seguro de danos próprios da viatura), tendo o direito de receber directamente da seguradora todas as indemnizações correspondentes ao VEÍCULO, negociando, nas condições que entender convenientes, quaisquer garantias ou indemnizações a que tenha direito “.
VIII. Recorde-se que, para o que neste ponto interessa, deu-se como provado que :-
IX. A primeira oponente entregou à ora exequente, a Livrança que subjaz à presente execução, para garantir o cumprimento do contrato de 01/08/2003 contrato de renting 2370/L/RTG, mediante o qual a exequente deu de aluguer à 1ª oponente, que o tomou de aluguer, a viatura .., com a chapa de matrícula ..-VI, no exercício da sua actividade comercial de «rent-a-car” desta
X. Relativamente à referida viatura .., foi celebrado um contrato de seguro, com a seguradora I..-Companhia de seguros.., S. A., mediante apólice nº AU 82000204 - que incluía as coberturas de responsabilidade ilimitada e danos próprios.
XI. Sendo, assim, a seguradora é responsável, pela indemnização ou pagamento à exequente - diretamente, de eventuais valores a que tenha direito em razão da cessação do contrato de 01/08/2005 - renting 2370/L/RTG, por perda total, em razão de furto ou abuso de confiança.
XII. O Tribunal a quo omitiu, ainda, a pronúncia sobe matéria que lhe cumpria conhecer, ou seja, se num contrato de seguro, em que outorgou, por adesão, uma empresa de aluguer de automóveis, a cláusula que responsabiliza a seguradora em caso de roubo, furto e uso de veículo, não deve ser interpretada como abrangente apenas dos factos integrantes desses ilícitos criminais, mas também do abuso de confiança.
XIII. Também nos merece inteira discordância, a parte dispositiva da sentença, quando afirma que …”não procede minimamente a alegação dos executados de que desconhecem se a exequente desembolsou efetivamente qualquer quantia (designadamente a de € 3.875,13) com o levantamento e transporte do veículo objeto deste contrato, desde o local em que viria a ser encontrado”, pois…”em vista da procedência da oposição teriam de demonstrar não ter a exequente despendido qualquer quantia a esse título (ou, no mínimo que despendera a essa título quantia inferior) ”.
XIV. Isto constitui uma inversão do ónus da prova que não vemos que tenha substrato nos artigos 342 e segs, do código civil.
XV. De todo o modo, a nosso ver, a sentença recorrida labora num erro de interpretação e aplicação.
XVI. Com efeito, esta tese da sentença parte da aplicação da clausula 6º, nº 5, alínea d), parte final do contrato de renting referido em 2º dos fatos provados, que dispõe que “se o veículo for abandonado fora de Portugal, todos os custos de repatriação serão por conta de cliente”.
XVII. Desde logo se diga que, custo de repatriação são os custos de transporte da viatura de outro país (a França, in casu) para Portugal e não os custos de levantamento – parqueamento da viatura, sendo que são estes custos que estão praticamente englobados naquele valor de € 3.875,13.
XVIII. Mas, mesmo admitindo esta interpretação extensiva do contrato, certo que, aquela clausula do contrato, aplica-se na sua vigência e não após a sua cessação, já que, após a cessação do contrato, o que se aplicaria ao caso era não a clausula 6º, nº 5, alínea d), mas sim a clausula 23ª, nº 5 do contrato.
XIX. A livrança dada à execução, sob pena de preenchimento abusivo, tinha que ser preenchida pelos valores pelos quais a oponente se responsabilizava, decorrentes de incumprimento do contrato, mas aqui não houve incumprimento algum.
XX. Mutatis Mutandis para a situação da alienação da viatura pelo valor de € 13.000,00, aqui, com uma agravante, pois o Tribunal recorrido nem sequer deu como provado que tenha sido esse o valor da alienação, conforme resposta ao quesito 20º.
XXI. Antes se tendo dado como provado – resposta ao quesito 21º, que “os oponentes não deram qualquer autorização para alienar a dita viatura, nem de tal alienação tiveram conhecimento prévio.
XXII. O contrato de renting dos autos distingue duas situações que põem termo ao contrato: a) caducidade do contrato, a que se refere a clausula 20ª e b) resolução do contrato, a que se refere a clausula 22ª.
XXIII. Só a resolução do contrato (e não a sua caducidade) tem por base o incumprimento do contrato por parte da oponente, pelo quem só nesta situação se gera a obrigação desta e se dá a legitimidade da exequente para preencher a Livrança.
XXIV. No caso dos autos, não se trata manifestamente de uma situação de resolução do contrato, já que, a carta de 09/02/2004 pela qual a exequente fez cessar o contrato, qualificou a razão para tal cessação a “perda total do veículo”.
XXV. Ora, “a perda total do veículo” é um dos casos de caducidade do contrato, designadamente a prevista na alínea b) da clausula 20º.
XXVI. Inexistindo incumprimento do contrato por parte da oponente, também inexiste fundamento para que a oponida pudesse preencher a Livrança. dada à execução, preenchimento que foi abusivo.
XXVII. A sentença revidenda violou ou interpretou erradamente o artigo 342º do código civil, os artigo 10º, 17º, 32º e 77º da LULL, as clausulas 6ª nº 5, 8º, nº 5, 20º e 22º do contrato de renting.
A final, pedem seja revogada a sentença recorrida, com a consequente absolvição do pedido de pagamento da quantia exequenda e extinção da execução contra eles instaurada.

A exequente contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1º- A exequente/oponida é dona e portadora de livrança que deu à execução, assinada pela co-executada I.. (no lugar do subscritor), à qual os executados deram o seu aval mediante aposição da respectiva assinatura no versa daquela (assinatura antecedida da expressão ‘Por aval à firma subscritora’), no valor de € 8.395,75 (oito mil trezentos e noventa e cinco euros e setenta cinco cêntimos), na qual foi aposta a data de emissão de 01/08/2003, e a data de vencimento de 02/10/2008, sendo que na data de vencimento não foi a mesma paga pelos executados.
2º A primeira oponente entregou à ora exequente a livrança que subjaz à presente execução para garantir o cumprimento do contrato de 01/08/2003 – junto a fls. 38 a 55 dos autos de oposição à execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos –, entregue em branco à exequente, com excepção das assinaturas dos seus intervenientes, a primeira oponente como subscritora e os ora 2°s. e 3° como avalistas da primeira oponente.
3º O referido contrato de 01/08/2003 – contrato de renting 2370/L/RTG, que a livrança dada à execução se destinava a garantir, traduz acordo de vontades entre exequente e 1ª oponente, mediante o qual a exequente deu de aluguer à executada, ora 1ª oponente, que o tomou de aluguer, a viatura .., com a chapa de matrícula ..-VI.
4º Tal viatura ..-VI destinava-se a ser alugada pela lª oponente a seus clientes, no exercício da sua actividade comercial de rent-a-car, que desenvolve com intuito lucrativo.
5º Relativamente à referida viatura.., foi celebrado um contrato de seguro, com a seguradora I..– Companhia de seguros de.., S. A, mediante apólice nº AU 82000204 – que incluía as coberturas de responsabilidade ilimitada e danos próprios, com a cobertura de furto e roubo do veículo, apólice essa que esteve em vigor pelo menos entre 01 de Agosto de 2003 e 9 de Fevereiro de 2004 e que foi outorgada do lado do segurado por mera adesão às cláusulas determinadas pela seguradora I...
6º Por acordo entre executada e oponentes, a livrança em causa só podia ser preenchida pelos valores que a primeira oponente se mostrasse devedora à exequente, em consequência do dito contrato de renting 23701L/RTG, conforme o acordo de preenchimento junto a fls. 59 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7º No exercício da sua actividade e a pedido de J.., divorciado, portador do B.I. nº.., obrigou-se a lª oponente a proporcionar-lhe, mediante retribuição, o gozo do veiculo automóvel de matricula ..-VI, pelo período de 6 dias, entre os dias 22/08/2003 e 28/08/2003.
8º O dito J.. recebeu efectivamente da oponente a viatura automóvel de matrícula ..-VI, no dia 22 de Agosto de 2003.
9º Devendo fazer a entrega dessa viatura na data de 28 de Agosto de 2003 ou actualizar o contrato até essa data, na sede da oponente.
10º No entanto, o aludido J.. não devolveu nem fez entrega da viatura ..-VI à 1ª oponente em 28 de Agosto de 2003, nem em qualquer outra data anterior ou posterior.
11º A oponente fez diversas tentativas para recuperar a viatura ..-VI e várias tentativas para contactar o dito J.., mas não conseguiu localizar nem a viatura nem o referido J...
12º Destes factos e situação deu a 1º oponente imediato conhecimento às autoridades policiais e à exequente.
13º Por escrito de 09/02/2004, a exequente comunicou à lª oponente, reportando-se contrato de renting 2370/L/RTG – aluguer da viatura ..-VI, que:
«Na sequência do sinistro ocorrido com a viatura em referência, foi a mesma considerada perda total.
No entanto, após a análise das circunstâncias de facto, a Seguradora entendeu que as mesmas preenchem de forma inequívoca o tipo de crime de abuso de confiança (...) pelo que, ao abrigo do disposto no n" 3 do artigo 34° das Condições Gerais da Apólice (...) não se encontra preenchido nenhum dos tipos de crime (furto, roubo ou furto de uso), pelo que não compete à Companhia de Seguros qualquer liquidação, declinando toda e qualquer responsabilidade pelos danos emergentes deste sinistro (...)
De acordo com o estipulado no contrato de aluguer, o mesmo cessa com efeito imediatos. (...)
Aproveitamos para solicitar a V. Ex.ias o favor de diligenciarem no sentido de nos remeterem o título de registo de propriedade, livrete (...), chaves (...)» – tudo conforme documento junto a fls. 17 dos autos de oposição à execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14º Por força do término do aludido contrato de renting 2370/L/RTG, a exequente reclamou da 1ª executada/oponente o pagamento da quantia de € 17.524,58 (dezassete mil quinhentos e vinte e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos).
15º Em resposta, por carta remetida à exequente em Março de 2004, a 1ª oponente comunicou-lhe que:
«Somos a devolver o título de registo de propriedade, livrete e chaves respeitantes à viatura em causa.
Somos a devolver, ainda, uma factura do valor de € 17.514,58 e uma nota de débito de € 2.537,46, referente ao contrato da viatura em referência que, inexplicavelmente, V. Ex.ias nos remeteram.
Contabilizaremos a nota de crédito do valor de € 2.537,46, cujo pagamento aguardamos efectuem com a devida urgência.
Com efeito, relativamente à viatura em causa, foi celebrado, aliás com a vossa intervenção directa, um seguro com danos próprios.
Ora, independentemente da viatura ser considerada furtada ou objecto de abuso de confiança, o que ainda está em aberto, a verdade é que, em qualquer desses casos, o seguro de danos próprios abrange ambas as situações, incluindo o abuso de confiança, ainda que nas condições da apólice apenas consta o roubo, furto ou furto de uso de veiculo.
Trata-se, de resto, de questão pacificamente abordada nos nossos Tribunais, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2000 (cujo sumário se envia em cópia anexa), que decidiu por unanimidade, em situação idêntica: - «II. Assim, num contrato de seguro, em que outorgou, por adesão, uma empresa de aluguer de automóveis, a cláusula que responsabiliza a seguradora em caso de roubo, furto e uso de veículo, não deve ser interpretada como abrangente apenas dos factos integrantes desses ilícitos criminais. III A actividade da empresa – conhecida da seguradora – e consequente razão de ser do próprio contrato de seguro, permite abranger em tal clausula os casos, integrantes de abuso de confiança, em que alguém tomou um veículo de aluguer e o fez desaparecer».
Acresce que, nada autoriza o entendimento que o risco contratual da situação em crise, corre por conta desta empresa» – tudo conforme documento junto a fls. 202 e 203 dos autos de oposição à execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
16º Ao longo dos vários anos que então passaram, nunca a exequente conseguiu dar aos oponentes, uma resposta ao entendimento expresso pela oponente.
17º No ano de 2005, a exequente recuperou a viatura ..-VI e entrou na sua posse.
18º Em 29 de Março de 2007, a exequente reclamou da lª oponente, por força do término do aludido contrato de renting 2370/L/R TG, a quantia global de € 8.289,71 (oito mil duzentos e oitenta e nove euros e setenta e um cêntimos), resultantes das seguintes operações:
. Factura nº TD10008782, datada de 1/03/2004, no valor de 17.524,58€;
. Nota de crédito nº NC10005423, datada de 08/02/2006, no valor de 13.100,000€ e
. Nota de Débito nº ND10007549, datada de 27/01/2007, no valor de 3.875,13€.
19º A factura TD10008782, de 1/03/2004, de € 17.524,58, correspondia ao valor inicialmente pedido, em consequência do termo do contrato.
20º A nota de crédito NC10005423, correspondia ao valor creditado a favor da 1ª oponente, por se tratar, segundo a exequente, da importância pelo qual alienou a viatura ..-VI.
21º A nota de débito ND 10007549 correspondia ao valor debitado à 1ª oponente, relativo a despesas com o levantamento e transporte da viatura ..-VI.
22º Os oponentes não deram qualquer autorização para alienar a dita viatura, nem de tal alienação tiveram conhecimento prévio.
23º Foi a exequente quem preencheu a livrança que subjaz à presente execução, designadamente o local e a data de emissão, a data de vencimento, a importância em numerário e extenso, o valor, o nº, o local de pagamento / domiciliação, a favor de quer seria paga.
24º Preenchimento esse na totalidade que não ocorreu antes de Outubro de 2008.
25º Preenchimento esse para o qual não foi solicitada autorização aos oponentes, para os termos em que a livrança foi preenchida, sem prejuízo do acordo de preenchimento referido no facto 6º.
26º Tal livrança foi entregue à exequente em 01/08/2003.
27º O 2° oponente é único gerente da 1ª oponente, foi ele quem negociou os termos do contrato de 01/08/2003 – renting 2370/L/RTG em nome da lª oponente e as condições do preenchimento da livrança a ele subjacente e a 3ª oponente é sua esposa e sócia, juntamente com ele, da 1ª oponente, tendo tido conhecimento na altura da sua celebração, dos termos do contrato de 01/08/2005 – renting 2370/L/RTG e da condições do preenchimento da livrança a ele subjacente, a que deu a sua aceitação.
28º A seguradora acima mencionada comunicou à exequente/oponida que era seu entendimento que a situação descrita se enquadrava num tipo de crime de abuso de confiança, que considerava não estar incluído a cobertura de furto ou roubo prevista no contrato de seguro, razão pela qual declinou a responsabilidade pela indemnização, do que a oponida/exequente informou a 1ª oponente.
29º A exequente foi informada pela 1ª oponente de que a viatura objecto do contrato havia sido abandonada na via pública em França.
30º Nos termos da cláusula 6ª, nº 5, al. d), parte final, do contrato referido em 2º, «se o veículo for abandonado fora de Portugal, todos os custos de repatriação serão por conta do cliente».
31º O custo com o levantamento e repatriação da viatura para Portugal foi de € 3.875,13 (três mil oitocentos e setenta e cinco euros e treze cêntimos).
32º Após a recuperação da viatura a exequente/oponida procedeu à venda da mesma pelo valor de € 13.100,00 (treze mil e cem euros).
33º A livrança dada à execução foi preenchida pelos valores resultantes das factura, nota de crédito e nota de débito referida em 18º, que a 1ª oponente não liquidou, acrescidos de juros de mora, tendo sido dado conhecimento desse preenchimento aos executados.

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. [1]

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se a exequente podia preencher a livrança dada à execução nos termos em que o fez ou se houve preenchimento abusivo.

Posto que a livrança exequenda foi entregue à exequente apenas com as assinaturas dos executados /opoentes, a 1ª, na qualidade de subscritora, e os 2°s. e 3°, enquanto avalistas desta, e destinou-se a garantir o cumprimento do contrato de nº 2370/L/RTG, celebrado em 01.08.2003 entre a exequente, V..- Aluguer de Automóveis sem Condutor, Ldª e a opoente, I..-Aluguer de Automóveis Ldª, tendo, para tanto, a exequente e os executados/ opoentes acordado que tal livrança só podia ser preenchida pelos valores que a primeira oponente se mostrasse devedora à exequente, em consequência daquele, não há dúvida que a resposta a dar a esta questão passa pela necessidade de determinar o núcleo das obrigações decorrentes destes dois contratos quer para os recorrentes, quer para a recorrida.
Assim, começando pelo contrato nº 2370/L/RTG e consabido que o que releva para a qualificação de um contrato é a vontade das partes, diremos estarmos perante um contrato de aluguer de veículo automóvel de longa duração, também apelidado de contrato de renting ou de mera locação [2].
Isto porque resulta claramente do documento junto a fls. 38 a 55 que, por via dele, a exequente, V..- Aluguer de Automóveis sem Condutor, Ldª e a opoente, I..-Aluguer de Automóveis Ldª, convencionaram no sentido de que daquela ceder a esta, por prazo variável entre 12 a 48 meses, renovável, e mediante retribuição mensal, o gozo do veículo automóvel .. e de matrícula ..-VI, destinado a ser alugado pela lª oponente a seus clientes, no exercício da actividade comercial de rent-a-car, que desenvolve com intuito lucrativo.
Trata-se, no dizer de Gravato Morais [3], de um contrato em que “uma das partes proporciona à outra o gozo temporário e retribuído de uma coisa, tendo em vista um fim específico”.
Isto porque não há, por parte do locatário, interesse na aquisição da coisa locada, sendo seu propósito a restituição desta ao locador sempre que deixa de ter interesse na sua utilização.
Por outro lado, no tocante ao regime legal deste contrato de aluguer, importa referir que, apesar do DL nº 354/86, de 23 de Outubro ( aplicável ao caso dos autos com as alterações introduzidas pelos DLs nºs 373/90, de 27 de Novembro e 44/92, de 31 de Março[4] ) estabelecer normas relativas ao exercício da indústria de aluguer de veículos sem condutor, a verdade é que a maior parte delas reporta-se ao regime de exploração dessa actividade e só algumas respeitam ao próprio contrato, como os artigos 16º e segs (que versam sobre local da celebração, forma e conteúdo, documentos que devem ser entregues ao locatário e regime de preços).
Por isso, não se reportando este diploma à definição da estrutura deste contrato especial de aluguer, às obrigações que dele resultam para o locador ou para o locatário nem à responsabilidade civil decorrente do seu incumprimento, nesta matéria, são-lhe aplicáveis as normas gerais do contrato de locação, as disposições gerais dos contratos e as cláusulas estabelecidas pelos contraentes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, que não estiverem em contradição com aquelas, quando de ordem imperativa.
Daí o referido contrato implicar para o locatário, além do mais, a obrigação de pagar o aluguer e de restituir a coisa ao locador, findo o contrato, nos termos dos arts. 1031º, als. a) e b) e 1038º, als. a) e i) do C. Civil.
De igual modo e no que concerne à responsabilidade civil decorrente do incumprimento deste contrato, há que ter por assente estar o mesmo sujeito às normas gerais do contrato de locação, designadamente dos arts 1043º, 1044º, 1045º e 1051º e às normas gerais dos contratos estabelecidas nos arts. 406º, nº1, 423, nº1, 562º, 563º, 564º, 566º, 762º, nº1, 798º, 799º, 800º e 810º a 812º, todos do C. Civil.
Posto isto, vejamos, então, se no caso dos autos, a locatária/opoente I..-Aluguer de Automóveis Ldª, cumpriu as obrigações contratuais que, através do dito contrato de renting, assumiu para com a locadora/exequente, tendo em conta resultar dos factos provados, por um lado, que o dito veículo automóvel de matrícula ..-VI, que, entretanto a locatária/opoente, no exercício da sua actividade, havia dado de aluguer a J.., pelo período de 22/08/2003 a 28/08/2003, não foi por este restituído nem localizado, tendo desaparecido.
E, por outro lado, que, na sequência do sucedido, por escrito de 09/02/2004, a exequente comunicou à locatária/oponente que a dita viatura foi considerada perda total, que a companhia de seguros declinou toda e qualquer responsabilidade pelos danos emergentes deste sinistro e que, de acordo com o estipulado no aludido contrato de renting 2370/L/RTG, o mesmo cessou com efeitos imediatos.
A este respeito, dispõe o art. 1051º, al. d) do C. Civil que o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada, estabelecendo o art. 1044º do mesmo código que “ o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável, nem a terceiro a quem tenha sido permitido a sua utilização”.
No mesmo sentido, estabelece a cláusula 20ª, al. b) das Condições Gerais do Contrato de Aluguer ( fls. 43) que o contrato caduca automaticamente “em caso de perda total do veículo, designadamente por acidente, incêndio ou furto”, tendo ficado consignado na cláusula 23ª, nº3 que o “veículo deverá ser restituído (…) em idênticas condições e aspecto às iniciais, salvo o normal desgaste da sua prudente utilização (…)”.
Ora, face ao desaparecimento do veículo objecto do contrato de aluguer em causa ( que se manteve por cerca de dois anos), temos por certo que, no caso sub judice, tal contrato extinguiu-se por caducidade, motivada pela perda da coisa.
Acresce que o citado art. 1044º, na medida em que estabelece que o locatário é responsável pela perda da coisa locada, contém uma presunção de culpa do locatário [5].
Significa isto recair sobre o locatário o ónus de ilidir tal presunção, competindo-lhe, de harmonia com o disposto nos arts. 344º, nº1 e 799º, nº1 do C. Civil, provar que não teve culpa na perda (desaparecimento) da coisa locada, não lhe sendo esta imputável, nem a terceiro a quem tenha permitido a respectiva utilização.
E a verdade é que, no caso dos autos, a locatária/opoente não logrou fazer essa prova.
Havendo, assim, culpa presumida da locatária/opoente na perda do veículo, dúvidas não restam de que esta tornou-se responsável pelos prejuízos decorrentes dessa perda para a locadora/exequente.
E nem se diga, com o fazem os opoentes que, sendo a perda total do veículo causa de caducidade do contrato de aluguer, não se pode falar em incumprimento do contrato, inexistindo, por isso, fundamento para a exequente preencher a livrança, já que, por força do acordo de preenchimento vertido no documento junto a fls. 59, só a resolução do contrato com base no incumprimento “temporário ou definitivo, do contrato” legitima o preenchimento da livrança dada à execução.
É que se é certo ser a caducidade uma forma de extinção automática do contrato, em consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito[6] , não é menos certo que a mesma configura também um caso de resolução do contrato.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[7] , “aqui o contrato resolve-se ipso jure, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou privada, tendente a extingui-lo”.
De resto sempre se dirá que, no caso dos autos, havendo culpa presumida da locatária/opoente quanto à perda do veículo alugado, antes do termo normal do contrato de aluguer, fácil se torna concluir, face ao disposto no art. 801º do C. Civil, que à mesma é também imputável o incumprimento do contrato de renting 23701L/RTG, na medida em que o seu cumprimento tornou-se impossível por culpa sua.
Daí ter-se por assente ser a locatária/opoente responsável pelo incumprimento do contratado, motivado pela perda do veículo automóvel de matrícula ..-VI, e pelos prejuízos daí decorrentes para a locadora/exequente.
Do mesmo modo, julgamos não merecer qualquer acolhimento o argumento avançado pelos opoentes/apelantes no sentido de que os custos de repatriação a que alude a cláusula 6º, nº5, alínea d) das Condições Gerais do Contrato de Aluguer, respeitam apenas aos custos de transporte da viatura de França para Portugal e não também aos custos com o seu levantamento.
Com efeito, estabelecendo a dita cláusula que “se o veículo for abandonado fora de Portugal, todos os custos de repatriação serão por conta do cliente” e tendo ficado provado que a viatura objecto do contrato foi abandonada em França, evidente se torna que as despesas com o seu levantamento não podem deixar de ser incluídas e naqueles custos, recaindo, por isso, sobre a locatária/opoente a obrigação de proceder ao pagamento da quantia de € 3.875,13 que a locadora despendeu com o levantamento e repatriação da viatura para Portugal.
De igual modo afigura-se-nos destituída de qualquer fundamento a afirmação feita pelos opoentes/apelantes no sentido de que a mencionada cláusula apenas opera nas situações em que o dito contrato de aluguer ainda se mantém em vigor e nunca após a sua cessação, pois, neste caso, teria aplicação a cláusula 23ª, nº5 [8].
E o mesmo vale dizer quanto ao valor de € 13.000,00, pois, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, ficou provado que “ Após a recuperação da viatura a exequente/oponida procedeu à venda da mesma pelo valor de € 13.100,00”, sendo certo que, tendo a viatura sido recuperada após ter ocorrido a extinção do contrato de aluguer, nem sequer se vê que tal venda carecesse da autorização prévia da locatária/opoente.
Quando muito, cabia-lhes, em sede de oposição, o ónus de alegar e provar que o valor do veículo em causa era, à data, superior ao seu preço de venda.
Não o tendo feito, de nada os adianta invocar a falta de conhecimento prévio da venda do veículo.
Finalmente cumpre realçar, conforme entendimento pacífico na nossa jurisprudência e doutrina, que, apresentando-se a oposição à execução como a contestação à petição executiva e porque nela figura como autor o devedor, é sobre os executados/opoentes, enquanto obrigados cambiários, que recai, nos termos do art. 342º, n.º2 do C. Civil, o ónus de provar o alegado preenchimento abusivo de tal livrança por parte da exequente/apelada, porquanto consubstancia o mesmo facto impeditivo do direito emergente do título de crédito.
E porque, no caso dos autos, não o fizeram, tendo a locadora/exequente logrado demonstrar ter actuado nos termos convencionados, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao considerar serem os mesmos responsáveis pelo pagamento da quantia titulada na livrança em causa.
*
Mas, sustentam ainda os opoentes/apelantes que, tendo a locatária celebrado um contrato de seguro conexionado com o aludido contrato de renting 2370/L/R TG, que vigorava à data do desaparecimento do veículo ..-VI, estava a locadora obrigada a demandar a companhia seguradora, pois esta é a responsável pelo pagamento dos eventuais valores a que tenha direito em razão da cessação de tal contrato motivada por perda total do veículo seguro.
Mais defendem que, face à posição assumida pela companhia de seguros, cabia ao Tribunal a quo conhecer da questão de saber se a cláusula que responsabiliza a seguradora em caso de roubo, furto e uso de veículo abrange também as situações de abuso de confiança.
Nesta matéria ficou provado, no caso dos autos, que, relativamente à referida viatura .., foi celebrado um contrato de seguro, com a seguradora I.. – Companhia de Seguros .., S. A, mediante apólice nº AU 82000204 – que incluía as coberturas de responsabilidade ilimitada e danos próprios, com a cobertura de furto e roubo do veículo, apólice essa que esteve em vigor pelo menos entre 01 de Agosto de 2003 e 9 de Fevereiro de 2004.
De referir, contudo, que a existência deste contrato de seguro não libera o locatário das obrigações decorrentes do contrato de renting 2370/L/R TG que celebrou com a locadora/exequente.
E se é certo estabelecer a cláusula 8ª, nº4 das Condições Gerais do Contrato de Aluguer ( fls. 40) que a locadora tem “ o direito de receber directamente da seguradora todas as indemnizações correspondentes ao veículo, negociando, nas condições que entenda convenientes, quaisquer garantias ou indemnização a que tenha direito”, a verdade é que não se vê que esta cláusula configure ou sugira uma intenção de garantia on first demand.
Na situação dos presente autos, estão, em causa duas relações jurídicas.
Uma constituída, por via deste contrato de seguro, entre a entidade seguradora e o tomador do seguro ( locadora) e outra, constituída, através do dito contrato de aluguer, entre a locatária e a locadora.
Daqui decorre que, quer a locatária/opoente, quer a entidade seguradora são solidariamente responsáveis perante a locadora /exequente, em virtude das obrigações decorrentes de actos de comércio serem também de natureza comercial e de valerem, por isso, quanto a elas a regra da solidariedade, nos termos do disposto no art. 100º do C. Comercial.
Assim e porque se está perante um caso de solidariedade resultante da própria lei (cfr. art. 513º do C. Civil), nada impede a locadora/exequente de exigir da locatária/opoente o pagamento dos prejuízos para ela advenientes do incumprimento do contratado, motivado pela perda do veículo automóvel de matrícula 15-23-VI.
Quer tudo isto dizer que, contrariamente ao defendido pelos opoentes/apelante, não competia ao Tribunal recorrido averiguar, no âmbito da oposição deduzida, se a cláusula que responsabiliza a seguradora em caso de roubo, furto e uso de veículo abrange também as situações de abuso de confiança.
E muito menos cabe a este Tribunal da Relação conhecer dessa questão.

Improcedem, por isso, todas as conclusões dos opoentes/apelantes.

DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da presente apelação, a cargo dos opoentes/ apelantes.
Guimarães, 11 de Julho de 2013.
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, p. 84 e Ano III, tomo 1, p. 19, respectivamente.
[2] Neste sentido, Maria del Carmen Garcia Garnica, in, “El régimen jurídico del leasing financeiro inmobiliário en España, Navarra, 2001, p. 42, nota 56 e Leite de Campos, in, “ Ensaio de análise tipológica do contrato de locação financeira”, BED, 1987, p.6.
[3] In, “Manual de Locação Financeira”; Almedina, 2006, p. 46.
[4] O citado Dl nº 354/86, foi ainda alterado pelo DL nº 77/2009, de 1 de Abril e, entretanto, revogado pelo DL nº 181/2012 de 6 de Agosto.
[5] Entre outros, cfr. Acórdãos do STJ, de 30.01.81, BMJ, nº 303º, p. 223; de 15.03.94, in, CJ/STJ, Ano 1994, tomo II, p. 159; de 15.02.2001, in, CJ/STJ, ano 2001, tomo I, p. 121 e de 21.11.2002, in, CJ/STJ, ano 2002, tomo III, p. 150; Isidro de Matos, in, “Arrendamento e Aluguer”, p. 131 e Pereira Coelho, in, “Arrendamento”, 1988, p. 203.
[6] Cfr. Galvão Teles, n, “Contratos Civis”, p. 46.
[7] In, “Código Civil, Anotado” Vol. II, 2ª ed. revista e actualizada, p.376.
[8] A qual estipula que “ se o cliente não proceder à restituição do veículo no termo do contrato, qualquer que seja a sua causa, a C.. poderá tomar posse do veículo em qualquer local onde o mesmo se encontre”.