INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
OCULTAÇÃO DE BENS
Sumário

1. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
2. A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma atuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: retirando-o das instalações da insolvente e guardando-o em local desconhecido - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou acionamento pelo credor.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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Por sentença proferida nos autos de insolvência nº 1243/12.0TBGMR, foi S…, Ld.ª, declarada em estado de insolvência.
Nos termos do disposto no artigo 188º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 282/2007, de 7/8, veio a sociedade credora P…, Unipessoal, Ld.ª, requerer a qualificação da insolvência como culposa, com o fundamento de que houve dissipação do património da insolvente e violação do dever de apresentação à insolvência, devendo o juízo de afectação incidir sobre L… e C… (cfr. fls. 2 a 12).
O Sr. Administrador de Insolvência, nos termos do artigo 188º, n.º 2, do CIRE, apresentou parecer concordante com o requerimento da credora, por entender que existiu dissipação de parte considerável do património da insolvente (cfr. fls. 32 e 33).
Ao abrigo do n.º 3 do artigo 188º, do CIRE, o D.M. do Ministério Público emitiu parecer, o qual sufragou a posição assumida pelo Sr. Administrador de Insolvência (cfr. fls. 34).
Regularmente citados os representantes legais, L… e C… , para os termos do presente incidente, foi deduzida oposição, a fls. 41 a 57, tendo os mesmos alegado, em síntese, que a gerência, apesar de formalmente estar também atribuída ao primeiro, era a segunda que prosseguia a gestão da insolvente; a colocação de bens da empresa à venda constituiu uma decisão anterior ao processo de insolvência, dadas as dificuldades que a insolvente atravessava; foi celebrado um negócio entre os sócios da empresa visando a manutenção desta, para o que foi necessário que a Requerida obtivesse um empréstimo de € 15.000,00, tendo sido dado em cumprimento a banca de ensaio, que se tratava dum equipamento não essencial ao funcionamento da empresa; outros bens da empresa, porque estavam obsoletos, foram entregues para a sucata em momento anterior à declaração de insolvência; outros bens, que constavam do mapa do imobilizado, já não faziam parte do património da empresa; o capital disponível da conta caucionada foi canalizado para o giro empresarial da insolvente; quanto às prestações suplementares, sucedeu tão só uma transição contabilística para cobertura de prejuízos, tratando-se dum movimento de compensação de natureza contabilística.
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Foi proferido despacho saneador, a fls. 107 a 112, tendo-se ainda procedido à selecção da matéria assente e organização da base instrutória, o que não foi alvo de qualquer reclamação.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal, após o que foi proferida decisão acerca da matéria de facto, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, decide-se:
1. Qualificar como culposa a insolvência de S…, Lda.;
2. Afectar a Requerida C… por essa qualificação;
3. Declarar a inibição da Requerida C… para o exercício do comércio durante um período de 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
4. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela Requerida C…;
5. Absolver L… do pedido contra ele formulado.

Desta decisão foi interposto recurso pela C…, que terminou formulando as seguintes conclusões:
1ª – O tribunal recorrido decidiu, entre o mais, qualificar como culposa a insolvência de S…, Lda., afectar a recorrente por essa qualificação, declarar a sua inibição pelo período de dois anos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela recorrente.
2ª – Foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
“(_) 5. Dos bens que integravam o recheio do estabelecimento comercial faziam parte, á data da declaração da insolvência, os seguintes bens:
- “Banco GlobalJig” (versão 1) composto pelos seguintes elementos: -
componentes universais; controle exterior mcpherson; pranchas laterais 4m;
expositor portátil; equipamento hidropneumático “zip”; elevador dec tesoura “zip”; guincho “zip”; cavaletes com travessa; banco “zip” ccom cremalheira; esticador “zip” articulado – resposta ao artigo 1º, da base instrutória.
(_)
7. Este equipamento foi retirado das instalações da sociedade insolvente pela Requerida C… e lavada para local incerto – resposta ao artigo 3º, da
base instrutória.
8. Este equipamento foi publicitado numa página da internet para venda, dela constante o contacto telefónico de C… com o nº 934 316 188 –resposta ao artigo 4º, da base instrutória.
(_)”
3ª – Foi dado como não provado, entre outros, o seguinte facto:
“(_) 27. Este equipamento encontrava-se na referida página da internet para venda juntamente com outros que compunham a oficina – resposta ao art.º 21º,
da base instrutória”.
4ª – O tribunal a quo considerou que se verificou a ocultação da banca de ensaio da insolvente pela recorrente e que nos termos do disposto no art.º 186º, n.º 1, aal. A) do CIRE, a insolvência deveria ser qualificada como culposa.
5ª – A decisão recorrida, quanto aos aludidos factos motivou-se na prova testemunhal produzida.
6ª – Resulta da decisão controvertida e da prova testemunhal produzida que a banca existia na insolvente em finais de 2011.
7ª – Resulta da prova documental e testemunhal produzida, bem como das declarações do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência que, em finais de 2011, a insolvente celebrou um negócio jurídico titulado por um documento de confissão de divida com dação em cumprimento do bem controvertido, tendo o capital obtido servido para pagamento de credores, cujos créditos se encontravam vencidos, da sociedade.
8ª – Na data de declaração da insolvência o bem não pertencia à sociedade, pelo que não poderia ser apreendido e entregue ao administrador da insolvência.
9ª – O “produto da venda” do bem foi afecto ao pagamento de credores, cujos créditos se encontravam vencidos, da insolvente, pelo que não poderia ser entregue ao administrador da insolvência.
10ª – A “venda projectada anteriormente à declaração da insolvência” não visava o prejuízo de credores, considerando o valor atribuído ao bem (15.000,00€), totalmente integrado no giro da sociedade insolvente e devidamente contabilizado.
11ª – Pelo negócio jurídico celebrado, a relação do passivo e do activo da empresa não foi inflacionada.
12ª – A recorrente nunca pretendeu prejudicar os credores da insolvente.
13ª – A recorrente não dissipou (ocultou) o património da insolvente.
14ª – O contacto telefónico constante do anúncio junto a fls. 14 não é ou era o contacto pessoal da recorrente.
15ª – A banca de ensaio controvertida nos presentes autos encontrava-se na página da internet para venda, juntamente com outros que compunham a oficina.
16ª – O tribunal recorrido deveria ter dado como provado que:
- “Este equipamento encontrava-se na referida página da internet para venda juntamente com outros que compunham a oficina”.
17ª – O tribunal a quo deveria ter dado como não provado que: - “Dos bens que integravam o recheio do estabelecimento comercial faziam parte, á data da declaração da insolvência, os seguintes bens:
- “Banco GlobalJig” (versão 1) composto pelos seguintes elementos: -componentes universais; controle exterior mcpherson; pranchas laterais 4m; expositor portátil; equipamento hidropneumático “zip”; elevador dec tesoura “zip”; guincho “zip”; cavaletes com travessa; banco “zip” ccom cremalheira; esticador “zip” articulado – resposta ao artigo 1º, da base instrutória.
- Este equipamento foi retirado das instalações da sociedade insolvente pela Requerida C… e lavada para local incerto – resposta ao artigo 3º, da base instrutória.
- Este equipamento foi publicitado numa página da internet para venda, dela constante o contacto telefónico de C… com o nº 934 316 188 – resposta ao artigo 4º, da base instrutória.”
18ª – A insolvência deveria ter sido declarada como fortuita.
19ª – O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto no art.º 186º, n.º 1, al. a) do CIRE.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, proferindo-se Acórdão que declare a insolvência fortuita, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
O M.P.º contra-alegou do seguinte modo:
Atentos os factos que foram dados como provados na douta sentença recorrida, é manifesto que a insolvência teria que ser, como foi, declarada como culposa.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do recurso apresentadas pelo recorrente C…, pelo que, em consequência, tal recurso não poderá ser provido, mantendo-se, em consequência inalterada a douta sentença.
VOSSAS EXCELÊNCIAS, PORÉM, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pela apelante resulta que a questão a dirimir consiste em saber se a insolvência de “S…, Ld.ª” deve ser julgada culposa sendo afectada pela decisão a recorrente C… .
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Vejamos
Foram considerados assentes os seguintes factos:
1. A insolvência de S… , Lda., foi requerida por P…Unipessoal Lda., por petição apresentada em juízo em 23.03.2012 – cfr. al. A), da matéria assente.
2. Por decisão de 10.04.2012, já transitada em julgado, S…, Lda., foi declarada em situação de insolvência2012 – cfr. al. B), da matéria assente.
3. Da certidão do registo comercial, de fls. 16 a 20, dos autos principais, consta que, à data em que foi requerida a declaração de insolvência, o objecto da insolvente era o de manutenção e reparação de veículos automóveis; era gerente L…; e eram sócios L… e C… – cfr. al. C), da matéria assente.
4. Do auto de apreensão de bens móveis de fls. 3 a 4, do apenso de apreensão consta o seguinte:
Verba 1
1 secretária em madeira, 1 móvel de arquivo em madeira c/ portas de correr, 1 armário de arquivo c/ 4 portas, 1 cadeira de executivo, 1 impressora “EPSON CX3200”, 1 fax “CANON B820”, 2 bancos em napa verde ------------------------Valor atribuído € 75,00
Verba 2
2 móveis de arquivo c/ portas de correr, 1 móvel de canto, 1 mesa de centro, 1 sofá de 2 lugares, 1 banco em napa preta ------------------------------------Valor atribuído € 60,00
Verba 3
1 Balcão vitrine, 2 estantes prateleiras c/ material, 1 carro de apoio, 1 móvel de arquivo em chapa, peças usadas, 4 preguiças, 1 banca c/ torno, 1 bigorna, diversas ferramentas, 2 carros de ferramentas, 1 banca de apoio c/ rodas, 1 quadro para ferramentas - Valor atribuído € 500,00
Verba 4
1 aparelho de soldar “DECA MIG 616S” -----------------------Valor atribuído € 75,00
Verba 5
1 Máquina de puxar chapa “ CAR SPOTTER TURBO”------- Valor atribuído € 100,00
Verba 6
1 Esmeril --------------------------------------------------------------- Valor atribuído € 10,00
Verba 7
1 máquina de furar de bancada “POWER LINE TD 1305” ---- Valor atribuído € 40,00
Verba 8
1 Prensa hidráulica --------------------------------------------------- Valor atribuído € 30,00
Verba 9
1 carro de maçarico --------------------------------------------------- Valor atribuído € 80,00
Verba 10
1 macaco auto --------------------------------------------------------- Valor atribuído € 40,00
Verba 11
1 compressor “BOTTARINI SP9” c/ depósito de 480l, 1 filtrador de ar ------------- Valor atribuído € 350,00
Verba 12
1 frigorifico, 1 máquina de lavar à pressão “KRACHER”, 4 cavaletes, 1 aspirador “TRON”, 1 aspirador industrial, 1 secador manual, 1 lixadora manual---------------- Valor atribuído € 200,00
Verba 13
1 estufa de pintura de 6 mts “NOVA VERTA”, com caldeira a gasóleo e depósito plástico - Valor atribuído € 3.000,00
Verba 14
1 cabeça de polir -------------------------------------------------------Valor atribuído € 75,00
Verba 15
1 Secador de infravermelhos de 3 campos ----------------------- Valor atribuído € 100,00
Verba 16
1 máquina de lixar móvel c/ aspiração --------------------------- Valor atribuído € 150,00
Verba 17
1 aspiração de água e pó “NOVA VERTA” --------------------- Valor atribuído € 350,00
Verba 18
vestiários de 3 portas, 1 vestiário de 2 portas ------------------–Valor atribuído € 10,00, no valor total de € 5.245,00 – cfr. al. D), da matéria assente.
5. Dos bens que integravam o recheio do estabelecimento comercial faziam parte, à data da declaração da insolvência, os seguintes bens:
- “Banco GlobalJig” (versão 1) composto pelos seguintes elementos: - componentes universais; controle exterior mcpherson; pranchas laterais 4m; expositor portátil; equipamento hidropneumático “zip”; elevador dec tesoura “zip” ; guincho “zip” ; cavaletes com travessa; banco “zip” com cremalheira; esticador “zip” articulado – resposta ao artigo 1º, da base instrutória.
6. Este equipamento foi adquirido por € 35.190,69 e foi adquirido em 23.03.1999, tendo actualmente o valor de mercado de € 17.000,00 – resposta ao artigo 2º, da base instrutória.
7. Este equipamento foi retirado das instalações da sociedade insolvente pela Requerida C… e levada para local incerto – resposta ao artigo 3º, da base instrutória.
8. Este equipamento foi publicitado numa página da internet para venda, dela constante o contacto telefónico de C… com o nº 934 316 188 – resposta ao artigo 4º, da base instrutória.
9. Este equipamento, data de 26.03.2012 encontrava-se na referida página da internet para venda – resposta ao artigo 5º, da base instrutória.
10. Para além do acima referido equipamento, existiam na insolvente à data da declaração de insolvência os bens que foram apreendidos para a massa insolvente e uma máquina lavadora de pistolas “DRESTER 8000” alinhador de faróis AxA 07EL, uma grua hidráulica GP10/S-1000kg, um elevador de duas colunas, com os quais a insolvente estava equipada e em condições de laborar – resposta aos artigos 6º, 7º e 8, da base instrutória.
11. A sociedade insolvente tinha uma conta caucionada até ao valor de € 50.000,00 na Caixa… para fazer face à tesouraria da empresa e aquisição de matérias-primas, consumíveis e outros encargos correntes – resposta ao artigo 9º, da base instrutória.
12. Deste modo, o crédito da Caixa… reclamado decorre da utilização da referida conta caucionada – resposta parcial ao artigo 11º, da base instrutória.
13. Na IES relativa ao ano de 2008, a sociedade apresenta de capitais próprios o valor de € 17.052,00 e prestações suplementares de capital no valor de € 144.260,68 – cfr. resposta ao artigo 12º, da base instrutória.
14. Na IES de 2009, a empresa apresenta um resultado líquido positivo de € 1.953,00 e as prestações suplementares de capital ficam reduzidas a € 7.948,00 – cfr. resposta parcial ao artigo 13º, da base instrutória.
15. Na IES de 2010 a sociedade apresenta um lucro líquido de € 1.325,76 – cfr. resposta ao artigo 14º, da base instrutória.
16. No ano de 2008, a sociedade apresenta de imobilizado um valor de € 111.306,50 e um valor líquido contabilístico de € 503,45; no ano de 2009, o mesmo valor de € 111.306,50 e um valor líquido contabilístico de € 181,18; e no ano de 2010 um valor liquido contabilístico de € 16.156,89 – resposta ao artigo 18º, da base instrutória.
17. Desde 02.06.2010, é C… que exerce de facto o cargo de gerente – cfr. resposta ao artigo 19º, da base instrutória.
18. Dou como reproduzidas as petições de reclamação de créditos constantes do apenso de reclamação – facto considerado nos termos do artigo 607º, n.º 3, do Código do Processo Civil.
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Decidindo:
A argumentação dos recorrentes é a seguinte (itálico de nossa autoria):
8ª – Na data de declaração da insolvência o bem não pertencia à sociedade, pelo que não poderia ser apreendido e entregue ao administrador da insolvência.
9ª – O “produto da venda” do bem foi afecto ao pagamento de credores, cujos créditos se encontravam vencidos, da insolvente, pelo que não poderia ser entregue ao administrador da insolvência.
10ª – A “venda projectada anteriormente à declaração da insolvência” não visava o prejuízo de credores, considerando o valor atribuído ao bem (15.000,00€), totalmente integrado no giro da sociedade insolvente e devidamente contabilizado.
11ª – Pelo negócio jurídico celebrado, a relação do passivo e do activo da empresa não foi inflacionada.
12ª – A recorrente nunca pretendeu prejudicar os credores da insolvente.
13ª – A recorrente não dissipou (ocultou) o património da insolvente.
14ª – O contacto telefónico constante do anúncio junto a fls. 14 não é ou era o contacto pessoal da recorrente.
15ª – A banca de ensaio controvertida nos presentes autos encontrava-se na página da internet para venda, juntamente com outros que compunham a oficina.
16ª – O tribunal recorrido deveria ter dado como provado que:
- “Este equipamento encontrava-se na referida página da internet para venda juntamente com outros que compunham a oficina”.
17ª – O tribunal a quo deveria ter dado como não provado que: - “Dos bens que integravam o recheio do estabelecimento comercial faziam parte, á data da declaração da insolvência, os seguintes bens:
- “Banco GlobalJig” (versão 1) composto pelos seguintes elementos: -componentes universais; controle exterior mcpherson; pranchas laterais 4m; expositor portátil; equipamento hidropneumático “zip”; elevador dec tesoura “zip”; guincho “zip”; cavaletes com travessa; banco “zip” ccom cremalheira; esticador “zip” articulado – resposta ao artigo 1º, da base instrutória.
- Este equipamento foi retirado das instalações da sociedade insolvente pela Requerida C… e lavada para local incerto – resposta ao artigo 3º, da base instrutória.
- Este equipamento foi publicitado numa página da internet para venda, dela constante o contacto telefónico de C… com o nº 934 316 188 – resposta ao artigo 4º, da base instrutória.”
18ª – A insolvência deveria ter sido declarada como fortuita.


Vejamos então.

A – A alteração da matéria de facto.
(…)
Improcede assim a pretendida alteração da matéria de facto.
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B – A Classificação da Insolvência

Pretende a Apelante que a insolvência deveria ter sido declarada como fortuita pelo que não deve ser afectada pela qualificação da insolvência como culposa, tendo o tribunal a quo violado o disposto no art.º 186º, n.º 1, al. a) do CIRE.
Nos termos do disposto no art. 186 n.º 1 do C.I.R.E. “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Por seu turno, no n.º 2 a) diz-se que “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”.
Há, porém, certos comportamentos ilícitos dos administradores das pessoas colectivas que o legislador tipificou como insolvência culposa, prescindindo do juízo sobre a culpa, os quais vêm taxativamente enumeradas no nº. 2.
Trata-se de comportamentos que afectam negativamente, e de forma muito significativa, o património do devedor, e eles próprios apontam, de modo inequívoco, para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, presumindo-se, por isso, juris et de jure, que a insolvência é culposa.
Como bem se diz no recente Acórdão deste Tribunal de 1/10/2013 (Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1, Relatora Maria da Purificação carvalho), “O preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa, pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do adverbio «sempre». Por isso que seja mais correcto afirmar-se em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109 – como “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE. E por isso que, à semelhança das presunções juris et de jure não admita prova em contrário, sendo que dispensa a alegação – e consequentemente a prova - de qualquer outro facto, ficcionando desde logo, a partir da situação dada, a verificação da situação de insolvência dolosa.
Assim, verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do art.º 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa. Já que pode defender-se que estes factos índice mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa. Pois que enquanto naquelas o legislador apenas faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos a ilação de que um outro facto -fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível - ocorreu, nestas desde logo se estabelece uma valoração normativa da conduta que esses factos integram. Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009.
De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência.
Significa tal que, a simples ocorrência de alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do Nº 2 do sobredito art. 186º conduz inexoravelmente à atribuição de carácter culposo à insolvência, ou seja, à qualificação de insolvência como culposa – neste sentido, entre muitos outros, Carvalho Fernandes/João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris, vol. II, págs.14, nota 5, e 15, nota 8; Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina, 2009, págs. 270/271; Carvalho Fernandes, in A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor, pág. 94, da revista Themis, edição especial, 2005”; ”, vol.II, Quid Iuris Editora, 2005, pág. 14; entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 6.10.2011, no processo 46/07.8TBSVC-D.L1.S1, da Relação de Coimbra de 7.12.2012, no processo 2273/10.1TBLRA-B.C1, em www.dgsi.pt.) e desta Relação Ac 21711.0 TBVCT-A.C1 de 29.05.2012;299/10.4TBPTL-A.G1 de 24.07.2012 e 9041/07.6 TBBRG-ArG1 .L1.S1 de 06.03.2012 todos disponíveis in www.dgsi.pt. E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência. Ali, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência”.
Como bem se diz no Ac. deste Tribunal da Relação de 12/07/2011 (proc. 503/10.9TBPTL-H.G1, Relatora Conceição Bucho – 1.ª Adjunta deste Colectivo): “O n.º2, estabelece um conjunto de factos que, se verificados, conduzem, à qualificação da insolvência como culposa; e o n.º 3 consigna uma presunção de culpa grave dos administradores do devedor que não seja uma pessoa singular.
Embora sem unanimidade mas de forma largamente maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar a presunção de existência de culpa grave a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, como uma presunção “juris tantum”, (ilidível), de culpa grave dos administradores, o que pressupõe e presume a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência; neste mesmo sentido, cfr., Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, volume II, pág. 14 e Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 175; Ac. Rel. Coimbra de 28.10.08 e de 24.03.09; da Rel. Lisboa de 22.01.08, da Rel. Porto de 22.05.07, 18.06.07, de 13.09.07, 5.02.09 e de 25.05.09 e desta Rel. de 20/09/07, em www.dgsi.pt.
Num caso (o do n.º 2), a verificação dos factos aí, taxativamente, previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa; no outro (o do n.º 3), faz, tão só, presumir a culpa grave dos administradores, os quais podem ilidi-la, fazendo a prova em contrário, cfr. art.º 350.º n.º 2 do Código Civil. No entanto, ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3 do art.º 186.º), tal não tem como consequência directa e necessária a qualificação da insolvência como culposa, pois, para que tal possa suceder, é ainda necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de insolvência do devedor, neste sentido, Acs desta Relação de 14.06.2006, in CJ, Ano XXXI, Tomo III, pág. 288, da Rel. Porto de 20.10.2007, in CJ, Ano XXXII, Tomo IV, pág. 189 e da Rel. Coimbra de 24.03.2009, in www.dgsi.pt.)”.
Os factos em que o n.º 2 do artigo 186º funda as presunções nele estabelecidas, são comportamentos dos administradores do insolvente que não seja pessoa singular.
Estão em causa actuações, que por vários meios afectam o património do devedor. Aqui se podem incluir a danificação, ocultação ou destruição de bens.
Ora, atentos os factos que foram dados como provados na sentença recorrida, e cuja alteração, como acima vimos, improcede, é evidente que a insolvência teria que ser, como foi, declarada como culposa.
Para além disso, como a actuação da apelante, ao retirar os referidos bens das instalações da insolvente, contribuiu para o agravamento da situação de insolvência pode e deve ser afectada pela qualificação da insolvência como culposa, como foi na sentença recorrida.
Como tal Improcede pois a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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SUMÁRIO:
1. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
2. A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma actuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: retirando-o das instalações da insolvente e guardando-o em local desconhecido - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou accionamento pelo credor.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente o presente recurso de apelação, e, em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 5 de Junho de 2014
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga