FIRMA
DENOMINAÇÃO SOCIAL
REGISTO
CONFUSÃO
Sumário

A similitude entre as expressões "Fobis" e "Vobis.", conjugada com a identidade do ramo de comércio exercido e a correspondência entre a área geográfica de actuação de ambas as empresas são elementos que, conjuntamente valorados, induzem a formulação de um juízo que não só não afasta a susceptibilidade de confusão, a que se refere o n.2 do artigo 33 do Decreto-Lei n.129/88, como a admite como possível.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

1. - No Tribunal judicial da Comarca da ..........,
"I............., S. A." interpôs recurso contencioso do despacho do Ex.mo DIRECTOR GERAL DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do indeferimento do certificado de admissibilidade da denominação "Vobis" com fundamento em confundibilidade com a firma-denominação "Fobis ........., LDA.", também recorrida.

Instruído e tramitado o processo, foi negado provimento ao recurso.

Desta sentença recorreu novamente a "I........, S. A." que, para pedir a revogação da sentença, levou às conclusões da alegação:
1. 1. - Na sentença recorrida não se atendeu aos sinais distintivos que estão efectivamente em confronto, pois considerou-se que «existe uma semelhança entre a denominação da recorrente e da recorrida»;
1. 2. - Na presente causa nunca se confrontaram duas denominações sociais, mas sim, em rigor, uma denominação social e um nome de estabelecimento;
1. 3. - Comparar dois sinais distintivos do mesmo tipo, não é o mesmo que comparar dois sinais distintos de tipos diferentes;
1. 4. - O nome de estabelecimento é um sinal distintivo com uma finalidade muito específica e muito diferente da denominação social;
1. 5. - Enquanto aquele serve para uma sociedade comercial designar ou tornar conhecido(s) o(s) seu(s) estabelecimento(s) (art. 228.º CPI), a denominação social serve para identificar a própria sociedade comercial.
2. 1. - São muito diferentes as finalidades e formas de utilização dos sinais distintivos em causa;
2. 2. - A Apelante introduziu em Portugal um novo tipo de estabelecimento comercial - "Megastore Informática -, caracterizado por grandes superfícies comerciais especializadas numa só gama de produtos, que designa pelo nome Vobis;
2. 3. - Essa actividade não tem uma afinidade com a exercida pela Apelada que leve o consumidor a confundi-las.
2. 4. - O nome Vobis foi utilizado nos últimos cinco anos de modo público e pacífico, tendo conquistado um prestígio e reputação ímpares, não se tendo verificado a confusão com a denominação social Fobis ........, LDA.
2. 5. - Não é razoável concluir que existe «confusão fácil» entre os sinais em confronto, quando coexistem há cinco anos, sem notícia de erro ou confusão do consumidor.
3. 1. - Ao proceder à comparação directa entre as expressões Vobis e Fobis ....., LDA, a sentença recorrida incorreu em erro, pois a denominação da Apelada não se caracteriza por essa expressão;
3. 2. - A capacidade distintiva da denominação da Apelada está nos dizeres que vêm após a expressão Fobis ......, LDA - que não tem a capacidade caracterizadora própria das firmas e denominações sociais -, pois é aí que residem os elementos prevalentes sobre a natureza e actividade da sociedade;
3. 3. - A expressão Fobis ....., LDA, da denominação social em causa, não constitui um elemento decisivo para afastar o princípio da exclusividade, exigindo-se, para tanto, que se considere a mesma denominação na sua globalidade;
3. 4. - O nome do estabelecimento Vobis não é idêntico à denominação social Fobis ......., LDA.
3. 5. - Nem a expressão Vobis. é confundível com a expressão Fobis ....., LDA, pois têm fonética completamente distinta e é insusceptível de induzir em confusão o homem médio.
- Foram violados os arts. 33.º-1 e 2 e 57.º-1 do Regime Jurídico do RNPC, aprovado pelo DL n.º 129/98, de 13/5.

A Apelada "Fobis.........., Lda." respondeu em defesa do julgado.

2. - A decisão impugnada assenta nos seguintes elementos de facto:

- Foi pedido na secção de serviços do RNPC certificado comprovativo de que não existe registo de firma ou denominação idêntica ao nome do estabelecimento "Vobis" que Requerente (ora Recorrente) pretende registar com sede em ............. e com o objecto de "comércio grossista e retalhista de equipamento informático e prestação de serviços conexos";
- O referido pedido foi indeferido, por despacho de 17/4/99, por confundibilidade com a firma "Fobis....., LDA.", confirmado por despacho do Director Geral dos Registos e Notariado de 8 de Julho de 1999;
- A firma "Fobis ........., LDA." tem sede no ........... e tem como objecto social a "comercialização, produção, importação e exportação de computadores, acessórios e software; formação ligada a hardware e software, consultadoria e gestão de empresas e de departamentos de informática para organização e instalação de sistemas informáticos".

3. - Mérito do recurso.

3. 1. - A questão a decidir, ou seja, o objecto do recurso, é a da confundibilidade entre a firma-denominação "Fobis ........, LDA.", da Apelada, e o nome de estabelecimento "Vobis", relativamente ao qual a Apelante viu indeferido o certificado de admissibilidade com tal fundamento.

O que está em causa é o respeito pelo princípio da novidade que abrange os vários sinais distintivos do comércio - a firma (elemento de identificação do comerciante), o nome do estabelecimento (elemento identificador da empresa) e a marca (elemento diferenciador dos produtos).
Este princípio, para além de se encontrar consagrado em várias disposições do Código da Sociedades Comerciais e do Código da Propriedade Industrial, tem expresso acolhimento no diploma que especificamente regula a matéria do recurso, o Dec.-Lei n.º 129/98, de 13/5.
Com efeito, no seu art. 33.º estabelece-se que «As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas no mesmo âmbito de exclusividade (...)» - n.º 1-, ao que os n.ºs 2 e 5 do mesmo preceito acrescentam, respectivamente: «Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas; Deve ainda ser considerada (nesses juízos) a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais».

Fornece, pois, a lei um critério para formulação de um juízo sobre a novidade, a retirar dos diversos índices descritos e enunciados na norma.
De notar que esse juízo há-de ser o resultado de valoração de todo o conjunto de elementos e, deve ser formulado negativamente quanto à confundibilidade, ou seja, o que se pretende não é saber se os sinais em causa são confundíveis mas, antes e apenas, se não o são, indagando-se se, pela semelhança das designações das firmas e denominações adoptadas, não podem ser susceptíveis de confusão.
Subjacente ao critério referido não pode deixar de estar um outro, qual seja o de que tudo deve ser analisado e ponderado à luz da ciência e diligência normal do homem médio; da possibilidade de indução em erro sobre a identificação, não de um comerciante ou de pessoa especialmente conhecedora, mas do normal cliente que, tendo em mente dirigir-se a uma empresa, possa vir, por esse motivo, a dirigir-se a outra (cfr., sobre o ponto, FERRER CORREIA, "Lições de Direito Comercial", Reprint - Lex, 147 e ss.; O. ASCENSÃO, "Direito Comercial", I, 279 e ss.).

3. 2. - Aqui chegados, é altura de apreciar as doutas conclusões da Apelante.

3. 2. 1. - Nas cinco primeiras conclusões - A) a E) (1.1 a 1.5, supra) - queixa-se a Recorrente que na sentença impugnada se procedeu ao confronto de duas denominações sociais, quando estavam em causa uma denominação social e um nome de estabelecimento.

É possível, e mesmo provável, que a confusão denunciada tenha ocorrido, pois convergem nesse sentido algumas passagens da peça.
Porém, uma vez que o erro não afecta a matéria de facto que vem assente, o eventual erro de julgamento será irrelevante, quer porque, mesmo integrando nulidade, caberia a este Tribunal saná-la (art. 715.º CPC), quer porque, como já dito, a imposição legal do princípio da novidade como condição da emissão do certificado de admissibilidade é extensivo a todos os sinais distintivos.
Consequentemente, o invocado erro sobre os pressupostos, concretizados nos sinais distintivos efectivamente em confronto, carece de relevância autónoma, seja na decisão recorrida, seja no objecto do recurso.

3. 2. 2. - O conteúdo das conclusões F) a J) (2.1 a 2.5), na medida em que arranca de matéria de facto que, embora alegada no recurso, não se encontra demonstrada nos autos para concluir, de harmonia com esses desconhecidos pressupostos - diferente natureza dos estabelecimentos e coexistência de facto durante cinco anos -, pela inexistência de perigo de confusão, é também, por inatendibilidade inerente à total omissão em sede de fundamentos de facto, inidóneo como elemento a considerar no juízo de não confundibilidade a emitir.
De resto, o problema só se põe em relação ao registo e para efeitos do mesmo.

3. 2. 3. - Isto posto, resta apreciar o terceiro grupo de conclusões, que realmente interessam à questão a decidir:

A firma é, ninguém duvida, uma realidade distinta do nome do estabelecimento: A primeira identifica um elemento pessoal, o nome usado pelo comerciante no exercício do seu comércio; o último identifica um elemento real, a ligação do comerciante ao estabelecimento.
Mas, na prática, pelo menos, a distinção não surge clara, nomeadamente aos olhos do vulgar consumidor, e o que acontece é que, como alerta O. Ascensão (Ob. cit., 265), «os estabelecimentos são frequentemente designados pela própria firma: "vou ao Ramiro Leão". Isto traduz já uma tendência para esbater fronteiras».

E, recorde-se, o que está aqui em questão é justamente o conhecimento e a diligência normal do homem médio.

Reportando-nos, então, ao caso concreto, e percorrendo os índices a que a lei faz particular alusão, temos que:

- Dado que o confronto ocorre entre uma firma denominação e o nome de um estabelecimento, o "tipo de pessoa", no caso uma Sociedade por quotas e o estabelecimento de uma Sociedade Anónima, não traz qualquer contributo para a solução do problema;

- O critério do "domicílio ou sede" nada traz de significativo, tanto mais que a actividade de Apelante e Apelada se desenvolverá a nível nacional, o que terá repercussão valorável a nível dos índices seguintes;

- Quanto à "afinidade ou proximidade das actividades exercidas", aqui, sim, a posição relativa do(s) estabelecimento(s) de uma e de outra das pessoas colectivas é de parcial sobreposição, tendo sempre por objecto actividade empresarial da mesma natureza (comércio de equipamento informático e prestação de serviços conexos) passível de ser desenvolvida em área geográfica sobreponível (a generalidade do território nacional), com a inerentemente sobreponível vocação clientelar;

- No que toca ao "âmbito territorial das actividades exercidas", está já dito que não se distinguem;

- Finalmente, as semelhanças dos nomes sob o aspecto gráfico e fonético.
Acompanha-se a Apelante quando sustenta que a capacidade distintiva da denominação da Apelada está nos dizeres que vêm após a expressão "Fobis ......., LDA", pois é aí que residem os elementos prevalentes sobre a natureza e actividade da sociedade.
Só que, como a própria Apelante bem fez notar a outro propósito, o que aqui se compara não são elementos distintivos de duas firmas. O que se põe em confronto são sinais distintivos de empresas que, como se viu, exercem actividades do mesmo ramo, dirigidas ao mesmo tipo de clientela e relativamente a cujos estabelecimentos o sistema jurídico impõe um regime preventivo tendente à inibição da prática de actos passíveis de criar confusão desses sinais, susceptíveis de, em última análise, propiciarem actos de concorrência contrários às normas e usos comerciais.
Daí que, parafraseando O. Ascensão, será de questionar se não é possível que um qualquer interessado na aquisição de material informático, informado de o pode encontrar na "Fobis ......., LDA", e tendo em mente procurá-lo no estabelecimento desta Sociedade, não se dirija, por erro, à "Vobis", e vice-versa.
É que o primeiro é, sem dúvida, o vocábulo forte da firma e, se designado o estabelecimento pela denominação da firma - como parece ser a vocação da expressão em causa, desde logo por se tratar de um sinal que pela sua sonoridade e ausência de significado próprio -, apresenta-se com forte capacidade distintiva (o que já pode não suceder necessariamente para efeitos de comparação de firmas).
Assim sendo, a comparação não pode deixar de fazer-se entre os vocábulos "Fobis ......., LDA" e "Vobis", enquanto susceptíveis de serem utilizados para designação de estabelecimentos do ramo de informática.
E, quanto a este ponto, se a grafologia diverge quanto à consoante inicial, já a nível de fonética, para além da coincidência das vogais e da tónica, ainda as ditas consoantes, dadas as afinidades de pronúncia, são classificadas como labiodentais.
A semelhança, como elemento relevante do juízo, repete-se.

3. 3. - Conclui-se, pois, que a similitude entre as expressões "Fobis ....., LDA" e "Vobis", conjugada com a identidade do ramo de comércio exercido (elemento sobremaneira relevante na apreciação da confundibilidade por violação do princípio da novidade) e a correspondência entre a área geográfica de actuação de ambas as empresas são elementos que, conjuntamente valorados, induzem a formulação de um juízo que não só não afasta a susceptibilidade de confusão a que se refere o n.º 2 do art. 33.º do DL n.º 129/98 como a admite como possível.

Nessa medida, improcedem também as restantes conclusões da Apelante.

4. - Decisão.

Em conformidade como exposto, decide-se:
- Julgar improcedente a apelação;
- Confirmar da sentença impugnada; e,
- Condenar a Recorrente nas custas.

Porto, 19 de Dezembro de 2002
António Alberto Moreira Alves Velho
Camilo Moreira Camilo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha