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PENA DE MULTA
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Sumário
(da responsabilidade da Relatora) I- O tribunal de recurso apenas deverá intervir, alterando as medidas das penas, em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correcção, perante as circunstâncias do caso, face aos parâmetros da culpa e da prevenção, supra referidos. II- O quantitativo diário da multa nos termos do disposto no artº 47º nº 2 do Código Penal, é fixado em função da situação económica e financeira do condenado, bem como dos seus encargos pessoais. III- A pena de multa não pode pôr em causa as condições mínimas de subsistência do arguido, mas deve traduzir-se na imposição de algum grau de sacrifício económico ao mesmo, sob pena de as finalidades da punição não serem alcançadas.
Texto Integral
Acordam1, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
No âmbito do processo comum nº 2/22.6 XELSB do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 10, foi proferida sentença em ........2025, que condenou o arguido AA:
a) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação, p. e p. nos termos dos artigos 35º, nºs 1, alínea b), 4 e 5, 19.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública (aprovado pelo Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro e respectivas alterações), com referência ao artigo 2º, al. g) da Lei nº 6/2013, de 22 de Janeiro e às Convenções entre a Direcção-Geral das Actividades Económicas, a ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a Federação Portuguesa do Táxi, datadas 27 de Dezembro de 2012 e de 13 de Maio de 2022, na pena de 12 meses de prisão e na pena de 150 dias de multa.
b) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação, p. e p. nos termos dos artigos 35º, nºs 1, alínea b), 4 e 5, 19.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública (aprovado pelo Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro e respectivas alterações), com referência ao artigo 2º, al. g) da Lei nº 6/2013, de 22 de Janeiro e às Convenções entre a Direcção-Geral das Actividades Económicas, a ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a Federação Portuguesa do Táxi, datadas 27 de Dezembro de 2012 e de 13 de Maio de 2022, na pena de 12 meses de prisão e na pena de 150 dias de multa.
c) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º, nºs 1, alínea b) e 2 do Código Penal, na pena de 170 dias de multa.
d) Substituir as duas penas de 12 meses de prisão por duas penas de 360 dias de multa.
e) Em cúmulo jurídico das penas principais de multa, condenar o arguido na pena única de 390 dias de multa.
f) Em acumulação material da pena única de multa principal e das penas de multa de substituição, condenar o arguido na pena conjunta de 1110 dias de multa (360+360+390), à razão diária de €6,50, o que perfaz o montante global de €7.215,00 de pena conjunta.
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A- Do Recurso
Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, pretendendo a revogação da sentença proferida quanto à medida da pena aplicada, considerando que se mostra excessiva a pena única fixada em € 7.215,00, a qual em seu entendimento, e atendendo aos critérios constantes dos artºs 71º nº 2 e 40º do Código Penal (CP), deveria ter sido fixada abaixo dos € 5.000,00.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) 2º - Não pode o arguido, ora recorrente, face à factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, conformar-se com a pena aplicada, que no seu entender se revela excessiva. 3º- O Acórdão proferido pelo Mmo Juiz do Tribunal Colectivo, que aplica a pena de €7.215,00 de pena conjunta, é recorrível para o Tribunal da Relação, pois este também conhece de direito artigo 428º do C.P.P.. 4º - Da factualidade dada como provada resulta que o Tribunal a quo condenou o arguido, na pena de €7.215,00 de pena conjunta, pela prática pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação, p. e p. nos termos dos artigos 35º, nºs 1, alínea b), 4 e 5, 19.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública (aprovado pelo Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro e respectivas alterações), com referência ao artigo 2º, al. g) da Lei nº 6/2013, de 22 de Janeiro e às Convenções entre a Direcção-Geral das Actividades Económicas, a ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a Federação Portuguesa do Táxi, datadas 27 de Dezembro de 2012 e de 13 de Maio de 2022, na pena de 12 meses de prisão e na pena de 150 dias de multa. b) CONDENAR o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação, p. e p. nos termos dos artigos 35º, nºs 1, alínea b), 4 e 5, 19.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Regime Jurídico das Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública (aprovado pelo Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro e respectivas alterações), com referência ao artigo 2º, al. g) da Lei nº 6/2013, de 22 de Janeiro e às Convenções entre a Direcção-Geral das Actividades Económicas, a ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a Federação Portuguesa do Táxi, datadas 27 de Dezembro de 2012 e de 13 de Maiode 2022, na pena de 12 meses de prisão e na pena de 150 dias de multa. c) CONDENAR o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º, nºs 1, alínea b) e 2 do Código Penal, na pena de 170 dias de multa. d) SUBSTITUIR as duas penas de 12 meses de prisão por duas penas de 360 dias de multa. e) Em cúmulo jurídico das penas principais de multa, condenar o arguido na pena única de 390 dias de multa. f) Em acumulação material da pena única de multa principal e das penas de multa de substituição, condenar o arguido na pena conjunta de 1110 dias de multa (360+360+390), à razão diária de €6,50, o que perfaz o montante global de €7.215,00 de pena conjunta. 5º– Bem sabemos que o Juiz de julgamento, do Tribunal a quo, tem a árdua tarefa de dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador,determinar dentro da moldura abstracta cabida aos factos dados como provados no processo, encontrar o quantum concreto da pena. 6º – Quanto a nós a pena a aplicar, deverá ser fixada em pena inferior a € 5000 euros. 7º - No caso vertente as condições socioeconomicas do ora recorrente são fracas. 8º - Inexistem sinais de exteriores de riqueza da recorrente, não porque ocultados mas porque realmente inexistentes. 9º - Apesar de não ter sido realizado relatório social. 10º- A pena de €7.215,00 de pena conjunta para o comportamento global do recorrente, é elevado, não se descortinando a razão pela qual não se optou por pena em patamar inferior aos € 5000.00. 11º - A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade. 12º - A decisão deveria fornecer matéria de facto também suficiente para se poder concluir sobre a real intenção com que o recorrente agiu, e se é que a teve na data dos factos; apurar o circunstancialismo em que os factos ocorreram e assim indagar sobre a forma de dolo e sobre a verdadeira intenção do recorrente; o grau de culpa do recorrente; e os motivos e características da atitude do recorrente. 13º - O tribunal a quo ponderou mal na escolha e determinação da pena que efectuou, com o devido respeito que é muito. 14º – Com a escolha e determinação da pena, no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida. 15º - Acontece que, para determinar a medida concreta da pena, o juiz serve- se do critério global contido no artigo 71º, nº1 do C.P.. 16º - A determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção geral e especial das penas. 17º - E, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa! 18º - A cada um dos vectores contidos no artigo 71º, nº1 do C.P., devem-se imputar os diferentes factores de medida da pena, referidos exemplificadamente no seu nº 2 . 19º- O Tribunal a quo violou assim o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta (no sentido de insuficiente) aplicação do mesmo, salvo o devido respeito que é mesmo muito. Mesmo que assim não se entenda e sem conceder porém, 20º- Entende ainda o arguido e ora recorrente que a pena, que o Tribunal a quo lhe aplicou é um pouco excessiva, porque quanto a nós se deveria ter situado em pena inferior a € 5000.00. 21º - A medida concreta da pena está subordinada aos princípios da necessidade e proporcionalidade e, consequentemente ditada por uma proibição de excesso, fundada no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. 22º - Violou, por isso, a douta decisão recorrida as normas constantes dos artigos 40º, 71º e 50º do Código Penal, salvo o devido respeito.
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B-Da Admissão do recurso
Por despacho datado de ........2025, o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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C- Da Resposta
O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sem formular conclusões.
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D- Do Parecer
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, tendo sido emitido parecer que concluiu pela improcedência do recurso, aderindo à resposta formulada em primeira instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do Código de Processo Penal (CPP) o recorrente não apresentou resposta.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido.
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II- Fundamentação
II.1- Objecto do recurso
Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jurisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso2.
Atentas as conclusões apresentadas, no caso em análise, a única questão que cumpre apreciar é se se mostra adequada a medida concreta da pena aplicada pelos crimes em que o recorrente foi condenado.
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II.2- Da Sentença Recorrida
A- É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª instância: 1. No dia ... de ... de 2022, pelas 5 horas e 59 minutos, o arguido transportou BB no veículo ligeiro de passageiros, afecto ao serviço de táxi, de marca RENAULT, ... JZ, com a matrícula ..-XG-.., propriedade da sociedade comercial ..., desde a “...” do ..., sito na área desta comarca de Lisboa, até ao ..., sito na Av. Dom João II, nº 32, também, na área desta comarca de Lisboa. 2. Pelo referido transporte, findo o trajecto, o arguido exigiu a BB o pagamento da quantia de € 20,00 (vinte euros), embora pelo percurso de trêsquilómetros e seiscentos metros – a que corresponde a corrida efectuada –, de acordo com o sistema tarifário anexo à Convenção celebrada entre a Federação Portuguesa do Táxi, a ... e a Direcção-Geral das Actividades Económicas, o valor a pagar seria de € 7,10 (sete euros e dez cêntimos), já com a tarifa pela bagagem. 3. BB efectuou o pagamento da quantia de € 20,00 (vinte euros), cobrada pelo arguido. 4. Ao cobrar a aludida quantia pelo serviço descrito, o arguido obteve um lucro ilegítimo equivalente a € 12,90 (doze euros e noventa cêntimos). 5. Em momento não concretamente apurado, mas próximo e anterior a ... de ... de 2022, e tendo como fito aumentar o valor a cobrar aos clientes a quem prestava serviços, o arguido acoplou um dispositivo electrónico à instalação do taxímetro do veículo identificado em 1º, vulgarmente designado “acelerador”, o qual, mediante impulsos eléctricos gerados pelo próprio arguido através de um comando, permitiria alterar o funcionamento do taxímetro, incrementando o valor a pagar pelas corridas efectuadas. 6. Assim, e já com o predito dispositivo instalado e em funcionamento, no dia ... de ... de 2022, pelas 10 horas e 38 minutos, na ..., em Lisboa, o arguido transportava ... no veículo ligeiro de passageiros, afecto ao serviço de táxi, identificado em 1º, tendo sido fiscalizado por agentes da Polícia de Segurança Pública. 7. Tal viagem havia sido iniciada minutos antes na “...” do ..., sito na área desta comarca de Lisboa, e tinha como destino final o ..., sito na Av. Sidónio Pais, nº 6, também, na área desta comarca de Lisboa. 8. Aquando da fiscalização efectuada por agentes da Polícia de Segurança Pública, o taxímetro registava, naquele ponto do percurso, o valor de € 27,55 (vinte e seteeuros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido de € 1, 60 (um euro e sessenta cêntimos), a título de suplemento de bagagem. 9. Contudo, tendo em conta o percurso de seis quilómetros e quatrocentos e cinquenta metros efectuado até àquele momento, e de acordo com o sistema tarifário anexo à Convenção celebrada entre a Federação Portuguesa do Táxi, a Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a Direcção-Geral das Actividades Económicas, o valor que o taxímetro deveria registar rondaria os € 8,25 (oito euros e vinte e cinco cêntimos). 10. Nessa ocasião, foram apreendidos ao arguido dois comandos de controlo remoto, de cor preta, dotados de dois botões identificados com as letras “A” e “B”, Model NO, Outdoor kit remote, 12v Superior Electronics. 11. O arguido sabia que os valores a cobrar se encontram fixados por Convenção e que não poderia exigir quaisquer outros que não resultassem daquela e, ainda assim, não se coibiu de actuar do modo descrito. 12. O arguido bem sabia que o serviço que prestara àquele cliente não o legitimava à cobrança da quantia de 19,30 € (dezanove euros e trinta cêntimos) em excesso e, não obstante, quis cobrá-la, assim visando obter um proveito económico, naquele valor, a que sabia não ter direito. 13. Mais sabia o arguido que ao conectar aquele dispositivo ao taxímetro e ao utilizá-lo, mediante o accionamento dos botões do comando de controlo remoto, alterava e criava acção perturbadora nos registos fornecidos por aquele aparelho, forjando um registo de valores a cobrar sem correspondência com a realidade, superior ao devido, assim lesando o Estado e fé pública que é depositada na veracidade dos dados fornecidos pelo taxímetro e que o Estado quer preservar, iludindo os clientes aos quais prestava serviço de transporte de táxi e alcançando vantagem pecuniária que sabia ilícita. 14. O arguido bem sabia que o serviço que prestava aos passageiros acima identificados não legitimava a cobrança de quantia superior ao legalmente fixado, e, não obstante, quis cobrá-la, assim visando obter um lucro a que sabia não ter direito. 15. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, pretendendo alcançar uma vantagem indevida, embora soubesse que o seu comportamento não era permitido e é punido por lei criminal. Das condições de vida e dos antecedentes criminais do arguido 16. O arguido é taxista há cerca de 15 anos e, por esta atividade, aufere mensalmente a retribuição de entre €1500,00 a €2000,00. A sua esposa encontra-se desempregada. Tem um filho, com 6 anos de idade, residindo todos em casa arrendada, pela qual pagam a renda mensal no valor de €500,00. O seu filho faz terapia para tratamento de situação de autismo, pela qual o arguido paga mensalmente a quantia de cerca de €360,00. O arguido tem outro filho, de 17 anos de idade, que se encontra a estudar. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade. 17. O arguido foi anteriormente condenado no processo n.º 606/15.3..., por sentença transitada em julgado em ...1.../05 pela prática de um crime de especulação, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, e a pena de 150 dias de multa, penas já extintas. (…)
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A respeito da questão a decidir, a fundamentação da decisão recorrida é a seguinte: (…) 3.2) Escolha e medida concreta da pena A) Da escolha da pena O crime de especulação é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos e pena de multa não inferior a 100 dias. O crime de falsificação de notação técnica é punido com pena de prisão de 3 anos ou pena de multa. A. Da escolha da pena Cumpre, neste momento, e uma vez que o tipo legal do crime de falsificação de notação técnica admite a punição, em alternativa, da pena principal de prisão ou da pena principal de multa, ter presente o critério da escolha da pena, previsto no artigo 70.º do Código Penal. De acordo com esta norma, quando a um mesmo crime seja aplicável pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal deverá optar pela última sempre que esta se mostrar adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. Por sua vez, a referida norma deve ser lida e aplicada em conjugação com o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, que versa sobre as finalidades das penas. Assim, o Código Penal português traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre aplicadas e executadas tendo em vista a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (falamos das finalidades de prevenção geral e de prevenção especial das penas). Acresce que, “a articulação entre as necessidades de prevenção geral e especial deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão.” (PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ob. citada). São as necessidades de prevenção especial de socialização que prevalecem sobre a escolha do tipo de pena a aplicar e que justificam, numa perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra as penas privativas da liberdade (FIGUEIREDO DIAS, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”.). Ora, no caso concreto, deveremos atender quer à natureza dos bens jurídicos violados – no caso do crime de falsificação de notação técnica, a segurança e confiança jurídicas –, quer ao modo particular de atuação do arguido na prática do crime – através da colocação de um dispositivo no taxímetro. Desde logo, as finalidades de prevenção geral são elevadas e impõem um forte sancionamento das condutas deste género. As necessidades de prevenção especial são medianas, considerando que o arguido tem uma condenação criminal, mas está familiar, social e profissionalmente inserido. Daí que se entenda que uma pena não privativa da liberdade, como a pena de multa, ainda é suficiente para promover a recuperação do delinquente e reprovar suficientemente a sua conduta. * B. Da medida concreta da pena Nos termos do disposto nos artigos 71.º, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal, os alicerces que devemos ter presentes na determinação da medida concreta da pena são os de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela de bens jurídicos, na reinserção do arguido na sociedade, e o de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. Assim, em primeiro lugar, a medida da pena deve ser avaliada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados. Deverá encontrar-se, como ponto de referência, o limite mínimo da moldura penal concreta abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena, sem se pôr em causa a proteção de tais bens jurídicos. De seguida, a culpa do arguido proporcionará o limite máximo inultrapassável na medida da pena, mesmo atendendo a considerações de tipo preventivo. Por fim, considerando estes limites, mínimo e máximo, da moldura penal concreta, deverá encontrar-se a medida da pena que responde às necessidades de prevenção especial de reinserção na sociedade. Por conseguinte, "culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito" (FIGUEIREDO DIAS, ob. citada). Por sua vez, face ao que se acaba de expor, no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal encontramos os fatores que nos permitem decidir da medida da pena adequada ao caso concreto: necessário é, assim, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Há que ponderar, desde logo, as exigências de prevenção geral, que quanto a ambos os crimes são elevadas, face à natureza dos bens jurídicos tutelados e à crescente frequência com que este tipo de ilícitos vêm ocorrendo, e as de prevenção especial no caso concreto, que são moderadas, considerando que o arguido está familiar profissional e socialmente inserido, que tem uma condenação averbada no seu CRC. Por sua vez, in casu, já em sentido agravante, importa valorar o carácter intenso do dolo enquanto elemento subjetivo da ilicitude (dolo-do-tipo), que se apresentou na sua modalidade direta. Em face do exposto, tudo ponderado, decide-se aplicar ao arguido, pela prática de cada um dos crimes de especulação, duas penas de 12 meses de prisão, e duas penas de 150 dias de multa. E pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, a pena de 170 dias de multa. * C. Da substituição da pena de prisão por pena de multa Nos termos do disposto no artigo 45.º do Código Penal, “pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º.”. Assim, a pena concreta de prisão até um ano só não deve ser substituída quando razões de finalidades preventivas exijam a aplicação de pena de prisão. No caso concreto, entendemos que estão reunidas as condições para operar esta substituição, porquanto, o arguido está familiar, social e profissionalmente inserido e, pese embora tenha uma condenação averbada no registo criminal, a mesma dista de há mais de 15 anos. Daí que entendemos que é possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido da substituição da pena de prisão por pena de multa. Assim, sendo aplicável na determinação da pena de substituição o disposto no artigo 47.º e uma vez que no caso concreto aplicámos ao arguido duas penas de 12 meses de prisão, entendemos adequado fixar, em substituição, duas penas de multa de 360 dias. * No que se refere à fixação do quantitativo diário da pena de multa, pode ler-se no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 euros e 500 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”. Ora, “Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência” – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 05-11- 2008. Assim, o critério a adotar, nunca podendo observar simplesmente a uma perspetiva economicista, deve sempre ter em conta critérios de razoabilidade e exigibilidade. A pena de multa terá de representar uma censura do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, mas também deverá ser sempre assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio- económicas. No caso em apreço, tendo presente as condições económicas do arguido, decido fixar o quantitativo diário em 6,50€. * Por tudo o exposto, vai o arguido condenado: - na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa, e na pena principal de 150 dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em 6,50€ (um crime de especulação); - na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa, e na pena principal de 150 dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em 6,50€ (um crime de especulação); - na pena principal de 170 dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em 6,50€ (um crime de falsificação de notação técnica). * Do cúmulo jurídico das penas de multa principais Uma vez que os crimes pelos quais o arguido vai condenado nos presentes autos foram praticados antes do trânsito em julgado de qualquer um deles, importa realizar o cúmulo jurídico das penas de multa principais aplicadas, condenando-o numa pena única, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal. Assim, de acordo com o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 77.º do Código Penal, há que determinar a pena única dentro de uma moldura de cúmulo jurídico entre 170 e 470 dias de multa, e considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente. Devem ter-se em conta os critérios de determinação da pena referidos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. Assim, para a determinação da pena única a aplicar, de harmonia com o disposto no citado artigo 77.º, n.º 1, parte final, ter-se-á em atenção afactualidade no seu conjunto e a personalidade do arguido, acompanhando de perto o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal no que toca às finalidades da punição. No caso em apreço, importa ter presente tudo o quanto já foi referido quanto à personalidade do arguido, à gravidade dos factos, e às necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto. Por conseguinte, atento o exposto e, ainda, ponderando as exigências de prevenção especial, julga-se adequado fixar ao arguido a pena única de 390 dias de multa. * E, fazendo-se a soma das duas penas de multa de substituição com esta pena principal única de multa, condena-se o arguido na pena conjunta de 1110 dias de multa (360+360+390), à razão diária de €6,50, o que perfaz o montante global de €7.215,00.
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II.3- Da análise do recurso
Como resulta das conclusões acima transcritas (cf. I-A), entende o recorrente que a pena aplicada se revela excessiva, atentas as suas condições sócio económicas, as finalidades das penas e a culpa do arguido, devendo, por isso, situar-se em patamar inferior a € 5.000,00.
Cumpre apreciar.
De acordo com o artº 40º do Código Penal (CP), a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A medida pena é fixada segundo os critérios estabelecidos no artº 71º nºs 1 e 2 do CP, sendo a pena concreta sempre limitada no seu máximo pela medida da culpa.
Por sua vez, dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico3.
Dentro desta moldura actuam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois se o agente não se mostrar carente de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá apenas a função de suficiente advertência, baixando a medida para o limiar mínimo.
Com efeito, e como nos refere Figueiredo Dias4, só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
Todavia, em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização5.
Da conjugação de tais normas legais, resulta ainda a clara a opção do legislador pelas penas não privativas da liberdade (cf. artº 70º do CP), sempre que estas sejam adequadas do ponto de vista de prevenção geral positiva para a tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, bem como quando assegurem a reintegração do agente na sociedade.
De todo o modo, a pena em concreto deve representar para os arguidos o justo castigo pela violação das normas de ética social de confiança e deve contribuir para a reinserção social dos mesmos, por forma a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentimento de justiça e servir como elemento dissuasor relativamente aos cidadãos em geral, sublinhando-se uma vez mais a clara opção do legislador pelas penas não privativas da liberdade.
Importa ainda referir que, tal como defendido na doutrina6 e na jurisprudência7, o tribunal de recurso apenas deverá intervir, alterando as medidas das penas, em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correcção, perante as circunstâncias do caso, face aos parâmetros da culpa e da prevenção, supra referidos.
Chegados aqui, cabe dizer que a decisão recorrida ponderou devidamente os factores atinentes à culpa e às exigências de prevenção, de acordo com os critérios supra assinalados, pelo que não se considera existir motivo para qualquer correcção, já que não se verifica qualquer desproporção por insuficiência que o demande.
Na verdade, a decisão recorrida começou por considerar a moldura penal abstracta prevista para os crimes em concurso, ponderando, de seguida, em face da punição do crime de falsificação de notação técnica (artº 258º nºs 1 al. b) e nº 2 do CP) em alternativa com prisão ou multa, se esta última, face ao disposto no artº 70º do CP se revelava adequada às finalidades da punição, concluindo que sim.
De seguida, atendendo aos critérios supra assinalados, fixou as medidas concretas das penas a aplicar a cada um dos crimes, dois de especulação e um de falsificação de notação técnica.
Para o efeito, ponderou acertadamente as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente aos dois tipos de crime em equação, bem como às moderadas exigências de prevenção especial, considerando que o recorrente está familiar, social e profissionalmente inserido. Mais considerou os seus antecedentes criminais e o carácter intenso do dolo, encontrando a medida concreta da pena a aplicar, de forma sensata e criteriosa.
De seguida, sendo o crime de especulação punido com pena de prisão e multa complementar, e tendo-a fixado, para cada um dos crimes em 12 meses de prisão e 150 dias de multa, em conformidade com o disposto no artº 45º do CP, ponderou as finalidades preventivas que no caso se fazem sentir, considerando que as mesmas não obstavam à substituição da pena de prisão por multa.
Quanto ao quantitativo diário da multa, como é referido na decisão recorrida, o mesmo é fixado, nos termos do disposto no artº 47º nº 2 do CP, isto é, em função da situação económica e financeira do condenado, bem como dos seus encargos pessoais.
Sublinhe-se, todavia, como referido no AC. STJ. 03.06.20048 que (…)a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável.
No mesmo sentido, escreve-se no AC.RC. 05.11.20089 que sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a perceção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.”
No que concerne às condições de vida do recorrente, ficou provado que este exerce a profissão de taxista auferindo mensalmente uma quantia entre os € 1.500,00 a € 2.000,00. É casado, a mulher encontra-se desempregada e têm um filho de 6 anos de idade e outro de 17 anos estudante. Pagam de renda mensal a quantia de € 500,00 e € 360,00 para a terapia do filho mais novo.
Atendendo a estas condições, a decisão recorrida fixou o quantitativo diário da multa em € 6,50, perto, portanto, do mínimo legal, não se afigurando, de todo, que a mesma se revele desproporcionada, antes reflectindo a ponderação de todos os factores legais por referência à situação pessoal e económica do recorrente.
Por último, efectuou a decisão recorrida o cúmulo jurídico das penas em concurso, em observância ao disposto no artº 77º nº 1 do CP, não deixando de olvidar que face ao disposto no número 3 da mesma norma, não entram no cúmulo jurídico a realizar as penas de multa aplicadas em substituição da pena de prisão.
Assim, dentro da moldura do concurso (num limite mínimo de 170 e máximo de 470) fixou a pena única em 390 dias, remetendo, como se impunha, para os critérios enunciados nos artºs 71º e 40º que, como supra referimos foram criteriosamente seguidos.
Chegados aqui, face àquela pena única de multa a que há que somar as duas penas aplicadas em substituição, chegamos ao número de dias de multa fixado de 1110 dias.
Ora, reflectindo o quantitativo diário fixado as condições pessoais e económicas do recorrente, é manifestamente impossível acolher a sua pretensão de redução da multa abaixo dos € 5.000,00, com o que improcede o recurso.
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III- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA confirmando na íntegra a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artºs 513º do CPP e 8º nº 9 do RCP, por referência à Tabela III anexa ao mesmo).
Notifique.
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Lisboa, 3 de Dezembro de 2025
Lara Martins
Hermengarda do Valle-Frias
Joaquim Cruz
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1. Neste acórdão é utilizada a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, nas citações, a grafia do texto original
2. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89.
3. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg 105
4. Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3ª reimpressão, pgs 72 e 73
5. Ibidem nota 4
6. Cf. Ibidem, pg 197
7. Cf a título de exemplo Acordãos do STJ de 08.11.2023, no processo 808/21.3 PCOER.L1.S1 e 04.12.2024 no processo 2103/22.1 T9LSB.S1
8. No processo nº 04P1266, www. dgsi.pt/jstj.nsf
9. N processo 329/06.4 TAMLD.C1, www. dgsi.pt/jtrc.nsf