RESTITUIÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO
DECISÃO MAIS FAVORÁVEL
DECISÃO SUMÁRIA
NOVOS MEIOS DE PROVA
ÓNUS DA PROVA
RELATÓRIO
PROVA PERICIAL
IDONEIDADE DO MEIO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES
Sumário


I. O relatório pericial e ficheiros logs extraídos de máquina objeto de exame não são dotados da natureza e características de documento para efeitos do disposto no artigo 696º alínea c) do CPC.
II. No recurso de revisão fundado no artigo 696º alínea c) do Código de Processo Civil, o relatório pericial, que só posteriormente ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais veio a ser requerido e realizado noutro processo, não beneficia dos requisitos da novidade objetiva e subjetiva.
III.A proposição de meios de prova é um ónus das partes decorrente dos princípios da autorresponsabilização e do dispositivo.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I.GANDY DIGITAL N.V., sociedade comercial de direito belga, com sede na Antuérpia, na Localização 1 Zaventem, contribuinte fiscal número BE ..........01, deduziu, por apenso aos respetivos autos, o presente recurso de revisão, do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 25 de maio de 2021, já transitado em julgado, demandando HELICORTE-ARTES GRÁFICAS E INFORMÁTICAS, LDA., NIPC .......43, sociedade comercial por quotas com sede na Localização 2, Milheirós, ... Maia.

Requereu:

A revogação do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de maio de 2021 e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a ação intentada por Helicorte –Artes Gráficas e Informática, Lda., confirmando-se a decisão do Tribunal da Relação do Porto com o reconhecimento da validade e eficácia do contrato de compra e venda discutido nos autos, sem direito de resolução ou restituição do preço;

Invocou em síntese que:

i. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 696º, alínea c), do Código de Processo Civil, por ter surgido prova nova e decisiva que, só por si, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à Recorrente.

ii. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que repristinou a sentença de 1.ª instância, assentou na convicção de que a máquina vendida pela Recorrente se encontrava imobilizada e inutilizável desde agosto de 2015, justificando a resolução do contrato pela Recorrida.

iii. Em 2025, foi realizada perícia judicial colegial no processo n.º 1067/23.9T8PVZ, intentado pela ora Recorrente contra a Requerida, em que é formulado pedido de condenação, desta, na restituição da máquina e em valor indemnizatório, da qual resultou relatório técnico (doc. 1) que comprova, de forma objetiva e documentada, que a máquina esteve em funcionamento efetivo entre agosto de 2015 e fevereiro de 2016, produzindo trabalhos nas instalações da Recorrida.

iv. Tal prova, fundada em logs oficiais de utilização e histórico de impressões, é superveniente, inacessível aquando do processo original e decisiva para a apreciação da matéria de facto. (…) não sendo suscetível de contestação séria quanto à sua autenticidade.

v. A nova prova coloca em crise a matéria de facto assente na sentença: 67, 71, 72, 73, 74, 77 e 78, os quais devem ser desconsideradas.

vi. Em consequência, cai o fundamento da decisão quanto à alegada avaria, à imobilização do equipamento, à produção defeituosa e ao alegado desperdício de tintas, matérias-primas e energia.

vii. A factualidade provada demonstra que a Recorrida retirou proveito económico do equipamento durante meses, pelo que não se verificaram os danos indemnizáveis reconhecidos na decisão recorrida.

viii. A perda de confiança invocada no ponto 64 da matéria de facto também se mostra contraditada: quem continua a operar a máquina e a produzir com ela não pode ter perdido confiança na sua funcionalidade.

ix. A nova prova elimina, assim, o alegado incumprimento contratual e o nexo causal entre o funcionamento da máquina e os prejuízos reclamados.

x. A factualidade nova contraria o alegado prejuízo da Recorrida, privando de fundamento a condenação indemnizatória e os juros de mora fixados.

xi. A manutenção da atividade da máquina após a resolução exclui a verificação de incumprimento definitivo (arts. 801.º e 808.º do CC).

xii. O juízo de perda de confiança e resolução contratual carece, assim, de base factual e jurídica.

*

Por Decisão Judicial de 17/10/2025, a Exma. Relatora indeferiu liminarmente o requerimento apresentado.

*

A Recorrente GANDY DIGITAL N.V. veio reclamar para a Conferência, desta Decisão, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3 e 4, «ex vi» artigo 679º, ambos do CPC.

Articulou, em síntese, que:

1 O documento apresentado para fundamentar o recurso de revisão é um documento para efeitos do disposto no artº 362ºdo CC porquanto

(i)O relatório pericial certifica e reproduz registos eletrónicos extraídos da própria máquina que documentam operações, datas e utilização efetivas do equipamento nos períodos indicados.

(ii) Estes são objetos elaborados pelo homem (sistemas informáticos) com a função de reproduzir ou representar factos (registo de operações).

(iii) em conformidade (os ficheiros de log exportados e constantes do relatório pericial anexo), que documenta factualidade determinante (utilização da máquina entre 10-08-2015 e 05-02-2016) são um documento novo e independente.

2. A impressora ajuizada sempre permaneceu sob a posse, guarda e localização física da Recorrida, nas suas instalações, desde a entrega até à atualidade, sem qualquer intervenção ou acesso físico da Recorrente.

3.Qualquer acesso aos registos técnicos (“logs”) dependia exclusivamente da colaboração da Recorrida ou de ordem judicial de acesso ao equipamento.

4.No Tribunal da 1ª Instância o próprio mandatário exibiu mensagens que evidenciavam a utilização da impressora após a resolução contratual.

5.Porém, o juiz de então desvalorizou tais elementos, afirmando expressamente: “Esta é apenas uma mensagem”, e não determinou qualquer diligência de verificação técnica ou pericial sobre a efetiva laboração do equipamento, nem a extração dos registos internos que agora constituem a prova nova.

6.O perito judicial nomeado no processo a que este é apenso não solicitou o acesso aos ficheiros de registo nem extraiu os dados da máquina.

7.O relatório da nova perícia ora junto contém não apenas opiniões técnicas, mas também dados objetivos e extraídos diretamente do computador da máquina — os denominados log files.

8.A extração, validação e exportação dos Logs implicam intervenção técnica especializada e acesso físico ao sistema; tais dados não estavam acessíveis por meios ordinários à Recorrente no processo originário. Só com a instauração do processo n.º 1067/23.9T8PVZ e com a perícia ordenada pelo juiz naquele processo foi possível obter, de forma íntegra e certificada, os históricos de utilização. Conclui que é manifesto que se verifica a novidade objetiva e subjetiva do documento porque não lhe é imputável não ter obtido esta prova no processo original.

9. Os logs extraídos, exportados e juntos ao relatório pericial provam, de modo objetivo e documental, que a máquina efetuou impressões e foi utilizada comercialmente até 05-02-2016. E que a Recorrida retirou proveito económico da sua utilização. O relatório pericial confirma e reforça declarações testemunhais já recolhidas no processo (que elenca).

10. O despacho reclamado valora prematuramente matérias que dependem de exame colegial e, eventualmente, de contraditório (nomeadamente, a autenticidade dos logs e a sua interpretação técnica), sem permitir que o Recorrido se pronuncie em contraditório sobre a genuinidade ou interpretação técnica dos mesmos — contraditório esse que é obrigatório em sede de instrução do recurso de revisão.

Requereu a revogação do despacho liminar reclamado com subsequente notificação da Requerida para contestar querendo e se pronunciar sobre a autenticidade e interpretação técnica dos logs extraídos.

II.OBJETO DA RECLAMAÇÃO.

A questão a decidir é a de saber se a Decisão que indeferiu in limine o recurso de revisão deve ser revertida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, por se verificar (i) que o recurso de revisão se fundamenta num documento para efeitos dos artigos 362º do CC e 696º nº 1 alínea c) do CPC 1(ii) que se verifica a novidade objetiva e subjetiva e a suficiência do documento (iii) que na valoração da idoneidade probatória foi violado o princípio do contraditório.

III.APRECIANDO.

III.1 FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

São factos ( procedimentais) que relevam para o objeto da reclamação – relativos ao conteúdo e objeto da Decisão Singular os seguintes:

I.

Nos autos, a que este é apenso, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de maio de 2021, transitado em julgado, concedendo a revista, confirmou a sentença da primeira instância, tendo decidido:

“1) Declarar válida a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré/ora

Recorrente;

2) Condenar a Ré/ora Recorrente a entregar à Autora a quantia de € 268.000,00 (duzentos e sessenta e oito mil euros) acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal dos juros comerciais, desde 10-08-2015 até integral e efetivo pagamento;

3) Condenar a Ré/ora Recorrente a indemnizar a Autora pelas despesas que esta suportou com a compra de tintas e outros acessórios destinados à máquina avariada, a fixar em sede de liquidação de sentença, não excedendo o somatório desses valores a quantia de € 28.173,22 (vinte e oito mil, cento e setenta e três euros e vinte e dois cêntimos); pelas despesas que a Autora suportou com consumo extra de energia elétrica, a fixar em sede de liquidação de sentença; bem como pelas despesas que a Autora suportou”.

II

A Recorrente junta como documento fundamentador deste recurso de revisão o relatório pericial com ficheiros anexos extraídos da máquina objeto dos autos, realizado no processo n.º 1067/23.9T8PVZ, que corre termos entre as mesmas partes e no qual, formula pedido(s) de condenação da aqui Recorrida, na restituição da máquina objeto do contrato declarado resolvido e pagamento de diversas quantias a título de despesas e de enriquecimento sem causa.

III.2 FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1.O recurso de revisão extraordinária, com fundamento no artigo 696º, nº 1, alínea c), de acordo com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal não prescinde da apresentação de documento: (i) que, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) que o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade); iii) o documento deve visar a demonstração de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo visar a prova de factos novos (requisito da prealegação).

Pronunciaram-se neste sentido, nomeadamente, os Acórdãos de 11/07/2023, proc. 20348/15.9T8LSB-D.P1.S1; de 22/06/2023-proc. 2593/19.0T8VLG.P1.S1-A, de 29/09/2022-proc 8325/17.0T8VNG.P1-A.S1, de 02/02/2022-proc.7361/15.5T8CBR-D.C1.S1), de 09/03/2021-proc. 850/14.0YRLSB.S3, de 19/10/2017- proc.181/09.8TBAVV-A.G1.S1, de 29/06/2017-proc. 90/13.6T2VGS-A.P1.S1), de 09/10/2013- proc. 4677/08.0TTLSB.L1-B.S1, de 19/09/2013-proc. 663/09.1TVLSB.S1), de 13/07/2010-proc 480/03.2TBVLC-E.P1.S1, de 17/09/2009-proc 09S0318 2.

2. A Recorrente vem defender que o relatório pericial é um documento para efeitos do disposto no artigo 362º do CC, porque certifica e reproduz registos eletrónicos (ficheiros “logs”) extraídos da máquina sendo que estes devem ser considerados como documento novo e independente.

Vejamos.

O documento atendível para efeitos de revisão extraordinária da decisão transitada deve, por si só, ter a virtualidade de modificar tal decisão a favor da Recorrente “ revelando-se como prova suficiente para destruir a prova que constituiu fundamento decisivo da decisão revidenda. Se assim não for, ou seja, se aquele documento não for, “por si só”, prova bastante para o efeito, não tem o mesmo validade como fundamento da requerida revisão. (ver Ac. deste STJ de 18-12-2013-Pr 3061/03.7TTLSB-B.L1.S1)

A reclamada autonomização em relação à perícia – como documento- dos ficheiros “logs” retirados da máquina e utilizados pelos peritos desconsidera que os “ficheiros logs”, constituem registos que contêm informações que dependem de validação e interpretação. Tais ficheiros não são autonomizáveis desse processo humano interpretativo de validação, pelo que, não valem como documento no sentido proposto pelo recorrente.

São, estes, apenas um meio - segmento probatório de natureza particular- que foi utilizado pelos peritos, na elaboração do exame realizado e, que, por tal razão, carece da vinculação probatória que a Recorrente lhe quer atribuir, fazendo parte integrante da perícia.

Concordamos, por isso, com a Decisão Reclamada, pelo que, considerando que é lícito à Conferência limitar-se, simplesmente, a manifestar a sua adesão aos respetivos fundamentos- por desnecessidade de repetir o que já foi sustentado- reproduzimos o que a Exma. Relatora acostada na jurisprudência deste Tribunal escreveu a tal respeito:“ um exame pericial não preenche a noção de documento consagrada no artigo 362º Código Civil, segundo o qual o documento é “qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”, do que decorre que o que carateriza o documento é a sua função representativa ou reconstitutiva do objeto. “ e que “A prova pericial não apresenta essa qualidade funcional dado que consiste na expressão, por pessoas tecnicamente habilitadas da perceção de factos ou na sua valoração, donde que se afasta da noção legal de documento, designadamente, para efeitos do artigo 696º alínea c). Com efeito, trata-se apenas de um meio de prova em que os peritos técnicos exprimem as suas conclusões e pareceres sobre determinado facto, cujo valor é livremente apreciado pelo tribunal (artigo 389º do Código Civil)”.

(…) a prova pericial por ser uma prova sujeita à livre apreciação do juiz, só por si, não tem a virtualidade de destruir a prova produzida num outro processo. Não é em tais termos defensável como faz a Recorrente que o resultado pericial obtido neste meio de prova trazido como fundamento do recurso de revisão constitua um resultado irrefutável em ordem a determinar a alteração do que foi decidido no processo anterior. (A este respeito ver os Ac. do STJ 14-01-2021, pr 84/07.0TVLSB.L. S1-A e de 11-11-2020, pr 8250/15.9T8VNF.G1.S1-A).

Impressivo o teor do Acórdão deste STJ de 11-9-07, proc. n.º 07 A1332 que esclareceu: “que não preenche este fundamento do recurso de revisão a apresentação de documentos que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado e que, além disso, poderiam ter sido obtidos na pendência da ação de que emergiu a sentença revidenda”.

Este entendimento ficou expresso no acórdão deste STJ de 30/11/2023- Proc.1079/08.2TYLSB-X.L1-A.S1), pela seguinte forma : “ Não é de admitir liminarmente recurso extraordinário de revisão, tendo como fundamento a al. c) do art. 696.º do CPC […], condicionado cumulativamente aos requisitos da novidade (objetiva e subjetiva) e da suficiência, se, tendo em vista inverter a decisão transitada em julgado [….]se tais documentos trazidos a juízo não são suficientes para permitir a conclusão de que, se previamente apresentados, levariam o tribunal a uma decisão diversa da atingida na decisão cuja revisão se pretende”.

No mesmo sentido o Acórdão de 11/07/2023, proc. 20348/15.9T8LSB-D.P1.S1, afirmou que no recurso de revisão interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, a jurisprudência constante do STJ considera que a apresentação de documento só será admissível, quando: (i) o documento, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) e quando o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade); iii) o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum visar a prova de factos novos (requisito da prealegação)”.

3.A Recorrente vem, ainda, defender que se verifica a novidade objetiva e subjetiva do documento junto ao recurso, porquanto, só com a perícia ordenada no processo 1067/23.9T8PVZ, foi possível a extração, validação e exportação dos “logs” da máquina e que tais dados não estavam acessíveis à Recorrente por a máquina estar na posse da Recorrida. Que o tribunal de primeira instância não ordenou qualquer perícia a tais elementos.

Sufragamos também, aqui, a Decisão negatória da superveniência objetiva e subjetiva do documento apresentado, pelo que, reproduzimos o que a Exma. Relatora escreveu a tal respeito: A superveniência do documento impõe que o documento apresentado seja novo, no sentido de que não foi apresentado no processo onde se emitiu a sentença a rever, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, nomeadamente, por dele não ter conhecimento. Por outras palavras, o documento deverá ter-se formado depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, ou existindo já na pendência do processo em que a decisão foi proferida o recorrente não ter conhecido a sua existência ou, conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele nesse processo. (Neste sentido, ver Acórdãos deste STJ de 11-03-2025 17431/19.5T8LSB.L1. S1-A e de 20-03-2014 pr.2139/06.0TBBRG-G. G1.S1) (…) nada obstava a que esta prova agora apresentada tivesse sido proposta e concretizada tempestivamente nos autos. Aliás, no processo principal, a seu tempo foi realizada perícia à máquina objeto dos autos, tendo sido formulado diversos quesitos a que os peritos responderam; nada tendo sido requerido quanto às concretas questões examinadas nesta nova perícia e aqui trazidas como fundamento deste recurso revisão.

O recurso extraordinário de revisão não comporta a apresentação de meios de prova que tivessem podido ser utilizados no processo anterior e não foram. Daqui que também não possamos falar em documento novo. “Não se verifica o requisito novidade do documento, na sua vertente subjetiva, se resultar evidenciado no processo que a parte só se dispôs a obtê-lo após o trânsito em julgado da decisão objeto de revisão”. (Acórdão do STJ de 15-02-2023, pr 25776/19.8T8LSB.L1-A. S1).

O Acórdão do STJ de 15-02-2023; proc. n.º 25776/19.8T8LSB.L1-A.S1, fixou: “(…) O fundamento do recurso de revisão previsto na alínea c) do artigo 696.º do CPC, exige a presença de dois requisitos de verificação cumulativa: a novidade (objetiva e subjetiva) do documento (não ter sido apresentado no processo no qual foi proferida a decisão, quer por não existir, quer por a parte não poder dele dispor) (…) V - Não se verifica o requisito novidade do documento, na sua vertente subjetiva, se resultar evidenciado no processo que a parte só se dispôs a obtê-lo após o trânsito em julgado da decisão objeto de revisão”.

Com efeito, a alegação da Recorrente, de que, só com a perícia ordenada no processo 1067/23.9T8PVZ, foi possível a extração, validação e exportação dos “logs”, não invalida tais proposições.

Nos autos principais foi requerida perícia à máquina. Foi definido o seu objeto. Foram formulados quesitos por ambas as partes. A perícia foi realizada. Não houve impedimento a que no seu objeto tivesse sido incluída a matéria sobre a qual recaiu esta nova perícia com a validação/interpretação dos “logs” e que, ora, se requer seja reapreciada.

A proposição de meios de prova é um ónus das partes. Decorre dos princípios da autorresponsabilização e do dispositivo, pelo que, não pode a Recorrente desonerar-se de, tempestivamente, no processo próprio não ter requerido a realização de tal meio de prova tanto mais que o facto de a máquina estar nas instalações e posse da Recorrida não constitui(ui) obviamente obstáculo a que tal diligência fosse judicialmente determinada. Tão pouco é alegada uma efetiva oposição da Requerida. Menos ainda, releva a invocada posição do tribunal de primeira instância alegadamente “desvalorizadora “ de mensagens que evidenciavam a utilização da máquina, pois, tal não implica com o comportamento omissivo da Requerente na proposição de tal perícia com esse âmbito nos referidos autos.

Tão pouco, compete ao tribunal substituir-se às partes no cumprimento dos respetivos ónus. A intervenção do tribunal na remoção de obstáculos processuais só se justifica numa das situações previstas no art. 7º nº 4 do CPC, ou seja, nos casos em que a parte alega “justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual”. Neste sentido, Ac. deste STJ de 3-10-2024 6381/19.5T8ALM.L1-A.S1.

4. Finalmente, a violação do contraditório prévio à Decisão reclamada na vertente de que (i) o Despacho reclamado valora prematuramente matérias que dependem de exame colegial e, eventualmente, de contraditório (nomeadamente, a autenticidade dos logs e a sua interpretação técnica), sem permitir que o Recorrido se pronuncie em contraditório sobre a genuinidade ou interpretação técnica dos mesmos — contraditório esse que é obrigatório em sede de instrução do recurso de revisão.

Na Decisão recorrida, a este respeito, emite-se um juízo sobre a natureza da prova apresentada que é uma prova pericial e a sua inaptidão para valer como documento com o requisito da “suficiência” para efeitos do disposto no artigo 696º nº 1 alínea c).

Esta análise não incide sobre o resultado da valoração dos meios como os “logs” que fundamentaram as conclusões da perícia. Não correspondeu assim a um julgamento de facto como se parece depreender ser a interpretação dada pela Reclamante. O que se aprecia é liminarmente a (in)suficiência probatória decorrente das suas características e natureza para conduzir, só por si, a um resultado suscetível de pôr em causa a decisão transitada.

Por outro lado, tratando-se de decisão proferida em face de uma das faculdades legais que a lei concede (artigo 699º), não tem lugar a notificação prévia à parte para se pronunciar, uma vez que a mesma deve razoavelmente contar com a possibilidade desse efeito/decisão; ao que acresce, que a decisão de indeferimento liminar pode ser impugnada mediante a reclamação para a Conferência, reclamação que – de harmonia com a orientação que se tem por preferível – nem sequer tem de ser motivada. (art.º 652.º, n.º 3, do CPC).

Este entendimento foi o prosseguido, num caso em que estava em causa uma decisão sumária, no acórdão deste STJ de 02/07/2024 – proc. 3568/14.0TBVFX-D.L1-A.S1 onde se pode ler … “o princípio do contraditório, na vertente à audição prévia, não é absoluto: por vezes o contraditório é diferido, ou seja, é posterior ao proferimento da decisão (art.º 3.º, n.ºs 1 a 3, do CPC). E, no caso como à parte que se considere prejudicada com o proferimento da decisão sumária é sempre assegurada a sua impugnação irrestrita através de reclamação para a conferência, a atuação do direito ao contraditório, ainda que de modo diferido, considera-se inteiramente assegurado” (…) - A opção do relator pela forma sumária ou normal de julgamento do recurso de apelação não tem de ser precedida de audiência prévia de qualquer das partes, dado que a qualquer delas é sempre facultada a impugnação da decisão do relator, através de reclamação para a conferência, que pode ter por objeto, designadamente, a não verificação dos pressupostos de que a lei de processo exige para que o recurso seja julgado sumária e singularmente”.

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Em conclusão, ao abrigo do disposto no artigo 699º, é de indeferir liminarmente o presente recurso de revisão fundado no art. 696.º, alínea c) do CPC, porquanto, não foi junto documento revestido cumulativamente dos requisitos da suficiência e da novidade objetiva e subjetiva.

SEGUE DECISÃO:

CONFIRMADA A DECISÃO RECLAMADA.

Custas pela Recorrente.

Lisboa 25 de novembro de 2025

Isoleta de Almeia Costa (Relatora)

Jorge Leal

António Domingos Pires Robalo

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1. Todas as normas indicadas sem outra menção pertencem ao Código de Processo Civil.↩︎

2. Todos os Acórdãos citados são consultáveis em www.dgsi.pt↩︎