PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ATO ADMINISTRATIVO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
OFICIAL DE JUSTIÇA
PERICULUM IN MORA
ADMISSIBILIDADE
SANÇÃO DISCIPLINAR
Sumário


I - Como é entendimento jurisprudencial deste Supremo Tribunal e Secção, já reiterado em significativo número de decisões ao longo dos anos, o CSM passou a ser – posteriormente às alterações introduzidas ao EFJ, pelo DL 96/2002, de 12-04 – o órgão que detém a última competência, hierarquicamente superior e definitiva, relativamente ao exercício das matérias sobre a apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários, sendo a competência do COJ preliminar e não exclusiva.
II - Conclui-se que, excluída a competência exclusiva do COJ, nos termos sobreditos, a decisão final na matéria é do CSM, sendo o COJ parte ilegítima na ação.
III - O CSM tem o poder de avocar, bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do exercício do poder disciplinar (cf. artigo 111.º, n.º 1, alínea a) e 2 do EFJ). Ademais, das deliberações do COJ proferidas no exercício do poder disciplinar, cabe recurso para o CSM, a interpor no prazo de 20 dias úteis (cf. artigo 118.º. n.º 2 do EFJ).
IV - A impugnação da deliberação do CSM segue o regime plasmado no EMJ, em particular os artigos 169.º e seguintes deste Estatuto.
V - A ação administrativa de impugnação da deliberação do COJ deve ser intentada no prazo de 30 dias, independentemente do desvalor associado (nulidade ou anulabilidade) às invalidades apontadas ao ato punitivo, contando-se o prazo, a partir da data da notificação, nos termos previstos no artigo 138.º do CPC, ou seja, a sua contagem é contínua, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais.
VI - Constatando-se, na apreciação dos requisitos da providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo, que não se verifica o pressuposto do fumus boni juris, prejudicada fica a apreciação da verificação dos restantes requisitos da providência cautelar, cabendo decretar, sem mais, a sua improcedência.

Texto Integral


Processo Cautelar n.º 27/25.0YFLSB-A

Requerente: AA

Entidade Requerida: Conselho Superior de Magistratura

Conselho dos Oficiais de justiça

*

I. Relatório

AA, contribuinte fiscal n.º 1........, residente na Rua 1 n.º ..., ..., Concelho de G......., veio, ao abrigo do artigo 112.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”), requerer, contra o CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA (doravante “CSM”) e o Conselho de Oficiais de Justiça (doravante “COJ”), a adoção de providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo, consubstanciado na Deliberação do CSM, datada de .../.../2025, que aplicou a sanção disciplinar de suspensão por 45 (quarenta e cinco) dias não suspensa na sua execução.

Para o efeito, e em síntese útil, argumentou o Requerente o seguinte:

a. Do Fumus boni iuris:

i. Verifica-se a caducidade do poder sancionatório (artigos 219.º, n.º 4 e 220.º, n.ºs 3, 4 e 6 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, doravante “LGTFP”), sendo que o ato suspendendo do CSM se limita a invocar urgência para afastar a caducidade, violando o dever de fundamentação, previsto nos artigos 152.º e 163.º do Código de Procedimento Administrativo (doravante “CPA”);

ii. Não foram realizadas as diligências requeridas pelo arguido, o que constitui nulidade insuprível e afeta a validade do ato final;

iii. O ato suspendendo presume a premeditação com base exclusiva em “regras da experiência”, sem prova direta ou indiciária suficiente, violando o artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”) e a jurisprudência consolidada do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante “TEDH”);

iv. O ato suspendendo padece do vício de falta de fundamentação, infringindo os artigos 152.º e 163.º do CPA;

v. A sanção de suspensão de 45 dias é excessiva face aos factos e às atenuantes;

b. Do periculum in mora

i. O Requerente conta já com uma idade avançada (superior a 60 anos de idade), sendo o seu agregado familiar composto por si e pela sua irmã a quem presta assistência a tempo quase integral e que foi diagnosticada com cancro;

ii. O Requerente despende a quantia mensal de 300,00 euros com a alimentação; € 200,00 a €300,00 anuais a título de despesas de vestuário e higiene; encargos com água e luz na ordem de €46,35 mensais; despesas com medicamentos de cerca de € 67,61 mensais; pagamento de IMI no valor anual de € 421,96 e despesas de transporte em viatura própria para o trabalho e transporte da irmã ao hospital para tratamentos na ordem dos € 350,00;

iii. O Requerente aufere mensalmente a quantia de € 2.198,90;

iv. É manifesto que sem a obtenção do efeito suspensivo o cumprimento imediato irá gerar perda reputacional e credibilidade interna na instituição e risco de incumprimento nas obrigações familiares e para com os seus credores;

c. É manifesto que a não concessão da providência e seus efeitos levará à produção de danos superiores quando comparados com os da sua não concessão.

Juntou documentos, requereu a prestação de declarações de parte e a produção de prova testemunhal.

Por despacho, foi admitida liminarmente a providência cautelar requerida.

O CSM apresentou oposição à providência cautelar, na qual defendeu o indeferimento da mesma por falta da verificação dos respetivos pressupostos.

Alegou, para tanto, o seguinte:

a. A ação é manifestamente intempestiva, dado que se aplica, in casu, o disposto nos artigos 169.º, n.º 1 e 170.º do EMJ, que prevê o prazo de impugnação das deliberações do Plenário do CSM;

b. Não se verifica a caducidade do direito de aplicar sanção disciplinar, uma vez que o COJ obteve conhecimento da infração no dia .../.../2024 e deliberou a instauração de procedimento disciplinar em .../.../2024;

c. Tendo o processo disciplinar sido instaurado no dia .../.../2024, quando o Requerente foi notificado da decisão final, ainda não havia sido ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no artigo 178.º, n.º 5 da LGTFP, pelo que não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar;

d. Está em causa uma infração com relevância penal, a saber o crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º do Código Penal (doravante “CP”), pelo que a infração disciplinar prescreve nos termos indicados neste Código, a saber em 10 anos, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 118.º do CP;

e. A deliberação do COJ e a deliberação do CSM cumpriram o prazo estabelecido na alínea b) do n.º 4 do artigo 220.º da LGTFP;

f. Não se verifica a alegada falta de fundamentação;

g. Resulta do artigo 218.º, n.º 1 da LGTFP que o instrutor pode recusar, em despacho devidamente fundamentado, as diligências requeridas pelo trabalhador, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias;

h. A inquirição dos responsáveis pela gestão da sala foi recusada pela falta de identificação, pelo Requerente, de quem seriam e, ainda, por já terem sido ouvidos responsáveis;

i. Não se verificou uma confissão espontânea perante os superiores hierárquicos, sendo a posição de colaboração e admissão de factos por parte do arguido devidamente valorada a seu favor, o que constituiu uma das razões para o afastamento da sanção de demissão, mas que não altera a factualidade e, como tal, mostravam-se desnecessárias quaisquer diligências adicionais;

j. Mostra-se desnecessária a prova de um facto notório e incontroverso, posto que o Requerente manteve intactos os elementos identificadores do computador apreendido;

k. Do mesmo modo, não releva a utilização posterior que deu ao computador em causa, até porque o Requerente não se encontrava em regime de teletrabalho;

l. Não se descortina em que medida possa ter ocorrido a violação do princípio da proporcionalidade;

m. Não foram indiciados, nem demonstrados quaisquer elementos que permitam concluir haver periculum in mora;

n. O Requerente não demonstra a existência de efetivos prejuízos, nem o caráter irreparável dos mesmos, referindo meras conjeturas e a suscetibilidade de prejuízos eventuais, que não são determinados, nem concretizados;

o. Os danos que invoca são consequência da perda de retribuição por aplicação da sanção disciplinar de suspensão, todos de natureza patrimonial;

p. O deferimento da suspensão de execução da deliberação impugnada seria gravemente prejudicial para o interesse público e para o interesse coletivo dos demais funcionários judiciais, por estarem em causa factos com mediano grau de censurabilidade, incompatível com as exigências de um serviço público em área relevante do Estado de Direito democrático;

q. Está em causa a dignidade do exercício de funções públicas, em que assenta a confiança dos cidadãos, valor essencial num Estado de Direito.

Juntou com a oposição dois documentos e procedimento administrativo instrutor.

Mais apresentou resolução fundamentada, da qual se extrai o seguinte teor:

«O Conselho Superior da Magistratura, na qualidade de Requerido, entende que se verifica grave prejuízo para o interesse público na suspensão de execução da deliberação em questão, prévia à decisão da providência, e reconhece pela presente decisão aquele prejuízo, com as legais consequências de execução da deliberação até decisão judicial em contrário.

A suspensão de eficácia da deliberação cuja suspensão foi requerida, nos termos em que o Requerente a peticiona, impede a execução da pena de suspensão de exercício, daí resultando danos para a imagem dos serviços e do seu funcionamento, materializados na manutenção de um Oficial de Justiça em funções que, de harmonia com a lei, deverá estar suspenso de exercício, em clara ofensa pelos deveres de interesse público inerentes ao exercício de tais funções públicas e aos valores fundamentais do Estado de Direito, designadamente de lealdade e de prossecução do interesse público.

O que se afigura gravemente prejudicial para o interesse público e para o interesse coletivo dos demais funcionários judiciais, por estarem em causa factos com mediano grau de censurabilidade, incompatível com as crescentes exigências de um serviço público em área relevante do Estado de Direito democrático.

Atentas as concretas circunstâncias de modo, tempo e lugar da violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade geradores de responsabilidade disciplinar, deverá prosseguir-se a execução da deliberação impugnada, sob pena de grave prejuízo para o interesse público do bom e são funcionamento do sistema judicial, até à decisão da providência cautelar de suspensão de eficácia.

É pois de manifesto e imperioso interesse público prosseguir na execução da deliberação suspendenda de forma célere, sem o que as consequências são de grave e desproporcionada violação da sã administração da Justiça».

O COJ apresentou oposição à providência cautelar, na qual se defendeu por exceção, invocando a ilegitimidade passiva, e por impugnação, defendeu o indeferimento da mesma por falta da verificação dos respetivos pressupostos.

Alegou, para tanto, o seguinte:

a. Não proferiu a decisão final cuja suspensão o Requerente requer, sendo a competência última em matéria disciplinar do CSM;

b. O CSM tem o poder de avocar, bem como o poder de revogar as deliberações do COJ proferidas nestas matérias, em conformidade com o disposto na alínea a) do número 1 e 2 do artigo 111.º, e do disposto no artigo 118.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça (doravante “EFJ”);

c. O legislador consagrou um regime que faz depender a possibilidade de impugnação contenciosa do ato, por via da interposição de recurso para o CSM;

d. O ato que é objeto de impugnação contenciosa é inequivocamente o praticado pelo Plenário do CSM, que, deferiu parcialmente o recurso hierárquico interposto da deliberação do COJ, aplicando ao Requerente uma sanção disciplinar de 45 dias de suspensão do exercício de funções, não suspensa na sua execução, por se tratar do ato último e definitivo, sendo o COJ, por isso, parte ilegítima;

e. Os factos alegados no requerimento inicial não são suficientes para inspirarem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade ou que, se, posteriormente, o processo principal for julgado procedente, ter-se-ão verificado prejuízos de difícil reparação, senão irreparáveis;

f. A factualidade alegada não dá a conhecer a real situação económica do alegado agregado familiar, isto porque há factos essenciais relativos a tal situação que não são referidos, e não permitem saber, exatamente, de que outros rendimentos dispõe o agregado familiar, o que impossibilita que se avalie se as despesas invocadas e suportadas têm ou não cobertura noutros rendimentos eventualmente auferidos;

g. O alegado dano na reputação e credibilidade interna na instituição onde o Requerente exerce a atividade não releva para efeitos de preenchimento do requisito do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA;

h. Não se verifica uma situação de facto consumado, por a situação ser reversível, uma vez que, no caso de procedência da ação principal, haverá a reconstituição da situação que existiria se o ato supostamente ilegal não tivesse sido praticado, sendo o Requerente monetariamente ressarcido dos eventuais danos;

i. Nos termos do artigo 220.º da LGTFP, a entidade detentora do poder punitivo dispõe de 30 dias, após a receção do relatório, para solicitar a realização de diligências complementares de prova, fixando prazo para a conclusão das mesmas ou para proferir decisão final;

j. Foram requeridas diligências probatórias adicionais (se o computador furtado estaria para abate), em .../.../2025 e concluídas as diligências com a correspondente resposta em .../.../2025 (o computador em causa não se encontrava para abate), sem que tenha sido indicado um prazo para a conclusão das diligências, tendo o processo sido recebido pelo COJ a .../.../2025, tendo a deliberação punitiva do COJ a data de .../.../2025, pelo que não caducou o direito da entidade detentora do exercício da ação disciplinar de aplicar a sanção disciplinar, uma vez que não decorreram mais de 30 dias entre a data da diligência probatória e a data da decisão final do procedimento disciplinar em causa;

k. O facto de não ter sido fixado prazo para a realização das diligências é irrelevante para efeitos de aferição do prazo de caducidade a que se reporta o artigo 220.º, n.º 4, alínea b) da LGTFP, não determinando a aplicabilidade da cominação prevista no n.º 6;

l. Não se verifica a falta de fundamentação, posto que o ato em crise contém os fundamentos de facto e de direito que dão a conhecer a um destinatário normal as razões porque se decidiu naquele sentido e não noutro;

m. A ponderação e aplicação das circunstâncias dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar e circunstâncias agravantes especiais encontra-se devidamente fundamentada;

n. Resulta da acusação e da decisão/deliberação a existência de vários elementos objetivos que permitiram inferir, com segurança, a existência de premeditação do facto ilícito imputado ao Requerente, consistente na apreensão de um computador do Tribunal que este transportou para a sua residência, sem conhecimento ou consentimento dos seus superiores hierárquicos e confessado pelo próprio;

o. Demonstrando-se a desnecessidade de tais diligências para a descoberta da verdade, a omissão de realização de tais diligências não constitui qualquer violação legal;

p. A deliberação do CSM avaliou a adequação e proporcionalidade da sanção aplicada pelo COJ (90 dias de suspensão, não suspensa na sua execução), perante uma moldura possível entre os 20 e os 90 dias de suspensão;

q. Na escolha e medida da sanção a aplicar no processo disciplinar a Administração goza de uma margem de liberdade, no âmbito da chamada discricionariedade técnica da Administração, sendo que não se descortina erro manifesto ou grosseiro relativamente ao correspondente ao quadro factual comprovado no processo ou que a ponderação efetuada se revelem ostensivamente desajustados, nem, tão pouco o Requerente o logra comprovar;

r. A suspensão da execução do ato sindicado coloca em causa os valores que o poder disciplinar pretende salvaguardar, designadamente, o de punir condutas que contendam com o regular funcionamento dos serviços e a imagem da instituição, neste caso, dos oficiais de justiça que exercem as suas funções nos Tribunais;

s. As repercussões de tal suspensão seriam, não apenas uma grave causa de perturbação no funcionamento das secretarias do Tribunal, com reflexo na imagem e no prestígio dos Oficiais de Justiça, mas também, um fator de desestabilização pela generalização de que tais comportamentos não são suficientemente graves, pelo que o prejuízo decorrente do decretamento da providência cautelar é superior ao prejuízo decorrente da sua recusa.

O Requerente respondeu à oposição, pugnando pela legitimidade passiva do COJ.

Por despacho, foi dispensada a produção de prova, indeferindo-se o requerimento de prestação de declarações de parte e de produção de prova testemunhal.

O CSM apresentou requerimento, pelo qual juntou deliberação do CSM que ratificou o despacho de resolução fundamentada do Vice-Presidente de .../.../2025.

Aqui chegados, cumpre apreciar e decidir.

* * *

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal é competente.

2. O processo é próprio e não padece de nulidades que o invalidem total ou parcialmente.

3. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, encontrando-se devidamente representadas.

4. Da Legitimidade do COJ

Na respetiva oposição, veio o COJ arguir a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, para o que alegou que o ato suspendendo é o ato praticado pelo Plenário do CSM, que, deferiu parcialmente o recurso hierárquico interposto da deliberação do COJ, aplicando ao Requerente uma sanção disciplinar de 45 dias de suspensão do exercício de funções, não suspensa na sua execução, por se tratar do ato último e definitivo.

Redarguiu o Autor que o COJ, aqui Requerido, tem interesse em contradizer, nos termos do artigo 30.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), ex vi do artigo 1.º do CPTA, devendo a respetiva legitimidade atentar na relação material controvertida tal como a mesma é apresentada pelo autor.

Apreciando e decidindo.

A ilegitimidade passiva configura exceção dilatória de conhecimento oficioso que acarreta a absolvição da instância (cf. artigo 89.º, n.ºs 1, 2, 4, alínea e) do CPTA e, ainda, artigos 278.º, 576.º, 577.º e 578.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA).

Nos termos previstos no artigo 10.º do CPTA, cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida.

Mais estabelece o artigo 30, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, que o réu é parte legítima «quando tem interesse direto em contradizer», o qual deve ser aferido em função do prejuízo que da procedência da ação para ele advenha (cf. artigo 30.º, n.º 2 do CPC), sendo, na falta de indicação da lei em contrário, «titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor» (cf. artigo 30.º, n.º 3 do CPC).

A legitimidade processual deve, assim, ser aferida de acordo com a configuração que é dada à ação pelo autor/requerente, isto é, atendendo à posição que as partes assumem na relação material controvertida tal como é, por esta, apresentada.

Revertendo ao caso dos autos e compulsado o teor da petição inicial, constata-se que, a final, o Requerente requer a suspensão de eficácia da deliberação do CSM que aplicou a sanção disciplinar de suspensão de 45 dias não suspensa na execução, até decisão final na ação principal.

Está, pois, em causa, nos presentes autos, um ato praticado pelo CSM, o qual consubstancia o ato final do procedimento disciplinar, nos casos em que tenha havido recurso.

Nos termos do artigo 98.º de EFJ, na redação vigente à data dos factos «[o] Conselho dos Oficiais de Justiça é o órgão que aprecia o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do artigo 68.º».

Por seu turno, prevê, com relevância, o artigo 111.º deste Estatuto:

«1 - Compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça:

a) Apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do artigo 68.º;

(…)

2 - O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto na alínea a) do número anterior».

Das deliberações proferidas nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 111.º do EFJ cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis (cf. artigo 118.º, n.º 2 do EFJ).

O artigo 136º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante “EMJ) estabelece que «[o] Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial», com as competências previstas no artigo 149.º, destacando-se as alíneas f) e g) do n.º 1, no qual se pode ler que compete ao CSM «[c]onhecer das impugnações administrativas das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça, em matéria de apreciação do mérito profissional e de exercício da ação disciplinar sobre os oficiais de justiça» e «[o]rdenar a instauração de processos disciplinares contra oficiais de justiça e avocar processos ou revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça previstas na alínea anterior».

Dos preceitos legais acima transcritos, resulta que o CSM dispõe de poderes de tutela sob o COJ, em matéria disciplinar e de mérito profissional dos oficiais de justiça. Assim, o recurso para o CSM das deliberações do COJ, no âmbito daquelas matérias, é um recurso administrativo especial com observância do regime estabelecido no artigo 199.º do CPA. Nos termos do n.º 1, alínea c) deste preceito legal, «nos casos expressamente previstos na lei, há lugar a recursos administrativos para órgão de outra pessoa coletiva que exerça poderes de tutela ou superintendência».

Destarte, em face do disposto nos n.º 2, do artigo 111.º e no n.º 2, do artigo 118.º do EFJ, o CSM exerce uma tutela de mérito em relação às deliberações do COJ em matéria disciplinar e de mérito profissional. Mais, tendo o CSM o poder de avocar o procedimento, chama a si o poder de praticar o ato em matéria disciplinar. Nestes casos, pratica o CSM o ato final definitivo do procedimento disciplinar.

Assim se decidiu, nomeadamente, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos nos processos n.º 43/11.9YFLSB, de 27/09/2011; n.º 53/13.1YFLSB, de 19/09/2013 e n.º 77/17.0YFLSB, de 28/02/20181.

Isto visto, e retornando ao caso sub judice, não subsistem dúvidas de que o ato suspendendo é a deliberação do Plenário do CSM que aplicou ao Requerente a sanção disciplinar de 45 dias de suspensão, não suspensa na sua execução. E porque assim é, não se configura que o COJ tenha aqui interesse em contradizer, posto que não praticou o referido ato, o qual, reitere-se, se assume como ato final do procedimento.

Assim, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, com a consequente absolvição da instância do COJ, o que, a final, se determinará.

O Requerente e o CSM são partes legítimas.

5. Inexistem quaisquer outras nulidades, exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer oficiosamente e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

* * *

III. Questões a decidir

Atentos os argumentos aduzidos pelas partes nos respetivos articulados, cumpre apreciar e decidir sobre a verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar (cf. artigo 120.º do CPTA).

* * *

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

IV.1. Factos Provados

Com interesse, mostram-se indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Em .../.../2024, o Plenário do COJ deliberou instaurar um procedimento disciplinar contra o Requerente.

2. O procedimento disciplinar correu termos com o n.º 8...../24.

3. Em .../.../2024, o Ministério Público proferiu despacho de suspensão provisória do processo, no âmbito do inquérito n.º 1............., que correu termos da Procuradoria da República da Comarca do P...., DIAP –...ª Secção de M..., do qual resulta que o arguido cometeu, em autoria material, o crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 2 do CP, justificando-se, porém, a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo pelo prazo de um ano, mediante a injunção de prestar 200 horas de serviço público, previsto pelo artigo 281.º do Código de Processo Penal (doravante “CPP”), que o arguido declarou aceitar.

4. Em .../.../2024, foi elaborada a acusação no procedimento disciplinar n.º 8...../24, na qual se concluiu que «Em face do exposto e com a conduta descrita cometeu o Sr. Oficial de justiça, de modo doloso e grave, infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução de interesse público e lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alínea a) e g), n.º 3 e 9, e n.ºs 186.º, todos da LTFP, com a sanção disciplinar de suspensão que se anuncia».

5. Em .../.../2024, o Autor apresentou a respetiva resposta à acusação.

6. Em .../.../2024, o instrutor elaborou o respetivo relatório final, no qual propôs a aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 20 dias, não suspensa na sua execução.

7. Em .../.../2024, o Plenário do COJ deliberou não aprovar o relatório final, por entender que a sanção mais adequada seria a pena de demissão, pelo que se determinou a devolução dos autos ao inspetor para deduzir acusação, anunciando como sanção e garantindo o exercício de defesa, porquanto «(…) os factos apurados e descritos na acusação e relatório agora apresentado revelam um comportamento que, em abstrato, é doloso, inviabilizador da manutenção do vínculo laboral, por irremediável quebra do mínimo de confiança que a entidade patronal deve ter do seu trabalhador. Com efeito, o visado subtraiu e fez seu um computador pertencente ao Estado, sem o seu conhecimento e consentimento».

8. Em .../.../2024, foi elaborada a acusação no processo disciplinar n.º 8...../24, de cujo teor se extrai o seguinte:

«(…)

1.º

O Sr. oficial de justiça AA, escrivão-adjunto, com o número mecanográfico 4...., encontra-se colocado na Unidade Central do Núcleo de G....... do Tribunal Judicial da Comarca do P.....

2.º

Corre termos no DIAP do P.... (SE1VD) o processo de inquérito registado com o número 3............, em que é arguido o Sr. oficial de justiça antes mencionado.

3.º

No dia ... de ... de 2014, pelo Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas (Específicas (NIAVE) da Guarda Nacional Republicana, foi dado cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão emitido no âmbito do suprarreferido inquérito.

4.º

Terminada a diligência no Tribunal de G......., onde foi apreendido o computador utilizado pelo oficial de justiça AA, a mesma prosseguiu na sua residência, sita na Rua 2, S. C...., G........

5.º

No dia ... de ... de 2024, a Sra. 1.° Sargento BB, militar da GNR que deu cumprimento aos mandados de buscas e apreensão, entregou no Tribunal dois computadores que foram apreendidos ao trabalhador Visado.

6.º

Um de marca INSYS, que tinha sido apreendido na secretária do trabalhador Visado,

7.º

Entregando um segundo computador, de marca HP, com o número de série CZC43773485, modelo Prodesk 600 G1TNR, que foi apreendido na residência do mesmo oficial de justiça por indiciar que poderia pertencer ao Tribunal dado que o utilizador continha as iniciais F] -Funcionário Judicial-seguidas de um número.

8.º

Tendo o Sr. Secretário de Justiça CC e a Sra. escrivã de direito, em regime de substituição, DD, avaliado a situação, concluíram que o computador mencionado no número anterior pertence ao lote de equipamentos informáticos que foram substituídos pelo modelo de computador INSYS, agora em funcionamento.

9.º

Os computadores de marca Prodesk 600 que foram substituídos pelo IGFEJ, encontravam-se operativos, com processador e dispositivo de memória c software da DGAJ, sendo utilizados em caso de avaria dos computadores atualmente usados.

10.º

Os computadores substituídos, onde se incluía o que foi apreendido na residência do oficial de justiça AA, juntamente com alguns monitores, encontravam-se, à data, devidamente acondicionados e embalados em caixas de cartão numa das salas do Tribunal de G....... [sala 4), que em tempos serviu de sala de julgamentos

11.º

Na caixa de cartão onde o respetivo computador era acondicionado anotavam o nome do anterior utilizador, elaborando também uma lista donde constava a referência dos novos e atuais computadores atribuídos aos funcionários.

12.º

O computador apreendido na residência do trabalhador Visado, que o mesmo retirou do local onde se encontrava e transportou para a sua residência em junho ou julho de 2023, pertenceu anteriormente à funcionária da... Secção do DIAP EE.

13.º

Nem ao Sr. secretário de justiça CC nem à Sra. escrivã de direito da UC DD, em momento algum, foi solicitado ou autorizado a cedência do computador em causa para uso pessoal do trabalhador visado e/ou o seu transporte para fora das instalações do Tribunal.

14.º

Ignorando ambos por que razão veio o mesmo a ser encontrado e apreendido na casa do oficial de justiça AA.

15.º

Tanto mais que o mesmo funcionário nunca executou funções em regime de teletrabalho, não necessitando do mesmo para trabalhara partir da sua residência.

16.º

Sobre os factos em apreço, corre termos nos Serviços do MP do núcleo da M... o processo de inquérito n.º 1..............

17.º

No âmbito daquele processo de inquérito foi proposto ao trabalhador visado fali arguido) a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, pelo período de um ano, sob a injunção de prestar 200 horas de serviço público, em instituição a indicar pela DGRSP, medida que o mesmo senhor funcionário aceitou e se encontra a cumprir.

18.º

No mesmo processo de inquérito apurou-se junto do Coordenador da Equipa de Proximidade do IGFEJ no P...., Sr, FF, que o computador que o trabalhador fez seu não tinha valor comercial e que se o tivesse não seria superior a € 102,00 (cento e dois euros) -cf. fls, 88.

19.º

Sabia o oficial de justiça Visado que não podia apropriar-se do computador em causa e dar-lhe uso como se fosse seu e em proveito próprio, intenções que concretizou aproveitando-se das funções que exercia na DC do núcleo de G......., que lhe permitiam circular livremente no Tribunal e ter acesso ao local onde o computador se encontrava acondicionado a aguardar destino,

20.º

Agiu o trabalhador Visado de forma livre, ponderada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei, e que, simultaneamente, violava de forma grave os deveres profissionais a que se encontra vinculado.

21.º

CLASSIFICAÇÕES DE SERVIÇO:

Na categoria de escrivão auxiliar: duas classificações de BOM e uma de BOM COM DISTINÇÃO;

Na categoria de escrivão-adjunto: quatro classificações de BOM.

AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:

No âmbito do processo disciplinar 2...../11 foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de 100 euros de multa, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Tem pendente o processo disciplinar n.º 8...../24 (presente).

+++

Os Funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres gerais dos Funcionários da Administração Pública, de acordo com o determinado pelo n.º 1 do artigo 66.° do EFJ, aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99 de 26/08, e ainda aos deveres especiais estabelecidos neste último Estatuto – art.ºs 64.º a 66.º do mesmo diploma legal.

São disciplinarmente ainda responsáveis nos termos do Regime Geral dos funcionários e Agentes da Administração Pública e dos artigos 89.º e seguintes do EFJ.

A infração disciplinar está prevista no artigo 90.º do EFJ e é definida como "os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os a tos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções".

No mesmo sentido, define o art.º 183.º da LTFP que a infração disciplinar consiste no comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce,

Os deveres gerais estão previstos estão previstos no art.º 73.º da LTFP -, deles fazendo parte; o dever de prossecução do interesse público, que consiste "na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". de isenção, que consiste "em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce", e o dever de lealdade, que consiste em "desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço".

No caso concreto em análise, ao apropriar-se indevidamente do computador em causa nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas, incorreu o trabalhador Visado no cometimento de infração disciplinar por violação dos deveres antes descritos.

Demonstrando um censurável e grave alheamento quanto aos deveres profissionais a que se encontra vinculado.

Em face do exposto e com a conduta descrita, que inviabiliza a manutenção do vinculo labora! que mantém com a entidade empregadora ( Estado), incorreu o Sr. oficial de justiça, de modo doloso e grave, na prática de infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alínea a), b e g), n.º 3, 4 e 9, e n.ºs 107,°, todos da LTFP, com a Sanção disciplinar de DEMISSÃO, que se anuncia,

AGRAVANTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR:

Verifica-se a circunstância agravante prevista no art.º 191.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da LTFP - A premeditação.

(…)».

9. Em .../.../2024, o Requerente tomou conhecimento da acusação e do prazo para pronúncia.

10. Em .../.../2024, o Requerente apresentou a defesa.

11. Em .../.../2025, o inspetor do COJ e instrutor do procedimento disciplinar proferiu despacho, pelo qual indeferiu a produção de prova requerida na defesa, o que fez com os seguintes fundamentos:

«PROVA REQUERIDA NA DEFESA:

No âmbito da defesa apresentada pelo visado, Sr. AA, constante de fls. 105 a 121, veio este requerer a produção da seguinte prova:

1. Perícia ao computador apreendido tendo em vista a prova dos factos 19.º a 23.º e 102.º da presente defesa escrita;

2. Inquirição dos responsáveis pela gestão da sala 4 (quatro) do tribunal tendo em vista a prova dos factos: 13.º e 15.º da defesa;

3. Audição da 1.º Sargento BB Chefe do Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas Especificas do Comando Territorial do P.... tendo em vista a prova dos factos: 27.º e 28.º;

4. Emissão de parecer ao superior hierárquico do trabalhador quanto à aplicação da sanção proposta pelo COJ ao abrigo do art.º 220.º n.º 2 da LGTFP;

Cumpre, assim, tomar posição sobre o requerido.

Quanto à prova testemunhal:

Requer o trabalhador visado (ponto 2) a inquirição dos responsáveis pela gestão da sala 4 (quatro) do tribunal tendo em vista a prova dos factos 13.º e 15.º da defesa, cujo teor se transcreve:

(…)

Vejamos

Conforme o acima enunciado, pretendia o trabalhador visado com a inquirição requerida provar que não subtraiu/retirou o computador da sala 4 nas circunstâncias enunciadas na acusação, visto que, como alega, se tal tivesse ocorrido, seria manifestamente improvável que nenhum dos colegas de serviço se apercebesse dessa situação.

Não identificando o visado quais os concretos funcionários pela gestão da sala 4 (quatro) do Tribunal que pretendia ver inquiridos, sendo de supor que seriam o Sr. Secretário de Justiça e a Sra. Escrivã de Direito, em regime de substituição, da Unidade Central, ouvidos a fls. 19 e 20 e 23 e 24, afirmaram sem tergiversar que o computador em causa sempre esteve acondicionado/depositado na referida sala, juntamente com outros em iguais circunstâncias, a aguardar oportuno destino.

Ora, sendo de notar que o trabalhador visado estava – e está – colocado na Unidade Central do núcleo de G......., desempenhando funções que por norma implicam controlo e acesso de todos os bens existentes e à guarda do Tribunal, gozando, por isso e como se compreende, de ampla liberdade de movimentos pelas instalações deste edifício, é do senso comum, ainda que outras razões não existissem, que o mesmo funcionário com relativa facilidade poderia ter retirado o computador do Tribunal fora do horário normal de funcionamento da secretaria, longe do olhar dos seus colegas, magistrados ou outros utentes do Tribunal, e sem que estes disso se apercebessem.

Justamente por isso, qualquer que fosse o sentido do depoimento das testemunhas a inquirir quanto aos factos enunciados, não ficaria afastado o raciocínio antes formulado, tornando a prova requerida impertinente, desnecessária e inócua quanto aos seus objetivos.

Requer ainda o trabalhador visado (ponto 2) a audição da 1.º Sargento BBChefe do Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas Especificas do Comando Territorial do P.... tendo em vista a prova dos factos: 27.º e 28.º da defesa.

(…)

Na verdade, qualquer que fosse o comportamento que o trabalhador visado assumiu aquando do cumprimento dos mandados de buscas pelo OPC, ou seja, quer tenha ou não colaborado com os elementos policiais que executaram os aludidos mandados, ou confessado ou não que tinha em seu poder o computador que lhe foi apreendido, o desfecho final sempre seria o mesmo, tendo-se por certo e adquirido que os militares da GNR não deixariam de dar cumprimento àqueles mandados judiciais e de proceder à apreensão em causa.

Nesse seguimento, não assumindo a concreta conduta do trabalhador visado relevância para a descoberta da verdade, com eventuais reflexos numa eventual e putativa atenuação da infração disciplinar cometida, por aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 190.º da LTFP, afigura-se-nos, pelas razões enunciadas, desnecessário e impertinente proceder à inquirição da testemunha indicada.

Quanto à prova pericial:

Como atrás se mencionou, requereu também o trabalhador visado que fosse efetuada perícia ao computador apreendido tendo em vista a prova dos factos 19.º a 23.º e 102.º da defesa, cujo teor é o seguinte:

(…)

Vejamos.

Em resumo, refere o trabalhador visado que a utilização do computador que lhe foi apreendido se ficou a dever ao facto de ter necessidade de efetuar fora de horas tarefas relacionadas com a sua atividade profissional, acima descritas, tendo mantido intacta a informação contida no equipamento (designadamente, utilizador, etiquetas/selos, o n.º de série do computador), não tendo ocultado tal facto.

A nosso ver e salvo o devido respeito por diferente opinião, tal como antes se disse a propósito da realização da prova testemunhal, a perícia requerida mostra-se também nesta situação irrelevante e inócua no âmbito disciplinar.

Em primeiro lugar, quanto à circunstância de o visado ter mantido intactos os elementos identificadores do computador apreendido, tal não foi colocado em causa na acusação, ali se mencionando (ponto 7) que aquele computador, aquando da sua apreensão, mantinha os seus elementos identificativos, designadamente a marca (HP), o número de série (CZZ43773485) e modelo (Prodesk 600 G1TNR), tornando-se, salvo melhor opinião, desnecessário fazer prova de um facto notório e incontroverso.

Em segundo lugar, independentemente das motivações do trabalhador visado para se apoderar do computador nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas, mostra-se absolutamente irrelevante para aferição da gravidade da conduta o uso posterior que deu ao computador em causa.

Com efeito, ainda que se desse como matéria provada que o visado utilizou o computador em benefício do serviço, como sustenta, essa circunstância não afastava a elevada gravidade dos factos participados e a natureza da infração (incompatíveis com a aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 190 da LTFP), bem como a eventual sanção disciplinar a aplicar, não se justificando salvo melhor opinião, por impertinente e irrelevante, a realização da prova pericial requerida.

Relativamente à emissão de parecer por parte do superior hierárquico do trabalhador ao abrigo do art.º 220. ° n.º 2 da LGTFP, sendo matéria reservada da entidade competente para decidir, neste caso, o Plenário do COJ, oportunamente tomará a sua posição no âmbito do poder discricionário de que dispõe.

Em conclusão:

Pelas razões supra enunciadas, indefere-se a produção de prova requerida na defesa, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 218.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP).

Notifique-se

12. Em .../.../2025, foi elaborado relatório final no processo disciplinar n.º 8...../24, de cujo teor se extrai o seguinte:

«(…)

Conforme o disposto no art.º 219.º n.º 1 da Lei n.º 35/2014, de 20de junho, adiante LTFP, foi elaborado relatório final, junto a fls. 57 a 67, cujo teor se dá por legal e integralmente reproduzido, propondo-se que ao trabalhador visado, por ter cometido a infração disciplinar aí descrita, fosse aplicada a sanção disciplinar de suspensão.

Colocado à votação o projeto do Exmo. Sr. Vogal do COJ GG, conforme fls. 70 a 78, não foi o mesmo acolhido pela deliberação do Plenário do COJ de ... de ... de 2024, por se entender que a sanção disciplinar mais adequada deveria ser a demissão, tendo os autos sido devolvidos ao signatário para deduzir nova acusação em conformidade com o decidido.

Após ter sido dado cumprimento ao supra determinado pelo plenário do COJ, segue relatório final (novo).

(…)

VII. Defesa (nova)

O trabalhador visado apresentou nova defesa, junta de fls. 105 a 121, cujo teor se dá por reproduzido, juntando documento (1) constituído por “Declaração” emitida pelo Sr. Secretário de Justiça do núcleo de G....... e cópias de “Folha de Elogio” com as referências 7..... e 7......

Questões prévias.

Na nova defesa apresentada, o trabalhar visado confessou a prática dos factos enunciados nos n.ºs 1.º a 7.º, 13.º, e 15.º a 18.º, defendendo-se por impugnação e exceção quanto aos restantes factos, suscitando, ainda, as seguintes questões sobre as quais tomaremos posição:

Da legalidade da deliberação do COJ – Ata de .../.../2024 e da legalidade da acusação (art.º 31.º e seguintes).

Alega o trabalhador visado que a decisão do Plenário do COJ acima indicada ao devolver o processo ao instrutor para dedução de nova acusação nos termos em que o concretizou, postergando as normas e formalidades previstas na LTFP, sem prorrogar os prazos legais previstos para tomada de decisão e sem especificar quais as diligências que deveriam ser efetuadas e respetivos prazos, conduziu à caducidade da ação punitiva ao abrigo do disposto nos art.º (s) 219.º e 220.º n.º 3 e 4 da LTFP.

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.

Vejamos.

O Plenário do COJ, após a receção do processo disciplinar, na sua deliberação de ...-...-2024, por discordar da sanção disciplinar que o signatário propôs (suspensão) entendeu, em termos suficientemente explícitos e claros, que a sanção mais adequada a aplicar ao trabalhador visado seria a demissão, tendo devolvido os autos ao signatário para dedução de nova acusação, devendo o trabalhador visado ser notificado do seu teor para garantia do seu direito de defesa.

Nada obsta na lei, salvo diferente entendimento, que a entidade detentora do poder disciplinar (no caso concreto, o COJ), após a receção e análise do relatório final e independentemente de concordar ou não com as conclusões ali expressas, possa ordenar a reformulação, retificação ou repetição da acusação, o que se traduz na mera reformulação de um ato instrutório dentro do mesmo processo2 e mesmo um reforço das garantias de defesa do próprio trabalhador visado, evitando, assim, ser confrontado com decisões de que não teve conhecimento prévio.

Não se tratando ainda de uma decisão final por parte do Plenário do COJ que se possa enquadrar no disposto no art.º 220.º da LTFP, e não se verificando a preterição das formalidades legais nem a caducidade do direito de punir a que se reporta o disposto no n.º 3 e 4 do art.º 219.º da LTFP, discordamos do que é sustentado pelo trabalhador visado.

Da anulabilidade da deliberação do COJ e (nova) acusação por falta de fundamentação nos termos do disposto no art.º 152.º, n.º 1, alínea a) e art.º 163, n.º 1 e 2 do CPA, ex vi 220.º, n.º 4 da LTFP.

Sustenta o trabalhador visado que os fundamentos que estribaram a deliberação do COJ e a dedução da (nova) acusação constituem atos anuláveis dada a falta de fundamentação quanto à medida disciplinar de demissão que foi enunciada.

Assim não se entende.

No que se refere à deliberação do Plenário do COJ, constante de fls. 79 verso, foi na verdade efetuada uma valoração da conduta em apreço, concluindo-se que esta se consubstanciaria um comportamento abstratamente doloso e inviabilizador da manutenção do vínculo laboral a ser sancionado com a demissão, contrariamente ao foi sustentado pelo signatário em sede de relatório final em que, por distinta valoração, foi sugerido ao Plenário do COJ que fosse aplicada sanção de grau inferior (suspensão).

Como atrás mencionamos, não se tratando ainda de uma decisão final, mas antes de uma decisão preparatória tendente à reformulação da acusação anteriormente deduzida, não seria exigido que a mesma carecesse de fundamentação mais detalhada ou diversa daquela que foi expendida ou que tivesse sido proferida no uso de um poder discricionário por parte do Plenário do COJ.

De igual forma no que respeita à (nova) acusação formulada não se subscreve o entendimento do trabalhador visado. Contrariamente, pensamos que da mesma acusação se extrai com suficiente clareza quer todo o circunstancialismo fáctico da prática da infração quer as razões para aplicação da sanção disciplinar aí enunciada, o que de resto foi por bem entendido pelo trabalhador visado, permitindo-lhe exercer o seu legítimo e inquestionável direito de defesa.

Da nulidade – omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade – art.º 203.º da LTFP.

(…)

Assumindo os factos imputados ao trabalhador uma natureza objetiva (apreensão de um computador do Tribunal na sua residência, que para ali transportou à revelia do conhecimento e consentimento dos seus superiores hierárquicos), tendo sido na sua essencialidade confessados pelo trabalhador visado, tal como mencionamos no despacho que antecedeu o presente relatório, não se alcança que as citadas diligências lograssem atingir resultados diferenciados da prova reunida e dos factos que foram enunciados na (nova) acusação e que as mesmas diligências fossem essenciais para a descoberta da verdade.

Assim e salvo entendimento, não se verifica a nulidade que o trabalhador visado refere ter ocorrido.

Alega por último, quanto à sanção abstratamente aplicável de Demissão:

A nulidade prevista no art.º 161.º, n.º 2, al. d) do CPA - Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Sustenta que a medida sancionatória acima indicada não vai ao encontro dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade plasmados na LTFP.

Acrescentou que, definindo o n.º 3 do art.º 297.º da LTFP, as situações que o legislador entendeu tipificar como geradora de uma situação que inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público, não encontra em nenhuma delas guarida para a concreta situação.

Vejamos.

O alegado preceito apenas tipifica algumas situações que inviabilizam a manutenção do vínculo de emprego, tratando-se de exemplos-padrão, meramente exemplificativos, conforme resulta do advérbio “designadamente” ali usado, não se excluindo que outras situações possam ser punidas com a sanção de despedimento/demissão, desde que o comportamento implique a impossibilidade de o trabalhador se manter ao serviço.

Em face do exposto, sem prejuízo do que adiante se proporá quanto à medida disciplinar que venha a ser aplicada ao trabalhador e que se tem por justa e proporcional aos factos que lhe são imputados, considera-se que não se verifica a nulidade que o mesmo invoca, podendo o mesmo, abstratamente, ser punido com a sanção disciplinar de demissão anunciada na acusação (nova).

VIII. FACTOS PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados:

a) Da Acusação:

1.º

O Sr. oficial de justiça AA, escrivão-adjunto, com o número mecanográfico 4...., encontra-se colocado na Unidade Central do Núcleo de G....... do Tribunal Judicial da Comarca do P.....

2.º

Corre termos no DIAP do P.... (SEIVD) o processo de inquérito registado com o número 3............, em que é arguido o Sr. oficial de justiça antes mencionado.

3.º

No dia ... de ... de 2014, pelo Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas (Específicas (NIAVE) da Guarda Nacional Republicana, foi dado cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão emitido no âmbito do suprarreferido inquérito.

4.º

Terminada a diligência no Tribunal de G......., onde foi apreendido o computador utilizado pelo oficial de justiça AA, a mesma prosseguiu na sua residência, sita na Rua 2, S. C...., G........

5.º

No dia ... de ... de 2024, a Sra. 1.º BB, militar da GNR que deu cumprimento aos mandados de buscas e apreensão, entregou no Tribunal dois computadores que foram apreendidos ao trabalhador Visado.

6.º

Um de marca INSYS, que tinha sido apreendido na secretária do trabalhador Visado.

7.º

Entregando um segundo computador, de marca HP, com o número de série CZC43773485, modelo Prodesk 600 G1TNR, que foi apreendido na residência do mesmo oficial de justiça por indiciar que poderia pertencer ao Tribunal dado que o utilizador continha as iniciais FJ -Funcionário Judicial- seguidas de um número.

8.º

Tendo o Sr. Secretário de Justiça CC e a Sra. escrivã de direito, em regime de substituição, DD, avaliado a situação, concluíram que o computador mencionado no número anterior pertence ao lote de equipamentos informáticos que foram substituídos pelo modelo de computador INSYS, agora em funcionamento.

9.º

Os computadores de marca Prodesk 600 que foram substituídos pelo IGFEJ, encontravam-se operativos, com processador e dispositivo de memória e software da DGAJ, sendo utilizados em caso de avaria dos computadores atualmente usados.

10.º

Os computadores substituídos, onde se incluía o que foi apreendido na residência do oficial de justiça AA, juntamente com alguns monitores, encontravam-se, à data, devidamente acondicionados e embalados em caixas de cartão numa das salas do Tribunal de G....... (sala 4), que em tempos serviu de sala de julgamentos.

11.º

Na caixa de cartão onde o respetivo computador era acondicionado anotavam o nome do anterior utilizador, elaborando também uma lista donde constava a referência dos novos e atuais computadores atribuídos aos funcionários.

12.º

O computador apreendido na residência do trabalhador Visado, que o mesmo retirou do local onde se encontrava e transportou para a sua residência em junho ou julho de 2023, pertenceu anteriormente à funcionária da ....ª Secção do DIAP EE.

13.º

Nem ao Sr. secretário de justiça CC nem à Sra. escrivã de direito da UC DD, em momento algum, foi solicitado ou autorizado a cedência do computador em causa para uso pessoal do trabalhador visado e/ou o seu transporte para fora das instalações do Tribunal.

14.º

Ignorando ambos por que razão veio o mesmo a ser encontrado e apreendido na casa do oficial de justiça AA.

15.º

Tanto mais que o mesmo funcionário nunca executou funções em regime de teletrabalho, não necessitando do mesmo para trabalhar a partir da sua residência.

16.º

Sobre os factos em apreço, corre termos nos Serviços do MP do núcleo da M... o processo de inquérito n.º 1..............

17.º

No âmbito daquele processo de inquérito foi proposto ao trabalhador visado (ali arguido) a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, pelo período de um ano, sob a injunção de prestar 200 horas de serviço público, em instituição a indicar pela DGRSP, medida que o mesmo senhor funcionário aceitou e se encontra a cumprir.

18.º

No mesmo processo de inquérito apurou-se junto do Coordenador da Equipa de Proximidade do IGFEJ no P...., Sr. FF, que o computador que o trabalhador fez seu não tinha valor comercial e que se o tivesse não seria superior a € 102,00 (cento e dois euros) – cf. fls. 88.

19.º

Sabia o oficial de justiça Visado que não podia apropriar-se do computador em causa e dar-lhe uso como se fosse seu e em proveito próprio, intenções que concretizou aproveitando-se das funções que exercia na UC do núcleo de G......., que lhe permitiam circular livremente no Tribunal e ter acesso ao local onde o computador se encontrava acondicionado a aguardar destino.

20.º

Agiu o trabalhador Visado de forma livre, ponderada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei, e que, simultaneamente, violava de forma grave os deveres profissionais a que se encontra vinculado.

21.º

Do Certificado do Registo Disciplinar do Sr. oficial de justiça AA, junto a fls. 10, resultam as seguintes menções:

CLASSIFICAÇÕES DE SERVIÇO:

- Na categoria de escrivão auxiliar: duas classificações de BOM e uma de BOM COM DISTINÇÃO;

- Na categoria de escrivão-adjunto: quatro classificações de BOM. A última obtida no âmbito do processo inspetivo 0....... e reportada ao período de ...-...-2017 a ...-...-2022.

AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:

- No âmbito do processo disciplinar 2...../11 foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de 100 euros de multa, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

- Tem pendente o processo disciplinar n.º 8...../24 (presente).

b) Da defesa

22.º

O Sr. Secretário de Justiça do núcleo de G....... conhece o trabalhador visado há cerca de 20 anos, considerando que o mesmo demonstra um bom saber técnico e responsabilidade condigna com as funções que exerce – cf. fls. 53 e 54

23.º

Considera, ainda, o Sr. Secretário de Justiça que o trabalhador Visado nas suas relações interpessoais se mostra urbano, não lhe sendo conhecidos quaisquer atritos pessoais nem profissionais com colegas, magistrados ou público, tendo mesmo exarados no “livro de louvores” dois agradecimentos, efetuados por utentes distintos e em diferentes datas.

24.º

Conforme documento junto a fls. 120 (declaração), cujo teor se dá por reproduzido, o Sr. Secretário de Justiça enaltece as caraterísticas pessoais e preparação técnica do trabalhador visado, caraterizando-as como mais do que necessárias para ser um profissional de excelência na sua categoria.

25.º

Os factos participados ocorreram em momento dificílimo da vida do Visado, com o falecimento da mãe e muito recentemente do pai, com quem vivia e nutria uma relação muito próxima, especialmente com a primeira, a que acrescia um ambiente de trabalho caraterizado por muita pressão – cf. fls. 53

26.º

Após a entrega do computador apreendido no Tribunal pelo OPC, o trabalhador Visado nunca ocultou os factos ao Sr. Secretário de Justiça, assumindo-se integralmente – cf. fls. 53

27.º

O escrivão auxiliar HH, com quem o Visado trabalha há cerca de 1 ano, considera-o um funcionário esforçado e dedicado ao serviço, apercebendo-se que o mesmo trabalha muito para além do horário de trabalho para regularizar o serviço.

28.º

O trabalhador visado nunca lhe negou qualquer tipo de ajuda, apesar de ser uma pessoa reservada e um pouco introvertida, apercebendo-se o EA HH que o mesmo é colaborante, educado e correto.

*****

Factos não provados

Com relevo para a questão a decidir não se provaram quaisquer outros para além dos indicados.

Fundamentação

Os factos provados da acusação enunciados nos números 1 a 7, assumindo natureza incontroversa e tendo sido confessados pelo trabalhador Visado, resultam dos elementos documentais juntos aos autos (participação do Sr. Secretário de Justiça e cópia Mandado de Busca e Apreensão), bem como das declarações prestadas a fls. 19 e 20 e 23 e 24 pelo Sr. Secretário de Justiça CC e Escrivã de Direito II.

Os factos provados da acusação enunciados nos números 8 a 15, resultam dos elementos documentais juntos aos autos (participação do Sr. Secretário de Justiça, cópia Mandado de Busca e Apreensão, listagem de computadores afetos aos oficiais de justiça), bem como das declarações prestadas a fls. 19 e 20, e, 23 e 24 pelo Sr. Secretário de Justiça CC e Escrivã de Direito II.

Os factos provados da acusação enunciados no número 16 a 18, resultam do depoimento do Sr. Secretário de Justiça, junto a fls. 19 e 20, bem como do expediente junto a fls. 83 a 90.

Os factos provados da acusação enunciados no número 19 e 20, retiram-se dos elementos objetivos dados por assentes/provados, antes mencionados.

O facto provado da acusação enunciado no número 21, relativo ao CRD do trabalhador visado, resulta do documento junto a fls. 10.

Os factos provados da defesa, enunciados nos números 22 a 28, extraem-se do depoimento das testemunhas inquiridas no âmbito da defesa apresentada, CC, cf. fls. 53 e 54, HH, cf. fls. 55 e 56, bem como dos documentos junto na defesa que constituem fls. 120 e 121.

Resultando provados os factos supra elencados, não existem contradições ou dúvidas que cumpra apreciar.

IX. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-DISCIPLINAR DA FACTUALIDADE APURADA

A infração disciplinar está prevista no artigo 90.º do EFJ e é definida como “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.

Por sua vez o art.º 183.º da LTFP define a infração disciplinar como sendo “o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.”

Face ao disposto no artigo 66.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres especiais ali previstos e ainda aos deveres gerais dos funcionários da Administração Pública, estes previstos no art.º 73.º da LTFP, deles parte, entre outros, o dever de prossecução do interesse público, que consiste “na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, de isenção, que consiste “ em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce”, e o dever de lealdade, que consiste em “desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço”.

Os elementos constitutivos de infração disciplinar são os seguintes:

a) Uma conduta/ação por parte do funcionário;

b) A violação de algum de algum dos deveres gerais ou específicos;

c) A censurabilidade da conduta, a título de dolo ou de negligência.

Mostra-se inequívoco e incontroverso que o trabalhador visado empreendeu uma ação pois apoderou-se de um computador do serviço e transportou o mesmo para a sua residência, sem o conhecimento e autorização de quem quer que fosse.

Tendo, por consequência, praticado um ato ilícito, consubstanciado em violação dos deveres gerais acima enunciados: o primeiro, prossecução do interesse público, porque em lugar de o proteger, como lhe competia, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, afrontou-o; o segundo, de isenção, porque o trabalhador retirou vantagens das funções de oficial de justiça de que se encontra investido, e o terceiro, de lealdade, visto que atuou em manifesto desacordo com os objetivos da Administração.

Por último, no que respeita à culpa ou juízo de censura, agiu o trabalhador com dolo direto, tendo por fim a intenção de praticar o ato ilícito a que se propôs.

Para além dos três elementos constitutivos da infração disciplinar acima indicados, há autores que sustentam que existe ainda um quarto elemento - o prejuízo para o serviço de que depende o trabalhador. No caso concreto, dir-se-á que o prejuízo foi mínimo, uma vez que, para além dos inevitáveis danos na relação de confiança entre trabalhador e os seus superiores hierárquicos, o conhecimento dos factos ficou confinado a quem trabalhou diretamente no processo, não se verificando, por consequência, um prejuízo substancial para a imagem e prestígio do empregador/Estado, sendo este, se tal nos é permitido afirmar, mais potencial do que efetivo.

Por outro lado, não tendo sido apurado que o trabalhador visado danificou o mesmo computador, o prejuízo causado pela sua conduta, nesse particular, foi muito diminuto ou mesmo inexistente.

Sem prejuízo do que se refere, por manter atualidade, reitera-se o que já afirmamos no que concerne à conduta que foi assumida pelo trabalhador visado.

Os factos imputados ao Sr. funcionário, assumindo também natureza criminal, revestem-se de elevada, intrínseca e acrescida gravidade visto que não foram praticados por um cidadão anónimo, mas antes por oficial de justiça de quem se espera que assuma um comportamento digno e exemplar e que não coloque em causa a imagem, prestígio e a dignidade que se encontram associadas ao Tribunal.

Ao tomar a resolução de se apoderar do computador nas circunstâncias já mencionadas – sendo indiferente as razões que o motivaram na prática delituosa – ignorou ostensivamente o Sr. oficial de justiça que são julgados nos Tribunais cidadãos que cometem ilícitos criminais de natureza semelhante, colocando-se ao mesmo nível dos mesmos, numa atitude de indiferença e alheamento extremamente reprovável e censurável.

Como também já afirmamos, não se pode admitir como hipótese que o Sr. Funcionário tenha agido de modo impensado ou pouco refletido pois se assim fosse não teria o computador na sua posse durante cerca de 8 meses, período de tempo que seria mais do que o necessário para equacionar a sua atitude e eventualmente pôr-lhe cobro, o que estava como sempre esteve ao seu alcance.

Reforça-se que a situação de ilicitude só cessou por circunstâncias fortuitas, relacionada com cumprimento de diligência por OPC no âmbito de um processo criminal que o trabalhador visado é arguido, e não por vontade ou arrependimento genuíno manifestado pelo mesmo.

A infração disciplinar de demissão anunciada na (nova) acusação, em obediência à deliberação do Plenário do COJ de ...-...-2024, tem como pressuposto, atendendo à gravidade dos factos, a inviabilização da manutenção da relação funcional existente.

Vejamos se a mesma ocorre.

Discordando, na defesa apresentada e em síntese, alega o trabalhador visado que aquela posição ofende os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e legalidade previstos na LTFP.

Tendemos a concordar com aquela posição, em linha, aliás, com a opinião que já expusemos nos presentes autos de processo disciplinar e que mantemos.

Sendo incontornável que a infração praticada se carateriza pela elevada gravidade e censurabilidade com que foi praticada, afigura-se-nos, ainda assim, que aquela conduta, de per si, não denota um desvalor de ação que permita quebrar definitiva e irreversivelmente a confiança que deve existir entre o empregador/Estado e trabalhador. Tal retira-se dos factos dados como provados, designadamente das declarações elogiosas prestadas pelo Sr. Secretário de Justiça quanto ao desempenho do Sr. funcionário e da confiança que deposita no mesmo e, bem assim, do teor do documento que juntou aos autos em sede de defesa.

Por outro lado, enfatiza-se que o computador com que o trabalhador visado se locupletou não possui qualquer valor venal (ou é muito residual), encontrando-se já fora de uso, por obsolescência, não tendo, por esse motivo e independente das razões que o determinaram à prática dos factos, obtido o trabalhador quaisquer benefícios económicos com a sua conduta.

Em complemento, não se tendo esgotado de modo definitivo a esperança que o trabalhador visado se afaste futuramente de comportamentos similares ao aqui em apreço, reproduzem-se as considerações da Sra. Procuradora da República titular do processo de inquérito originado pelos mesmos factos plasmadas no despacho em que propõe a suspensão provisória do processo “ (…) a conduta do arguido é censurável, mas acredita-se que os factos pelo arguido indiciariamente praticados tenham sido algo de muito conjetural e esporádico, e sem repercussões na vida que o espera. Na verdade, qualquer juízo de prognose que se possa eventualmente formular, aponta necessariamente no sentido de os factos ocorridos ou outros similares, serem irrepetíveis no futuro do arguido, atenta a ausência de quaisquer factos que indiciem a hipotética perigosidade. É de prever que a ameaça da reabertura do processo e subsequente sujeição a julgamento sejam suficientes para afastar o arguido da prática de novas infrações. “

Mutatis mutandis, também no âmbito disciplinar temos a convicção de que a aplicação de uma medida disciplinar que não implique a cessação do vínculo de trabalho irá conduzir o Sr. oficial de justiça visado a uma interiorização do seu comportamento e necessidade de evitar a prática de novos ilícitos disciplinares.

Por todo o exposto, na escala das medidas disciplinares prevista na LTFP, entende-se que a sanção disciplinar que melhor se enquadra na descrita conduta do trabalhador visado e que melhor obedece aos princípios da justiça, adequação e proporcionalidade será a Suspensão, já anteriormente proposta.

AGRAVANTES E ATENUANTES ESPECIAIS A RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR:

As já enunciadas.

Verifica-se a circunstância agravante prevista no art.º 191.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da LTFP – A premeditação.

Não se verificam quaisquer atenuantes da responsabilidade disciplinar, designadamente as previstas no art.º 190.º, n.º 2, alínea a) e b), conforme é alegado na defesa constante dos autos.

Quanto à prestação de dez anos de serviço com exemplar comportamento e zelo (alínea a).

Contrariamente ao que defende a defesa é consensualmente aceite que aquela atenuante especial pressupõe que o comportamento e zelo do trabalhador esteja traduzido em classificações que o demonstrem, ou seja, que no período de tempo referido estivesse notado com a classificação máxima3, no caso, Muito Bom, que o mesmo oficial de justiça não detém, encontrando-se notado apenas com Bom, classificação que obteve por seis vezes ao longo de cerca de trinta anos de carreira.

Quanto à confissão espontânea da infração (alínea b). Para que a confissão seja relevante e espontânea do ponto de vista disciplinar mostrar-se-ia necessário que a mesma tivesse contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.

No caso vertente e como se apurou, o trabalhador visado apenas confessou a prática da infração após ter sido confrontado com os factos, não contribuindo, por isso, para a descoberta da verdade, que se impôs por si mesma e independentemente de qualquer confissão.

Pelo que também nesta situação não se aplica a sobredita atenuante da responsabilidade disciplinar.

Alega que não se verifica a circunstância agravante prevista no art.º 191.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da LTFP – A premeditação.

Afigura-se-nos como contraintuitiva a versão apresentada na defesa pelo trabalhador, não se concebendo como pode alegar que se apoderou do computador com o objetivo de efetuar trabalhos em sua casa, ao mesmo tempo que argumenta que não teve essa premeditação ou intenção prévia.

Ora, de acordo com os elementos de prova conjugados entre si e do que resulta das normais regras de experiência de vida, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que o trabalhador visado, com dolo direto e intenso, gizou, maturou e colocou em prática um esquema em ordem a apoderar-se do computador do serviço, dando-lhe o uso pessoal que bem entendeu.

Em resumo e como já mencionamos, atuou com clara e inequívoca intenção de se apoderar do bem em causa, ou seja, com premeditação.

*****

Por todo o expendido, ponderando os critérios enunciados no art.º 189.º da LTFP, designadamente o grau de ilicitude e da culpa dos atos praticados pelo trabalhador Visado, bem como nas demais circunstâncias em que as infrações foram cometidas, efetuo seguinte proposta de sanção disciplinar a aplicar:

X. PROPOSTA

i. Propõe-se que ao trabalhador visado, AA, escrivão-adjunto, com o número mecanográfico 4....., a exercer funções no núcleo de G....... do Tribunal Judicial da Comarca do P...., por ter cometido infração disciplinar dolosa por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alínea a), b) e g), n.º 3, 4 e 9, e nºs 186.º, todos da LTFP, seja punido com a Sanção disciplinar de SUSPENSÃO, pelo período de 30 ( trinta) dias, visto que, com aquele comportamento, atentou a gravemente contra a dignidade e o prestígio inerente às funções que exerce.

ii. Quanto à suspensão da sanção disciplinar.

Como já se mencionou, os factos cometidos pelo trabalhador visado revestem-se de elevado grau de ilicitude e de culpa, sendo incompatíveis com as funções de oficial de justiça que desempenha de quem naturalmente se espera que tenha um comportamento idóneo e exemplar.

Por outro lado, o Sr. escrivão-adjunto visado não é primário em termos disciplinares, tendo sido já condenado no processo disciplinar 2...../11 em pena de multa, suspensa na sua execução, revelando algum pendor para cometer atos desconformes aos seus deveres funcionais.

Em razão do exposto, não se propõe a SUSPENSÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR, por aplicação do n.º 1.º do art.º 192 da LTFP, à contrário, uma vez que a simples censura do comportamento e a ameaça da sanção disciplinar não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

iii. Atento o sentido das declarações prestadas pelo superior hierárquico do trabalhador Visado, Sr. Secretário de Justiça, do que se concluiu que mantém intacta a confiança depositada no mesmo funcionário, não sendo manifesto, pelas razões já enunciadas, que o mesmo não possa manter-se no meio em que exercia funções à data da prática da infração sem quebra do prestígio que lhe é exigível, não se propõe a transferência do trabalhador visado para outro serviço, ao abrigo do disposto na alínea b) do art.º 91.º do EFJ, estando sempre ao alcance da Gestão da Comarca, assim entendendo por conveniente, proceder à colocação do Sr. funcionário em funções diversas daquelas que executa e que não impliquem a gestão, controlo e guarda de bens.

A não merecer acolhimento o que ora se propõe, a sanção disciplinar a aplicar será a Demissão.

O Conselho dos Oficiais de Justiça, no âmbito do poder discricionário de que dispõe, melhor decidirá.»

13. Em .../.../2025, o Requerente apresentou recurso hierárquico do despacho que indeferiu a realização de provas adicionais.

14. Em .../.../2025, o Plenário do COJ deliberou rejeitar liminarmente o recurso hierárquico apresentado pelo Requerente e referido em 13. Supra, por intempestividade.

15. Em .../.../2025, o Plenário do COJ deliberou a realização de diligências probatórias adicionais, «no sentido de se oficiar o órgão de gestão da comarca e a DGAJ a fim de identificar se o computador estava para abate ou se estava afeto a ser utilizado pelo Tribunal».

16. Em .../.../2025, o Plenário do COJ deliberou «por um lado e por unanimidade, indeferir o pedido de emissão do parecer por parte do superior hierárquico do Trabalhador ao abrigo do artigo 220.º, n.º 2 da LTFP, com os fundamentos nele vertido, e por outro lado e por maioria, (…), (…) aplicar ao oficial de justiça AA, escrivão-adjunto, NM 4...., a exercer funções no núcleo de G....... do Tribunal Judicial da Comarca do P...., por ter cometido infração disciplinar dolosa por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e g), n.º 3 e 9 e n.ºs 186.º, todos da LTFP, infração que atenta gravemente contra a dignidade e o prestígio das funções de oficial de justiça que exerce, a sanção disciplinar de suspensão, pelo período de 90 (noventa) dias, prevista no artº 181º, nº 4 da LFTP. // No que concerne à execução da sanção, o Plenário, pela mesma maioria, tendo em conta a gravidade dos factos cometidos pelo trabalhador e ao facto de o oficial de justiça não ser primário, deliberou pela não suspensão da execução da sanção disciplinar, por aplicação a contrario, do n.º 1 do art.º 192º da LTFP, uma vez que entende que a simples censura do comportamento e ameaça da mesma, não realização de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

17. Em .../.../2025, o Requerente apresentou recurso hierárquico dirigido ao CSM.

18. Em .../.../2025, a Vogal do CSM elaborou projeto de deliberação sobre o recurso hierárquico apresentado pelo Requerente, de cujo teor se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«(…)

XI - Fundamentação

O CSM é um órgão constitucionalmente previsto, necessariamente independente, por natureza, com autonomia administrativa e financeira reconhecida; pela Lei n.º 36/2007, de 14/08, que, embora não tendo competência própria no que respeita à inspeção dos funcionários judiciais, nem podendo emitir ordens ou instruções neste sentido, tem já competências próprias no que respeita à ação disciplinar, nos termos da alínea g) do art.º 149.º do EMJ. Tendo o CSM também competência própria, podendo até praticar o ato em substituição do COJ, através da avocação, no âmbito dos recursos hierárquicos em matéria disciplinar, o CSM não se encontra limitado na sua avaliação do mérito, conveniência ou legalidade da decisão

No que respeita aos fundamentos do recurso interposto pelo arguido, os mesmos não poderão proceder. Nos termos do art. 178.º da LGTFP, o direito de instaurar o procedimento disciplinar caduca no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico, o que não sucedeu, na medida em que, tendo havido conhecimento dos factos a .../.../2024, logo a .../.../2024 foi deliberada pelo Plenário do COJ a Instauração do procedimento disciplinar. Tratando-se de infração com relevância penal - peculato, art. 375.' do Código Penal (CP) - a infração disciplinar prescreve nos termos indicados pelo CP, ou seja, tendo em conta a moldura penal de 1 a 8 anos de prisão, em 10 anos, art. 118.º, n.º 1, alínea b). O procedimento disciplinar pode ainda prescrever quando, estando em curso, não seja notificada ao trabalhador arguido a decisão final, nos termos do n.º 5 do art. 178.º da LGTFP, no prazo de 18 meses. Nenhum destes prazos se encontra esgotado.

O legislador foi ainda mais longe na tutela dos direitos fundamentais trabalhador, exigindo uma marcha rápida e constante do procedimento disciplinar, como demonstração, por parte da entidade patronal, que esta mantenha ao longo de todo o procedimento o interesse no procedimento e a importância da infração disciplinar, não deixando o trabalhador em situação ambígua ou incerta quanto ao seu futuro profissional. Por isso, os arts. 219.º e 220.º da LGTFP estabelecem tal cadência, exigindo que o relatório final e a decisão da entidade decisória sejam proferidos nos prazos aí fixados: 5 dias após o exercício da defesa do trabalhador, para o relatório final, e 30 dias após a receção do processo, para a decisão ou, em alternativa, para o despacho que ordene outras diligências. O n.º 6 do art. 220.º estabelece, assim, a caducidade do procedimento disciplinar quando haja incumprimento dos referidos prazos.

O relatório final foi cumpridor do prazo. Quando à decisão foi proferida pelo Plenário do COJ a .../.../2025 (não se trata da decisão final, já que a decisão final será proferida, na sequência do recurso hierárquico apresentado pela defesa, peto CSM). No dia .../.../2024, o COJ, discordando da proposta de sanção apresentada, quer no relatório final, quer no projeto do Exmo. Sr. Vogal, entendeu "devolver o processo ao Exmo Senhor Inspetor para deduzir acusação, anunciando como sanção a demissão, e posteriormente seja notificado ao arguido, para lhe garantir o seu direito de defesa". Ora, a lei é claríssima quando confere à entidade decisória o poder de decidir de modo distinto face ao proposto no relatório final (art. 220.º, n.º 4, LGTFP), sendo também claríssima quando exige que da acusação conste logo o anúncio da sanção disciplinar aplicável (art. 213.º, n.º 3, LGTFP), exigindo ainda que o relatório final indique logo a sanção proposta também (art. 219.º, n.º 1, LGTFP). Tal sucede porque o trabalhador deve estar logo ciente da natureza e gravidade da sanção quando exerce a sua defesa, e a omissão destas exigências gera nulidade do procedimento (art. 203 º da LGTFP).

O legislador não regulou expressamente o procedimento correto a seguir quando a entidade decisória (neste caso, o Plenário do COJ) discorde das sanções propostas, entendendo que deverá ser aplicada uma sanção de natureza diferente e gravidade superior, como foi o caso Mas sendo o legislador claro ao admitir esta possibilidade - afinal, a entidade competente é decisora - é imperioso que haja um procedimento possível e correto a seguir para estes casos.

E esse procedimento é precisamente o estipulado pela deliberação do COJ do .../.../2024: regressar-se à fase da acusação, como se tivesse ocorrido uma nulidade do procedimento, e repetir se as fases seguintes (defesa do trabalhador e relatório final) em conformidade com o deliberado pela entidade competente. E foi o que sucedeu. Logo a .../.../2024 foi deduzida nova acusação (num prazo inferior aos 20 dias úteis) tendo o trabalhador apresentado nova defesa a .../.../2024, no qual requereu novas diligencias de prova. As diligências requeridas foram indeferidas a .../.../2025 (tendo havendo recurso hierárquico deste indeferimento, o mesmo foi decidido pelo plenário do COJ a .../.../2025). Na mesma data, logo a .../.../2025, foi também apresentado o novo relatório final. No mesmo dia, .../.../2025, o Plenário do COJ deliberou a realização de diligências probatórias adicionais (a determinação se o computador furtado estaria para abate). Portanto, foi cumprido o disposto no n.º 3 do art. 220.º da LGTFP. A...2025 foi obtida a confirmação de que o computador em causa não se encontrava para abate, estando a ser utilizado (potencialmente), como outros computadores de modelos mais antigos, como substituto em caso de avaria dos novos modelos. E a .../.../2025 o Instrutor remeteu, de novo, os autos ao Plenário do COJ Logo a .../.../2025, o Plenário do COJ proferiu a sua deliberação. Portanto, foi cumprido o disposto no n.º 4 do art. 220.º da LGFTP. O facto de não ter sido estipulado um prazo certo na deliberação do COJ que ordenou a realização de novas diligências não é fundamento, nem de nulidade, nem de caducidade do procedimento, pois foi requerida urgência, e a resposta foi obtida em período inferior a 30 dias úteis.

Não havendo nenhuma causa de caducidade ou prescrição do procedimento ou da infração disciplinar, imporia então verificar se a deliberação de .../.../2024, tomada pelo Plenário do COJ, é nula por falta de fundamentação. Relendo o que em cima se transcreveu, é fácil concluir pela negativa. A deliberação foi fundamentada, e a fundamentação assenta na gravidade dos factos, de acordo com a avaliação dos vogais: “já que os factos apurados e descritos na acusação e relatório agora apresentado revelam um comportamento que, em abstrato, é doloso, inviabilizador do manutenção do vinculo laboral, por irremediável quebra do mínimo de confiança que a entidade patronal deve ter do seu trabalhador. Com efeito, o visado subtraiu e fez seu um computador pertencente ao Estado, sem o seu conhecimento e consentimento".

Por fim, no que respeita à nulidade do procedimento por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, também não tem razão o trabalhador. As diligências requeridas foram as seguintes:

a) Inquirição dos responsáveis pela gestão da sala 4 (quatro) do tribunal, para saber se o Recorrente a época tinha acesso à dita sala e se para subtrair o equipamento nela se havia introduzido;

b) Audição da 1.ª BB Chefe do Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas Específicas do Comando Territorial do P...., para esclarecer a forma como atuara o Oficial de Justiça quando confrontado com a presença de OPC na sequência da diligência realizada no seu domicílio;

c) Peritagem ao conteúdo do computador apreendido, para apreciação/valoração, ou ambas, de todos os factos juridicamente relevantes, em especial, da conduta perfilhada pelo trabalhador após a apropriação;

d) Inquirição do Sr. Coordenador da Equipa de Proximidade do IGFEJ do P...., para informar se detinha na sua posse algum documento que expressamente referisse o responsável pelo acondicionamento do equipamento do referido computador e explicar qual a logística associada em termas de registo de computadores supérfluos afetos aos Tribunais (como é feito o seu reporte, quais os trâmites que são seguidos etc).

Como resulta claro da leitura dos objetivos de tais diligências e dos factos dados como provados, as mesmas em nada influenciariam ou alterariam, quer os factos provados, quer o enquadramento jurídico da infração. No que respeita à matéria da alínea a), o arguido trabalhador confunde o conceito de "premeditação" com o conceito de "astuciosamente". No plano disciplinar, a premeditação diz apenas respeito à formulação de uma vontade ilícita orientada para a prática do ato ilícito, visando excluir comportamentos impulsivos ou condicionados por circunstâncias exógenas prementes. Não deixa de haver premeditação se o arguido se apropriou do bem alheio discretamente, sem oposição ou grande sofisticação de comportamento. Sabe-se, com certeza, que o computador alheio (pertença do estado, facto que também foi claramente dado assente pois o computador continua os selos públicos) estava na posse do arguido, em utilização no seu domicilio pessoal, e sabe-se que, num momento anterior, o referido computador estava numa sala do tribunal onde se encontravam armazenados vários equipamentos do Estado. Sabe-se também que nenhum dos superiores hierárquicos se apercebeu da apropriação, e que nenhuma autorização, por parte de nenhum superior hierárquico foi dada ao arguido para que levasse o computador para o seu domicílio pessoal. Saber exatamente como é que ocorreu a apropriação – em que dia, a que horas, quem estaria a ver, com que esforço pessoal, etc. – sendo interessante, não é determinante da existência ou da qualificação jurídica da infração disciplinar. Semelhante argumentação é válida também para a diligência referida na alínea d), na medida em que já se sabe - resulta da prova testemunhal recolhida na fase de instrução - que o computador estaria numa sala de relativo fácil acesso (não estava fechada à chave), sem vigilância, e que operava o princípio da confiança entre os funcionários, não havendo um controlo de entradas e saídas de pessoal, apenas dos equipamentos. Aliás, o facto de operar o principio da confiança e de não haver um acompanhamento ou fiscalização do equipamento, foi valorado na ponderação do grau de culpa do arguido, a seu favor, tendo sido um dos fundamentos expressos para o afastamento da pena de demissão

No que diz respeito à alínea b), em nada alteraria o decidido, pois sabe-se - e foi valorado - que o trabalhador arguido colaborou com as autoridades (não se opôs, nem colocou entraves) e que admitiu os factos - após a deteção dos mesmos, pelo que não ocorreu uma verdadeira confissão espontânea - perante os superiores hierárquicos. A posição de colaboração e admissão dos factos por parte do arguido foi devidamente valorada a seu favor, sendo uma das razões, também, para o afastamento da sanção de demissão.

No que respeita á alínea c), sabe-se que o trabalhador arguido nunca esteve em teletrabalho no período em que manteve o computador na sua posse, sendo, por isso, tendencialmente irrelevante o uso que tenha dado ao computador ilicitamente apropriado.

Resta apenas então avaliar a adequação e proporcionalidade da sanção aplicada pelo COJ, de 90 dias de suspensão, não suspensa na sua execução, perante uma moldura possível entre os 20 e os 90 dias de suspensão.

Considerando que se tratava de um bem que não estava em uso, e que não foi causado qualquer dano ao Estado, a aplicação da sanção máxima dentro desta moldura - claro ficou que não havia fundamento legal para a aplicação da pena de demissão - e ponderando outros casos semelhantes em que, não ficando irremediavelmente colocada em causa a relação laboral, tenha havido suprimento de bens em uso efetivo ou que tenham sido consumidos ou deteriorados, pode ser um pouco excessiva. E há que ponderar ainda dois outros fatores. O relativo à prevenção especial, devendo ponderar se os anos de serviço do trabalhador arguido que, à exceção de uma multa, foram essencialmente adequados. Sendo certo que não se verifica a atenuação especial invocada pela defesa, pela ausência de notações de elevado mérito, ainda assim, os mais de 20 anos de exercício de funções regulares e competentes, não podem ser irrelevantes. Principalmente - e este é o segundo fator -numa altura em que o sistema de justiça sofre problemas sérios de escassez de funcionários de justiça. Não nos podemos esquecer que o exercício do poder disciplinar não visa o castigo do trabalhador - nem uma justiça retributiva - mas apenas a defesa essencial da instituição onde o trabalhador se integra. O que implica que os interesses gerais da referida instituição não devam estar completamente alheados de tal exercício. Considerando a necessidade de manter ao serviço funcionários de justiça que estejam em condições regulares de o fazer, e não haja motivos de maior que impeçam o exercício de funções, deverá a sanção de suspensão ser aplicada com responsabilidade e moderação, de molde a que não se gerem problemas sérios de gestão das secretarias Judiciais.

No presente caso, atenta a gravidade mediana do ilícito, sendo também mediano o grau de culpa do trabalhador arguido, numa moldura entre 20 e 90 dias de suspensão, é adequada a fixação de uma sanção de 45 dias de suspensão Por razões de prevenção especial, atenta a natureza da infração disciplinar a apropriação ilícita de um bem do Estado - e a existência de uma outra sanção disciplinar de multa aplicada anteriormente ao trabalhador arguido, não parece possível suspender a execução da sanção, nesta parte remetendo se para os fundamentos constantes do relatório final e da deliberação do Plenário do COJ.

Mantém se também o determinado na deliberação do Plenário do COJ no que respeita à não transferência do trabalhador arguido, pelos motivos nela constantes.

II - Deliberação

Em face do exposto, delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deferir parcialmente o recurso hierárquico apresentado pelo oficial de justiça AA, aplicando lhe uma sanção disciplinar de 45 dias de suspensão do exercício de funções, não suspensa na sua execução, pela prática de uma infração disciplinar dolosa por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alínea a) e g),n.º 3 e 9, e alínea m) do art. 186.º, todos da LTFP».

19. Em .../.../2025, o Plenário do CSM deliberou «deferir parcialmente o recurso hierárquico apresentado pelo oficial de justiça AA, aplicando-lhe uma sanção disciplinar de 45 dias de suspensão do exercício de funções, não suspensa pela prática de uma infração disciplinar dolosa por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público e lealdade, prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 73.°, n.° 1 e 2, alínea a) e g), n.° 3 e 9, e alínea m) do art. 186.°, todos da LTFP».

20. Em .../.../2025, o CSM dirigiu ao Requerente, por carta registada com aviso de receção, o ofício n.º ..., sob o assunto “Deliberação do Conselho Plenário”, pelo qual se comunica o despacho de .../.../2025 da Vogal do CSM, bem como a deliberação proferida em .../.../2025.

21. Na mesma data, o CSM dirigiu ao Ilustre advogado do Requerente o ofício n.º 1..., “Deliberação do Conselho Plenário”, pelo qual se comunica o despacho de .../.../2025 da Vogal do CSM, bem como a deliberação proferida em .../.../2025.

22. Em .../.../2025, os ofícios referidos nos pontos 20 e 21 supra foram recebidos.

23. Em .../.../2025, comunica ao Requerente o início do cumprimento da sanção disciplinar em .../.../2025.

24. Em .../.../2025, o Requerente dirigiu requerimento ao Diretor-Geral da Administração de Justiça – Divisão de Administração e Recurso Humanos, pelo qual requer que se dê sem efeito a notificação de .../.../2025 para início de cumprimento da pena.

25. Em .../.../2025, o Requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do P.... o requerimento inicial para adoção da presente providência cautelar.

26. Em .../.../2025, o Requerente apresentou petição inicial de ação administrativa de impugnação de ato administrativo.

27. Em .../.../2025, foi dirigido ao Requerente e-mail pelo qual se comunica que deverá iniciar a pena de suspensão disciplinar no dia seguinte à notificação.

28. Nos dias .../.../2025 e .../.../2025, o Requerente suspendeu a sua atividade em cumprimento da sanção disciplinar.

29. No dia .../.../2025, o Requerente apresentou -se ao serviço.

30. Em .../.../2025, o COJ dirigiu ao Administrador Judiciário da Comarca do P.... o ofício SAI – DGAJ/2025/3...-A, no sentido de este diligenciar pelo cumprimento da sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções aplicada ao Requerente, em virtude de ter sido apresentada nos presentes autos a resolução fundamentada.

31. Em .../.../2025, foi comunicado pessoalmente ao Requerente o teor do ofício referido no ponto que antecede, sendo advertido de que deveria iniciar a pena de suspensão no dia seguinte.

32. Em .../.../2025, o Requerente suspendeu a atividade laboral.

Mais se provou que:

33. O Requerente aufere mensalmente a quantia de € 2.189,90.

34. Em maio de 2025, o Requerente teve despesas de eletricidade no valor de € 28,49.

35. Em julho de 2025, JJ teve despesas de água no valor de € 17,56.

36. Em agosto de 2025, o Requerente suportou despesas com medicamentos no valor total de € 26,54.

37. Em agosto de 2025, foram emitidas faturas de farmácia em nome de JJ no valor de € 41,70.

38. Em data não concretamente apurada de 2025, foi emitido ofício pelo Serviço de Finanças de G....... 2 dirigido a KK– Cabeça de Casal, representado pelo Requerente, do qual resulta o Imposto Municipal sobre Imóveis no valor anual de € 421,96.

39. O Requerente tem despesas vestuário, alimentação e higiene.

*

IV.2. Factos Não provados

a. O agregado familiar do Requerente é composto por si e pela sua irmã a quem presta assistência a tempo quase integral.

b. A irmã do Requerente depende deste de forma exclusiva, não se encontrando laboralmente ativa e não detendo capacidade plena de reger os atos do seu quotidiano.

c. O Requerente suporta despesas de transporte em viatura própria para o trabalho e transporte da irmã ao hospital para tratamentos na ordem dos € 350,00.

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IV.3. Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto atentou na matéria alegada pelas partes e que se deve admitir por acordo e na análise crítica dos documentos constantes dos autos, não impugnados, incluindo os processos administrativos instrutores e documentos supervenientes juntos por requerimentos do COJ e do CSM.

Relativamente aos factos provados 34 a 38, apenas se deu como provado o teor dos respetivos documentos. Assim, tratando-se de faturas, considerou-se o respetivo titular aí indicado, não tendo, por isso, sido demonstrando o Requerente suporta, com o seu vencimento, todas as despesas.

O facto provado 35 resulta das regras de experiência comum (cf. artigo 412.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA), não tendo sido impugnado.

Considerou-se, ainda, para prova do facto 26, correspondente à data de interposição da ação principal, a informação constante do processo n.º 2............

Não se consideraram como provadas as alegações constantes dos artigos 46.º a 48.º do requerimento inicial, desde logo, por não ter sido junta qualquer prova documental que corrobore que o agregado familiar do Requerente integra a sua irmã, que com esta reside ou, ainda, que esta não detenha capacidade plena para reger os atos do quotidiano (nomeadamente, mediante a junção de declaração de IRS ou outros documentos similares). Também nada se alegou ou demonstrou quanto aos rendimentos que são auferidos pelo agregado familiar, mormente para efeitos de densificar a alegada dependência da irmã do Requerente.

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V. Fundamentação de Direito

Nos presentes autos cautelares, vem o Requerente requerer a adoção de providência cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada em .../.../2025 (cf. facto provado n.º 20), que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão, por 45 dias, não suspensa na sua execução, o que faz ao abrigo do disposto nos artigos 170.º, n.º 2 do EMJ, e 112º. e seguintes do CPTA.

De acordo com o n.º 2 do artigo 172.º do EMJ, ao pedido de suspensão de eficácia aplicam-se as normas do CPTA.

Nos termos da disciplina dos artigos 112.º e seguintes do CPTA, podem ser requeridas providências de qualquer tipo, desde que adequadas a assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no processo principal, do qual a providência depende, caracterizando-se, pois, os processos cautelares pela instrumentalidade e pela provisoriedade.

De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, a providência será decretada quando se verifiquem os seguintes pressupostos:

(i) A existência de fumus boni iuris, na sua formulação positiva, ou seja, na demonstração de que é provável que a pretensão a formular ou formulada no processo principal seja julgada procedente;

(ii) Um requisito de perigosidade – periculum in mora – assente na existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente visa acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas antes o da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica do Requerente ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação. Nas palavras de ANA GOUVEIA MARTINS, «O que se pretende é a prevenção da lesão das posições subjectivas do requerente da providência, acautelar e criar as condições para que uma eventual sentença favorável venha a permitir a reconstituição in natura… e não uma simples indemnização pecuniária» (in “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo”, Coimbra Editora, 2005, pág.503).

Caso se mostrem verificados os requisitos previstos no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, impõe-se, ainda, ao julgador, nos termos do disposto no n.º 2 deste mesmo artigo, (iii) a ponderação de todos os interesses em jogo, para que seja assegurado o princípio da proporcionalidade na tomada de decisão sobre a adoção da providência.

Cumpre, assim, analisar cada um dos referidos pressupostos, os quais são de verificação cumulativa.

(a) Do Fumus Boni Iuris

O Requerente sustenta que o ato suspendendo, bem como o procedimento que o precedeu, padece de vícios que o inquinam de anulabilidade, a saber: verifica-se a caducidade do poder sancionatório, ao abrigo dos artigos 219.º, n.º 4 e 220.º, n.ºs 3, 4 e 6 da LGTFP; o vício de falta de fundamentação; a nulidade insuprível por preterição de diligências essenciais; a violação do artigo 32.º, n.º 10 da CRP no que concerne à circunstância agravante de premeditação; e a violação do princípio da proporcionalidade.

O CSM, aqui Entidade Requerida, sustentou a falta de verificação do pressuposto do fumus boni iuris, porquanto a ação principal é manifestamente intempestiva e, caso assim não se entenda, não padece o ato ora em crise dos vícios que lhe são assacados pelo Requerente.

Apreciando e ponderando os argumentos aduzidos pelas partes, impõe-se, então, apreciar, ainda que de forma sumária, a probabilidade da procedência da ação principal atentos os vícios que o Requerente imputa ao ato suspendendo.

Principia-se pelo conhecimento da caducidade do direito de ação, exceção dilatória invocada pelo CSM em relação à ação principal.

Como sobredito, o CSM tem o poder de avocar, bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do exercício do poder disciplinar (cf. artigo 111.º, n.º 1, alínea a) e 2 do EFJ). Ademais, das deliberações do COJ proferidas no exercício do poder disciplinar, cabe recurso para o CSM, a interpor no prazo de 20 dias úteis (cf. artigo 118.º. n.º 2 do EFJ).

Quanto à impugnação da deliberação do CSM, importa chamar à colação o regime plasmado no EMJ, em particular os artigos 169.º e seguintes deste Estatuto.

De harmonia com o previsto nos artigos 169.º e 171.º, n.º 1 do EMJ, a impugnação jurisdicional dos atos administrativos do CSM segue a forma de ação administrativa prevista no CPTA, sendo o prazo de propositura desta ação de 30 dias. Este prazo conta-se, a partir da data da notificação, nos termos previstos no artigo 138.º do CPC, ou seja, a sua contagem é contínua, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais.

Sublinha-se, ainda, que, diferentemente do que sucede no regime previsto no CPTA, não releva, aqui, o desvalor das invalidades assacadas ao ato impugnado (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 14/21.7YFLSB, de 21/12/2021). Quanto à aplicação do prazo previsto no artigo 171.º, n.º 1 do EMJ às impugnações de deliberações proferidas pelo CSM no âmbito de procedimentos disciplinares de oficiais de justiça, veja-se, ainda, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 23/23.1YFLSB, de 22/11/2023, no qual se pode ler:

«Como resulta da concatenação do disposto no artigo 98.º com o disposto no n.º 2 do artigo 111.º - ambos do Estatuto dos Funcionários Judiciais - e como tem sido repetidamente sublinhado pela jurisprudência desta Secção do STJ, o Conselho dos Oficiais de Justiça exerce a ação disciplinar sobre funcionários judiciais a título preliminar, subordinado e não exclusivo.

Na verdade, quando o visado seja oficial de justiça afeto a secções dos tribunais judiciais (como é o caso do autor), cabe ao Conselho Superior da Magistratura, em sede de impugnação administrativa necessária das decisões do Conselho dos Oficiais de Justiça (n.º 2 do artigo 118.º do mesmo diploma), ter a última palavra em matéria disciplinar, em linha com o disposto no art. 218.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Essa intervenção do CSM radica na constatação de que “(…) os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respetiva independência. (…)”2, sendo, pois, inexato considerar, como defende o Autor, que os oficiais de justiça são “(…) meros trabalhadores da administração pública, sujeitos à ação disciplinar dos órgãos administrativos que os tutelam (…)”.

Ora, como resulta da conjugação do disposto no artigo 169.º e no n.º 1 do artigo 170.º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, as deliberações do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura são, por opção legislativa - constitucionalmente legítimas -, unicamente impugnáveis perante este Supremo Tribunal. A norma vertida na alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - profusamente convocada pelo Autor - constitui um mero reflexo dessa opção.

Daí que, na estrita observância do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não possa deixar de se concluir no sentido da aplicabilidade ao caso vertente das normas previstas na Secção III do Capítulo X deste diploma, incluindo o prazo fixado no n.º 1 do seu artigo 171.º».

Isto visto e volvendo ao caso em apreço, constata-se que o ato impugnado, de .../.../2025, foi notificado ao Requerente em .../.../2025 (cf. facto provado n.º 20). Assim, o prazo de 30 dias para impugnar judicialmente o ato administrativo melhor identificado em 19 dos factos provados findava em .../.../2025. Ora, a ação principal apenas foi intentada em .../.../2025 (cf. facto provado n.º 26).

E porque assim é, verifica-se que a ação principal padecerá da exceção dilatória de caducidade do direito de ação, de conhecimento oficioso, a qual consubstancia fundamento que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da Entidade Demandada da instância (cf. artigos 89.º, n.º 1, alínea h) do CPTA e artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).

Assim, é manifesto que a pretensão a formular na ação principal não será julgada procedente, por se verificar a ocorrência de exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Nesta conformidade, julgando-se não verificado o fumus boni iuris (neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00767/15.1BEPRT, de 22/10/2015, 01300/11.0BEPRT, de 09/12/2011 e do Tribunal Central Administrativo Sul, processos n.º 10264/13, de 12/09/2013, n.º 822/19.9BELSB, de 16/01/2020) e porque se tratam de requisitos cumulativos, impõe-se improceder, sem necessidade de mais amplas considerações, a presente providência cautelar.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios assacados pelo Requerente ao ato suspendendo para sustentar o fumus boni iuris, bem como o conhecimento dos demais pressupostos de decretamento da presente providência cautelar.

VI. Das custas

Vencido, é o Requerente condenado nas custas do processo (cf. artigo 527.º e 539.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do CPTA e artigo 7.º, n.º 4 e tabela II do Regulamento das Custas Processuais).

O valor da ação deve ser fixado no valor indicado pelo Requerente, ou seja, em € 3.293,25, por ser o valor do prejuízo que quer evitar (cf. artigos 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1 do CPTA e artigos 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 31.º, n.º 4 do CPTA).

VII. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva do COJ, com a consequente absolvição da instância.

Mais se julga improcedente a requerida providência cautelar de suspensão de eficácia.

Custas pelo Requerente.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Novembro 2025.

Antero Luís (Juiz Conselheiro relator)

Mário Belo Morgado (Juiz Conselheiro adjunto)

Jorge Gonçalves (Juiz Conselheiro adjunto)

Maria do Rosário Gonçalves (Juíza Conselheira adjunta)

Maria de Deus Correia (Juíza Conselheira adjunta)

Jorge Leal (Juiz Conselheiro adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira adjunta)

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente)

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1. Toda a jurisprudência citada encontra-se disponível para consulta em www.dgsi.pt.↩︎