CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário


I – Existe incompatibilidade de pedidos quando as pretensões se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, colocando o juiz na impossibilidade de decidir face à ininteligibilidade do pensamento do autor.
II – A contradição de pedido apenas ocorre quando não exista entre o pedido e a causa de pedir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.
III - Não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e um desdizer simultâneos
IV - No caso de incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos, em nome do princípio da economia processual e prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
V - Se estivermos perante um prazo fixo, a sua inobservância gerará uma impossibilidade/inutilidade definitiva de incumprimento, conducente a uma resolução automática ou a uma caducidade contratual.
VI - O estabelecimento de uma cominação para o não cumprimento do prazo – possibilidade de rescisão do contrato por parte da promitente compradora –, indicia, em princípio, a essencialmente do mesmo, pelo que nos encontraremos perante um termo essencial subjectivo.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - Relatório

AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os Réus BB, CC, EMP01..., L.da, pedindo:

a) se reconheça validamente resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o 1º Réu e 2.ª Ré no dia 13 e Janeiro de 2023, por incumprimento definitivo imputável aos 1.º e 2.º RR.; adicionalmente,
b) serem os 1.º e 2.º RR., condenados a entregar à Autora, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, no montante total de € 29.400,00 (14700,00€ x 2); sem prescindir,
c) ser o 3.ª R. condenado a restituir à A. a quantia de 14700,00€, na sua posse a título de fiel depositário até celebração do contrato definitivo subjacente ao contrato promessa de compra e venda de 13-01-2023; subsidiariamente,
d) considerar-se, por via da acção, validamente resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o 1º Réu e 2.ª Ré no dia 13 e Janeiro de 2023, por incumprimento definitivo imputável aos 1.º e 2.º RR;
e) serem os 1.º e 2.º RR., condenados a entregar à Autora, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, no montante total de € 29.400,00 (14700,00€ x 2); sem prescindir, f) ser o 3.ª R. condenado a restituir à A. a quantia de 14700,00€, na sua posse a título de fiel depositário até celebração do contrato definitivo subjacente ao contrato promessa de compra e venda de 13-01-2023”.

Para tanto, alegou, em síntese, que, em 13 de Janeiro de 2023, celebrou com os Réus BB e CC um contrato promessa de compra e venda de imóvel, com a intervenção da Ré EMP02..., L.da, enquanto sociedade de mediação imobiliária, tendo entregue a quantia de 7.000,00€ na data da celebração do contrato promessa e depois mais 7.700,00 €, a título de sinal e reforço do sinal, tendo sido tais quantias transferidas para uma conta bancária da 3ª Ré, que se obrigou a manter na sua posse as referidas quantias até ao cumprimento do contrato.
Referiu, ainda, que as partes agendaram uma data para a celebração do contrato de compra e venda, mas o 1º Réu não compareceu, ficando, nos termos do contrato, agendada automaticamente nova data, no mesmo local e hora, no quinto dia útil seguinte, e, na segunda data não comparecerem o 1º e a 2ª Réus, sem que tivesse conseguido mais contactar com estes Réus, apercebendo-se que o imóvel objecto da compra e venda se encontrava a ser publicitado para venda em duas imobiliárias distintas, o que, no seu entender, revela de forma concludente a falta de vontade de cumprir o contato promessa, tornando inexigível a realização de qualquer outra diligência com vista à outorga do contrato definitivo, pelo que a Autora perdeu o interesse no mesmo.
Face ao exposto, enviou carta registada com aviso de recepção aos 1º e 2ª Réus, a comunicar a resolução do contrato e informou a Ré sobre essa resolução, interpelando-a para restituir as quantias entregues.

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Devidamente citados, contestaram os Réus EMP02..., Lda, e DD e EMP03....
A Ré EMP02..., L.da, excepcionou a sua ilegitimidade passiva e a incompatibilidade substancial de pedidos, impugnando os factos alegados na petição inicial.
Os Réus DD e EMP03... impugnaram os factos alegados na petição inicial e deduziram pedido reconvencional, sustentando que só assinou o contrato promessa de compra e venda porque o Réu BB e a Ré EMP02..., Lda, lhe disseram que o imóvel ainda estava em seu nome na Conservatória do Registo Predial, nada tendo recebido a título de sinal.
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Replicou a Autora, tendo respondido à matéria de excepção alegada na contestação da Ré EMP02..., Lda.
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Foi realizada audiência prévia, ouvindo-se as partes sobre os fundamentos de um eventual conhecimento de mérito já no despacho saneador e sobre a ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir, conforme consta da respectiva acta.
Nessa sede, foram os Réus absolvidos na instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas as alíneas b), c), e) e f), com fundamento na ineptidão parcial da petição inicial.
Foi a Reconvinda absolvida da instância, com fundamento na ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir.
Foi, ainda, de seguida, proferida decisão que julgou a acção improcedente, e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso ser interposto da decisão proferida pelo Digno Tribunal a quo, que julgou:
“Da ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis (...)
Pelo exposto:
- declara-se a ineptidão parcial da petição inicial, por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis formulados sob as alíneas b), c), e) e f);
- declara-se a nulidade parcial do processo; e
- absolve-se os Réus da instância no que se refere àqueles pedidos. (...)
Nesta conformidade, a carta que lhes enviou não preenche os requisitos da interpelação admonitória prevista no art. 808º, n.º 1, do CC, pelo que não houve incumprimento definitivo por parte dos Réus, gerando, sim, uma situação de mora.
Por isso, não se está, no caso «sub judice», perante uma situação de impossibilidade da prestação ou de incumprimento definitivo, mas antes de retardamento da prestação ou de «mora debitoris», com base no estipulado pelos arts. 801º e 804º, sendo certo que os Réus não demonstraram, como lhes competia, atento o disposto pelos artigos 342º, n.º 2, e 799º, todos do CC, a ausência de culpa.
Logo, estando os Réus em mora, não se verificam ainda os fundamentos da resolução do contrato promessa de compra e venda, pelo que terá de improceder a acção.

Em face do exposto, julga-se a presente acção improcedente, e, em consequência, absolve-se os Réus dos pedidos.”
“Da ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis”
II. O Tribunal “a quo” na sua sentença, decidiu considerar os pedidos formulados pela A. ., aqui recorrente, como incompatíveis entre si com os seguintes fundamentos:
III. “Quando a Autora pede a condenação dos 1º e 2ª Réus no pagamento do sinal em dobro e a condenação da 3ª Ré no pagamento do sinal em singelo está a formular pedidos que se excluem entre si, cujos efeitos jurídicos são inconciliáveis.
IV. Efectivamente, embora com base em causas de pedir distintas – quanto aos 1º e 2ª Réus, o incumprimento de um contrato promessa, e relativamente à 3ª Ré, o incumprimento de um contrato de depósito – a Autora cumula pedidos incompatíveis entre si – ou tem direito a receber dos 1º e 2ª Réus ou tem direito a receber da 3ª Ré a mesma quantia que pede de todos, com fundamentos jurídicos distintos.
V. Os pedidos formulados pela Autora são intrínseca e substancialmente incompatíveis, na medida em que se excluem mutuamente, e embora, como dito, assentem em causas de pedir distintas entre si, essas causas de pedir distintas são inconciliáveis.
VI.A cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis gera a ineptidão da petição inicial, com a consequente anulação de todo o processado (arts. 186º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC).”
VII. Salvo o devido respeito pela posição assumida, que é muita, não se pode concordar com a mesma por não ser a mais Justa ou conforme o Direito.
IX. Efetivamente, os pedidos efetuados pela A. ., aqui recorrente, emergem do mesmo contrato promessa e as obrigações de cada uma das três RR, estão ligadas umbilicalmente, porquanto, sem as obrigações de prometer vender vs prometer comprar e a respetiva mediação a cargo da 3.ª R, ora recorrida, inexistiria qualquer das obrigações no caso em concreto atento o teor do predito contrato. O mesmo será dizer no caso concreto, o acordo de vontades das partes (contrato) firmou-se exatamente porque existiam as três obrigações distintas, de prometer vender, prometer e comprar e fidúcia do sinal entregue. Obrigações estas inseparáveis e co-dependentes entre si.
X. Tal contrato, como resulta inequivocamente da petição gerou obrigações dos RR para com a A.., aqui recorrente, distintas mas indissociáveis e motivou a celebração do referido contrato-promessa.
XI. Se, perante os promitentes vendedores é exigida a devolução do sinal prestado em dobro, em virtude do incumprimento daquele contrato;
XII. Da fiel depositária é exigida a devolução da quantia que a mesma se incumbiu de guardar até cumprimento dos termos fixados no contrato.
XIII. Ou seja, sendo a base da relação entre todas as partes (RR) seja, o mesmo contrato promessa e a causa de pedir seja o incumprimento do predito contrato, o pedido quanto aos 1os RR e 3.ª R. é diferente, pois emergem de obrigações diferentes.
XIV. Assim, a contrario da sentença em crise, a causa de pedir transversal a todos os RR, é inequivocamente, o incumprimento da celebração do contrato definitivo.
XV. Assim, serão incompatíveis pedidos que:
produzam efeitos jurídicos contraditórios entre si;
que se excluam mutuamente;
sejam contrários entre si de tal forma que uma impede o exercício do outro;
o reconhecimento de um é a negação dos demais;                                                           
o reconhecimento de um excluir a possibilidade de verificação dos restantes;
XVI. Na verdade, a sentença ora em crise em lado algum aborda a problemática de como é que o reconhecimento (cumprimento) de um pedido impede o reconhecimento (cumprimento) do outro!
XVII.Por outras palavras, ignora-se de que modo são incompatíveis, conquanto a sentença não esclarece fundamentadamente! Porque, como se deixou alegado não o são, note-se que jamais, a 3.ª R, entraria em incumprimento da obrigação de restituir o sinal prestado da qual era fiduciária se os demais RR. não tivessem incumprido o mesmo contrato.
XVIII. A acolher o entendimento vertido da sentença ora em crise, seria afirmar o esvaziamento e a posição de fidúcia da 3.ª R., pois incumprido o contrato promessa pelos demais RR., a A., aqui recorrente, não poderia exigir o cumprimento da obrigação de restituição da fiduciária, expressamente vinculada a tal. Para que serviria então tal obrigação expressamente estipulada?
XIX. A Ré/recorrida EMP02..., 3.ª R., ora recorrida, tem na sua posse – ou deveria ter, porque a tanto se obrigou – o valor correspondente ao sinal prestado;
XX. A ser condenada a devolver o que não é seu, em nada contende com o reconhecimento da obrigação dos demais RR. de devolver o sinal em dobro. A sua obrigação, porque possui algo que não lhe pertence, em nada sai beliscada se os demais RR. forem condenados a devolver o sinal em dobro pelo incumprimento definitivo do CPCV.      
XXI. Por outo lado, sendo os RR pessoas singulares condenados a pagar o sinal em dobro e a R. EMP02... a devolver o sinal que tem na sua posse, sempre poderiam (deveriam?) os RR pessoas singulares ter invocado em sede de contestação/reconvenção que parte da sua obrigação (o sinal), estava na posse de terceiros (EMP02...) e que teria de ser esta a entregar tal quantia e/ou que parte da sua obrigação já estaria cumprida com o cumprimento da obrigação pela EMP02..., que devolveria o sinal na sua posse!
O que não lograram fazer!
XXII. Na hipótese esdruxula de ambas as partes terem entregarem sinal e sinal em dobro, os RR sempre poderiam lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa por parte da A., aqui recorrente.
XXIII. Ora, inexoravelmente terá de se concluir que os pedidos NÃO
produzem efeitos jurídicos contraditórios entre si;
se excluem mutuamente;
são contrários entre si de tal forma que um impede o exercício do outro; e que
o reconhecimento de um NÃO é a negação dos demais;
       o reconhecimento de um NÃO EXCLUI a possibilidade de verificação dos restantes.
XXIV. Pelo que, desde já se requer a revogação da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, reconhecendo-se a compatibilidade dos pedidos efectuados.              
                                               
B “- da resolução do contrato promessa de compra e venda.”

XXV. O Tribunal “a quo” na sua sentença, decidiu considerar que não estamos perante uma situação de incumprimento definitivo do CPCV, mas simples mora, pelo que não se verificam ainda os fundamentos da resolução do contrato promessa de compra e venda, improcedendo a acção.
XXVI. Salvo melhor opinião, que se respeita mas não aceita, há uma gritante contradição entre os factos assentes e a interpretação de Direito realizada, conduzindo a uma errada decisão.
XXVII. Cotejando, o texto da própria sentença:
“Contrato-promessa é a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas se obrigam a celebrar, dentro de certo prazo e verificados certos pressupostos, determinado contrato – cfr. 410º e 411º do Código Civil.
Com a celebração de um contrato-promessa emerge apenas para os contraentes, a obrigação de facto positivo de contratar, de outorgar o contrato definitivo.
Resulta do disposto no n.º 2 do art. 442º do Código Civil que: “Se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado ou, se houve tradição da coisa que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
Em consonância com o disposto no art. 441º do Código Civil, presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que como princípio de pagamento do preço, ou a título de antecipação do pagamento do preço, com sucedeu no caso em apreciação.
Pela letra do art. 442º do C.C. conclui-se que as sanções legais aplicáveis ao incumprimento, por parte de qualquer dos contraentes, pressupõem um incumprimento definitivo e não a simples mora, salvo se as partes expressamente convencionarem um regime específico de resolução.
Nos casos em que se conclua que alguma das partes deixou de cumprir o contrato em termos definitivos, a contraparte poderá resolver o contrato e invocar a sanção específica prevista no regime dos contratos-promessa - v. art. 801º, n.º 2, do C.C
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Maio de 2018, relatado por Ondina Carmo Alves e publicado in www.dgsi.pt, “antes das alterações introduzidas no artigo 442º do Código Civil pelo DL nº 379/86, era entendimento pacífico que a respectiva sanção só ocorria nas situações de incumprimento definitivo (cfr. ANTUNES VARELA, RLJ ano 119, 296 e ss.; BRANDÃO PROENÇA, Do Incumprimento do ContratoPromessa, 117 e ss.
Após as aludidas alterações, passaram a perfilar-se duas correntes de opinião:
a)- Uma, no sentido da aplicação da sanção à simples mora – cfr. a propósito, ANTUNES VARELA, Das Obrigações, vol. I, 6ªed., 326, ALMEIDA COSTA, RLJ ano 124, 95, Ac. STJ de 10.02.98, CJ /STJ VI, 1, 63;
b)- Outra corrente, maioritária, no sentido de que só o inadimplemento definitivo do contrato é relevante para o efeito - v. a título meramente exemplificativo, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária, 297 e Sinal e Contrato-Promessa, 11ª edição, Almedina, 2006, 112 a 128; Ac. R.L. de 27.04.2006 (Pº 2000/2006-6) Ac. R.P. de 27.02.2007 (Pº 0720500) e Acs. STJ de 29.11.2006 (Pº 06A3723), de 14.09.2006 (Pº 06B2117) e de 07.03.2006 (Pº 05A3426), e ampla jurisprudência aí citada, todos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Resulta da análise do citado artigo 442º, nºs 2 e 3, ao remeter para o artigo 830º, ambos do Código Civil, que o regime do sinal previsto no n.º 2 do artigo 442º do C. Civil, não é aplicável à simples mora e só se justifica no caso de incumprimento definitivo do contrato promessa.
É que, não é crível que o legislador tivesse querido estabelecer a mesma sanção indemnizatória para dois distintos ilícitos como são a mora e o incumprimento definitivo.
Como se pode ler no Ac. do STJ de 2.2.2006 (05B3578), acessível no citado sítio da Internet “O incumprimento definitivo, tratando-se de um negócio bilateral, confere ao outro contraente o direito de resolver o contrato, constituindo o inadimplente na obrigação de indemnização que, no âmbito do contrato-promessa, se calcula nos termos do art. 442º, nº 2, do Código Civil, perda do sinal ou restituição do sinal em dobro”.
XXVIII. A douta sentença continua a fls....
“Porém, a mora converte-se ainda em não cumprimento definitivo da obrigação, se esta não for realizada dentro do prazo que, razoavelmente, for fixado pelo credor, através da interpelação admonitória, prevista no artigo 808.º, nº 1, do CC, tendente à resolução do contrato bilateral.”
XXIX. No caso concreto, cfr. factos G H e I dados como provados, os RR. não compareceram à escritura na primeira data agendada!
XXX.Pelo que, dúvidas não restam, se constituíram em MORA!
XXXI. O próprio CPCV estipula nova data para celebração de escritura, na eventualidade do não cumprimento da primeira data, pelo que o acordo de vontades pelas partes fixado no contrato visou que em caso do predito incumprimento, as partes deveriam para obviar ao mesmo, comparecer em nova data, pós 5 dias, facto J considerado provado, para dar cumprimento à celebração do contrato definitivo.
XXXII. Ora, é forçoso concluir que as partes determinaram por estipulação contratual, as consequências da mora na celebração do contrato definitivo, mais fixando ab initio o prazo considerado razoável por todos os outorgantes - conquanto subscreveram o CPCV, o que não observado, determina o incumprimento definitivo do mesmo.
XXXIII. Ainda assim, a A., aqui recorrente, em reforço dos termos do CPCV, remete carta registada com AR, o que nem lhe era exigível, na qual a segunda data designada de comum acordo no CPCV lhe é comunicada, com advertência que o não comparecimento se traduzia no incumprimento definitivo e a devolução do sinal em dobro, facto K dos factos provados.
XXXIV. Salvo opinião diversa que se respeita mas não aceita, os RR. não podem ficar constituídos em MORA por duas vezes ou ad eternum!
XXXV. Forçosamente terá de se concluir que o prazo razoável foi, não só fixado (previamente) pelo A., aqui recorrente, mas de comum acordo com todos os outorgantes (aqui RR.);
XXXVI. Prazo e interpelação reforçados pelo envio da carta registada pela A., aqui recorrente, com a nova data para celebração do contrato definitivo – data, essa, também fixada de comum acordo, no próprio CPCV, por A./recorrente e RR.
XXXVII- Não se ignore, que a A., aqui recorrente, compareceu nas duas datas agendadas contratualmente, enviou carta de interpelação admonitória.
XXXVIII- Já os Réus não compareceram nas datas agendadas contratualmente (ainda que a 2.ª Recorrida tenha comparecido na 1.ª data, bem sabendo da 2.ª data, não compareceu de forma culposa, não podendo ignorar que tal ausência significava o incumprimento definitivo das suas obrigações, porquanto tal está expressamente estipulado na Cl.ª 4.5 e 4.6 do CPCV.          
XXXIX- Ora, salvo o devido e merecido respeito, a sentença em crise faz tábua rasa do estipulado contratualmente, em violação do princípio da liberdade contratual, expresso no art.º 405 do Código Civil, e, premeia, claramente o incumpridor das obrigações contratuais.
XL- Colocando, a parte cumpridora, a A., aqui recorrente, num grau de exigibilidade sem fim e ad eternum, de mora. O que se não compadece com os mais elementares princípios de boa-fé e justiça.
XLI- Acresce que, os RR. não deram qualquer justificação para a ausência nem retomaram contacto não obstante todas as tentativas envidadas para o efeito, cuja prova, testemunhal, seria a produzir em julgamento, o que a sentença veio a coartar, já que, decidiu, sem mais, em despacho saneador, sem plenitude da prova. O que viola, desde logo, de forma grave, os princípios basilares de justiça e tutela jurisdicional efetiva, e fere de nulidade, a sentença em crise, nulidade que expressamente se argui.
XLII. Nesta conformidade, deve considerar-se o contrato validamente resolvido.
XLIII. Sem prescindir, ainda que não tivesse operado a resolução do CPCV com a conversão da mora em incumprimento definitivo, o que ocorreu e somente por mero dever de ofício se coloca tal possibilidade, sempre se dirá que,
XLIV. O Tribunal “a quo” não pode aferir, somente pela prova documental carreada a perda de interesse do credor.
XLV. Todos os factos vertidos na PI têm de se objecto de produção de prova testemunhal - devidamente requerida – para se apurar se ocorreu a perda de interesse objectiva e subjectivamente considerada.
XLVI. A proferir a decisão nos termos vertidos, coartou a produção de prova e o acesso da A., aqui recorrente, ao Direito e à Tutela jurisdicional efectiva, Direito Constitucionalmente consagrado!
XLVII. No caso concreto, a credora, A., aqui recorrente, – além da resolução do CPCV pela fixação de prazo razoável - comunicou por carta registada a perda de interesse e a resolução do CPCV, cumprindo a exigência legal, como referido no acórdão supra citado.
XLVIII- A realidade contratual e factual vertidas nos autos:
- O contrato previa cláusula que reagendava automaticamente a escritura;
- A Autora/recorrente compareceu nas duas datas agendadas;
- Os Réus/recorridos não deram qualquer justificação para a ausência nem retomaram contacto;
- O imóvel foi novamente publicitado para venda, evidenciando a clara intenção de incumprimento;
- A carta enviada aos Réus/recorridos comunicava claramente a resolução contratual, após sucessivos incumprimentos.
XLIX. Estes factos evidenciam objetivamente a perda do interesse na prestação e a frustração definitiva do fim contratual, preenchendo o conceito de incumprimento definitivo (cfr. artigos 801.º, 808.º e 442.º do Código Civil).
 L. Efectivamente, incumbe à A., aqui recorrente, o ónus da prova da sua perda de interesse.
LI. Ora, a A., aqui recorrente, não pôde cumprir o seu ónus conquanto viu coartado o seu Direito de produção de prova pelo Tribunal “a quo”.
LII. Assim, caso não se considere o contrato definitivamente resolvido pela fixação do prazo razoável, o que não se concebe e somente por dever de ofício se coloca tal possibilidade, sempre terão de prosseguir os autos com a produção de prova para infirmar efectiva perda de interessa da A., aqui recorrente, o que expressamente desde já se requer.
LIII. A sentença do tribunal a quo, violou assim, o disposto nos artigos 801.º, 808.º e 442.º do Código Civil, todos do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V/ Excias doutamente suprirão, em face de tudo o que ficou exposto, deverá este Venerando Tribunal dar provimento ao recurso, e em consequência,
- Revogar a sentença recorrida, na parte que absolveu os Réus da instância com base em ineptidão parcial da petição inicial;
- Revogar a decisão que julgou improcedente a ação, reconhecendo-se: A validade da resolução do contrato-promessa;
A condenação dos Réus Pessoas singulares à devolução do sinal em dobro e a condenação da R. pessoa colectiva da quantia entregue à na qualidade de fiel depositária.
Mas V/ Excias. farão, como sempre, JUSTIÇA
*
A Ré EMP02..., Lda veio apresentar as suas contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso interposto, por forma a ser mantida, na íntegra, a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
*
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III. O Direito aplicável

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir sobre a ineptidão da petição inicial, apurando se tal excepção se verifica, ou não, em conformidade com o decidido, bem como sobre a decisão proferida.
*
Fundamentação de facto

Factos provados

A) Entre a Autora e o 1.º Réu e a 2.º Ré foi celebrado um contrato, no dia 13 de Janeiro de 2023.
B) Nesse contrato, a Autora figura enquanto Promitente Compradora e o 1º Réu e a 2.ª Ré, enquanto Promitentes Vendedores da fracção autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... andar, destinado a habitação, com um lugar marcado na cave para garagem, integrada no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado Lote ..., sito em ..., Alameda ..., ..., e Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...29, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...81, com Alvará de Licença de Utilização n.º ...31, emitido em ../../1990, pela Câmara Municipal ..., respectivamente.
C) Os Outorgantes do contrato promessa de compra e venda, aqui Autora e 1.º Réu e 2.ª Ré, prescindiram mutuamente do reconhecimento presencial das assinaturas ou de quaisquer outras formalidades inerentes à celebração do presente contrato.
D) As partes fixaram o preço global da venda que corresponde ao montante de €147.000,00.
E) Tanto na celebração, como na fixação dos termos do contrato houve intervenção do 3.º Réu, sociedade de mediação imobiliária, detentora da licença AMI n.º ...32.
F) A escritura pública de compra e venda seria celebrada no prazo de 90 dias a contar da celebração do contrato promessa de compra e venda.
G) A celebração da escritura de compra e venda foi agendada para o dia 04 de Abril de 2023 pelas 10:30, a realizar por Solicitador de Execução, o Sr. Dr. EE, no escritório deste, sito na Av. ..., Sala ..., ... ....
H) Na referida data da outorga do contrato definitivo, compareceu a 2.ª Ré, 3.º R., entidade bancária – munida do destrate – e a A.
I) Não tendo comparecido o 1.º Réu, apesar de o agendamento ter sido acordado por si com a 2.º R., 3.º R e a A. e, bem assim, com a entidade bancária para entrega do distrate.
J) Nos termos da Cláusula 4.5 do contrato celebrado, na eventualidade de uma das partes não comparecer na data inicialmente fixada, esta ficaria automaticamente agendada, sem necessidade de qualquer comunicação adicional, para o mesmo local e hora do 5.º (quinto) dia útil seguinte.
K) Não obstante, ainda assim, a Autora remeteu carta registada com aviso de recepção para o domicílio convencionado do 1.º Réu, notificando-o para comparecer ao reagendamento da outorga do contrato definitivo, no mesmo local, no dia 12.04.2023, pelas 10h, de modo a cumprir o contrato celebrado entre os contraentes a 13.01.2023.
L) Na segunda data agendada para a celebração da escritura pública, nem o 1.º nem a 2.ª R. compareceram.
M) Tendo apenas comparecido a Autora.
N) A Autora, mediante carta registada com aviso de recepção remeteu missivas para os domicílios convencionados, a comunicar a resolução do contrato ao 1º Réu e 2ª Ré.
O) Tendo a mesma sido recebida pela 2.ª Ré, no dia 01.08.2023.
P) A missiva enviada para o 1.º Réu, foi devolvida à Autora.
Q) Nos termos do contrato celebrado, todas as comunicações foram remetidas para o domicilio convencionado das partes e que, as eventuais alterações aos respetivos domicílios teriam de ser comunicadas por carta registada com aviso de receção, nos 30 dias subsequentes à respetiva alteração, sob cominação das comunicações se considerarem, para todos os devidos efeitos legais, devidamente efetuadas nos domicílios indicados no contrato.
*
Fundamentação do direito

Questão prévia
Aponta a 3.ªRé/Recorrida, como questão prévia, que a Autora Recorrente, nas suas alegações e conclusões, não cumpriu o disposto no n.º 2 do artigo 639.º do CPC, uma vez que, versando o recurso por si interposto sobre matéria de direito, deveria ter indicado nas suas conclusões:
a) As normas jurídicas violadas na decisão;
b) O sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entendimento, devia ter sido aplicada.

Pelo que, ao não o ter feito, deveria ser convidada a completar e/ou rectificar as suas alegações e conclusões, sob pena de, não o fazendo, o tribunal “ad quem” não conhecer do recurso, na parte afectada.
Ora, como se constata, das conclusões, a A./Recorrente aponta os fundamentos aduzidos pelo tribunal a quo por forma a refutar o entendimento a que se chegou, por se entender sinteticamente que, por se estar perante relações contratuais diferentes, afastado estaria a incompatibilidade entre os pedidos formulados, mais apontando os factos que em seu entender evidenciam objectivamente a perda do interesse na prestação e a frustração definitiva do fim contratual, preenchendo o conceito de incumprimento definitivo (cfr. artigos 801.º, 808.º e 442.º do Código Civil).
Ora, o propósito do legislador ao enunciar os princípios constantes do art. 639.º do Cód. Proc. Civil, foi o de vincular os recorrentes a fornecer, nos recursos que interponham, a indicação, em moldes perceptíveis, não só do que pretendem, como das disposições legais que afirmam terem sido violadas pela decisão impugnada.
Ora, resultando das conclusões da apelante qual o fundamento em que assenta a impugnação deduzida, a rejeição do recurso, com fundamento na ausência de especificação ou expressa menção das normas violadas, do sentido com que tais normas deveriam ser interpretadas e aplicadas, bem como, no caso de erro na determinação da norma aplicável imputado ao tribunal recorrido, da norma jurídica que, em alternativa, deveria ter sido aplicada, seria desconforme com a Constituição, porque assentaria numa leitura estritamente formal do consignado nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
Assim, se a parte nas alegações focou com objectividade a sua discordância sobre a decisão que impugna e tomou uma posição conclusiva de discordância relativamente a questões essenciais que referenciou, o Tribunal de recurso está em condições de conhecer do objecto do recurso.
Entende-se, assim, que, ainda que falhas dos aspectos puramente formais ocorressem, não teriam o relevo suficiente para conduzir à rejeição do recurso por facilmente cognoscíveis, pela própria motivação, quais as conclusões e quais as normas que se reputam violadas pela decisão de que se recorre.
Acresce que os casos de rejeição do requerimento de interposição de recurso estão taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 641.º e neles não se encontra incluída a falta de observância destes requisitos. Fora das (únicas) situações previstas como sendo fundamento de rejeição imediata do recurso, qualquer falha no cumprimento dos requisitos assinalados ao requerimento constituirá apenas uma irregularidade processual que ou se entende poder condicionar a apreciação do recurso, caso em que deverá ser mandada sanar, ou é mesmo irrelevante para o conhecimento do recurso e não carece sequer de ser suprida, podendo o processo avançar mesma com essa falha (neste sentido se aponta o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2014, Processo 4949/10.4TBVFR.P1, bem como o Acórdão da RL n.º 4970/19.7T8OER-A.L1-2, de 23 Novembro 2023, in dgsi).
Dir-se-á, ainda, que, de qualquer das formas, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como enunciado no art. 5.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
Assim, face ao exposto, entendemos que apreciada a peça processual que contém a alegação recursória, com cumprimento mínimo das regras enunciadas no citado art. 639.º, n.º 2, não se afigura existir motivo que justifique a prévia prolação do despacho de convite a que se reporta o seu n.º 3.
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Dos pedidos e da resolução

Impugna a requerente a decisão do tribunal que julgou a petição inicial inepta, considerando essencialmente, no seu entender, que se está perante contratos diferentes estabelecidos entre os 1.ºs RR e o 3.º R. que permite, perante causa de pedir distintas, formular cada um dos pedidos que deduziu contra cada um dos referidos demandados.
Para o efeito de se decidir sobre o objecto do recurso importa, em primeiro lugar, atentar no facto do tribunal a quo não ter levado em consideração o clausulado pelas partes quanto ao que foi por elas estipulado em relação a cada um dos demandados e no tocante a cada um dos pedidos sobre que incidirá a decisão.

Como tal, e ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, decide-se, com base no contrato promessa firmado entre as partes, A. e 1.ºs RR., aditar à matéria de facto dada como provada, os seguintes factos:
R) Do clausulado nos pontos 3.1 e 3.2, o montante de €7.000,00, pago a título de sinal, e o reforço efectuado de €7.700,00, ficaram na posse da mediadora a título de fiel depositária até ao cumprimento do considerando 2.7.
S) Nesse considerando estabeleceu-se que a parte promitente vendedora, até à data da outorga da escritura pública, devia proceder ao cancelamento dos ónus inscritos no registo, sob pena de não ser celebrado o negócio prometido, restituindo nesse caso a mediadora os referidos valores entregues à promitente compradora.
T) Por sua vez, no considerando 4.6 ficou clausulado que a falta de comparência na escritura pública/documento particular autenticado de compra e venda prometida, de qualquer das partes, na última das datas previstas para o efeito, constituiria incumprimento definitivo da parte faltosa, com as consequências desde logo previstas na cl.ª 5.ª.
U) Aí se estabeleceu que, nessa situação, a parte não faltosa teria o direito de, em alternativa, resolver de imediato o contrato firmado, bem como, sem prejuízo de indemnização pelos prejuízos sofridos, receber o dobro das quantias entregues a título de sinal e seus reforços, caso a parte não faltosa fosse a promitente compradora.

Posto isto, importa atentar no disposto no artigo 186.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, onde se lê o seguinte:
“1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…)
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.“

A ineptidão conduz à nulidade de todo o processo, e esta, à absolvição do réu da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, nº. 2 e 577.º, alínea b), sendo, nos termos do artigo 196.º do Código de Processo Civil, de conhecimento oficioso a nulidade mencionada no artigo 186.º do mesmo diploma legal.
A petição inicial, tal como a sentença, deve apresentar-se sob a forma de um silogismo, ao menos implicitamente enunciado, que estabeleça um nexo lógico entre as premissas e a conclusão.
Em tal silogismo a premissa maior é preenchida pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é preenchida pelas razões de facto, e o pedido corresponderá à conclusão. Por isso, a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido, o que não se confunde com a simples desarmonia entre um e outro dos elementos objectivos da instância.
Como bem aludia Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 381) «a causa de pedir deve estar para o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-se estar com a decisão. O pedido tem, com a decisão, o valor e significado duma conclusão», e o pedido formulado tem com a causa de pedir invocada o necessário nexo lógico, logo, a contradição que ora se discute apenas ocorre quando não exista entre o pedido e a causa de pedir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão. Vale isto por dizer que “a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e um desdizer simultâneos” (Antunes Varela in RLJ Ano 121, pág. 122).
Referia, ainda, o mesmo autor, in RLJ, ano 121º/122, que a “contradição não pressupõe uma simples desarmonia mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu”.
São incompatíveis as causas de pedir ou os pedidos que mutuamente se excluam, que sejam inconciliáveis ou que impliquem uma contradição interna na ordem jurídica.».
Especificamente, como se alude no Acórdão da RL de 22/06/2023 (proc. N.º 440/22.4T8MTA.L1-2), “o[O] “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a acção. A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma acção, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento. Secundariamente – na perspectiva das partes – o instituto permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.”.
A necessidade de pedido é condição essencial da petição inicial e do recurso aos meios judiciais, e a existência de cumulação de pedidos implica a inexistência de incompatibilidade entre eles, ou seja, estes para serem válidos não podem ser incompatíveis. A possibilidade de oposição entre os pedidos apenas se encontra prevista no caso de pedidos subsidiários, tal como se estabelece no nº 2 art.º 554.º, do Código de Processo Civil, sendo que neste preceito, no seu nº 1, se define tal subsidiariedade quando o pedido é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
In casu, alega a Autora ter celebrado com o 1.º e 2.ª RR. um contrato promessa, com a intervenção da 3.ª Ré, como mediadora imobiliária, tendo entregue a título de sinal a quantia de 7.000,00€, na data da sua celebração, e, depois, mais 7.700,00€, a título de sinal e reforço do sinal, que a 3.ªRé se obrigou a manter na sua posse até ao cumprimento do contrato.
Pede, na sequência da resolução, que se pretende ver declarada, que aqueles 1.ºs RR. sejam condenados a entregar em dobro as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, e a 3.ª Ré a restituir a quantia de 14.700,00€ recebida em depósito.
Como resulta do clausulado nos pontos 3.1 e 3.2, o montante pago a título de sinal e o reforço efectuado ficaram na posse da mediadora a título de fiel depositária até ao cumprimento do considerando 2.7.
Nesse considerando estabeleceu-se que a parte promitente vendedora, até à data da outorga da escritura pública, devia proceder ao cancelamento dos ónus inscritos no registo, sob pena de não ser celebrado o negócio prometido, restituindo nesse caso a mediadora os referidos valores entregues.
Por sua vez, no considerando 4.6 ficou clausulado que a falta de comparência na escritura pública/documento particular autenticado de compra e venda prometida de qualquer das partes, na última das datas previstas para o efeito, constituiria incumprimento definitivo da parte faltosa, com as consequências desde logo previstas na cl.ª 5.ª.
Aí se estabeleceu que, nessa situação, a parte não faltosa teria o direito de, em alternativa, resolver de imediato o contrato firmado, bem como, sem prejuízo de indemnização pelos prejuízos sofridos, receber o dobro das quantias entregues a título de sinal e seus reforços, caso a parte não faltosa fosse a promitente compradora.
Daqui decorre que a devolução em singelo dos valores entregues à mediadora ficariam à sua guarda até cumprimento do clausulado no considerando 2.7, ou seja, até que se comprovasse o cancelamento do ónus que incidiam sobre o imóvel prometido vender.
Por sua vez, o dobro do sinal entregue e seu reforço seriam devidos pelos promitentes vendedores em caso de incumprimento definitivo nos termos definidos por parte destes.
Ocorrem, como tal, duas situações distintas, baseadas em pressupostos diferentes.
Com base numa e noutras dessas situações veio a A. peticionar o seu cumprimento por cada uma das partes.
Se, em consequência, da resolução que pede devem os demandados ser condenados nos pedidos que formula tem já a ver com a procedência, ou não, dos seus respectivos pressupostos.
É que, como se apontou, a contradição apenas ocorre quando não exista entre o pedido e a causa de pedir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.
A contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e um desdizer simultâneos.
De qualquer das formas, a par da análise sobre o pedido e causa de pedir haverá ainda que considerar que a filosofia subjacente ao nosso CPC – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente já se evidenciava no preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95 de 12/12, reafirmada no actual Código de Processo Civil.
Logo, subjacente à decisão deve estar a prevalência do fundo sobre a forma, perspectivando o processo civil apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como “um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo” (cf. preâmbulo do Código de Processo Civil).
Outrossim, ainda que se entendesse existir uma contradição substancial dos pedidos, tem sido entendido que tal vício é sanável, designadamente através de um convite ao A. para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555.º do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553.º do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554.º do C.P.C.).
A propósito de tal temática e tendo por base o princípio supra enunciado, também Lebre de Freitas (in A Acção Declarativa Comum”, 4ª ed., págs. 59 e 60.) defende que: “(…) o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na acção ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição inicial dificilmente deixará de constituir nulidade insanável (…).”.
Defendem, assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre(in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, pág. 382) que no caso da dedução de pedidos substancialmente incompatíveis, deve ser aplicada, por analogia, a mesma solução prevista no art.º 38.º do C.P.C. (escolha pelo autor, em caso de coligação ilegal, do pedido com o qual o processo deve prosseguir).
Em sentido idêntico, parece resultar do afirmado por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in ob. cit. pág. 615), ao referir que “(…) Com excepção dos casos em que os pedidos são materialmente incompatíveis, gerando a ineptidão da petição inicial (art. 186º, nº 2, al. c)), a cumulação ilegal, à semelhança da coligação ilegal, para onde é feita a remissão (arts. 36.º e 577.º, al. f)), corresponde a uma excepção dilatória sanável com posterior aproveitamento do pedido que se enquadre nos requisitos materiais e formais dos arts. 36.º e 37.º, não determinando de imediato uma decisão de absolvição total da instância. (…).”
Do exposto, mesmo que se conclua configurar uma situação de pedidos incompatíveis, tal poderá ser sanado com o convite dirigido ao autor de forma a rectificar, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
Neste sentido se decidiu na RL, no Acórdão datado de 28/09/2012 ( proc. nº 4357/19.1T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt), ao defender que, no caso de  incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.), e que tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de rectificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.”.
Assim sendo, mesmo a considerar-se, por hipótese, existir incompatibilidade substancial entre os pedidos formulados, necessário seria que a A. fosse convidada a suprir tal vício, concedendo-se à parte a possibilidade de aperfeiçoar o seu petitório.
Em abono dos princípios da gestão processual, adequação formal e espírito que subjaz ao nível de preocupações de economia processual e do reforço dos poderes processuais do juiz no âmbito do Código de Processo Civil, não ocorre a ineptidão com fundamento na alínea c), do artº 186.º n.º 3, sem se ter dado à parte a possibilidade de reformular a sua petição inicial (neste sentido veja-se o recente acórdão da RL de 20 de Junho de 2024, em que é relatora Gabriela de Fátima Marques publicada na dgsi).
Subsequentemente, importa analisar se se verificam os pressupostos relativamente aos pedidos formulados a título principal ou subsidiário.
Na parte jurídica, defende a recorrente que, na sua opinião, em termos sintéticos, não se verifica simples mora, como o considerou o tribunal a quo, mas sim incumprimento definitivo.
Vejamos.
Com a acção, a autora pede a declaração de resolução do contrato-promessa, com fundamento em incumprimento imputável aos 1ºs réus e consequente condenação destes a pagar-lhe o dobro do sinal pago.
Ora, no caso em análise, é pacífico que as partes celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, não havendo qualquer controvérsia quanto à qualificação jurídica do contrato.
Nos termos do art. 432.º, n.º 1, do CC, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
A resolução contratual constitui um direito potestativo com eficácia extintiva e depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
Constitui orientação dominante na doutrina e na jurisprudência que, no contrato promessa, por regra, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato e a exigência do sinal em dobro, se o incumprimento for do promitente-vendedor, ou a perda do sinal, se o incumprimento for do promitente-comprador – cfr. João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., Almedina 2006, pág. 123 a 128, e Acórdãos do STJ de 03.10.2010, de 28.06.2011, relatados por Moreira Alves, e de 12.11.2009, relatado por Garcia Calejo, 06.10.2011, relatado por Lopes do Rego, e 06.07.2011, relatado por Granja da Fonseca, disponíveis in ww.dgsi.pt, entre muitos outros.
E, nos termos do art. 804.º, n.º 2 do CC, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 805.º, n.º 1, do CC).

Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) se a obrigação tiver prazo certo;
b) se a obrigação provier de facto ilícito;
c) se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido (art. 805º, nº 2, do CC).

Quando a prestação for ainda possível, a situação de mora poderá converter-se em incumprimento definitivo, nas seguintes situações:
a) quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, perda de interesse a apreciar objectivamente (art. 808.º, do CC);
b) quando o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor (art. 808.º, do CC);
c) quando o devedor declarar, de forma expressa ou tácita, que não cumprirá ou não quer cumprir.

Com efeito, não seria minimamente razoável forçar o credor a esperar indefinidamente pela realização da prestação devida, razão pela qual a lei concede ao credor a faculdade de, relativamente ao devedor constituído em mora, lhe fixar um prazo razoável, peremptório e suplementar, dentro do qual deverá cumprir sob pena de extinção, por resolução, do contrato.
Trata-se da interpelação admonitória que pode conduzir à extinção do contrato se a obrigação não for satisfeita dentro do prazo razoável nela fixado (artº 801.º, nºs 1 e 2 do CC).
A interpelação admonitória, com fixação de um prazo peremptório para o cumprimento, traduz-se numa intimação formal, dirigida ao devedor incurso em mora, para que cumpra, dentro do prazo assinalado, sob esta pena grave: considerar-se definitivo o seu não cumprimento.

A interpelação admonitória desdobra-se, analiticamente, em três elementos:
a) a intimação para o cumprimento;
b) a fixação de um terminus ad quem perentório para esse cumprimento;
c) a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo assinalado (cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 6.2.2011 e 27.2.2018 in www.dgsi.pt).

Há, contudo, de se ter em conta a natureza do prazo fixado para a celebração da escritura.
O prazo da prestação não é, em regra, um elemento essencial na economia do contrato e daí que a simples mora ou atraso no cumprimento não seja, por si só, fundamento de resolução. – cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., 444 e ss.
Contudo, nem sempre é assim.
Importa indagar sobre o significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade e que terá de ser “deduzido” do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes.
Se estivermos perante um “prazo fatal”, a sua inobservância, haja ou não imputação ou responsabilidade nesse desinteresse recíproco, gerará uma impossibilidade (rectius, inutilidade) definitiva de incumprimento, conducente a uma resolução automática ou a uma caducidade contratual. Pelo contrário, a inclusão, no conteúdo da promessa, de “termo relativamente fixo”, poderá fazer surgir, para o legitimado, um direito de resolução, ou ainda, a exigência de cumprimento tardio (cfr. nestes sentido Acórdão do TRL de 08-04-2008, publicado na dgsi e Fernando Gravato Morais, in Manual do Contrato promessa).
O estabelecimento de uma cominação para o não cumprimento do prazo – possibilidade de rescisão do contrato por parte da promitente compradora –, indicia, em princípio, a essencialmente do mesmo, pelo que nos encontraremos perante um termo essencial subjectivo.
No caso concreto, de acordo com a cláusula 4.5, se qualquer das partes não comparecesse na data inicialmente fixada para a celebração da escritura pública/documento particular autenticado de compra e venda prometida, estipulado foi que que ficaria agendada, sem necessidade de qualquer comunicação adicional, para o mesmo local e hora, o 5.º dia útil seguinte, como nova data para o efeito.
Nesse caso, a falta de comparência de qualquer das partes nessa nova data constituiria incumprimento definitivo da parte faltosa, ficando a parte não faltosa com o direito de, em alternativa, resolver de imediato o contrato firmado, bem como, sem prejuízo de indemnização pelos prejuízos sofridos, receber o dobro das quantias entregues a título de sinal e seus reforços, caso a parte não faltosa fosse a promitente compradora.
In casu, pese embora de forma acrescida, a A. tenha remetido CR/AR para o domicílio convencionado a dar conta do dia e hora do agendamento dessa segunda data, os 1.ºs RR. não compareceram, pelo que a escritura não foi realizada, bem sabendo que, em conformidade com o clausulado no contrato firmado, a escritura teria de ser celebrada até essa data.
Certo é que também não apresentaram, que se saiba, então ou mesmo posteriormente, qualquer razão impeditiva da sua não comparência no dia e hora designados e, segundo o que foi alegado, o imóvel objecto do contrato promessa foi publicitado para venda.
Acresce que a A., em reforço da sua manifesta vontade já firmada no acordo celebrado, comunicou aos 1.ºs RR. a resolução por si pretendida do contrato promessa celebrado.
Assim, tudo conjugado, entende-se ocorrer a causa justificativa da resolução que se pretende ver declarada, face, para além do mais, ao princípio da boa fé que deve nortear a execução de qualquer contrato.
Como se referiu no Ac. do STJ, de 29.1.14, publicado na dgsi, ‘a vontade de não cumprir pode resultar de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres convividos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos perpretados na inexecução do contrato’, mais acrescentando quepara a conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo a interpelação admonitória não se torna necessária naqueles casos em que tenha verificado uma situação qualificável como recusa de cumprimento ou tenha ocorrido e sido justificadamente invocada a perda de interesse do credor; nestes referidos casos relevam, de forma directa ou indirecta, enquanto princípios sempre presentes nas relações jurídicas os princípios da boa fé e da confiança, princípios fundamentais que impõem num plano ético-jurídico que uma parte não defraude as expectativas da outra e que o iter negocial decorra, sem excepções, com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem’, em conformidade com o decidido no Acórdão de 28/6/2011 aí citado.
Como tal, em consequência, tal confere à A. o direito de reivindicar o pagamento do sinal e seu reforço em dobro.
A este respeito, o conceito de sinal pode buscar-se no art. 440.º do Cód. Civil, que estipula que “s[S]e, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.”.
No domínio específico do contrato-promessa de compra e venda dispõe o art. 441.º do CC que se presume ter “carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
Esta função de antecipação (total ou parcial) do cumprimento é reafirmada no art. 442.º, n.º 1 do CC que dispõe que “q[Q]uando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.”
Porém, o sinal pode igualmente desempenhar uma função indemnizatória.
Tal é o que resulta desde logo do n.º 2 do art. 442.º do mesmo diploma, que estatui, para o caso que agora nos interessa, que se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue e, se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou.
E acrescenta o n.º 4 do mesmo preceito que “n[N]a ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.”
Assim sendo, não pode a A. pretender receber o dobro do sinal e reforço dos 1.ºs RR. e igualmente receber essas quantias em singelo por parte da 3.ª Ré.
Na verdade, da leitura e interpretação que se faz do estipulado na cl.ª 2.7, a devolução dos montantes entregues em depósito à 3.º Ré só seria exigível no caso de não se proceder ao cancelamento do ónus que incidiam sobre o imóvel prometido e tal inviabilizar a realização do contrato definitivo.
Tinha como base essa causa e não a que se prende com o clausulado nos considerandos quanto ao incumprimento decorrente da não comparência dos 1.ºs RR. no termo do prazo fixado para a celebração do negócio definitivo que suporta a resolução peticionada.
Acresce que os montantes entregues como sinal e seu reforço tinham como destinatário os promitentes vendedores, com quem a A. contratou, e não a mediadora que nada recebeu para si directamente e por via desse contrato por si não subscrito.
A assim não se entender, estar-se-ia a conferir à parte um efeito ilegal que redondaria num enriquecimento sem causa da A. à custa da 3.ª Ré.
Nestes termos, tem, pois, de proceder parcialmente o recurso, revogando-se, nessa medida, o decidido, julgando-se, como tal, procedentes os pedidos formulados nas alíneas a) e b), e reconhecendo-se, consequentemente, validamente resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o 1º Réu e 2.ª Ré no dia 13 e Janeiro de 2023, por incumprimento definitivo imputável aos 1.º e 2.º RR., sendo os mesmos condenados a entregar à Autora, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, no montante total de € 29.400,00 (14700,00€ x 2), com absolvição da Ré EMP02..., Lda do pedido formulado na al. c), ficando, ainda, prejudicados, nessa sequência, os pedidos formulados a título subsidiário.
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III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso parcialmente procedente quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e b), reconhecendo-se, consequentemente, validamente resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o 1º Réu e 2.ª Ré no dia 13 e Janeiro de 2023, por incumprimento definitivo imputável aos 1.º e 2.º RR., sendo os mesmos condenados a entregar à Autora, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento, no montante total de € 29.400,00 (14.700,00€ x 2), com absolvição da Ré EMP02..., Lda do pedido formulado na al. c), ficando, ainda, prejudicados, nessa sequência, os pedidos formulados a título subsidiário.
Custas pela recorrente e 1.º e 2.º RR., na proporção do decaimento.
Notifique.
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Guimarães, 27.11.2025
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições que a ele atenderam, e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos Melo
(Juíza Relatora)
António Figueiredo de Almeida
(Juiz Desembargador 1.ºAdjunto)
Alcides Rodrigues
(Juiz Desembargador 2.ºAdjunto)