I - Instaurado processo de inventário para partilha da herança de um dos cônjuges, falecido no estado de casado, se o cônjuge sobrevivo contrair casamento e ocorrer o seu óbito, na pendência desse processo de inventário e antes de verificada a partilha dos bens deixados por óbito daquele, é manifesta a relação de dependência entre ambos os inventários.
II - Nessa situação, a conexão objectiva entre os dois inventários justifica a sua cumulação, nos termos do artigo 1094º, nº1, alínea b), do CPC, sendo irrelevante que os bens a partilhar não sejam os mesmos.
III - A identidade dos bens a partilhar não constitui pressuposto da admissibilidade da cumulação, com fundamento nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 1094º do CPC. No entanto, para a alínea c) do nº1 do citado artigo 1094º do CPC mostra-se pertinente aferir se se verifica a identidade dos bens entre os dois inventários.
IV - Não constando dos autos a indicação dos bens a partilhar na herança aberta em último lugar, para aferir da admissibilidade de cumulação de inventários, com fundamento na alínea c) do nº1 do artigo 1094º do CPC, o Tribunal a quo pode e deve solicitar ao cabeça de casal as informações necessárias (artigos 6º e 7º do CPC).
V - Da cumulação de inventários resultam manifestas vantagens, tais como a economia de meios visto que os interessados partilham num só processo duas ou mais heranças a que concorrem e reduzem com isso a sua intervenção e evitam a repetição de diligências; a celeridade; e uma partilha mais igualitária.
Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Desembargadora Anabela Mendes Morais
Primeiro Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes
Segundo Adjunto: Desembargador José Nuno Duarte
I_ Relatório
Por requerimento apresentado por AA, em 19/1/2016, no Cartório Notarial, foi instaurado o processo de inventário para partilha da herança aberta por falecimento, em 22/10/2012, do seu cônjuge, BB, no estado de casada com AA (o requerente), no regime de comunhão geral de bens, com última residência na Rua ..., ... Vila Nova de Gaia, freguesia ..., concelho ....
I.1_ O requerente foi nomeado cabeça de casal e prestou declarações, em 1/3/2016, tendo indicado como sucessores da inventariada:
a) o próprio cabeça de casal (o viúvo);
b) CC (filho);
c) DD(filho);
d) EE(filho);
e) FF(filho);
f) GG(filha);
g) HH(filho);
h) II(filha).
I.2_ Por despacho de 28/8/2017, a Senhora Notária considerou citados todos os herdeiros. Nesse despacho foi apreciada a nulidade da citação invocada pelo interessado FF.
I.3_ Por despacho proferido em 27/3/2019, foi apreciada e decidida a reclamação contra a relação de bens. Nessa data foi removido do cargo de cabeça de casal AA e nomeado cabeça de casal FF.
I.4_ Por requerimento de 28/1/2020, foi dado conhecimento do falecimento, em 15/9/2019, de II e dos seus sucessores, a saber, o respectivo cônjuge JJ, e a filha menor, KK, nascida em ../../2007.
I.5_ Por despacho da Senhora Notária de 7/12/2020, foi ordenada a remessa oficiosa do processo ao Tribunal competente, com fundamento no artigo 12º, nº1, da Lei nº 117/2019, de 13/9, o que sucedeu em 21/12/2020.
I.6_ Em 19/4/2023, o cabeça de casal deu conhecimento no processo que o interessado AA falecera no dia 23/05/2022 no estado de casado com LL, segundo o regime de separação de bens.
I.7_ Em 20/4/2023, LL deu conhecimento do falecimento de AA, no estado de invocando a qualidade de sua herdeira legitimária e testamentária. Juntou ao processo testamento no qual o falecido a “institui herdeira da sua quota disponível e lhe lega o usufruto de todos os seus bens, por conta daquela quota”.
I.8_ Por despacho de 22/5/2023, com “o objectivo de habilitar os sucessores de II”, foi determinado:
“Nos termos do disposto no artº 1089º, nº 2, do CPC, notifique os demais interessados que ainda não tenham sido notificados, do teor do requerimento de 19/04/2023.
AA, no cartório notarial, veio requerer o inventário por morte de BB.
AA era viúvo da inventariada.
Por requerimento de 10/04/2023 foi este Tribunal informado da morte de AA.
O Tribunal tem de habilitar os sucessores de AA.
Nos termos do disposto no artº 1089º, nº 1, do CPC, notifique o cabeça de casal para, em 10 dias, quem são os sucessores de AA.”.
I.9_ Por requerimento de 16/6/2023, o cabeça de casal FF veio informar que o seu falecido pai, AA, deixou como sucessores:
- o cônjuge, LL;
- os filhos:
1_FF, cabeça de casal;
2_HH casado com MM no regime de comunhão de adquiridos;
3_CC, casado com NN, no regime de comunhão geral;
4_ DD, solteiro;
5_EE, casado com OO, no regime de comunhão adquiridos;
6_ GG, casada com PP no regime de comunhão de adquiridos;
7_A filha II falecida em 15/9/2019, deixou como únicos herdeiros, o cônjuge JJ e a filha KK.
I.10_ Em 20/3/2024, foi proferido o seguinte despacho:
Decorre do processado que AA, entretanto falecido, foi viúvo da inventariada BB, falecida a 22.10.2012, mas que, entretanto, casou com LL (que deixou viúva). É pelo menos o que resulta do processado, designadamente da informação prestada pelo cabeça de casal a 16.6.2023 e do teor do assento de óbito de AA.
Impõe-se, então, e verificada que está a citação/notificação dos demais herdeiros de AA (para prosseguirem com os termos do inventário no lugar deste), que o cabeça de casal identifique a morada de LL, para que se possa proceder à sua citação.
Esclarece-se, por fim, e para que dúvidas não restem, de que não foi pedida a cumulação de inventários. Ou seja, os presentes autos tratam apenas do inventário por óbito de BB.
Vinda a indicação da morada, cite LL para os termos do inventário, e para habilitação no lugar do falecido AA.”.
I.11_ Citada LL, por carta registada com A.R., e junto aos autos, em 3/5/2024, o aviso de recepção, foi proferida, em 25/6/2024, a seguinte decisão:
“Uma vez que já se encontram habilitados e citados/notificados os herdeiros de AA, impõe-se o prosseguimos dos autos.
Assim, notifiquem-se os interessados para, no prazo de 20 dias, proporem a forma à partilha – cf. artigo 1110.º, n. º1, alínea b), do Código de Processo Civil.”.
I.12_ Por requerimento de 28/3/2024 – ref.ª 48445919 -, veio o cabeça de casal requerer a cumulação, ao inventário para partilha da herança de BB, do inventário por óbito de AA, com os seguintes fundamentos:
“Atento o decesso do interessado AA, ex-cônjuge da de cujus BB, em relação à qual tratam em exclusivo os presentes autos de inventário, vem o cabeça de casal e herdeiro legítimo do interessado AA, entretanto falecido, requerer, (…)nos termos legais, nomeadamente previstos no artigo 1094.º do Código de Processo Civil, e noutros que V. Exa. doutamente, suprirá, o inventário deste último, bem como, que o mesmo seja cumulado com os presentes autos.
O que requer igualmente, por razões de conveniência, oportunidade, economia e celeridade processual, atendendo, também, à mesma identidade de todos os herdeiros e de eventuais bens a partilhar, em ambos os inventários….”.
I.13_ Sobre esse requerimento não foi proferido despacho, tendo sido determinada, por despacho de 25/6/2024, a notificação de os interessados para, no prazo de 20 dias, proporem a forma à partilha – cf. artigo 1110.º, n. º1, alínea b), do Código de Processo Civil.
I.14_ Por requerimento de 3/9/2024, o cabeça de casal reiterou o pedido de cumulação de inventários que havia formulado por requerimento apresentado em 28/3/2024, acrescentando ser conveniente, aos presentes autos e a todos os interessados, “a requerida cumulação de inventários, e consequentemente, ser ordenada a apresentação da relação de bens, por razões de oportunidade, economia e celeridade processual, atendendo, também, à mesma identidade de todos os herdeiros, em ambos os inventários” e que “sem a apresentação da referida relação de bens, em consequência da abertura da herança por morte do interessado AA, encontra-se, também o requerente, impossibilitado de propor, nesta fase, a correspondente e mais adequada forma à partilha”.
I.15_ Sobre o último requerimento, foi proferido o seguinte despacho, em 13/9/2024:
“Tem toda a razão o cabeça de casal. Notifiquem-se os interessados, todos eles, para se pronunciarem, em dez dias, sobre o pedido de cumulação de inventário formulado a 28.3.”.
I.16_ Decorrido o prazo concedido e nenhuma oposição tendo sido deduzida à cumulação de inventários, requerida pelo cabeça de casal, foi proferido o seguinte despacho, em 9/10/2024:
"Não há a indicação nos autos que os bens a partilhar (deixados pela inventariada e pelo entretanto falecido requerente deste inventário) sejam os mesmos. Do mesmo passo, o requerente do inventário não faleceu no estado de viúvo da inventariada. Por fim: os presentes autos deram entrada em juízo há 4 anos e terminou já a fase do processo que é, invariavelmente, a mais demorada: a fase da descrição dos bens. Assim sendo, por inexistir conveniência para este processo, tendo em conta a fase em que se encontra já, não admito a cumulação de inventários.
Notifique, ainda para forma à partilha, agora em apenas 10 dias, atento o teor do antepenúltimo despacho.”.
I.17_ Na sequência da notificação do despacho de 25/6/2024, LL apresentou a sua proposta de forma à partilha, em 22/10/2024 [notificada ao Mandatário do cabeça de casal (refª 50230449)] com o seguinte teor:
“A Inventariada BB foi casada com AA no regime da comunhão de bens[2].
Sucedeu-lhe, nos termos da al. a) do artigo 2133º do C. Civil, o seu marido e sete filhos todos interessados nestes da autos.
Para se determinar o acervo patrimonial a partilhar, divide-se o património em dois, encontrando-se a meação da Inventariada e a meação do interessado AA, seu marido, sendo somente a meação da Inventariada aquela que será nestes autos objecto de partilha.
Nos termos do artigo 2139º nº 1 do C. Civil, a partilha faz-se por cabeça, com a excepção prevista na parte final daquela norma, e deverá fazer-se deste modo:
i. Somam-se os valores dos bens relacionados tal como resultar da Conferência de Interessados;
ii. Nos termos do nº1 in fine do citado normativo, ao cônjuge inventariado cabe sempre ¼ do património hereditário sendo esse o seu quinhão e legítima;
iii. Remanescentes ¾ do património hereditário, resultante da conferência de interessados, nos termos do nº1 do citado normativo: divide-se o valor obtido por sete partes iguais, assim se encontrando os respectivos quinhões e legitimas dos interessados/estirpes.
iv. O preenchimento dos quinhões será feito conforme as licitações e adjudicações que possam existir, repondo em tornas quem, na sequência das mesmas, ficar com excesso face à sua legítima.
….”
I.18_ O cabeça de casal apresentou novo requerimento, em 23/10/2024, invocando que notificado para propor forma à partilha, “se encontra, por ora, impossibilitado em a apresentar, porque não se encontra reunido o consenso entre os herdeiros” e reiterou o requerimento de cumulação de inventários com os argumentos anteriormente aduzidos.
I.19_ Em 5/11/2024, foi proferido o seguinte despacho:
“A forma à partilha não depende de qualquer consenso entre os interessados. É apenas a forma como, em obediência à vontade da inventariada (se expressada tiver sido) e às normas legais imperativas e supletivas, se procederá à distribuição, pelos sucessores, das relações jurídico-patrimoniais da falecida.
A forma à partilha far-se-á nos exatos e precisos termos propostos a 22.10.2024 pela interessada LL, que, por facilidade, aqui dou por reproduzidos.
Conferência de interessados destinada à composição amigável dos quinhões, venda, licitações, se necessárias, e para as demais faculdades previstas no processo de inventário no dia 23 de janeiro de 2025 às 13.45h.”.
I.20_ Não se conformando com o despacho proferido no dia 9/10/2024 e com o despacho de 5/11/2024, por requerimento de 21/11/2024, o cabeça de casal veio interpor recurso dos mesmos, formulando a final as seguintes conclusões:
(…)
I.21_ Não foi apresentada resposta.
I.22_ Por despacho de 13/1/2025, foi admitido o recurso, tendo o Tribunal a quo pronunciando-se sobre uma das nulidades imputadas à decisão recorrida, nos seguintes termos:
“Quanto à nulidade da decisão apontada – o despacho de indeferimento da cumulação pretendida foi proferido a 9.10.2024. Não constituirá nulidade, crê-se, a falta de pronúncia sobre pedido repetido e já apreciado.”.
I.23_ O recurso foi admitido com regime de subida e efeito adequados.
I.24_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II_ Objecto do recurso
Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, perante as conclusões formuladas pelo recorrente há que apreciar as seguintes questões:
1. Nulidade prevista no artigo 188º, nº1, alínea a), do CPC consubstanciada na omissão da notificação/citação de todos os interessados, indicados pelo cabeça de casal/recorrente, como sucessores do falecido AA, nos termos do artigo 1089.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
2. Nulidade do despacho proferido em 9/10/2024 – que indeferiu a cumulação de inventários – com fundamento nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
3. Verificação dos pressupostos para a cumulação, ao presente inventário, do inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA e, em caso negativo, saber se o Tribunal a quo, ao proferir o despacho que indeferiu a cumulação, violou o disposto nos artigos 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
4. Nulidade do despacho proferido em 5/11/2024 – despacho proferido sobre a forma à partilha – com fundamento nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
5. Violação do princípio do contraditório por ausência de audição dos interessados sobre a proposta da forma à partilha, apresentada pela interessada LL, consubstanciando o despacho que deu a forma à partilha (proferido em 5/11/2024) uma decisão-surpresa.
6. O despacho proferido sobre a forma à partilha – despacho proferido em 5/11/2024 -, viola o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, por ser insuficiente a sua fundamentação.
7. Violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa com os seguintes fundamentos:
i. o Tribunal a quo coarctou o direito do requerente de propor a forma à partilha;
ii. o Tribunal a quo não permitiu, aos demais interessados, a possibilidade de exercerem o contraditório sobre a forma à partilha apresentada pela interessada LL;
iii. o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa ao optar dar a forma à partilha sem previamente permitir o exercício do contraditório, aos demais interessados.
III_ Fundamentação de facto
Os factos a considerar são os referidos no relatório que antecede.
IV_ Fundamentação jurídica
1ª Questão
Invoca o recorrente a omissão da notificação/citação de todos os interessados, indicados pelo cabeça de casal/recorrente, como sucessores do falecido AA, nos termos do artigo 1089.º n.º 2 do Código de Processo Civil, ordenado por despacho com a referência 448477953, advogando que essa omissão constitui a nulidade prevista no artigo 188º, nº1, alínea a), do CPC [conclusões b) e c)], de conhecimento oficioso (artigo 186º do CPC).
Como ensinava José Alberto dos Reis[3], «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se (…). A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677.º do CPC) e não por meio de arguição de nulidade do processo».
Está em causa a tramitação do incidente de habilitação de sucessores de interessado directo, previsto no artigo 1089º, em conjugação com os artigos 292º a 295º, todos do C.P.C..
De harmonia com o disposto nos artigos 226º, nº4, alínea d), e 1089º, nº2, ambos do CPC, mediante prévio despacho, os sucessores indicados pelo cabeça de casal são citados; e os demais interessados que sejam parte no processo, são notificados do requerimento de habilitação. A instância fica necessariamente suspensa com a notícia do falecimento do interessado directo – artigos 269º, nº1, e 270º, nºs 1 e 5, do CPC. Produzida a prova, caso se mostre necessário, é proferida decisão por escrito – artigos 1091º, nº1, e 295º do CPC.
Da análise da tramitação processual, verifica-se que:
_ Dado conhecimento no processo do falecimento de AA, o Tribunal a quo proferiu o despacho com a referência 448477953. Desse despacho, consta [na parte que releva]:
“DA MORTE DE AA
…
Por requerimento de 10/04/2023 foi este Tribunal informado da morte de AA.
O Tribunal tem de habilitar os sucessores de AA.
Nos termos do disposto no artº 1089º, nº 1, do CPC, notifique o cabeça de casal para, em 10
dias, quem são os sucessores de AA.”.
_ Por requerimento de 16/6/2023, o cabeça de casal deu cumprimento ao ordenado, indicando os sucessores do falecido AA.
_ Não foi proferido despacho a ordenar a citação/notificação dos interessados, nos termos do artigo 1089º nº2, do CPC.
_ Após esse requerimento, foi proferido despacho em 20/3/2024 [referência 453938305], com o seguinte teor:
“Decorre do processado que AA, entretanto falecido, foi viúvo da inventariada BB, falecida a 22.10.2012, mas que, entretanto, casou com LL (que deixou viúva). É pelo menos o que resulta do processado, designadamente da informação prestada pelo cabeça de casal a 16.6.2023 e do teor do assento de óbito de AA.
Impõe-se, então, e verificada que está a citação/notificação dos demais herdeiros de AA (para prosseguirem com os termos do inventário no lugar deste), que o cabeça de casal identifique a morada de LL, para que se possa proceder à sua citação.
…
Vinda a indicação da morada, cite LL para os termos do inventário, e para habilitação no lugar do falecido AA.”.
_Citada LL, por carta registada com A.R., e junto aos autos o aviso de recepção, em 3/5/2024, foi proferida, em 25/6/2024, a seguinte decisão:
“Uma vez que já se encontram habilitados e citados/notificados os herdeiros de AA, impõe-se o prosseguimos dos autos.
Assim, notifiquem-se os interessados para, no prazo de 20 dias, proporem a forma à partilha – cf. artigo 1110.º, n. º1, alínea b), do Código de Processo Civil.)”.
Não nos pronunciando sobre a tramitação do incidente que foi adoptada neste processo de inventário, na decisão proferida em 25/6/2024, foram considerados habilitados todos os sucessores de AA, tendo previamente, por despacho de 20/3/2024, sido ordenada a citação de LL e considerada efectuada a “citação/notificação dos demais herdeiros de AA (para prosseguirem com os termos do inventário no lugar deste”.
Socorrendo-nos dos ensinamentos de Anselmo de Castro[4],”[t]radicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por um qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso.”.
Assim, a nulidade por omissão da citação dos sucessores de AA, nos termos do artigo 1089º, nº2, do CPC deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, considerando que a alegada nulidade está coberta por decisão judicial, pelo que o meio próprio para a arguir é a impugnação da decisão mediante recurso.
Não tendo sido impugnada a decisão que declarou habilitados os sucessores de AA, não se conhece da nulidade arguida pelo recorrente.
2ª Questão
Com fundamento no artigo 615.º n.º 1, alíneas a), b), c) e d) do Código de Processo Civil, invoca o recorrente a nulidade do despacho proferido em 9/10/2024, com a referência 464277328, que indeferiu a cumulação de inventários [conclusão I)].
Sustenta que o Tribunal a quo “não sustentou suficiente e validamente a sua opção, devendo ter sido mais exaustivo nas justificações que decidiu oferecer”; não observou o preceituado nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C, tendo ficado “muito aquém de esgotar o seu poder/dever jurisdicional, de forma a poder sustentar a sua decisão, que se encontra, desta forma, desprovida do necessário substrato factual e jurídico para ser proferida”; e que “através dos elementos de que dispunha nos autos, estava-lhe imposta uma decisão diversa”. Argumenta, ainda, que a “mesma invalidade, tem subjacente a violação do que se encontra previsto no artigo 1094.º n.º 1 a) do C.P.C., assim como o sentido em que a mesma deveria ter sido interpretada e aplicada”.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil que
“1- É nula a sentença quando:
a)…
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) ...”.
No que tange à alínea b), só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. A errada, incompleta ou insuficiente fundamentação não integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Ensinava o Professor Alberto dos Reis[5], “O que a lei comina de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocricidade da motivação é espécie diferente; afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[6], “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação inintelegível ou imperceptível, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)”.
A nulidade da al. c) do nº1 do art. 615 do CPC, ancorada na ambiguidade ou na obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade). A nulidade, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, surgindo uma conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio que foi exposta, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo da decisão proferida.
Por último, verifica-se o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C.), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso.
Conforme ensinava o Professor Alberto dos Reis, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[7].
As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos da mesma, não se confundindo com erros de julgamento. Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 3/3/2021[8], “É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”
Pelo que vem sendo exposto e salvo o devido respeito, existe equívoco do recorrente na abordagem das questões. Da leitura do despacho verifica-se que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão colocada pelo recorrente; expôs as razões nas quais esteou o indeferimento da cumulação de inventários, podendo discordar-se da decisão ou considerar insuficiente a fundamentação, mas não é inexistente, como o próprio recorrente admite na sua peça de recurso; e a parte dispositiva mostra-se em consonância com a fundamentação.
Conclui-se, assim, sem necessidade de maiores considerações que a decisão recorrida está isenta dos vícios imputados. Em rigor, o recorrente discorda da decisão proferida, entendendo que o Tribunal a quo apreciou a questão em desconformidade com a lei por, face aos elementos constantes dos autos, se verificar o pressuposto enunciado na alínea a) do nº1 do artigo 1094º do CPC; e devia ter feito uso dos poderes/deveres enunciados nos artigos 6º e 7º do CPC para obter os elementos que entendesse pertinentes para a decisão.
Improcede, assim, a nulidade do despacho de 9/10/2024, com fundamento nas alíneas b), c) e d) do nº1 do artigo 615º do CPC.
3ª Questão
Dissente o recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu a cumulação de inventários. Sustenta que “razões de conveniência, oportunidade, economia e celeridade processual” justificam a cumulação do inventário para partilha da herança aberta por óbito de BB, no estado de casada com AA, no regime de comunhão geral de bens, e do inventário para partilha da herança aberta por óbito deste, verificando-se o fundamento previsto no artigo 1094º, n.º 1, alínea a), do C.P.C..
Sob a epígrafe “Cumulação de inventários”, estatui o artigo 1094.º do Código de Processo Civil:
“1 - É admissível a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas quando:
a) As pessoas por quem tenham de ser repartidos os bens sejam as mesmas;
b) Se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges;
c) Uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras.
2-No caso referido na alínea c) do número anterior:
a) Se a dependência for total, a cumulação é sempre admissível, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra;
b) Se a dependência for apenas parcial, o juiz pode indeferir a cumulação quando a mesma se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para celeridade do processo, por haver outros bens a partilhar.”
Analisando cada uma das alíneas do nº1 do artigo 1094º do CPC, na alínea a), admite-se a cumulação de inventários quando ocorra identidade dos interessados directos na partilha nos vários inventários. Neste caso, a conexão que justifica a cumulação é subjectiva pois, assenta na identidade dos interessados directos.
Referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[9],«[e]sta identidade tem de ser entendida em termos qualitativos tal como é imposto pelo estabelecido no artigo 581º, nº2 [10]. Assim não há razão para não aceitar a cumulação de inventários numa situação de representação sucessória (artigo 2039º do Código Civil), isto é, quando um dos inventários corra, não entre os mesmos herdeiros do outro, mas entre alguns desses herdeiros e os descendentes de um herdeiro que não pôde ou não quis aceitar a herança. A cumulação é admissível quando, num dos inventários, os interessados directos sejam E, F e G, e no outro, e no outro sejam E, F, H e I, estes últimos em representação de G. Seja como for cabe ao juiz, no uso dos poderes de gestão processual (artigo 6º, nº 1) aceitar a cumulação de inventários em situações que se possa entender não serem subsumíveis ao nº1, al.).
Em sentido diverso, por referência à alínea a) do artigo 1394º do CPC de 1961 [sem modificações relevantes em relação à alínea a) do nº1 do artigo 1094º do CPC vigente], refere Lopes Cardoso, «[e]ste preceito tem exclusiva aplicação à hipótese de serem os interessados os mesmos, afastado por isso a necessidade de serem também idênticos os legatários e os credores.[No] que respeita à cumulação de inventários, basta que sejam as mesmas as pessoas pelas quais hajam de ser repartidos os bens. Dá-se desta maneira um grande passo no sentido de a facilitar quanto possível. Permite-se a cumulação em termos amplos.
Posto que a hipótese mais frequente prevista por esta regra seja a de heranças deixadas por dois irmãos solteiros, concorrendo os mesmos herdeiros, o certo é que ela comporta a cumulação de partilhas de heranças deixadas por estranhos ou quaisquer parentes, sendo indiferente que os interessados estejam na mesma posição jurídica, isto é, no mesmo grau de parentesco em relação a cada uma delas ou em idêntica situação beneficiária. O nº1, alínea a) do artigo 1394º só exige que as pessoas sejam as mesmas e esta identidade é a identidade física, não a sua qualificação jurídica. Tanto importa que numa herança, um dos interessados intervenha como sucessor neste ou naquele grau, que herde por cabeça ou por estirpe. Basta que os interessados sejam os mesmos, seja diversa embora a proporção em que herança venha a ser distribuída.».
No caso da alínea b) do nº1 cabem as situações em que não se procedeu a inventário por óbito do cônjuge predefunto.
Em anotação ao artigo 1094º do CPC, escrevem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[11], [a] cumulação admitida pelo nº1, al. b), exige que haja uma herança deixada por cada um dos cônjuges, ou seja, pressupõe que não se trate da partilha dos mesmos bens comuns que há que repartir por óbito ou por divórcio de cônjuges casados entre si (RP 10/3/14 (3434/12)). [A cumulação] de inventários é admissível independentemente dos interessados directos em cada um deles e mesmo que os bens a partilhar nos dois inventários não sejam os mesmos”, exemplificando do seguinte modo: «Admita-se que do casamento entre A e B nasceu C; depois disso, A faleceu e B casou, em segundas núpcias, com D; deste casamento nasceu E. Se estiver pendente inventário entre B e C para a partilha da herança de A e se B falecer durante a pendência deste processo, o inventário entre D e E para partilha do património de B pode ser cumulado ao inventário que corria originariamente entre B e C. A justificação da admissibilidade desta cumulação é a circunstância de a partilha do património de B entre D e E depender da partilha do património de A entre B e C. Neste caso, a conexão que justifica a cumulação é objectiva, dado que respeita à relação de dependência entre os inventários.».
A propósito da alínea c) do nº1 do artigo 1094º do CPC, referem que «[o] nº1, al. c), conjugado com o regime que consta do nº 2, alarga o disposto no nº1, al. b) a outras situações de dependência entre inventários, isto é, a outras situações em que ocorre um encadeamento de heranças a partilhar. Nesta hipótese, tal como sucede no nº 1, al. b), o elemento de conexão entre os inventários é objectivo, dado que se baseia numa identidade total ou parcial dos bens a partilhar em cada um dos inventários, sendo portanto, irrelevante que haja diversidade de interessados directos em cada um dos inventários.».
Esclarecem, ainda, que«[e]m relação ao disposto no nº2, al. a), a diferença reside em que nesta situação cabe ao juiz ponderar a conveniência da cumulação do inventário dependente com o inventário prejudicial a qual pode ser indeferida se existirem razões que apontem no sentido da inconveniência para as partes ou se for previsível que ela causa demora anormal na conclusão do inventário (nº2, al. b). Não excluindo que estes motivos de indeferimento da cumulação possam verificar-se em algum caso concreto, a verdade é que o interesse das partes e a celeridade do processo são manifestamente favoráveis à admissibilidade da cumulação.».
Revertendo aos presentes autos, assiste razão ao recorrente. Estão em causa as heranças abertas por óbito de BB, falecida no estado de casada com AA, e por óbito deste, falecido antes de verificada a partilha dos bens de BB. É manifesta a relação de dependência entre ambos os inventários: a partilha da herança de AA está dependente da partilha da herança de BB que faleceu no estado de casada com aquele. A conexão objectiva entre os dois inventários justifica a cumulação, nos termos do artigo 1094º, nº1, alínea b), do CPC, sendo irrelevante que os bens a partilhar não sejam os mesmos.
O recorrente justificou a cumulação dos inventários à luz da alínea a) do nº1 do artigo 1094º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 2031º do Código Civil, «[a] sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele». Aberta a sucessão, são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – artº 2032º do Código Civil.
Em 22/10/2012, faleceu BB, no estado de casada com AA. São sucessores de BB: AA e os sete filhos de ambos, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.
A filha II faleceu na pendência do inventário, mas antes do falecimento de AA, ou seja, não chegou a ser chamada, nos termos do artigo 2032º do C.C., à titularidade das relações jurídicas do falecido AA.
De harmonia com o disposto no artigo 2039º do Código Civil, ocorre o direito de representação sucessória quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. Neste caso, o representante é chamado tendo em conta a sua relação com o representado que não entra na sucessão. Na sucessão legal, a representação tem sempre lugar, na linha recta, em benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco – artigo 2042º do Código Civil. Havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respectivo - artigo 2044º do Código Civil.
O direito de transmissão pressupõe que o sucessível tenha falecido após a abertura da sucessão do de cujus e sem que o chamado tenha exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, ou seja, no direito de transmissão, o sucessível sobrevive ao de cujus e o seu falecimento ocorre sem ter aceitado ou repudiado a herança. O direito de representação pressupõe que o sucessível está impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado, sendo a pré-morte uma das situações em que o herdeiro não pode aceitar. Beneficiários da vocação representativa são os descendentes do sucessível faltoso, segundo a ordem que ocupam na escala dos sucessíveis.
Como ensina Oliveira Ascensão[12], na transmissão do direito de suceder ocorre uma dupla transmissão, posto que pressupõe que «o transmissário fosse beneficiário de uma vocação e o morresse sem ter aceitado nem repudiado. O seu sucessível teria de aceitar a herança para encontrar dentro dela o direito de suceder ao autor da primeira sucessão. O transmitente tem de poder suceder ao autor, e o transmissário ao transmitente, mas não o transmissário ao autor.
Na representação, não há sucessão do autor da sucessão para o representado, e é indiferente que a haja deste para o representante. O representante tem de ter legitimidade em relação ao autor, mas não precisa de a ter em relação ao representado».
Sobre a diferença entre o direito de representação e o direito de transmissão, ensina Capelo de Sousa[13], o direito de transmissão só tem lugar após o efectivo chamamento do sucessível prioritário com a sucessão já aberta (enquanto o direito de representação vigora tanto para casos de impossibilidade de aceitação da sucessão, normalmente para factos anteriores à abertura da sucessão); pressupõe o direito de transmissão que, além dessa vocação efectiva, o chamado tenha falecido e sem ter exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a herança (ao invés do direito de representação, que postula estar o sucessível impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado) e, finalmente, verifica-se no direito de transmissão uma segunda vocação a favor dos herdeiros do chamado (diferentemente do que acontece no direito de representação em que há uma vocação subsequente com efeitos retroactivos ao momento da abertura da sucessão a favor dos descendentes do sucessível).».
No direito de representação, na linha recta, verifica-se em benefício dos descendentes do filho do autor da sucessão – primeira parte do artigo 2042º do Código Civil.
Revertendo aos presentes autos, em 22/10/2012, faleceu BB, no estado de casada com AA.
São sucessores de BB, AA e os sete filhos: CC; DD; EE; FF; GG; HH; e II.
Em 15/9/2019, faleceu II, sendo seus sucessores, o respectivo cônjuge JJ, e a filha, KK, nascida em ../../2007.
A filha II faleceu na pendência do inventário, mas antes do falecimento de AA, ou seja, não chegou a ser chamada, nos termos do artigo 2032º do C.C., à titularidade das relações jurídicas do falecido AA. Significa que o seu direito na herança aberta por óbito de BB transmitiu-se para os seus sucessores. Na herança aberta por óbito de AA, KK sucede a BB, ocupando a posição de II, por força do direito de representação.
AA faleceu em 23/5/2022, pelo que o seu direito na herança aberta por óbito de BB transmitiu-se para os seus sucessores, por força do direito de transmissão, entre os quais LL.
São sucessores de AA: o cônjuge, LL e os filhos:
1_FF;
2_HH;
3_CC;
4_ DD;
5_EE;
6_ GG;
7_A filha II, falecida em 15/9/2019. A sua posição, na herança aberta por óbito de AA será ocupada pela sua filha KK, por força do direito de representação.
Decorre do exposto que os bens de AA não serão repartidos por JJ que sucede, apenas, na herança aberta por óbito de BB como herdeiro de II.
Considerando o acima exposto, não vemos razão para não integrar a situação dos autos na alínea a) do nº1 do artigo 1094º do CPC.
O Tribunal a quo afastou a cumulação com o argumento de que "[n]ão há a indicação nos autos que os bens a partilhar (deixados pela inventariada e pelo entretanto falecido requerente deste inventário) sejam os mesmos…». Como se referiu, a identidade dos bens não constitui pressuposto da admissibilidade da cumulação, nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 1094º do CPC. No entanto, para a alínea c) do nº1 do citado artigo 1094º do CPC mostra-se pertinente aferir se se verifica a identidade dos bens entre os dois inventários, pelo que, como refere o recorrente, o Tribunal a quo podia e devia ter solicitado ao cabeça de casal as informações necessárias (artigos 6º e 7º do CPC). Relembramos que sendo a dependência total, “a cumulação é sempre admissível, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra”.
No que tange aos argumentos que “os presentes autos deram entrada em juízo há 4 anos e terminou já a fase do processo que é, invariavelmente, a mais demorada” e “a fase em que se encontra” o processo.
Sem aferir quais os bens que integram a herança aberta por óbito de AA, não nos parece que se possa concluir que a cumulação irá protelar o processo de inventário. Por outro lado, ainda não foi realizada a conferência de interessados, pelo que a fase na qual se encontra o processo de inventário não torna inconveniente a cumulação.
Socorrendo-nos dos ensinamentos de Lopes Cardoso[14], «[d]a cumulação de inventários resultam, para todos, manifestas vantagens. Os interessados partilham num só processo duas ou mais heranças a que concorrem e reduzem com isso a sua intervenção, evitam a repetição de diligências, a possível fragmentação da propriedade e até o pagamento de custas mais avultadas. A actividade judiciária torna-se mais útil, porque de pronto esclarece as partilhas, são mais céleres o seu andamento e conclusão. O inventário toca mais cedo o seu termo e dai advêm vantagens para a administração de cada um, no pagamento das despesas, dos impostos e na cobrança das receitas. Resulta ainda uma partilha mais igualitária. Por outro lado, não se descortinam inconvenientes vultosos, que os direitos de todos em nada são preteridos com a cumulação, e aos intervenientes asseguram-se os mesmíssimos meios de defesa.».
Como refere o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 11/5/2021, proferido no processo nº67/20.5T8LSA-A.C1[15], a cumulação de inventários “assenta a sua ratio na conveniência da apreciação conjunta - por virtude de celeridade, economia de meios e decisão final mais justa - do objeto do processo, quando certos elementos, objetivos e subjetivos, de conexão entre os dois inventários – previstos no art. 1094º do CPC - a aconselhem ou, até, imponham.”.
Assiste, assim, razão ao recorrente na sua pretensão recursória.
Importa fazer uma breve referência à imputada nulidade do despacho proferido em 5/11/2024, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do C.P.C., por omissão de pronúncia quanto à cumulação de inventários, requerida pelo recorrente, mediante requerimento apresentado em 23/10/2024.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao recorrente. A cumulação de inventários foi requerida, pelo recorrente, por requerimento apresentado em 28/3/2024 – ref.ª 48445919 – e apreciada e decidida por despacho proferido em 09/10/2024 - com a referência 464277328 -, indeferindo a cumulação de inventários. O recorrente reiterou o pedido de cumulação de inventários, no requerimento apresentado em 23/10/2024, com a referência 40474701. Sobre esse requerimento o Tribunal a quo, no despacho proferido em 5/11/2024, efectivamente, não se pronunciou e bem. O seu poder jurisdicional sobre essa questão encontrava-se esgotado.
Procede, assim, o recurso, nesta parte, pelo que se impõe a revogação do despacho proferido em 9/10/2024 e a sua substituição por outro que admita a cumulação de inventários, requerida pelo recorrente, prosseguindo os autos com a realização dos actos necessários à definição da património a partilhar e subsequente despacho sobre a forma à partilha com a definição das quotas ideais dos vários interessados na herança aberta por óbito de BB e da herança aberta AA.
Assim, mostra-se prejudica a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente (artigo 608º, nº2, primeira parte, do C.P.C.) quanto ao despacho proferido em 5/11/2024, sobre a forma à partilha, designadamente:
_ Nulidade do despacho proferido em 5/11/2024 – despacho proferido sobre a forma à partilha – com fundamento nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
_ Violação do princípio do contraditório por ausência de audição dos interessados sobre a proposta da forma à partilha, apresentada pela interessada LL, consubstanciando o despacho que deu a forma à partilha (proferido em 5/11/2024) uma decisão-surpresa;
_ Violação do princípio do contraditório por ausência de notificação das partes para se pronunciarem sobre a forma à partilha proposta pela interessada LL, consubstanciando o despacho de 5/11/2024 que deu a forma à partilha, uma decisão-surpresa;
_ Violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa por o Tribunal a quo ter coarctado o direito do requerente de propor a forma à partilha, não ter permitido aos demais interessados a possibilidade de exercerem o contraditório sobre a forma à partilha apresentada pela interessada LL; e ter proferido uma decisão surpresa ao dar a forma à partilha sem previamente permitir o exercício do contraditório;
_ Violação do disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa por ser insuficiente a fundamentação do despacho de 5/11/2024, proferido sobre a forma à partilha.
Não tendo sido apresenta resposta no presente recurso, as custas são da responsabilidade do recorrente (artigos 527º, 535º, nº1, e 1130º, nº4, do C.P.C.).
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em consequência, decide-se revogar o despacho proferido em 9/10/2024 e, em sua substituição, admitir a cumulação do inventário para partilha da herança aberta por falecimento do interessado AA, prosseguindo os autos, com observância do formalismo processual, com vista à definição da património a partilhar e subsequente despacho sobre a forma à partilha com a definição das quotas ideais dos vários interessados na herança aberta por óbito de BB e da herança aberta AA..
Custas do recurso a cargo do recorrente – artigos 527º, 535º, nº1, e 1130º, nº4, do C.P.C.
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