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EXTRADIÇÃO
CONDIÇÕES PRISIONAIS
GARANTIAS
Sumário
Sumário: 1.O risco de tratamento da pessoa na prisão em violação do artigo 3.º da CEDH (e do artigo 7.º do PIDCP) obriga o Estado requerido a fazer uma avaliação adequada desse risco, adotando as medidas necessárias à sua prevenção, não se devendo ficar, apenas pela garantia dada genericamente. 2. Cientes de alguma problemática em torno dos estabelecimentos prisionais brasileiros e na sequência da exposição do requerido, este Tribunal solicitou uma garantia adicional, a qual foi prestada, em concreto, pela Autoridade Judiciária Brasileira do Estado requerente 3. Nesta conformidade, entendemos que a garantia ficou, em concreto, reforçada, parecendo-nos suficiente, até pela sua proveniência e identificação do Estabelecimento Prisional, para que possa ser ordenada a extradição.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de lisboa, ao abrigo da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP, do Acordo Sobre Extradição Simplificada entre ... e Portugal e ainda da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, em particular os seus art.ºs 39.° e 64.°, vem requerer a extradição para efeitos de cumprimento de pena de prisão, a pedido das ... de:
AA, nascido a .../.../1993 em ..., filho de BB e de CC, de nacionalidade ..., titular cartão nacional de ... com o nº ..., válido até .../.../2034, titular do passaporte emitido pela ... com o número ..., com os seguintes fundamentos:
AA foi detido no dia no dia ... , pelas 11 h30 horas, em ..., por elementos da Polícia Judiciária, dando cumprimento ao mandado de detenção internacional, emitido pela Autoridade Judiciária do Brasil, conforme a notícia vermelha da INTERPOL, controlo n.º ..., tendo em vista a sua detenção e extradição para aquele país para cumprimento da pena de 19 anos e 3 meses de prisão.
Tal noticia vermelha corresponde ao mandado de detenção internacional com o nº ..., emitido a ... de ... de 2025, pela ..., no processo no ... face a decisão proferida a ..., ordenando o cumprimento da pena aplicada.
A condenação tem como fundamentos os seguintes factos, imputados ao requerido, identificada como AA:
No período compreendido entre os anos de ... e ... na cidade da ... , " O fugitivo, aproveitando-se da sua condição de pai da vítima (na época com 2 anos de idade) e estando sozinho com a criança, nas divisões da sua própria casa, praticou actos obscenos com a criança os quais consistiram em manipular a região genital da criança, masturbar a criança ( o que ele fazia dentro e fora da fralda da criança), colocar a boca da criança nos seus genitais."
Segundo a notícia vermelha tais factos são suscetíveis de integrar a prática do crime de Estupro de vulnerável, previsto e punido pelo artigo 217 A , do Código Penal Brasileiro.
Esses factos são também previstos e punidos pelo ordenamento jurídico Português, como crime de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelo artigo 171 n.º 1 e n.º 2, e artigo 177 n.º 1 ai.a) todos do Código Penal, correspondendo-lhes as molduras penais abstractas de pena prisão de l ano e 4 meses a 13 anos e 4 meses de prisão, e a 4 anos de prisão a 13 anos e três meses de prisão.
A detenção foi efetuada com observância das disposições legais aplicáveis, mormente do artº 21.º da Convenção e artigo 39º da LCJlMP, tendo sido comunicada ao Ministério Público junto cio Tribunal ela Relação ele Lisboa, dada a existência ela identificada notícia vermelha, pelo que eve ser considerada como pedido formal de detenção provisória.
O crime em causa é punível pelo ordenamento jurídico português com pena de prisão superior a um ano, estando a pena aplicada, de 19 anos e 3 meses, integralmente por cumprir e não prescrita, pelo que é admissível a extradição, nos termos do artº 2º.da Convenção e do artigo 31.º ela LCJJMP.
O Estado emitente garante que o pedido de extradição formal será formulado em conformidade com a sua legislação nacional e/ou tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis, conforme fez constar de referida notícia vermelha.
Consta igualmente da notícia vermelha que a detenção deve ser imediatamente comunicada à INTERPOL Brasília, Brasil (referência de ...: ..., de ...) e ao Secretariado- Geral ela lnterpol, o que se promove seja efetuado.
Este Tribunal da Relação é o competente para a audição do Requerido e subsequente tramitação do processo uma vez que a extraditando foi detido em ..., área da jurisdição deste Tribunal da Relação.
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Procedeu-se à audição do Requerido, tendo o mesmo declarado não aceitar a extradição e não renunciar ao princípio da especialidade.
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55° n° 2 da citada Lei n° 144/99, veio o Requerido deduzir oposição ao pedido de extradição, referindo, em síntese:
O extraditando é cidadão …, residente legal em Portugal, onde se encontra devidamente integrado, com domicílio e atividade laboral estáveis.
Os laços sociais com a comunidade portuguesa comprovam-se pelo conhecimento escrito e falado da língua portuguesa.
Foi instaurado processo criminal contra o extraditando em tribunal na República Federativa do Brasil, tendo em primeira instância, sido proferida sentença condenatória na pena de 19 (dezanove) anos e 3 meses de prisão, sob acusação de prática do crime de “estupro de vulnerável”, previsto e punido pelo artigo 217º- A, do Código Penal Brasileiro. Tal decisão não transitou em julgado, encontrando-se pendente recurso de apelação interposto para instância superior, aguardando julgamento pelo Tribunal de Justiça competente no Brasil. O extraditando nunca residiu de forma prolongada no Brasil e não possui quaisquer laços familiares, sociais ou afectivos naquele país.
Pois, não lhe é permitido manter contacto com a filha menor de idade residente no Brasil.
Toda estrutura familiar do extraditando reside em ..., sendo sua permanência em Portugal uma extensão da sua vida.
Os efeitos de eventual extradição do cidadão ... AA, poderão ser nefastos.
Seja pelas condições do sistema prisional brasileiro, tido entre os piores do mundo, com graves ofensas as condições humanitárias, Cfr. Reportagens - assim como, corre-se o risco de o recurso de apelação interposto pelo extraditando ser julgado procedente e com sua consequente absolvição.
O extraditando é cidadão ..., residente em Portugal, e não é nacional do Estado requerente.
Não se pode ignorar as más condições das prisões no Estado requerente, atentatórias da dignidade humana, por sobrelotação e graves deficiências de organização e funcionamento pondo em risco a saúde, a segurança, a integridade ... ou psicológica ou a vida dos reclusos. É do conhecimento geral, que as condições do sistema prisional da República Federativa do Brasil, está entre os piores do mundo, com condições sub-humanas, com contingente de reclusos muito acima da capacidade dos estabelecimentos prisionais, motins, mortes.
Também, não se pode ignorar as condições pessoais do extraditando AA, cidadão ..., residente legalmente em Portugal, sem qualquer ligação com o Brasil, pois, sua família vive em ..., e Portugal é a extensão de sua vida.
O cumprimento de pena no Brasil, para além do risco de dano irreparável caso seja extraditado e o seu recurso de apelação contra a sentença condenatória em primeira instância seja julgado procedente, terá efeitos nefastos a sua vida.
Estará AA condenado a cumprir pena, em um país do outro lado do oceano Atlântico, sem qualquer amigo ou familiar, longe da família, longe das suas origens, submetido a um dos piores sistemas prisionais do mundo e execrado (julgado em praça pública) pela opinião pública brasileira, conforme as notícias que por lá circulam.
O extraditando confia em sua inocência, entretanto, revela medo, sobretudo pelas condições sub-humanas que as esperam caso seja extraditado para o Brasil.
Por fim, as autoridades judiciárias da República Federativa do Brasil dão indícios de não oferecer garantias jurídicas de um procedimento penal, que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis a salvaguarda dos direitos humanos, pois, formalizaram o pedido de extradição com base numa sentença condenatória em primeira instância, além de permitir o julgamento em praça pública por meio da comunicação social daquele país.
E por consequência, pede que:
Se recuse a extradição com fundamento em razões humanitárias, em face da situação pessoal, familiar e social do extraditando, e por ausência de garantias jurídicas de um procedimento penal, que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis a salvaguarda dos direitos humanos.
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O Ministério Público respondeu, concluindo, em síntese não se verificar fundamento de recusa, quer obrigatória quer facultativa previstos na Lei 144/99, de 31.8, ou na CEEMCPLP deve ser aceite o pedido de extradição do requerido e, consequentemente, ser o mesmo entregue ao Estado Requerente, ao abrigo do artigo 13º deste Tratado.
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Foi proferido despacho liminar, solicitada a correção da cidadania do requerido em virtude da informação prestada pela Embaixada do Brasil em Portugal, solicitando as informações em falta, despacho em conformidade da Exª Srª Ministra da Justiça e garantias adicionais, o que sucedeu, obtendo-se as informações correções e garantias acrescidas, bem como, informação transito em julgado da decisão que nos seguintes termos que como refere o requerido não transitou, obtendo-se, em conformidade a resposta: No âmbito da Ação Penal nº ..., que corre termos na ..., AA foi condenado, por decisão ainda não transitada em julgado, proferida pela ..., na pena de 19 anos de e 3 meses prisão, pela prática de um crime de estupro de vulnerável agravado, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 217-A, 226, li e 71 todos do Código Penal, por factos praticados entre ... e ....
Atento o assinalado pelo requerido quanto às condições dos estabelecimentos prisionais do ... foram pedidas garantias adicionais que foram prestadas nos seguintes termos: Com meus cordiais cumprimentos, em referência ao Ofício nº ..., de ... de ... de 2025, encaminho a anexa documentação, remetida pela Desembargadora da ..., por meio da qual esclarece que o Sr. AA, se for extraditado para o Brasil, deverá ser direcionado à ..., na cidade de ..., que atende ao conjunto de diretrizes internacionais sobre o tratamento de pessoas privadas de liberdade, adotadas pela Organização das Nações Unidas em 2015.
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A PGR solicitou às ... sobre se pretendem, ou não, emitir um Mandado de Detenção Europeu, a fim de exercer a acção penal pelos factos constantes do pedido de extradição, sendo a resposta negativa.
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Analisadas as provas requeridas e decididas foram os autos com vista por cinco dias ao requerido e ao Ministério Público que mantiveram as posições assumidas, quer na oposição, quer no requerimento com vista á extradições, respetivamente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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2. Fundamentação:
2.1. Factos provados:
a. AA foi detido no dia no dia ... de ... de 2015, pelas 11 h30 horas, em ..., por elementos da Polícia Judiciária.
b. Foi detido na sequência do cumprimento de mandado de detenção internacional, emitido pela Autoridade Judiciária do Brasil, conforme a notícia vermelha da INTERPOL, controlo n.º ..., tendo em vista a sua detenção e extradição para aquele país, para cumprimento da pena de 19 anos e 3 meses de prisão por decisão ainda não transitada.
c.O mandado de detenção ou captura judicial que ordena a detenção do requerido tem o nº ..., emitido a ... de ... de 2025, pela ..., no processo no ... e mostra-se assinado.
d. O presente mandado mostra-se válido e regular.
e. No âmbito da Acção Penal nº ..., que corre termos na 1..., AA foi condenado, por decisão ainda não transitada em julgado, proferida pela ..., na pena de 19 anos de e 3 meses prisão, pela prática de um crime de estupro de vulnerável agravado, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 217-A, 226, 1l e 71 todos do Código Penal Brasileiro, por factos praticados entre ... e ....
f. O extraditando é procurado por factos praticados no período compreendido entre os anos de ... e ... na cidade da ... indiciando-se que: aproveitando-se da sua condição de pai da vítima (na época com 2 anos de idade) e estando sozinho com a criança, nas divisões da sua própria casa, ter praticado actos obscenos com a criança os quais consistiram em manipular a região genital da criança, (o que ele fazia dentro e fora da fralda da criança), colocar a boca da criança nos seus genitais.”
g. Os factos pelo quais o extraditando é procurado correspondem à prática de um crime de estupro de vulnerável agravado, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 217-A, 226, 1l e 71 todos do Código Penal Brasileiro, por factos praticados entre ... e ....
h. Esses factos são também previstos e punidos pelo ordenamento jurídico Português, como crime de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelo artigo 171 n.º 1 e n.º 2, e artigo 177 n.º 1 ai.a) todos do Código Penal, correspondendo-lhes as molduras penais abstratas de pena prisão de 1 ano e 4 meses a 13 anos e 4 meses de prisão, e a 4 anos de prisão a 13 anos e três meses de prisão.
i. Sua Ex.ª a Ministra da Justiça emitiu o despacho N.º 126/MJ/XXV/2025 em 1 de Outubro de 2025, no âmbito do Processo n.º 2347/2025 – Extradição passiva solicitada pela República Federativa do Brasil, relativa a DD 9/5/2024, no Processo n.º 737/2024, referente ao pedido de execução de extradição passiva solicitada pela República Federativa do Brasil , vindo posteriormente a corrigir o mesmo despacho, no que concerne à cidadania brasileira uma vez que o requerido não tem dupla cidadania, sendo apenas cidadão ....
j. No pedido formal de extradição o Estado Brasileiro declara que assume as seguintes garantias: I- Não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição; II – Computar o tempo de prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força da extradição; III – Comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos; IV – Não entregar o extraditando, sem consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame; V – Não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; e VI – Não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
k. Nas garantias adicionais solicitadas e prestadas consta «Com meus cordiais cumprimentos, em referência ao Ofício nº ... de 30 de outubro de 2025, encaminho a anexa documentação, remetida pela Desembargadora da ..., por meio da qual esclarece que o Sr. AA, se for extraditado para o Brasil, deverá ser direcionado à ..., na cidade de ..., que atende ao conjunto de diretrizes internacionais sobre o tratamento de pessoas privadas de liberdade, adotadas pela Organização das Nações Unidas em 2015.»
l. O extraditando foi ouvido no julgamento e teve a possibilidade de se defender tendo, inclusive, interposto recurso da decisão.
m. Não há conhecimento que o requerido tenha pendente qualquer outro processo sobre os mesmos factos.
n. Antes de detido, o requerido residia ...;
o. O extraditando é cidadão ..., residente legal em Portugal, onde se encontra com domicílio e atividade laboral estáveis.
p. Tem conhecimento da língua portuguesa.
q. Não tem contatos com a sua filha que se encontra no Brasil.
r. Toda estrutura familiar do extraditando reside em ....
«A convicção deste Tribunal assentou na análise crítica dos documentos juntos aos autos: o mandado de detenção, os emitidos pelas autoridades judiciárias brasileiras – requerimento do Ministério Público e subsequente despacho, bem como, o mandado o emitido pela Interpol e o despacho ministerial. Foram ainda úteis os documentos juntos pelo extraditando e as declarações deste na sua audição dos autos, quanto às condições pessoais. E as garantias gerais e especiais conferidas pelas autoridades brasileiras»
Importa destacar que a decisão da primeira instância do Tribunal brasileiro ainda não transitou em julgado estando pendente de recurso, passando-se de um pedido de cumprimento da pena e alterando-se para pedido de extradição para procedimento criminal.
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3. da Análise dos factos e da aplicação do Direito:
O pedido de extradição objeto do processo, tendo sido formulado pela República Federativa do Brasil, Estado que, tal como o português, assinou a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2015, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 49/08 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/08, de 15 de Setembro, publicado no DR, I série, de 05.11.231, está submetido às regras constantes da referida Convenção, conforme expressamente estabelece o seu artigo 1º, cujo teor é o seguinte:
«Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente».
No caso de falta ou insuficiência, tal qual preceitua a parte final do n.ºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal - lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, serão aplicáveis a normas deste diploma e, subsidiariamente, as do Código de Processo Penal, tendo-se em consideração que o direito subsidiário, como direito auxiliar ou acessório que é, apenas pode e deve ser aplicado em caso de omissão não intencional ou lacuna e desde que não colida com os princípios gerais do ordenamento jurídico que visa integrar, sendo que aquela só ocorre quando a lei aplicável é omissa, isto é, quando certa e determinada matéria ou certa e determinada situação não cabem no conteúdo da regulamentação legal existente, isto é, depois de as normas haverem sido submetidas, infrutiferamente, a todas as formas possíveis de interpretação e desde que se possa concluir que a omissão não resulta da vontade do legislador, no sentido de se está perante uma situação carente de regulamentação por via do regime subsidiário, e não face a situação que o legislador, pura e simplesmente, não quer regulamentar quer directa, quer indirectamente».
Esta Convenção define as situações em que a extradição é inadmissível – art. 3.º –, bem como os casos de recusa facultativa da extradição, previstos no art. 4.º.
De acordo com o disposto no art. 1º da CECPLP, os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. E, estabelece o art. 2º, que dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. Exige-se ainda que, sendo a extradição requerida para o cumprimento de pena privativa de liberdade que a parte da pena por cumprir não seja inferiora a 6 meses (art. 3º).
Por seu turno, refere o artigo 4º, da Convenção:
«A extradição pode ser recusada se:
a. a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente».
Note-se que no âmbito desta Convenção que vincula ambos os estados não está prevista a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal - lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.
Um dos fundamentos da oposição consiste na inserção social e profissional do requerido em Portugal e no facto de toda a sua extensão familiar se encontrar em ..., não tendo qualquer ligação com o ..., ou seja, a alegação de motivos de carácter pessoal causa de recusa arredada desta Convenção.
Como se consignou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2003, citado no acórdão do mesmo Tribunal nº 1331/17.6YRLSB.S1 a propósito de um pedido de extradição: «(…) o respeito pela vida privada e familiar não é, naturalmente, um direito absoluto. Pois se é certo que qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência, a ingerência da autoridade pública no exercício desse direito é legítima “quando constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da ordem moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”, tal como reza o artigo 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».
No mesmo sentido, acórdão do mesmo Tribunal, proferido no processo nº86/13.8YREVR.S1, 3ª secção, relatado por Oliveira Mendes, de 30/10/2013 -IGFEJ, Bases Jurídico Documentais, o que não é fundamento para rejeitar a extradição.
No entanto e como referido, os motivos de caráter pessoal ao abrigo da Convenção aplicável ao caso não estão previstos e nesta conformidade são respeitáveis, mas irrelevantes.
Relativamente às reservas que o recorrente alega ter sobre o funcionamento da justiça brasileira, posto que formalizaram o pedido de extradição com base numa sentença condenatória em primeira instância sem transito em julgado, a questão foi esclarecida e está reparada pois que está confirmado pela Autoridade Judiciária Brasileira que a decisão encontra-se pendente de recurso e a extradição a proferir passou a ser para procedimento criminal e não para cumprimento de pena, em virtude da constatada falta de transito da decisão condenatória.
Sobre a condição dos estabelecimentos prisionais no ..., invoca o requerido que:« as prisões no Estado requerente, atentatórias da dignidade humana, por sobrelotação e graves deficiências de organização e funcionamento pondo em risco a saúde, a segurança, a integridade ... ou psicológica ou a vida dos reclusos. É do conhecimento geral, que as condições do sistema prisional da República Federativa do Brasil, está entre os piores do mundo, com condições sub-humanas, com contingente de reclusos muito acima da capacidade dos estabelecimentos prisionais, motins, mortes»
Quanto às condições prisionais dos estabelecimentos prisionais brasileiros serem muito deficientes, ocasionando conflitos graves entre os reclusos, verifica-se que a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em parte alguma do seu articulado, nomeadamente nos seus artigos 3º e 4º, normas que, de forma taxativa, indicam, respectivamente, os casos e situações de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa de extradição, prevê a possibilidade de denegação ou de recusa com tais fundamentos. Conforme se alude no mencionado acórdão do STJ nº86/13.8YREVR.S1, 3ª secção «É que à Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tal como ocorre relativamente ao Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas.
Com efeito, como se consignou no preâmbulo e artigo 1º da Convenção: «Os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, doravante denominados “Estados Contratantes”: Desejosos de incrementar a cooperação judiciária internacional em matéria penal e convencidos da necessidade de a simplificar e agilizar; Reconhecendo a importância da extradição no domínio desta cooperação; Animados do propósito de combater de forma eficaz a criminalidade acordam o seguinte: Artigo 1º Obrigação de extraditar Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente».
Assim sendo, não prevendo a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de denegação ou de recusa da extradição com os fundamentos invocados pelo recorrente – deficiente funcionamento da justiça e do sistema prisional do Estado brasileiro –, o recurso teria que improceder.
No entanto, há que ponderar que esta questão tem sido amiúde levantada quando o país requerente é o ..., o que obriga a um dever acrescido de pronúncia.
A este propósito escreve o Conselheiro Lopes da Mota - (ECLI:pt:2023:7E8.23.9YRCBR.S1.4F) «A garantia fornecida pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão de que a pessoa em causa não sofrerá tratamentos desumanos ou degradantes devido às condições concretas e precisas de detenção seja qual for o estabelecimento prisional onde ficará encarcerada no Estado‑Membro de emissão é um elemento que a autoridade judiciária de execução não pode ignorar. Com efeito, (…) a violação desse compromisso, que vincula o seu autor, poderá ser invocada contra ele perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão.” Como tem sido reconhecido na jurisprudência e nas instâncias internacionais, a avaliação do risco deve levar em conta os relatórios e avaliações de organismos internacionais, nos quais se incluem, em particular, os do Comité e do Subcomité para a Prevenção da Tortura, instituídos pela Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ONU, 1984) e respetivo Protocolo Facultativo, de organizações não governamentais de reconhecida credibilidade e de organismos nacionais com intervenção neste domínio. As recentes observações e recomendações do Comité contra a Tortura (Nações Unidas), produzidas na sequência da avaliação (2020-2023) do segundo relatório do ... sobre a aplicação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes são, neste contexto, de atual e decisiva importância. Apesar de notarem aspetos positivos na situação das prisões e os esforços que estão a ser feitos nesse sentido, nomeadamente através da promoção das “Regras de Nelson Mandela”, reportados pelo Estado Brasileiro, as observações dão nota de que o sistema penitenciário brasileiro enfrenta sérios desafios, em particular no que se refere a sobrelotação e violência no interior da maioria dos estabelecimentos prisionais, deficiências sérias nas condições sanitárias e de higiene e de acesso a cuidados de saúde, tendo o Comité produzido um conjunto considerável de recomendações para se ultrapassarem essas dificuldades. Lê-se nestas “Observações conclusivas”: “Condições de detenção 21. Conforme reconheceu a delegação, o sistema penitenciário brasileiro enfrenta enormes desafios. O Comité toma nota dos esforços feitos pelo Estado Parte para reduzir a sobrelotação nas prisões, pois isso melhora as condições de detenção. No entanto, o Comité continua profundamente preocupado com os relatos de sobrelotação na grande maioria das prisões do Estado-Parte e com a taxa geral muito alta de encarceramento, inclusive em prisão preventiva, por delitos relacionados com drogas, em particular de jovens afro-brasileiros homens e mulheres. Está seriamente preocupado com a falta de medidas efetivas para abordar as causas profundas das taxas desproporcionais de encarceramento de afro-brasileiros, incluindo sobre policiamento, discriminação racial, discriminação racial sistémica dentro das agências de aplicação da lei e outras instituições envolvidas na administração da justiça e políticas que criminalizam a posse de drogas. Além disso, o Comité está preocupado com relatos de acordos de autogoverno, possibilitados pela falta de agentes de segurança em muitas das prisões do país, tumultos frequentes que resultam em mortes, violência entre os presos e medidas de segurança inadequadas em algumas prisões. Além disso, está preocupado com atos de corrupção cometidos por agentes penitenciários e outros funcionários penitenciários. Além disso, o Comité está preocupado com relatos de: (i) terríveis condições de detenção, incluindo a situação de mulheres, menores, pessoas com deficiência e lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT), na maioria dos estabelecimentos prisionais, que carecem de higiene e serviços sanitários, ventilação e luz natural, acesso a água potável e quantidade suficiente de alimentos adequados; (ii) falha em separar efetivamente pessoas condenadas ou aguardando julgamento; (iii) a insuficiência dos programas de reabilitação e reinserção social; (iv) acesso insuficiente a cuidados médicos, em particular para pessoas privadas de liberdade com doenças crônicas ou sintomas da doença de coronavírus (COVID-19), consumidores de drogas e pessoas com deficiência intelectual e/ou psicossocial e falta de pessoal médico, medicamentos e equipamentos médicos. Por último, o Comité está preocupado com relatos de agressão e violência sexual em centros de detenção, com uma incidência particularmente alta no caso de mulheres detidas (arts. 2, 11 e 16).” Este relatório, pela caraterização que faz das condições das prisões no Estado requerente, constituiria, por si, motivo suficiente para que, na observância de normas e obrigações comuns de direito internacional, anteriormente mencionados, de proteção contra a tortura e tratamentos desumanos ou degradantes, se solicitassem garantias – que, na sua dimensão jurídica, devendo ser tidas em devida conta, relevam do princípio da boa fé, que preside à aplicação e observância de tratados entre os Estados (artigo 26.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados), podendo constituir fundamento de responsabilização dos Estados – de que a pessoa procurada, uma vez entregue, não será sujeita nem correrá o risco real de ser sujeita a esse tipo de tratamento no interior da prisão, para cumprimento da pena.»
Sucede, porém, que, e como consta da matéria de facto provada, “As Autoridades da República Federativa do Brasil enviaram garantias, sustentadas pela respetiva legislação interna, de que (…) não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes.”
Estas garantias, de natureza genérica, baseadas no direito interno, não podem deixar de, nessa base, ser entendidas como um compromisso do Estado requerente de cumprimento das obrigações que lhe são impostas pelos instrumentos de proteção contra a tortura e tratamentos desumanos ou degradantes.
Com efeito, como anteriormente se referiu, o risco de tratamento da pessoa na prisão em violação do artigo 3.º da CEDH (e do artigo 7.º do PIDCP) obriga o Estado requerido a fazer uma avaliação adequada desse risco, adotando as medidas necessárias à sua prevenção, nomeadamente, se for caso disso, solicitando ao Estado requerente a prestação de garantias (concretas) de que a pessoa requerida não será sujeita a este tipo de tratamentos e a não extraditar em caso de não prestação de garantias ou insuficiência das garantais prestadas e de subsistência daquele risco. Como se sublinhou, não se mostra suficiente uma declaração genérica de que o sistema legal do Estado requerente, a ratificação dos instrumentos internacionais relevantes e a legislação em vigor nesse Estado asseguram a proteção da pessoa.»
Ciente desta problemática e na sequencia da exposição do requerido, este Tribunal solicitou uma garantia adicional a qual mereceu a seguinte resposta: Com meus cordiais cumprimentos, em referência ao Ofício nº 626088.25, de ... de ... de 2025, encaminho a anexa documentação, remetida pela Desembargadora da..., por meio da qual esclarece que o Sr. AA, se for extraditado para o ..., deverá ser direcionado à ..., na cidade de ..., que atende ao conjunto de diretrizes internacionais sobre o tratamento de pessoas privadas de liberdade, adotadas pela Organização das Nações Unidas em 2015.
Nesta conformidade entendemos que a garantia ficou, em concreto, reforçada, parecendo-nos suficiente, até pela sua proveniência e identificação do Estabelecimento Prisional que, em concreto esta garantia está dada, para que possa ser ordenada a extradição.
Em conclusão, foram analisadas todas as questões suscitadas pelo requerido e no mais, nada de formal ou de substancial obsta à extradição para a República Federativa do Brasil não se identificando causas de recusa a que aludem os artigos 3° e 4° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o extraditando não é nacional português, o crime pelo qual foi condenado pelas autoridades da República Federativa do Brasil mostra-se igualmente previsto no ordenamento jurídico português e não se verifica qualquer das situações a que alude o artigo 6º alíneas a) a d), 7° e 8° da Lei 144/99, de 31 de Agosto.
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3. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal da Relação, acordam em autorizar a extradição do cidadão …, AA para a República Federativa do Brasil, para efeitos de procedimento criminalno âmbito da Ação Penal nº …, que corre termos na …
Sem custas (artigo 73.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31 de Agosto).
Após trânsito, passe e remeta mandados para desligamento/ligamento do extraditando, para efeito de entrega.
Proceda-se de imediato às necessárias notificações e comunicações.
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Lisboa, 2 de dezembro de 2025
(Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n. º 2 do C.P.P.)
Alexandra Veiga
Alda Tomé Casimiro
Pedro José Esteves de Brito
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1. Na República Federativa do Brasil, a Convenção CPLP foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 45, de 2009, vigorando nesse Estado, no plano jurídico externo, desde 1 de junho de 2009 (cf. Aviso n.º 183/2011). Foi promulgada pelo Decreto Presidencial n.º 7.935, de 19 de fevereiro de 2013, entrando em vigor no plano jurídico interno brasileiro na data da publicação desse Decreto, em 20 de fevereiro de 2013 (Diário Oficial da União, Secção 1, n.º 34, p. 28).