i) O disposto no nº 2 do art.º 802º do CC, constitui um afloramento do principio geral do direito de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé e por isso não pode deixar de ser aplicável ao contrato de mútuo;
ii) Sendo o incumprimento parcial, objectivamente de escassa relevância para o credor, não lhe assiste o direito de resolver o contrato com tal fundamento;
iii) É o que se verifica num quadro em que o inadimplemento parcial do mutuário, relativo a juros, abrange 12 prestações mensais, das 48 previstas contratualmente, no montante total de 109,88 €, em relação ao capital mutuado de 7.500 €, correspondendo aquele valor a cerca de 1,5% deste, por a resolução neste caso concreto ser manifestamente desproporcional.
(Sumário elaborado pelo Relator)
1. Banco 1..., S.A., com sede no ... e A..., S.A., com sede em ..., instauraram a presente acção declarativa contra AA, residente em ..., pedindo a respectiva condenação a:
a) pagar à segunda autora a quantia de 6.026,15 €, correspondente a 6.000 € de capital e 26,15 € de juros vencidos e imposto de selo, a que acrescem os juros vincendos à taxa anual de 4,438% até integral pagamento e
b) pagar ao Banco autor a quantia de 1.906,36 €, correspondente a 1.500 € de capital e 406,36 € de juros vencidos e imposto de selo, a que acrescem os juros vincendos à taxa anual de 4,438% até integral pagamento.
Alegaram, em suma, que o 1º autor celebrou com o réu um contrato de abertura de crédito, para estudante universitário, até ao limite de global de 15.000 €, em tranches mensais, com reembolso do capital mutuado e ao pagamento dos respectivos juros sobre o capital sucessivamente em dívida, em 48 prestações mensais, sucessivas e iguais, a primeira com vencimento em Dezembro de 2025, com o reembolso do capital a beneficiar de um período de carência de reembolso de 72 meses a contar da data fim da sua utilização, com vencimento de juros. O réu usou o crédito 24 tranches sucessivas, no montante global de 7.500 €, não tendo pago a prestação de juros que se venceu a 13 de Junho de 2022, nem tendo pago também as prestações que se venceram posteriormente. Assim, venceu-se o total do crédito utilizado não reembolsado e respectivos juros, tendo o Banco declarado resolvido o contrato por comunicação que dirigiu ao réu. Porque o réu não reembolsou o Banco daquele montante de 7.500 €, o Banco reclamou da 2ª autora 80% do respectivo crédito vencido, 6.000 €, cujo pagamento a autora tinha garantido e que a mesma satisfez. Estando o réu a dever à 2ª autora os referidos 6.000 €, e à 1ª autora o remanescente do mutuado, no montante de 1.500 €, mais juros e imposto de selo.
O réu contestou, por impugnação e excepcionou a nulidade do contrato de mútuo bancário, que é um contrato de adesão, por falta de entrega de um exemplar do mesmo, que as cláusulas não foram comunicadas ou explicadas, especialmente as cláusulas 6ª, 7ª e 13ª terceira de tal contrato, o que subsidiariamente gera nulidade de tais cláusulas, que também jamais lhe foi explicado que assim que cessasse a frequência do ensino universitário, em virtude de não obter “bom aproveitamento”, a quantia mutuada ser-lhe-ia imediatamente exigível, como veio agora a ser, com a instauração da presente acção judicial, sem observância de qualquer período de carência, nem respeito pelo prazo estabelecido de Dezembro de 2025, devendo subsidiariamente operar-se a conversão do mesmo, no sentido de que o reembolso do empréstimo somente é devido após um período de carência que termina em 2025, vencendo-se a primeira prestação no mês de Dezembro desse ano, sendo depois liquidável em prestações mensais, durante 48 meses, e não de uma única vez, consequentemente, devendo ser absolvido do pedido.
Os AA responderam, pugnando pela validade do contrato.
*
A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, consequentemente, condenou o R. a pagar ao Banco A. a quantia correspondente aos juros vencidos e não pagos desde 13.6.2022, em valor a apurar em execução de sentença, absolvendo-o do mais peticionado.
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2. A A. A... recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal recorrido considerou que houve violação do dever de informação contratual por parte do Banco Autor, pelo que considerou excluídas do contrato de mútuo as cláusulas sexta n.º 3, décima e décima terceira do contrato.
2. Ora, decidiu mal o Tribunal recorrido, impondo-se uma alteração à resposta dada à matéria de facto dada como provada e, consequentemente, revogando a exclusão de tais cláusulas do contrato.
3. Quer a doutrina, quer a jurisprudência entendem que a comunicação das clausulas contratuais gerais pode ser feita de várias formas e também que a intensidade do cumprimento do dever de informação que anda a pari passu com o dever de comunicação dependem do caso concreto, das necessidades sentidas por um destinatário normal, colocado nessa situação.
4. No caso sub judice, as cláusulas excluídas constam de documento escrito, são de reduzida extensão e a sua redacção é facilmente compreensível, pelo que o seu teor é facilmente apreensível pelo homem médio.
5. Além disso, foi dado como provado que o contrato foi disponibilizado ao R. que o leu, pelos seus próprios meios e nele apôs a sua assinatura (Facto 19),
6. Entre demais jurisprudência no mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de 06.06.2019, onde se decidiu que: “VII - O dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias» e se nestas se constata que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação. VIII - Se os embargantes/fiadores, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que careciam, antes da outorga da escritura, o não fizeram e até deles prescindiram no acto da escritura, ao declarar que conheciam perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação. IX - Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa dos aderentes, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão.”
7. O Banco Autor cumpriu, por isso, os deveres legais de comunicação e informação legalmente exigidos pelos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que se deverá alterar a reposta à matéria de facto, aditando-se à matéria de facto dada como provada um facto novo, dado como não provado na sentença:
8. O Banco A. comunicou e informou o R. do conteúdo das cláusulas sexta, ponto 3, décima e décima terceira do contrato.
9. Conforme resulta do documento n.º 4 junto com a Petição Inicial, a resolução contratual não teve apenas como fundamento o não pagamento dos juros, pelo que sendo o teor do documento n.º 4 a fundamentação da resposta a ao ponto 22 dos factos provados, deverá ser alterada a redacção do referido ponto dos factos provados, passando a ter a seguinte redacção:
Por comunicação que dirigiu ao Réu em 26 de Maio de 2023, o Banco Autor declarou resolvido o contrato, e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, tendo reclamado o pagamento do saldo então em dívida no montante de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) relativo a capital, a que acresceriam juros e demais encargos legais.
10. Uma vez que inexistiu fundamento para a exclusão das cláusulas sexta n.º 3, décima e décima terceira do contrato, assistia ao Banco Autor o direito contratual de declarar o vencimento antecipado da dívida e a imediata exigibilidade do seu crédito e interpelar o Ré para proceder ao seu pagamento e ainda, face ao não pagamento deste último, acionar a garantia junto da Recorrente A..., pelo que a sentença recorrida deve ser revohgada e substituida por outra que condene o Réu nos pedidos contra ele formulados.
11. Sem prescindir, resulta dos factos dados como provados sob os nºs 10, 11, 20, 21 e 22 que no caso
em apreço estamos perante uma dívida faccionada, liquidada em prestações, pelo que se aplica à situação em apreço o disposto no artigo 781.º do C.C.
12. Uma vez que as partes não excluíram a aplicação do artigo 781.º ao contrato dos autos, como podiam, e que o Banco Autor, no estrito cumprimento do disposto neste normativo, através da carta
junta como documento n.º 4, expressamente declarou o imediato vencimento e exigibilidade da totalidade da divida, interpelando o Réu para proceder ao respectivo pagamento, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o réu nos pedidos formulados.
13. O disposto no artigo 802º n.º 2 do CC não se aplica ao caso sub judice, uma vez que não estamos
perante uma situação em que a prestação se tornou parcialmente impossível, mas antes perante uma situação de incumprimento, o que afasta o caso dos autos do âmbito de aplicação da referida norma.
14. Nos termos do contrato, o período de carência de reembolso de capital era de 6 anos e o Banco apenas resolveu o contrato um ano após o início do incumprimento, pelo que não se trata de um incumprimento de escassa importância, como entendeu a decisão recorrida.
15. A actuação do Banco não excedeu os limites da boa-fé, sendo certo que outro entendimento que não este será ilegítimo e violador da boa fé, porquanto impõe que um contraente fique amarrado a um contrato em que a parte contrária simplesmente não cumpre, ainda que as prestações sejam de reduzido valor.
16. Sem prescindir, foi dado como provado que o Réu utilizou o crédito concedido e, até 13 de Junho
de 2022 pagou as prestações de juros devidas nos termos do contrato celebrado (pontos n.ºs 20 e 21 dos factos provados); ou seja, durante 3 anos o Réu criou junto do Banco Autor a convicção de que não teria nada a apontar relativamente ao contrato celebrado.
17. O Réu agiu, por isso, em claro abuso de direito, pelo que lhe fica vedada a possibilidade de vir agora arguir a nulidade do contrato de mútuo celebrado com o Banco Autor.
18. Em suma: o Banco Autor resolveu validamente o contrato, sendo integralmente devido o montante peticionado na PI; face ao incumprimento do Réu, a Recorrente A... procedeu ao pagamento da quantia referida no ponto 23 da matéria de facto3) pelo que lhe assiste o direito a ser reembolsada do montante pago, nos termos peticionados na PI,
19. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene o Réu nos pedidos formulados na PI pelos Autores Banco 1... SA e A... SA..
20. A Sentença recorrida violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro , 334.º, 781.º, 802.º n.º 2 e 1050.º do Código Civil.
NESTES TERMOS E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA, SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TRÂMITES COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
3. O R. contra-alegou, concluindo que:
1.ª – O Tribunal a quo julgou corretamente a matéria de facto, inexistindo qualquer fundamento para, nesta sede, ser alterada a matéria de facto dada como não provada (designadamente, e no que ora importa, o segundo dos factos dados como não provados), devendo, por conseguinte, a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser confirmada e, neste contexto, ser tido em consideração que o Banco Autor não logrou provar que tenha comunicado e informado o Réu, aqui Recorrido, do conteúdo das cláusulas sexta, ponto 3., décima e décima terceira do contrato;
2.ª – O Tribunal a quo julgou também corretamente o facto dado como provado no ponto 22, pois que, de facto, por comunicação datada de 26 de maio de 2023, o Banco Autor comunicou ao Réu, aqui Recorrido, a resolução do contrato, exclusivamente motivada na falta de pagamento dos juros, num total de 109,88€ (cento e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
3.ª – Está assente nos autos que o Réu, aqui Recorrido, não pagou os juros remuneratórios vencidos no dia 13 de junho de 2022, nem os que se seguiram, pelo que, nos termos legais (cfr. artigo 1150.º do Código Civil), o Banco Autor poderia resolver o contrato.
4.ª – Porém, e nos termos plasmados no número 2 do artigo 802.º do Código Civil, se o não cumprimento, atendendo ao interesse do credor, tiver escassa importância, o Banco Autor não poderia resolver o contrato celebrado com o Réu, aqui Recorrido.
5.ª - Ora, na medida em que o Banco Autor resolveu o contrato, com fundamento na falta de pagamento dos juros, por parte do Réu, aqui Recorrido, que totalizavam o valor de 109,88€ (cento e nove euros e oitenta e oito cêntimos), num valor total emprestado (mutuado) de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), o não cumprimento assume efetivamente escassa importância.
6.ª – Assim sendo, estava o Banco Autor impedido de resolver o contrato, o qual se deve manter na ordem jurídica, tal como – e bem, segundo propugnamos – decidiu o Tribunal a quo.
7.ª – A decisão proferida pelo Tribunal a quo não enferma de qualquer vício, nem merece qualquer juízo de censura, pelo que deve ser integralmente confirmada, o que se requer.
Termos em que, e nos demais de direito, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se, na íntegra, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a necessária e habitual JUSTIÇA!!...
II - Factos Provados
1- O Banco Autor é uma instituição de crédito operante em território nacional que tem por objecto, o exercício da actividade bancária, nomeadamente a celebração de contratos de mútuo (art. 1º da p.i.).
2- A Autora é uma sociedade comercial, sociedade de garantia mútua, que tem por objecto, a realização das operações financeiras e a prestação de serviços conexos, em benefício, entre outras, de pessoas jurídicas, singulares ou colectivas, não accionistas, com vista a promover e a facilitar o seu acesso ao financiamento, quer junto do sistema financeiro, quer no mercado de capitais, designadamente através da concessão de garantias destinadas a assegurar o cumprimento de obrigações contraídas por essas pessoas no âmbito de operações de garantia de carteira, designadamente garantias acessórias de contratos de mútuo (art. 2º da p.i.).
3- Em 26 de Novembro de 2018, a Autora e o Banco 1..., S.A. celebraram um Protocolo, denominado Linha de Crédito para Estudantes do Ensino Superior com garantia mútua, em que – além do mais – acordaram que o Banco, depois de verificar o preenchimento de determinadas condições, concederia crédito aos estudantes que o solicitassem (art. 3º da p.i.).
4- O referido crédito, de montante nunca superior a € 30.000,00, seria concedido para que o estudante mutuário o destinasse ao pagamento dos seus estudos (art. 4º da p.i.).
5- Nos termos definidos nas cláusulas segunda e terceira do referido Protocolo, a Autora prestou a favor do Banco uma garantia de carteira, que garante o bom e pontual cumprimento das responsabilidades que para os estudantes mutuários emirjam dos contratos de mútuo que, em cada ano e ao abrigo do dito Protocolo, o Banco celebre com os mesmos estudantes mutuários (art. 5º da p.i.).
6- No ano lectivo de 2019/2020, o R. ingressou no ensino superior, no curso de engenharia informática, (art. 3º da contestação).
7- O R. dirigiu-se a uma agência do Banco 1..., SA, situada na Avenida ..., em ..., para se informar sobre um empréstimo que lhe permitiria pagar as propinas correspondentes ao curso, sendo o pagamento devido após um período de carência, findos os estudos (art. 9º da contestação).
8- O Banco Autor confirmou dispor de tal oferta, para o que o R. necessitaria de entregar determinados documentos que, à data, não possuía consigo, pelo que, voltou uma segunda vez àquela instituição, já munido dos mesmos, relativos à matrícula e identificação pessoal (art. 10º da contestação).
9- Em 13 de Novembro de 2019, o Réu assinou o documento que tem aposto o nome “Contrato de abertura de crédito ao abrigo da linha de crédito para estudantes do enino superior com garantia mútua IF-EES2020”, internamente identificado como ILS ...82 (art. 6º da p.i.).
10- Nos termos das cláusulas primeira, segunda, terceira e quinta do documento número 2, o crédito foi concedido sob a forma de abertura de crédito por tranches até ao limite global de € 15.000,00, em tranches mensais, sob a condição de:
(i) bom aproveitamento a partir do fim do primeiro ano,
(ii) de pontual cumprimento das respectivas obrigações contratuais e de
(iii) verificação de outros requisitos específicos identificados no contrato (art. 7º da p.i.).
11- Nos termos das cláusulas sexta e oitava ponto um do documento número 2, as quais foram comunicadas e explicadas ao Réu, o mutuário procederá ao reembolso do capital mutuado e ao pagamento dos respectivos juros sobre o capital sucessivamente em dívida, em 48 prestações mensais, sucessivas e iguais, a primeira com vencimento no dia 13 de Dezembro de 2025, ainda que aquele (o reembolso do capital) beneficiando de um período de carência de reembolso de capital de 72 meses a contar da data fim da sua utilização (art. 8º da p.i. e 14º da contestação).
12- Nos termos da cláusula sétima do documento 2, o crédito utilizado venceria juros a uma taxa fixa para o prazo total do contrato, incluindo período de carência e reembolso, taxa correspondente à soma de uma taxa base-indexante com um spread, ambos a apurar de acordo com os critérios definidos na mesma cláusula e que ficaram indicados no contrato (art. 9º da p.i.).
13- Nos termos da cláusula oitava do documento 2, os juros são contados dia a dia com uma base anual de 360 dias e são pagos postecipadamente, com periodicidade mensal referida à data da primeira utilização (art. 10º da p.i.).
14- Nos termos da cláusula segunda e décima primeira do documento 2, para os movimentos a débito e a crédito foi definida uma conta titulada pelo R. junto do A., que denominaram de conta vinculada, com o número ...45 (art. 11º da p.i.).
15- Nos termos das cláusulas segunda e décima primeira do documento 2, o cliente compromete-se a ter a referida conta provisionada para suportar o débito das responsabilidades que assumiu no contrato (art. 12º da p.i.).
16- A assinatura do contrato não foi precedida de negociação, nem o R. pode influenciar os termos do contrato de mútuo pré-clausulado que lhe foi apresentado pelo A. Banco 1..., SA (art. 26º e 27º da contestação).
17- O R. teve acesso ao contrato na data da sua assinatura, não tendo negociado valores de empréstimo, taxas de juro, número de prestações, fundamentos de incumprimento, cláusulas de incumprimento, prazos, etc. (art. 29º da contestação).
18- O proponente Banco apresentou ao R. documentos já impressos, pré-elaborados e formatados, com a identificação das partes, de acordo com os documentos que solicitou ao R. e este lhe facultou (art. 11º e 30º da contestação).
19- O R. leu, pelos seus próprios meios, os documentos referidos em 18) e neles apôs a sua assinatura (art. 13º e 30º da contestação).
20- O Réu utilizou o crédito aberto mensalmente com início em 13 de Novembro de 2019 até 13 de Outubro de 2021 em 24 tranches sucessivas no valor de € 312,50 cada uma, no montante global de € 7.500,00 (art. 13º da p.i.).
21- O Réu não pagou a prestação de juros que se venceu a 13 de Junho de 2022, no montante de € 7,02, nem as que se venceram posteriormente (art. 14º da p.i.).
22- Por comunicação que dirigiu ao Réu em 26 de Maio de 2023, o Banco Autor declarou resolvido o contrato, com fundamento na falta de pagamento dos juros, num total de € 109,88 e reclamou o pagamento do saldo então em dívida no montante de € 7.500,00 relativo a capital, a que acresceriam juros e demais encargos legais (art. 16º e 17º da p.i.).
23- O Réu não reembolsou o Banco daquele montante e em 15 de Junho de 2023, o Banco – ao abrigo do Protocolo que celebrou com a segunda Autora e do estabelecido no Contrato que celebrou com o Réu – reclamou da segunda Autora 80% do respectivo crédito vencido, € 6.000,00 (art. 18º da p.i.).
24- Em 03 de Agosto de 2023, a segunda Autora efectuou o pagamento referido em 23) - escreveu-se 24) por lapso - ao Banco (art. 19º da p.i.).
25- Nos termos da Cláusula IV do Protocolo celebrado entre a segunda Autora e o Banco 1..., S.A., junto aos autos como documento n.º 1, em caso de incumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo e subsequente acionamento da garantia prestada pela segunda Autora, esta mandatou o Banco 1..., S.A. para, em seu nome, assegurar as diligências tendentes à recuperação do seu crédito, incluindo as diligências judiciais (art. 27º da p.i.).
26- A quantia creditada na conta bancária do R. serviu para o pagamento das respectivas propinas do curso universitário frequentado (art. 21º e 43º da contestação).
*
Factos não provados:
- que o Banco A. tenha entregue ao R. um exemplar do contrato de mútuo (art. 32º da contestação).
- que o Banco A. tenha comunicado e informado o R. do conteúdo das cláusulas sexta, ponto 3, décima e décima terceira do contrato (art. 35º da contestação).
*
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Resolução fundada do contrato de mútuo e consequente procedência do pedido da A./recorrente A....
- Abuso de direito do R.
2. A A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente ao facto provado 22. e o segundo facto não provado, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (as 2. a 9.). O R. opõe-se (vide as suas conclusões de recurso 1ª e 2ª).
Na motivação da decisão de facto a julgadora exarou que:
“Para responder aos factos foi considerada toda a prova produzida, no seu conjunto e em confronto, tendo em conta as regras gerais sobre o ónus da prova (art. 342º do Código Civil), bem como aquelas a ter em conta nos casos de dúvida sobre a realidade dos factos, conforme dispõe o art. 414º do C.P.C.
Assim, os pontos (…) 22) (…) dos factos provados estão-no por acordo e documento – vd. Acta da Audiência Prévia.
(…)
Quanto aos factos que mereceram resposta negativa, tal resultou da ausência de prova sobre essa factualidade, pela parte à qual a mesma incumbia, atentas as regras do direito probatório material.
Efectivamente, o ónus da prova de que uma cláusula contratual geral foi adequada e efetivamente comunicada recai sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais – art.º 5º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10 e a A. não logrou fazer tal prova. (…)
O R. AA, ouvido em declarações de parte, e a testemunha BB, sua mãe que o acompanhou ao Banco nas duas vezes que aí se deslocou, com o objectivo de celebrar o contrato de crédito em causa nos presentes autos, afirmaram, em termos coincidentes, (…). Quanto ao respetivo conteúdo, foram-lhes explicadas as condições para a concessão do financiamento e os prazos e condições do respectivo reembolso (cl. 6ª, pontos 1 e 2), mas não as circunstâncias em que poderia ser-lhe exigida a totalidade do financiamento concedido (cl. 6ª, ponto 3 e cl. 13ª). E o contrato foi-lhe dado a ler, antes da respetiva assinatura.
Por seu turno, a testemunha CC, não teve intervenção na outorga deste contrato tendo, porém, afirmado que quando apresentam a cópia ao cliente, o contrato ainda nem está assinado pelos responsáveis do Banco, o que será feito a posteriori. A testemunha DD, assistente comercial do Balcão ... Autor à data da celebração do contrato, afirmou recordar-se de ter contactado com o R., ao longo da vigência do contrato, não se recordando, porém, se foi com ela ou com outra colega que o mesmo foi assinado.”.
2.1. Afirma a recorrente que, conforme resulta do documento nº 4 junto com a P.I., a resolução contratual não teve apenas como fundamento o não pagamento dos juros, pelo que sendo o teor do documento nº 4 a fundamentação da resposta a ao ponto 22 dos factos provados, deverá ser alterada a redacção do referido ponto dos factos provados, passando a ter a seguinte:
Por comunicação que dirigiu ao Réu em 26 de Maio de 2023, o Banco Autor declarou resolvido o contrato, e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, tendo reclamado o pagamento do saldo então em dívida no montante de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) relativo a capital, a que acresceriam juros e demais encargos legais (conclusão 9.). Mas não tem razão.
O referido doc. nº 4, visou comprovar a matéria alegada nos arts. 14º a 17º da p.i., onde se escreveu:
“14.º Porém, o Réu não pagou a prestação de juros que se venceu a 13 de Junho de 2022, não tendo pago também as prestações que se venceram posteriormente.
15.º Assim, venceu-se o total do crédito utilizado não reembolsado e respectivos juros,
16.º tendo o Banco declarado resolvido o contrato por comunicação que dirigiu ao Réu em 26 de Maio de 2023,
17.º e tendo reclamado o pagamento do saldo então em dívida no montante de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) relativo a capital, a que acresceriam juros e demais encargos legais (documento número 4).”.
Desta alegação, sobretudo do art. 14º, resulta que a resolução assentou exclusivamente na falta de pagamento de juros, tendo depois o Banco, em consequência, concluído e afirmado que se venceu o total do crédito utilizado e respectivos juros. Depois declarou a resolução em 26.5.2023, conforme o referido doc. nº 4. E do mesmo documento resulta que o Banco exara o seguinte: “Estando vencida(s) e não paga(s) a(s) prestação(ões) de capital e juros, no quadro anexo, desde 13 de Junho de 2022, do contrato de crédito em epígrafe, comunicamos a V. Exa., nos termos dos artºs. 781º e 1150º do Código Civil, que consideramos resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida.
Nesta conformidade, informa-se que se encontra por liquidar o montante de 7.500 €, a que acrescem juros e demais encargos legais”.
Tanto é assim, que na audiência prévia o tribunal deu como assentes os referidos arts. 14º e 16º da p.i., por se basearem em acordo e documento.
Ora, no mencionado quadro anexo não consta nenhum valor vencido de capital, mas apenas valores vencidos de juros (mais imposto de selo) desde 13.6.2022 a 13.5.2023, no montante de 109,88 €.
É claro, portanto que a resolução operada pelo Banco foi exclusivamente motivada no não pagamento dos juros no apontado montante. Nem fazia sentido que fosse de outra maneira, porque o capital mutuado ainda não estava vencido, dado o período de carência contratualmente previsto para o pagamento, sendo que contratualmente o capital e juros deveria ser reembolsado em prestações mensais somente a partir de 13 de Dezembro de 2025.
Desta sorte, não procede a impugnação ao facto provado 22., pois o mesmo retrata fielmente o apurado.
2.2. Quanto ao 2º facto não provado, a recorrente pretende que ele passe a provado, face às razões que expôs, concretamente face ao facto provado 19., que o contrato foi disponibilizado ao R. que o leu, pelos seus próprios meios e nele apôs a sua assinatura (nas conclusões 2. a 8.). Não acompanhamos.
O facto 19. só prova que o R. leu o contrato e o assinou. Mas a lei exige mais, exige, segundo o art. 5º, nº 1 e 2, do regime jurídico das c.c.g. (previsto no DL 446/84, de 25.10), que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, e que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
Ora, a prova advinda das pessoas ouvidas na audiência de julgamento vai no sentido contrário ao defendido pela recorrente. As funcionárias bancárias CC e DD, sobre esta matéria sabiam, nada !. De outro lado, o R., em declarações de parte, e a testemunha BB, sua mãe que o acompanhou ao Banco nas duas vezes que aí se deslocou, com o objectivo de celebrar o contrato de crédito em causa nos presentes autos, afirmaram, em termos coincidentes, que lhes foram explicadas as condições para a concessão do financiamento e os prazos e condições do respectivo reembolso (cl. 6ª, pontos 1 e 2), mas não as circunstâncias em que poderia ser-lhe exigida a totalidade do financiamento concedido (cl. 6ª, ponto 3 e cl. 13ª). Ou seja, por aqui não há prova do pretendido pela A.
Ademais dos factos provados 16., 17., e 18., e 1º facto não provado, sabemos que a assinatura do contrato não foi precedida de qualquer negociação, nem o R. influenciou os termos do contrato de mútuo pré-clausulado que lhe foi apresentado pelo Banco, que o R. só teve acesso ao contrato na data da sua assinatura, não tendo negociado valores de empréstimo, taxas de juro, número de prestações, fundamentos de incumprimento, cláusulas de incumprimento, prazos, etc., que o Banco se limitou a apresentar ao R. os documentos já impressos, pré-elaborados e formatados, não se tendo demonstrado que o Banco tenha entregue ao R. um exemplar do contrato de mútuo.
Isto é, jogando só com o facto provado 19. que a apelante invoca, mas incontornavelmente com os restantes apurados que atrás enumerámos, 16. a 18., e o não provado, não é possível sustentar que tal facto 19. comprova o que a recorrente pretende. Antes se indicia que a comunicação das cláusulas não foi feita de modo adequado, pois antes da assinatura do contrato nada demonstra qualquer comunicação, nem se observou a necessária antecedência, já que o R. só teve acesso às cláusulas no momento da assinatura do contrato, e face à não demonstração de entrega de qualquer cópia do contrato, tendo em conta a importância do contrato para o R. - empréstimo para poder estudar no ensino superior e terminar o seu curso só tendo de reembolsar o mutuado a partir de Dezembro de 2025, 6 anos depois da assinatura do contrato, prazo alargado e que induzia a desejável estabilidade estudantil e posterior acesso ao mercado de trabalho -, também não se consegue concluir que o R. teve conhecimento completo e efectivo das ditas cláusulas, pois nem exemplar das mesmas se comprovou possuir.
Assim, face à globalidade destes elementos probatórios, é arrojada a convicção da recorrente de estar provado tal facto não provado. E nem que fosse por via da dúvida séria e consistente prevista no art. 414º do NCPC lá poderíamos chegar. Assim, entendemos indeferir a impugnação factual deduzida, mantendo-se como está o apontado 2º facto não provado.
3. Na sentença recorrida escreveu-se que:
“O contrato celebrado entre o Banco A. e o R. foi um contrato de mútuo, mediante o qual aquele emprestou a este, uma determinada quantia, com a obrigação de restituição, no prazo e mediante uma remuneração (os juros) – artigo 1142º, do Código Civil.
E tal contrato está interligado com uma outra realidade contratual, estabelecida entre os Autores A..., S.A., e Banco 1..., S.A., que consistiu na celebração de um Protocolo de cariz negocial denominado por “Linha de Crédito para Estudantes do Ensino Superior com Garantia Mútua IF-EES2020 Ano Letivo 2018/2019 e seguintes”.
(…)
Por outro lado, e no caso concreto, entre o Autor Banco 1..., S.A. e o Réu AA foi celebrado um “Contrato de Abertura de Crédito ao Abrigo da Linha de Crédito para Estudantes do Ensino Superior com Garantia Mútua ...”, ao qual foi atribuído o n.º ...82. Nesse mesmo contrato foi estabelecida a concessão de financiamento por parte do Banco Autor ao Réu, no montante máximo de € 15.000,00, a utilizar pelo segundo, total ou parcialmente, no prazo de 48 meses.
No presente caso, estamos perante um mútuo bancário, porquanto foi o mesmo celebrado por uma instituição de crédito, nos termos do disposto no artigo 3.º, al. a), e 4º, nº 1, al. b), ambos do Decreto-Lei nº 298/92, de 31.12, que estabelece o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
(…)
Afastada que está a aplicabilidade ao caso dos autos do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de Junho, o conhecimento das questões suscitadas pelas partes convoca, por outro lado, a análise do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85 de 25/10.
Está assente nos autos a natureza de contrato de adesão do contrato de mútuo bancário, desde logo por o mesmo ser composto por cláusulas cujo técnico e uniforme textos é denunciador daquela realidade. Por outro lado, conforme resulta dos pontos 16) a 18) dos factos provados:
- A assinatura do contrato não foi precedida de negociação, nem o R. pode influenciar os termos do contrato de mútuo pré-clausulado que lhe foi apresentado pelo A. Banco 1..., SA;
- O R. teve acesso ao contrato na data da sua assinatura, não tendo negociado valores de empréstimo, taxas de juro, número de prestações, fundamentos de incumprimento, cláusulas de incumprimento, prazos, etc e
- O proponente Banco apresentou ao R. documentos já impressos, pré-elaborados e formatados, com a identificação das partes, de acordo com os documentos que solicitou ao R. e este lhe facultou.
Conforme se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-05-2018, ao aderente que pretenda beneficiar do regime legal exposto, basta a alegação de que a sua contraparte não lhe comunicou as cláusulas contratuais gerais de que pretenda prevalecer-se, cabendo depois a esta a alegação e prova do efectivo cumprimento daquele dever – Proc. n.º 963/16.4T8BCL.G1, publicado em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7533edc52eb5c5dd8025829f00349e46?OpenDocument.
(…)
São cláusulas contratuais gerais as que são elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respectivamente a subscrever ou aceitar – art.º 1º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 446/85, sendo que o ónus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo – art.º 1 º n.º 3 do citado diploma.
Nos termos do preceituado no respectivo art.º 8.º, consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (…)”.
Por seu turno, o artigo 5º impõe que as “1. Cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.”, comunicação essa (nº 2) “a realizar de modo adequado e com a antecedência necessária para que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
E o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais (nº 3).
Associado a este dever de comunicação, está ainda o dever de informação consagrado no artigo 6º do mesmo Decreto-Lei, por força do qual deve o contratante que recorre a “cláusulas contratuais gerais informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (nº 1), para além do dever de prestar “todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.” (nº 2).
Como corolário do princípio da boa-fé na negociação e formação dos contratos consagrado no artigo 227º do Código Civil impõe-se que a parte que recorre às mencionadas cláusulas contratuais gerais cuide de garantir uma comunicação prévia, clara e atempada das cláusulas a que a contraparte se vai submeter (sem poder de negociação quanto ao seu conteúdo) por forma a garantir que esta tem um efectivo conhecimento das obrigações e direitos conferidos por tal contrato.
De tudo o exposto se infere a importância que assume a asserção de que o credor cumpriu os seus deveres de comunicação e informação impostos pela lei. Tal juízo deverá ser deduzido da prática de atos concretos, cujo ónus da prova recai sobre o credor. E, conforme resulta do facto não provado correspondente ao art. 35º da contestação, o Banco A. não provou ter procedido à adequada comunicação e informação das cláusulas aí referidas.
Assim, o clausulado cuja validade foi submetida à apreciação do Tribunal, através da presente acção, integra um contrato de adesão sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10. Efectivamente, o mesmo está previamente elaborado e disponibilizado pelo Banco A.
Nos contratos de adesão, incide sobre o contraente predisponente um especial dever de informação e esclarecimento do outro contraente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, que aprovou o regime das cláusulas contratuais gerais (LCCG, com as alterações publicitadas) “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.”.
Tal comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (n.º 2 do art.º 5.º).
É sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais que cabe o “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva” (n.º 3 do art.º 5.º).
Além da comunicação das cláusulas contratuais gerais, o contratante que a elas recorra “deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (n.º 1 do art.º 6.º), assim como “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (n.º 2 do art.º 6.º).
As cláusulas que não tenham sido comunicadas ou que o tenham sido com violação do dever de informação serão excluídas do contrato (art.º 8.º da LCCG).
Este regime protector do contraente consumidor harmoniza-se com igual tendência da legislação atinente ao crédito ao consumo.
No caso dos autos, o R. invocou que o Banco A. não lhe comunicou, nem informou do conteúdo das cláusulas sexta, décima e décima terceira do contrato, o que foi impugnado por este, tendo, porém, o Banco A. logrado fazer tal prova apenas no que concerne à cláusula sexta, pontos 1 e 2. A consequência jurídica da violação do dever de informação é a respectiva exclusão do contrato.
Por seu turno, nos termos do Artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, sob a epígrafe “Subsistência dos contratos singulares”, “1- Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.
Vejamos, então, se, no caso concreto, o contrato celebrado entre o Banco A. e o R. se mantém, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, sem que ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
As cláusulas excluídas têm a seguinte redação:
SEXTA (Prazo e Reembolso do Capital)
3. Em caso de mora ou incumprimento de qualquer prestação contratual de reembolso do capital utilizado ou juros o Banco pode resolver o presente contrato, declarando antecipadamente vencidas e exigíveis todas as prestações contratuais.
4. É permitido ao Cliente o reembolso antecipado total ou parcial do capital utilizado, sem penalizações.
DÉCIMA
(Mora e Capitalização de Juros)
1. Em caso de mora, serão devidos pelo Cliente os respetivos juros moratórios, contados dia a dia e calculados durante o tempo por que durar a mora, mediante a aplicação ao valor em dívida da taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida de uma sobretaxa de três por cento, sendo os mesmos devidos independentemente de qualquer interpelação.
2. O Banco terá a faculdade de, a todo o tempo, capitalizar juros remuneratórios, vencidos e não pagos, correspondentes a período não inferior a um mês, caso em que os juros moratórios previstos no número anterior incidirão também sobre os juros remuneratórios capitalizados.
DÉCIMA TERCEIRA
(Vencimento antecipado)
1. O Banco poderá declarar antecipadamente vencidas as obrigações resultantes do presente contrato se verificada uma das seguintes situações:
a) Incumprimento de outros créditos que o Cliente tenha no sistema: (cross default);
b) Incumprimento das condições do presente financiamento;
c) Ocorrência de incidentes no sistema, não justificados;
d) Reprovação do aluno no ano letivo, sem justificação aceite pelo Banco; (…).
2. Ocorrendo qualquer uma das circunstâncias referidas nas alíneas do número um precedente, o Banco poderá exigir o imediato cumprimento das obrigações emergentes de quaisquer outros contratos de que o Cliente e o Banco sejam ou venham a ser partes, relativos a operações bancárias de financiamentos, designadamente empréstimos, aberturas de crédito, descobertos, e descontos.”
Analisado o conteúdo das cláusulas excluídas, supra transcritas, dúvidas não há de que o contrato celebrado entre o Banco A. e o R. se deve manter, considerando que as mesmas não versam sobre aspetos essenciais do contrato que ponham em causa a respetiva subsistência. Com efeito, considera-se que sem as mencionadas cláusulas, não ocorre uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, termos em que deve o mesmo subsistir, expurgado das mesmas – neste sentido, vd. o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.06.2017, Proc. n.º 78/15.2T8VFC-A.L1-2, publicado em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/63931114480faa0380258153004f2c62?OpenDocument.
Aqui chegados, importa apurar que consequência se extrai da falta de pagamento pelo R. da prestação de juros que se venceu a 13 de Junho de 2022 e das que se venceram posteriormente, sem considerar a cláusula 13ª do contrato celebrado entre ambos, porquanto a mesma foi expurgada de tal contrato.
Há que convocar as normas supletivas aplicáveis (art. 9º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º n.º 446/85, de 25-10).
Nos termos do disposto no art. 1150º do Código Civil (inserido no capítulo do Mútuo), o mutuante pode resolver o contrato se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento. A resolução do contrato traduz o exercício de um direito potestativo vinculado de uma das partes num contrato, efetivável mediante simples declaração extrajudicial à contraparte, tendente a fazer cessar esse contrato.
Em geral, o direito de resolução não opera perante uma simples situação de mora (art. 804º): requer-se um incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º. O preceito constante do art. 1150º do Código Civil contém, portanto, uma norma especial: admite a resolução do mútuo oneroso com base na simples falta de pagamento pontual dos juros no vencimento da respetiva obrigação – Evaristo Mendes/Sílvia Esteves, Anotação ao artigo 1150º, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, Abril de 2023, pág 643.
Contudo, nem sempre a falta de pagamento tempestivo dos juros confere ao mutuante o direito de resolução do contrato. Assim, se atendendo ao interesse do mutuante, a falta de cumprimento for de escassa importância, o direito, ou pelo menos o seu exercício ficará, em princípio, excluído (art. 802º, n.º 2 do Código Civil).
No caso que nos ocupa, o montante mutuado ascendeu a € 7.500,00. Em 13 de Junho de 2022, venceu-se uma prestação de juros, no montante de € 7,02, que o Réu não pagou. Não pagou, igualmente, as doze que se venceram posteriormente, tendo o Banco Autor, por comunicação que dirigiu ao Réu em 26 de Maio de 2023, declarado resolvido o contrato, com fundamento na falta de pagamento dos juros, num total de € 109,88 e reclamou o pagamento do saldo então em dívida no montante de € 7.500,00 relativo a capital, a que acresceriam juros e demais encargos legais.
Ora, salvo melhor opinião, considero que, no caso dos autos, à luz do disposto no art. 802º, n.º 2 do Código Civil, estamos perante uma falta de cumprimento de escassa importância, se sopesarmos a relação entre o capital mutuado e os juros em dívida, que motivaram a resolução. O que impede a resolução do contrato e faz improceder a presente acção, no que respeita à restituição do capital mutuado. Com efeito, o incumprimento do Réu teve escassa importância, à luz do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que há que concluir que a atuação do Banco Autor, nestas circunstâncias, excede manifestamente os ditames da boa fé, sendo abusivo e consequentemente ilegítimo. Pelo exposto, é ineficaz para produzir os efeitos extintivos do contrato que, dessa sorte, se mantém na ordem jurídica.”
A recorrente dissente, face às razões que apresentou nas suas conclusões de recurso (as 10. a 18.).
3.1. Defende a recorrente que uma vez que inexistiu fundamento para a exclusão das cláusulas 6ª, nº 3, 10ª e 13ª do contrato, assistia ao Banco o direito contratual de declarar o vencimento antecipado da dívida e a imediata exigibilidade do seu crédito e interpelar o réu para proceder ao seu pagamento e ainda, face ao não pagamento deste último, accionar a garantia junto da recorrente A..., pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituida por outra que condene o réu nos pedidos contra ele formulados (conclusão 10.).
Como se vê esta posição assenta na não exclusão das ditas cláusulas. Contudo, da impugnação da decisão de facto, não derivou nenhuma alteração à mesma, mantendo-se as ditas cláusulas extirpadas do contrato.
Sendo que o discurso jurídico da decisão recorrida baseou-se na exclusão de tais cláusulas. E quanto àquele a apelante não desenvolve qualquer argumento ou apresenta alguma crítica. E nós também nada temos a criticar ou alterar, porque se funda na melhor interpretação dos textos legais que cita, acompanhada da citação de jurisprudência pertinente.
3.2. Prosseguindo, a apelante, assevera que resulta dos factos provados 10., 11., 20. a 22. que no caso em apreço estamos perante uma dívida faccionada, liquidada em prestações, pelo que se aplica à situação em apreço o disposto no art. 781º do CC, uma vez que as partes não excluíram a aplicação desse artigo ao contrato dos autos, e que o Banco, no estrito cumprimento do disposto neste normativo, através de carta, expressamente declarou o imediato vencimento e exigibilidade da totalidade da divida, interpelando o réu para proceder ao respectivo pagamento, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o réu nos pedidos formulados. Até porque o disposto no art. 802º, nº 2, do CC não se aplica ao caso sub judice, uma vez que não estamos perante uma situação em que a prestação se tornou parcialmente impossível, mas antes perante uma situação de incumprimento, o que afasta o caso dos autos do âmbito de aplicação da referida norma. Mais, nos termos do contrato, o período de carência de reembolso de capital era de 6 anos e o Banco apenas resolveu o contrato um ano após o início do incumprimento, pelo que não se trata de um incumprimento de escassa importância, como entendeu a decisão recorrida (conclusões 11. a 15.)
Desta argumentação decorre que a recorrente liga capital e juros, como objecto de incumprimento. Ora, a verdade é que o reembolso do capital em prestações mensais tinha um período de carência, só sendo devido a partir de 13.12.2025, pelo que nunca poderia haver fundamento para resolver o contrato com tal fundamento e exigir o pagamento total do capital em dívida à data.
Nem isso podia acontecer, pela simples falta de pagamento de juros. Na verdade, a falta de pagamento dos juros não implica o imediato vencimento e exigibilidade da totalidade da dívida de capital à data, como a recorrente fez, interpelando o R. para proceder ao respectivo pagamento. Isto porque não são fracções da mesma obrigação, como acentua Antunes Varela no CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., em nota 3. ao indicado art. 781º, pág. 28.
É certo que estavam vencidas e não pagas, desde 13.6.2022, as prestações de juros, que constavam no quadro anexo, mencionado na carta de 26.5.2023, em que o Banco comunicou ao R., nos termos dos arts. 781º e 1150º do CC, a resolução do referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida no montante de 7.500 €, mais juros.
A coberto do art. 781º não o poderia fazer, como vimos. O preceito constante do art. 1150º do CC, contendo uma norma especial, permite-o, admitindo a resolução do mútuo oneroso com base na simples falta de pagamento pontual dos juros no vencimento respectivo.
Porém, não podemos pôr de parte, o disposto no art. 802º, nº 2, do CC, que dispõe que o credor não pode, todavia, resolver o contrato, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância. É verdade que se trata de normativo que regula a impossibilidade parcial. Quer a qualitativa quer a quantitativa (como defende A. Varela, em ob. cit., nota 1. ao mencionado artigo, pág. 52).
Contudo, tem sido entendido e bem, pela nossa doutrina e jurisprudência, que tal regra corresponde a um princípio geral de direito aplicável fora da malha estreita da sua previsão, porque intimamente ligado aos art. 762º, nº 2, do CC, onde se estatui que no exercício do direito o credor deve proceder de boa fé, e ao art. 334º do CC, que respeita também ao excesso manifesto dos limites da boa fé. Trata-se, pois, de uma válvula de segurança do sistema da resolução, em geral, prevista na lei substantiva, sob pena de desproporcionalidade no exercício do direito e contrário aos ditames da boa fé. Assim, seguiram nesse sentido V. Lobo Xavier, (em RLJ, Ano 116, pág. 180), Eridano de Abreu (em ROA, Ano 45, pág. 171), Brandão Proença, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 1ª Ed., 2011, págs. 290/293, o Ac. do STJ, de 3.7.1997, BMJ, 469, pág. 486, e o Ac. do STJ de 21.11.2019, Proc.1668/17.4T8PVZ.P1, em www.dgsi. pt, que secundamos e agora passamos a transcrever:
“I – O disposto no nº2 do art.º 802º do CC, constitui um afloramento do principio geral do direito de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé e por isso não pode deixar de ser aplicável ao contrato de arrendamento.
II – Sendo o incumprimento parcial, objectivamente de escassa relevância para o credor, não lhe assiste o direito de resolver o contrato com tal fundamento.
(…)”.
No texto do referido acórdão lê-se ainda:
“No acórdão recorrido (…) a Relação apreciou a questão de saber se, mesmo estando preenchidos os requisitos (técnicos) que integram o fundamento de resolução por falta de pagamento de rendas, a dimensão do incumprimento da ré arrendatária (duma pequena parte das rendas devidas), será obstáculo a que se decrete a resolução do ajuizado contrato de arrendamento, por aplicação da regra enunciada no nº 2 do art. 802º.
Analisando tal problemática, considerou que «..contrariamente à posição sustentada pela apelante, não se antolha razão válida que obstaculize o recurso ao aludido normativo em matéria arrendatícia, pois o mesmo encerra um princípio geral do direito das obrigações, rectius, um princípio geral da resolução dos contratos.
Dispõe o referido normativo que “[O] credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.
Assim, de acordo com tal comando normativo, se aquilo que o contraente deixou de satisfazer apresentar para o outro escassa importância, a faculdade de resolução deve considerar-se excluída, sendo que, a este propósito, a doutrina pátria[4] tem enfatizado que esta disposição se funda no princípio geral, expresso no nº 2 do art. 762º, de que as partes, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem proceder de boa-fé.
Daí que, em concretização desse princípio, se venha entendendo[5] que o nº 2 do art. 802º constitui uma válvula de segurança que obsta à resolução do contrato sempre que, sem embargo da verificação técnica de um fundamento legal de resolução, a parcela não cumprida da prestação tiver um carácter insignificante, na perspectiva do senhorio, sendo que a afirmação dessa “escassa importância” deve ser aferida por um critério objectivo: a gravidade do incumprimento resultará da projecção do concreto inadimplemento (da sua natureza e da sua extensão) no interesse actual do credor, ou seja, deverá ser aferido pelas utilidades concretas que a prestação lhe proporciona ou proporcionaria.
(…)
A recorrente pugna pela inaplicabilidade da disciplina constante do nº 2 do art.º 802º do CC, fundamentalmente por considerar que o regime legal da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, designadamente quando, como é o caso, a mora é superior a quatro meses, é um regime excepcional que não consente sequer a caducidade do direito com o depósito previsto no art.º 1041º do CC e muito menos a aplicação do regime geral.
(…) não tem razão quando sustenta que não pode fazer-se apelo ao regime geral de resolução dos contratos e muito menos ao regime constante do nº 2 do art.º 802º do CC, reportado ao incumprimento ou impossibilidade de cumprimento parcial e que “o credor não pode resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.
Sabemos que há quem defenda que a mencionada regra apenas se aplica aos contratos de execução instantânea, excluindo os de execução continuada, como o contrato de arrendamento, por se entender que nestes um incumprimento, ainda que de menor importância, pode legitimar a resolução se, pela sua natureza, e pelas circunstâncias de que se rodeou, for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no cumprimento das prestações subsequentes. Ao que acresce o facto de o contrato de arrendamento ser celebrado intuitu personae, estando-lhe subjacente uma relação de confiança recíproca entre os contraentes, que resultaria abalada com um incumprimento, mesmo parcial. Entendem os defensores desta tese que neste âmbito não há espaço para a valoração pelo devedor, pelo credor ou pelo juiz, da gravidade da violação contratual, para, em função do resultado dessa apreciação, admitir ou excluir o direito de resolução.
E quando admitem que se possa ponderar a gravidade do incumprimento, como pressuposto do direito de resolução, relacionada com algumas das obrigações que emergem do contrato de arrendamento, já não a admitem quando esteja em causa a prestação fundamental do arrendatário, considerando como tal o pagamento da renda convencionada, dado que a mora deste superior a três meses, na economia jurídica do contrato, perturba sempre de forma grave a relação contratual e torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento (art. 1083.º/3).
Argumentam que o entendimento contrário conduziria ao resultado absurdo e indesejável da exclusão do direito de resolução no tocante a contratos de arrendamento com rendas de valor baixo, insignificante ou mesmo vil.
Assim, não haveria razão para com base no diminuto valor da prestação devida não satisfeita, recusar ao senhorio o direito de resolução do contrato[6].
Ao invés e tal como se decidiu no acórdão recorrido, entendemos que a mencionada norma é aplicável ao contrato de arrendamento, por se tratar de um princípio geral da resolução dos contratos que as normas específicas da locação não afastam, antes aceitam, conforme decorre do n.º 1 do art. 1083º/1 CC, ao dizer que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”, dessa forma aceitando o princípio geral contido no n.º 2 do art. 762º: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
Tal como se decidiu no acórdão recorrido e na jurisprudência aí citada, também o acórdão da RP de 17.04.2008, Proc. 0831655 disponível in www.dgsi.pt, considerou que a aplicabilidade da mencionada norma constitui uma válvula de segurança que obsta à resolução do contrato de arrendamento, sempre que, mesmo que em termos técnicos a situação provada constitua fundamento legal de resolução, a parcela não cumprida da prestação traduza um prejuízo de “escassa importância” para o senhorio[7].
Também este Supremo Tribunal já teve o ensejo de se pronunciar sobre a matéria tendo-o o feito no sentido da aplicabilidade da regra estabelecida no art.º 802º nº 2 do CC. Com efeito ponderou-se no acórdão do STJ, de 3.7.1997, publicado no BMJ nº 469, pág. 486 e seguintes, proferido sobre caso de resolução de contrato de arrendamento que do disposto nos artigos 762º nº 2 (“no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”) e 334º do Código Civil (“é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”), resulta que “o direito de resolução conhece como limite o incumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, apreciado através de «critério objectivo», ser de escassa importância, de tal sorte que aquela gravosa consequência, a da resolução do contrato, face aos ditames da boa fé, deixa de encontrar justificação”.
O disposto no nº2 do art.º 802º do CC, constitui um afloramento do principio geral do direito de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé e por isso não pode deixar de ser aplicável ao contrato de arrendamento. E sendo aplicável, temos de concordar que, no caso dos autos tal normativo tem plena aplicação e não consente o reconhecimento do direito à resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a 1ª ré, porquanto o incumprimento da ré, no contexto do contrato e dos montantes envolvidos é objectiva e indiscutivelmente de escassa importância e consequentemente não pode reconhecer-se ao A. o impetrado direito de resolver o contrato de arrendamento, como bem se decidiu no acórdão recorrido”.
Concordamos integralmente, é vital para o sistema jurídico, é imperioso para a sua coerência e teleologia.
No nosso caso o montante mutuado ascendeu a 7.500 €. Em 13.6.2022, venceu-se uma prestação de juros, no montante de 7,02 €, que o réu não pagou. Não pagou, igualmente, as onze que se venceram posteriormente, tendo o Banco, na comunicação que dirigiu ao R. em 26.5.2023, declarado resolvido o contrato, com exclusivo fundamento na falta de pagamento dos juros, num total de 109,88 € (ao mesmo tempo que reclamava o pagamento do saldo de capital então em dívida no montante de 7.500 €, mais juros e demais encargos legais).
O valor de 109,88 € é cerca de 1,5 % da dívida de capital. É de considerar então, que estamos perante uma falta de cumprimento de escassa importância, atendendo ao interesse dum credor, um Banco poderoso face a um devedor minúsculo e frágil, que não podia motivar a aludida resolução. Nestas circunstâncias o exercício do direito à resolução do contrato é abusivo e consequentemente ilegítimo.
Por aqui, portanto, a acção tinha de improceder, como justamente decidiu a 1ª instância, no que respeita à restituição do capital mutuado.
Não procede esta parte do recurso.
4. Finalmente a recorrente invoca que foi dado como provado que o Réu utilizou o crédito concedido e, até 13 de Junho de 2022, pagou as prestações de juros devidas nos termos do contrato celebrado (pontos 20. e 21. dos factos provados), ou seja, durante 3 anos o R. criou junto do Banco a convicção de que não teria nada a apontar relativamente ao contrato celebrado., pelo que agiu em abuso de direito ao vir agora arguir a nulidade do contrato de mútuo celebrado com o Banco.
A apelante está desfocada na sua argumentação jurídica. Na realidade, como mais acima se viu, o contrato de mútuo não foi declarado nulo na sentença recorrida, pelo contrário, foi expressamente declarado como subsistindo. A questão foi outra e prendeu-se com a possível resolução ou não do mesmo, nada mais.
Não se verifica assim nenhum abuso de direito, nos termos perspectivados pela apelante, não procedendo o recurso.
5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela A./recorrente A....
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Moreira do Carmo
Luís Cravo
Fonte Ramos